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1 Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR Os conceitos de iconomania e iconofagia nas composições visuais da página do banco Bradesco no Facebook 1 Suelen Fernanda de Camargo 2 Resumo: O artigo aborda os conceitos de iconomania e iconofagia na página do Bradesco no Facebook. A iconomania surge em decorrência do excesso imagético. Já a iconofagia é constatada à medida em que imagens devoram imagens. Elas não têm significado próprio, mas reproduzem conteúdos precedentes. Além disso, imagens devoram corpos, pois, em grande quantidade, cercam o internauta a todo instante; e corpos devoram imagens, já que a sobrecarga visual não permite que o indivíduo contemple tais mensagens, mas sim, que as devore. Em uma publicação, a agência bancária estimulou os usuários da página para que postassem uma fotografia nos comentários. Como resultado, outros 127 elementos visuais foram divulgados, causando um excesso imagético. Em outras figuras, o banco divulgou uma selfie e uma fotografia de bolo com café, apropriando-se, dessa maneira, de um repertório que é próprio do internauta. Palavras-chave: ambientes de imagens; iconomania; iconofagia; Facebook; banco Bradesco. Abstract: The article discusses the concepts of iconomania and iconofagia in Bradesco's page on Facebook. The iconomania arises due to a great amount of images. The iconofagia is regarded as images devour images. They don't have specific meaning, but they reproduce previous contents. Besides, images devour bodies because, in a large quantity, they surround the netizen all the time; therefore bodies devour images because the visual overload doesn’t allow the individual to contemplate such messages, but rather him to devour them. In a publication, the banking agency stimulated the users of the page, so that they can put a picture in the comments. As a result, other 127 visual elements were published, causing an imagistic excess. In other figures, the bank put out a selfie and a photograph of cake with coffee, this way, appropriating of a repertoire that is tipical of Internet users. Keywords: images environments; iconomania; iconofagia; Facebook; Bradesco bank. Introdução O crescente povoamento das imagens nos espaços humanos é um processo que ocorre desde o Renascimento, no entanto, com maior intensidade no 1 Trabalho apresentado no GT 2- Códigos da Publicidade, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 2 Jornalista, estudante regular do Mestrado em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Contato: [email protected]

Os conceitos de iconomania e iconofagia nas composições ... CONCEITOS DE... · O mundo não é acessível imediatamente e, ... verifica-se que o indivíduo, conectado às redes

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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI

24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

Os conceitos de iconomania e iconofagia nas composições visuais da página do

banco Bradesco no Facebook1

Suelen Fernanda de Camargo 2

Resumo: O artigo aborda os conceitos de iconomania e iconofagia na página do

Bradesco no Facebook. A iconomania surge em decorrência do excesso imagético. Já a

iconofagia é constatada à medida em que imagens devoram imagens. Elas não têm

significado próprio, mas reproduzem conteúdos precedentes. Além disso, imagens

devoram corpos, pois, em grande quantidade, cercam o internauta a todo instante; e

corpos devoram imagens, já que a sobrecarga visual não permite que o indivíduo

contemple tais mensagens, mas sim, que as devore. Em uma publicação, a agência

bancária estimulou os usuários da página para que postassem uma fotografia nos

comentários. Como resultado, outros 127 elementos visuais foram divulgados, causando

um excesso imagético. Em outras figuras, o banco divulgou uma selfie e uma fotografia

de bolo com café, apropriando-se, dessa maneira, de um repertório que é próprio do

internauta.

Palavras-chave: ambientes de imagens; iconomania; iconofagia; Facebook; banco

Bradesco.

Abstract: The article discusses the concepts of iconomania and iconofagia in

Bradesco's page on Facebook. The iconomania arises due to a great amount of images.

The iconofagia is regarded as images devour images. They don't have specific meaning,

but they reproduce previous contents. Besides, images devour bodies because, in a large

quantity, they surround the netizen all the time; therefore bodies devour images because

the visual overload doesn’t allow the individual to contemplate such messages, but

rather him to devour them. In a publication, the banking agency stimulated the users of

the page, so that they can put a picture in the comments. As a result, other 127 visual

elements were published, causing an imagistic excess. In other figures, the bank put out

a selfie and a photograph of cake with coffee, this way, appropriating of a repertoire that

is tipical of Internet users.

Keywords: images environments; iconomania; iconofagia; Facebook; Bradesco bank.

Introdução

O crescente povoamento das imagens nos espaços humanos é um

processo que ocorre desde o Renascimento, no entanto, com maior intensidade no

1 Trabalho apresentado no GT 2- Códigos da Publicidade, do Encontro Nacional de Pesquisa em

Comunicação e Imagem - ENCOI 2 Jornalista, estudante regular do Mestrado em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina

(UEL). Contato: [email protected]

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século XX. Com o surgimento da internet e a popularização das redes sociais, o uso

excessivo das imagens se tornou ainda maior. Nesses ambientes de integração, as

imagens têm assumido papel primordial e de destaque. E mais do que isso, verifica-se

uma clara hegemonia das composições imagéticas em detrimento da silenciosa e

vagarosa escrita. Esse avanço célere dos ambientes de imagens ficou conhecido como

iconomania. Baitello Junior (2010, p. 84) salienta que “vivemos hoje em um mundo não

apenas de franco domínio da imagem, como de escalada aberta das imagens com uma

visível perda progressiva da escrita em favor de ícones”. A produção de imagens se

deslocou do âmbito artístico para o midiático, estando presente em meios como cinema,

jornais, revista, televisão, além da internet que, em seu interior, também contém outros

ambientes como you tube, blogs e fotoblogs. Nessas circunstâncias, Baitello Junior

(2010) diz que a produção imagética pode ser designada como oceânica, não sendo

possível quantificá-la, nem mesmo por estimativa.

É, portanto, oportuno ressaltar a existência dos ambientes de imagens.

Para Baitello Junior (2010, p. 83), ambiente é tudo o que rodeia os seres vivos e as

coisas, e “cada coisa ou pessoa gera em torno de si um ambiente saturado de

possibilidades de comunicação”. Nesses cenários, existe uma integração constante, pois

os ambientes configuram as pessoas e são por elas configurados. É o que se pode

verificar no Facebook, uma das redes sociais mais populares, que, até o primeiro

semestre de 2014, já tinha alcançado 1,23 bilhão de usuários em todo o mundo. Nesse

espaço cibernético, as empresas e marcas podem interagir com os seus consumidores

através das chamadas Fanpages. Por esse motivo, este trabalho tem o objetivo de

realizar um estudo a respeito das composições imagéticas presentes na Fanpage do

banco Bradesco. Nesse ambiente de iconomania, identifica-se os momentos nos quais a

agência bancária adapta o seu conteúdo a esse novo perfil de consumidor: o internauta.

Dessa maneira, objetiva-se atrair sua atenção para que o mesmo desenvolva as

ferramentas básicas desta rede social que é “curtir”, “comentar” e “compartilhar” tais

publicações.

É nesta circunstância de sobrecarga visual que surge o termo iconofagia

em seus três vetores. São imagens devorando imagens, imagens devorando corpos e

corpos devorando imagens. Sendo assim, no primeiro instante, o que há são repetições,

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imagens que procedem de outras imagens, reproduzem conteúdos, são ecos. É o que se

pode verificar na Fanpage do banco Bradesco, quando, por exemplo, ocorre a postagem

de infografias que simulam selfies, além de fotografias registrando o momento da

refeição. Esse tipo de publicação não é característico de uma página institucional. O que

há são apropriações de conteúdos imagéticos advindos do próprio internauta, a fim de

que o mesmo, ao se identificar com tais posts, desenvolva ações de interatividade. É

importante, ainda, discutir as ocasiões nas quais imagens devoram corpos e corpos

devoram imagens. Tais fatos também surgem em decorrência do excesso de imagens, já

que o indivíduo, diante de tantas composições visuais nesse ambiente online, não

consegue apreciá-las, mas sim, devorá-las e ser por elas devorado.

Iconomania e ambientes de imagens

Flusser (2002, p. 7) define imagens como “superfícies que pretendem

representar algo”. O mundo não é acessível imediatamente e, por esse motivo, as

imagens têm o objetivo de mostrar o mundo. Já Baitello Júnior (2005) discorre sobre a

origem da imagem. Conforme ele, a primeira produção de imagem esteve relacionada a

uma tentativa de superar a morte. Para se afastar e se esquecer da morte, o homem

produziu a “imago”, uma máscara de cera colocada no rosto do defunto. Era o retrato de

um morto. Sendo assim, inicialmente, a imagem esteve presente nas cavernas, em

manifestações ritualísticas e de culto. Posteriormente, passou a ocupar galerias e

museus, por exemplo. Houve, no entanto, uma mudança nos processos da produção

imagética, fazendo surgir outros ambientes de imagens. Benjamin (1980 apud

BAITELLO JUNIOR, 2005) já mencionava essas transformações, explicando que

houve a passagem de uma sociedade que produzia suas imagens de maneira manual e

artesanal para uma sociedade que inventou máquinas reprodutoras de imagens.

Surgem então as imagens técnicas que, conforme Flusser (2002), são

produzidas por aparelhos. Assim, a imagem se deslocou do âmbito artístico para o

midiático. Baitello Júnior (2005, p. 13) salienta que as imagens passaram a ocupar todos

os espaços e há uma “multiplicação exacerbada de imagens cada vez mais

onipresentes”. Há uma iconomania nos ambientes de imagens. O mesmo autor chama

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isso de descontrole e enfatiza que houve um desdobramento da reprodutibilidade

imagética. Com isso, a carga excessiva de imagens passou a integrar o cotidiano,

criando ambientes de imagens. Tal fato leva ao que Dietmar Kamper (1997) chamou de

“Os padecimentos dos olhos”, uma doença que ataca o homem na atualidade. O autor

levanta questionamentos: será que o homem consegue enxergar alguma coisa ou será

que apenas imagina estar vendo? Ele assegura que os olhos não conseguem mais

acompanhar toda a produção imagética, seja pela abundância, seja pela maneira

acelerada em que ocorrem a aparição e desaparição das coisas.

A reprodutibilidade imagética em enormes quantidades se tornou ainda

mais exacerbada com o advento de smartphones, tablets, e demais eletrônicos com

câmeras digitais. A popularização desses aparelhos, e a facilidade de conexão dos

mesmos com a internet, fez surgir, no ambiente online, espaços virtuais sobrecarregados

de elementos visuais. Flusser (2008, p. 55) discorre sobre a existência de uma

“sociedade informática”, que ordena as pessoas em torno de imagens. É uma sociedade

que está “programada a vivenciar, a conhecer, a valorizar, e a agir apertando teclas”. Os

indivíduos têm, em seu dia-a-dia, presença marcante das novas tecnologias, fato que,

consequentemente, acarreta no surgimento de mais imagens. Isso tudo promove

ambientes de integração, pois “todo indivíduo estará ligado a todos os demais

indivíduos do mundo inteiro através da imagem técnica que o está programando”

(FLUSSER, 2008, p. 56).

Atentando-se novamente para a produção de imagens nesses novos

aparelhos tecnológicos, verifica-se que o indivíduo, conectado às redes sociais, posta

constantemente fotografias pessoais que, normalmente, estão relacionadas ao seu

cotidiano. Houve uma popularização da imagem, tanto da sua produção, quanto da sua

veiculação. As mídias tradicionais abrem espaço para outros meios que permitem à

grande massa expor o seu próprio conteúdo. Com isso, o que se tem são ambientes cada

vez mais iconomaníacos. Convém, portanto, ressaltar o objeto de estudo deste trabalho,

o Facebook. Nesta rede social, tanto há a opção de ingresso com a criação de um perfil,

para pessoas físicas, como é possível a elaboração de páginas para empresas, marcas,

celebridades e organizações em geral. São as chamadas Fanpages ou Páginas de Fãs.

Estas páginas, além de transmitirem os valores e informações sobre os negócios que

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lhes deram origem, possuem um objetivo primordial e principal: a interação com o

internauta.

Até o dia 19 de outubro de 2014, a Fanpage do banco Bradesco, página

escolhida para análise deste estudo, possuía 5.072.182 usuários conectados. Esse é um

ambiente de franco predomínio das imagens, pois a grande maioria dos posts é

composta por elementos visuais. São postadas, principalmente, fotografias e infografias.

Além disso, a página exibe vídeos e também abre espaço para imagens feitas pelos

próprios internautas. Os elementos visuais sempre aparecem associados a uma legenda.

A página também exibe posts que contêm apenas textos, porém, numa quantidade bem

reduzida. Um aspecto marcante desta Fanpage é que há um predomínio de imagens com

a cor vermelha, que integra o logotipo do banco, além de um tom claro do azul, cor que

vem sendo frequentemente empregada pela agência bancária, principalmente, na

divulgação que ocorre no ambiente online. Os conteúdos dessas postagens não apenas

se relacionam a transações bancárias, mas também, enfatizam fatos do cotidiano do

internauta, além de outros assuntos que estejam em evidência no momento. Com isso, a

intenção é que o usuário, atraído pelas publicações, interaja com as mesmas, “curtindo”,

“comentando” e “compartilhando” tais mensagens.

Atentando-se para essas descrições, constata-se, na Fanpage do

Bradesco, entre tantas outras páginas institucionais, um ambiente de imagens. Baitello

Junior (2010, p. 82) explica que “ambiente” é uma palavra proveniente do latim e

“significa andar ao redor, cercar, rodear”. Observa-se que, nesta página, as imagens,

dada a quantidade excessiva, cercam e rodeiam o internauta, disputando a sua atenção.

O autor ainda enfatiza que “estar em um ambiente significa estar integrado a ele,

configurando-o e sendo configurado por ele” (BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 82). É o

que se pode notar quando há imagens cuja composição tem a intencionalidade de

alcançar a interatividade do internauta. Dessa maneira, a página é configurada pelo

usuário e o usuário, configurado pela página. Por esse motivo, Baitello Junior (2010, p.

83) complementa, enfatizando que um ambiente comunicacional “não é apenas o pano

de fundo para uma troca de informações, mas uma atmosfera gerada pela

disponibilidade dos seres (pessoas ou coisas), por sua intencionalidade de estabelecer

vínculos”.

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Com a finalidade de ilustrar os conceitos mencionados, foram

selecionadas, para este momento da pesquisa, duas imagens da Fanpage consultada. A

figura 1 foi feita por uma internauta e publicada pelo banco Bradesco no dia 25 de abril

de 2014. Já a figura 2 foi postada por um outro usuário da página, no dia 28 de abril,

nos comentários, em resposta ao primeiro post. Associada à figura 1, o banco expôs a

seguinte legenda: “Chegar do trabalho cansado e se jogar na rede é #tudodeBRA.

Mande nos comentários a foto do seu momento de descanso também”. A expressão

#tudodeBRA, que aparece com hashtag, é um trocadilho com a frase “tudo de bom”, e é

frequentemente utilizada na página.

Atentando-se para a publicação, verifica-se que há uma imagem,

acompanhada por um texto, que tem a intenção de gerar outras imagens. Ou seja, a

agência bancária incentivou o internauta para que o mesmo também enviasse fotografias

que representassem o seu momento de descanso. Em decorrência disso, um usuário da

página postou a Figura 2. Não apenas esta, mas até o dia 17 de junho de 2014, outras

127 imagens haviam sido publicadas pelos internautas nos comentários. Tudo isso em

decorrência de uma única postagem feita pelo banco. Os elementos visuais respondiam

à proposta inicial, que era mostrar o registro de um momento de descanso. Além disso,

até a data citada, esta publicação do Bradesco tinha recebido 5.314 curtidas, sendo

compartilhada por 85 vezes. Torna-se, portanto, evidente, que este é um ambiente de

integração e iconomania, que configura o internauta e é por ele configurado.

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Vetores da iconofagia na Fanpage do banco Bradesco

Nesse cenário de sobrecarga visual, surgem tentativas de se compreender

qual é o vínculo existente entre a cultura das imagens e a cultura dos corpos. Baitello

Junior (2005, p. 91) constata que as imagens conquistaram “no mundo contemporâneo o

grau de igualdade em relação aos homens: ocupam o mesmo espaço, consomem o

mesmo tempo”. Para ele, o homem passou a servir de “comida” ou alimento para a

cultura das imagens. Tal consumo de elementos visuais é tão exacerbado que, ora as

imagens devoram, ora as imagens são devoradas. Isso é o que ficou conhecido como

iconofagia. No processo em que imagens devoram imagens, Baitello Junior (2005, p.

53), menciona sobre uma gula das próprias imagens. Conforme ele, “ao invés de

remeter ao mundo e às coisas, elas passam a bloquear seu acesso, remetendo apenas ao

repertório ou repositório das próprias imagens”. As composições imagéticas não

possuem referência, nem significados próprios, mas sim, constituem-se em meras

repetições de outras imagens. Ele explica que as imagens não passam de recordações,

reproduções dos mesmos repertórios já apresentados em outros elementos visuais.

[...] é notável a utilização de imagens precedentes como referência e como

suporte de memória. Assim, a representação de um objeto não é apenas a

representação de algo existente no mundo (concreto, das coisas, ou não

concreto, das não-coisas) mas também uma re-apresentação das maneiras

pelas quais este algo foi já representado. Em outras palavras, em toda

imagem existe uma referência às imagens que a precederam. Ou seja, toda

imagem se apropria das imagens precedentes e bebe nelas ao menos parte de

sua força (BAITELLO JUNIOR, 2005, p. 95).

No ambiente online, especificamente, nas redes sociais, essa iconofagia,

na qual imagens devoram imagens, é muito evidente. Isso porque, conforme já

mencionado neste estudo, atualmente, houve uma popularização de aparelhos

tecnológicos com câmeras digitais. Conectados à internet, os internautas publicam fotos

muito semelhantes, comumente relacionadas à gastronomia, cotidiano, também a

momentos de lazer, de trabalho, entre tantas outras situações idênticas. O internauta

passa, então, a viver em função das imagens. Há uma perda do real, pois ele não

contempla, nem vivencia inteiramente as situações nas quais está inserido, mas está

frequentemente reproduzindo cenas com o seu smartphone, tablet ou webcam e, ao

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lançá-las nas redes, aguarda com expectativa a quantidade de likes que tal postagem

pode alcançar. Nesse cenário, é importante ressaltar que Romano (1993 apud

BAITELLO JUNIOR, 2005) afirma existir um predomínio da mídia terciária, em

detrimento da primária. Ou seja, o contato pessoal perde espaço para as relações

estabelecidas por meio dos aparelhos eletrônicos, que, por sua vez, acabam criando mais

distância entre os indivíduos.

Por outro enfoque, ao mesmo tempo em que há um distanciamento nas

relações interpessoais, há uma aproximação de conteúdo no âmbito virtual. Conforme

exposto outrora, há um anseio comum e predominante no âmbito online,

especificamente, nas redes sociais. As pessoas parecem estar em sintonia quando

produzem e reproduzem imagens em série, semelhantes, com as mesas posições diante

das câmeras, com cenários muito parecidos. As “selfies” são a grande tendência do

momento. Trata-se de autorretratos feitos em frente ao espelho, ou em um encontro com

amigos, na hora da refeição, entre tantas outras ocasiões. Em suma, o que se tem são

imagens citando outras imagens, reproduzindo composições antecedentes. Flusser

(2008, p. 56) antecipa que a sociedade espalhada não se constituirá num amontoado de

partículas individuais. O autor diz que haverá um vínculo entre as pessoas, pois, para

ele, “todo indivíduo estará ligado a todos os demais indivíduos do mundo inteiro através

da imagem técnica que o está programando, já que tal imagem se dirige a todos os

indivíduos indistintamente e da mesma forma”.

É essa tendência que pode ser observada na Fanpage do banco Bradesco.

Há uma tentativa de se assemelhar ao conteúdo produzido pelo internauta. Flusser

(2008) destaca que as imagens são “fiéis”, pois revelam como o ser humano

efetivamente se comporta. Por isso essa agência bancária busca descobrir, nas

composições imagéticas dos internautas, a tendência desse público consumidor.

Diferentemente das mídias tradicionais, que não permitem proximidade com o público-

alvo, nas redes sociais, o intuito principal das empresas é desenvolver um

relacionamento com os seus clientes, dada a interatividade que esse meio proporciona.

Sendo assim, as publicações não se referem apenas à propaganda dos seus produtos,

mas também revelam tentativas de aproximação com o internauta, daí a semelhança

com os conteúdos visuais que ele produz.

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Para identificar esses conceitos de iconofagia, foram extraídas outras

duas imagens da Fanpage mencionada. A figura 3 foi publicada no dia 7 de abril de

2014. Trata-se de uma fotografia produzida por um internauta e que, posteriormente, foi

postada oficialmente pela página, em nome do banco. Já a figura 4 é uma infografia

produzida pela equipe do Bradesco que foi divulgada no dia 17 de março de 2014.

A figura 3 apresenta a legenda: “Café na xícara ou no copo americano?

Bolo de fubá com café é #tudodeBRA!”. A imagem retrata um fato extraído do

cotidiano de um usuário da página, expondo itens muito comuns na mesa do brasileiro:

café e bolo de fubá. Elementos como a toalha, um copo americano e a faca posta

próxima ao bolo geram um aspecto de simplicidade na ocasião. Parte do corpo de um

homem está posicionado ao fundo, dando a entender que ele e, no mínimo, mais uma

pessoa (quem fez a fotografia) se reuniram para um lanche. Inclusive, o fato de ainda

haver café nos recipientes e, ao que parece, terem sido cortados poucos pedaços de bolo,

transmite a impressão de que os indivíduos interromperam a refeição para registrar

aquele momento e, em seguida, lançar no ambiente online. Abaixo da legenda, é

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atribuído o crédito da foto ao internauta “@mottafernando”. Em pesquisa realizada para

este trabalho, apurou-se que, inicialmente, o autor da imagem postou essa fotografia em

outra rede social chamada Instagram e, posteriormente, o Bradesco a veiculou

oficialmente em sua página. Na Fanpage, até o dia 18 de junho de 2014, a publicação

havia recebido 13.625 curtidas, com 593 compartilhamentos. Houve ainda 470

comentários, entre os quais, também há outros assuntos relacionados ao banco. No

entanto, a grande maioria é de pessoas que se manifestaram em resposta à pergunta feita

no post pelo banco.

A figura 4, por sua vez, vem acompanhada pelo texto: “Pose pra foto e

partiu pagar conta! Com o leitor de código de barras do app Bradesco pagar as contas é

rapidinho. #selfie”. Assim como a própria legenda diz, esta infografia simula uma selfie.

Uma jovem tira retrato de si mesma com um boleto bancário na mão. O ambiente parece

ser o quarto da personagem, com a noção de que ela está posicionada em frente a um

espelho. A moça usa um smartphone para fazer a “fotografia”. Ao fundo, há um

notebook sobre uma escrivaninha. Esses componentes geram uma noção de

modernidade e transmitem a impressão de que se trata de uma pessoa que faz uso das

novas tecnologias. Essa imagem, associada ao texto, mostra que alguém ocupado e com

excesso de atividades não precisa ficar em uma fila de banco para pagar contas. Pelo

contrário, é possível fazer isso sem sair de casa, usando o aplicativo que o banco

Bradesco disponibiliza para ser utilizado em celulares. Até o dia 18 de junho de 2014, a

referida publicação havia sido curtida 5.264 vezes, com 366 compartilhamentos. Houve

também 232 comentários, que tanto se relacionavam à postagem, como também a

críticas e dúvidas dos internautas com relação às operações bancárias.

Considerando estas observações sobre as imagens selecionadas, pode-se

constatar os conceitos de iconofagia outrora citados. Ambas as imagens repetem

conteúdos imagéticos produzidos pelo internauta. Não é característica de uma Fanpage

de agência bancária produzir selfies e fotografias de comida. Isso, nas redes sociais, é

próprio de perfis de pessoas físicas, não de páginas institucionais. Sendo assim, imagens

devoram imagens à medida em que fazem referência a outros conteúdos imagéticos,

neste caso, as composições do consumidor. Há uma tentativa de se aproximar do

público-alvo, desenvolver com ele um relacionamento por meio do ambiente online.

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Outro objetivo notável é que há, nesses posts, a intencionalidade de despertar a atenção

do internauta para que ele interaja com tais publicações.

Outros vetores da iconofagia identificados surgem em decorrência do

excesso de imagens. Neste sentido, o que se vê são imagens devorando corpos e corpos

devorando imagens. Baitello Junior (2005, p. 49) menciona sobre uma inversão. As

imagens buscam, de forma obsessiva e abusiva, pelos olhos humanos. Segundo ele, em

eras passadas, “raras imagens eram avidamente buscadas pelos nossos olhos, em livros,

em paredes, em quadros, em afrescos, em cavernas. Com a reprodutibilidade ocorre

portanto a primeira inversão: as imagens é que nos procuram”. Há uma voracidade e

gula das imagens. O seu alimento é o olhar humano, um gesto do corpo. Para ele,

quanto mais o indivíduo vê, menos ele vive, e quanto maior for a visibilidade, menor

será a capacidade de olhar. Segundo o pesquisador, “alimentar-se de imagens significa

alimentar imagens, conferindo-lhes substância, emprestando-lhes os corpos. Significa

estar dentro delas e transformar-se em personagem” (BAITELLO JUNIOR, 2005, p.

97). No caso da Fanpage do Bradesco, e tantas outras páginas, mais do que se tornar

alimento para esse excesso de imagens, o internauta desenvolve reações condicionadas,

já que é constantemente estimulado a acionar as ferramentas básicas desse ambiente

online.

Por outro enfoque da iconofagia, verifica-se corpos devorando imagens.

O fato também surge em decorrência da sobrecarga visual, pois o ser humano não

consegue mais desenvolver a capacidade contemplativa diante das composições

imagéticas. Flusser (2008, p. 56) diz que “as imagens alimentam os homens para serem

por eles realimentadas e para engordarem sempre mais”. Trata-se de um processo

cíclico, no qual, um alimenta o outro. Nesse grau de iconofagia, o indivíduo não

consome mais as coisas, mas sim, os seus atributos imagéticos, causando uma

superficialidade. Baitello Junior (2005, p. 53) diz que as imagens passam a ser

consumidas em “toda as suas formas: marcas, modas grifes, tendências, atributos,

adjetivos, figuras, ídolos, símbolos, ícones, logomarcas”. A proliferação compulsiva de

imagens no ambiente virtual estudado gera, no internauta, a compulsão por apropriação.

São corpos tridimensionais que devoram “não-coisas”, em substituição de outras

apropriações sensoriais. É importante notar que a tendência atual é de pessoas que ficam

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constantemente conectadas à internet, acessando, várias vezes ao dia, redes sociais

como o Facebook. Nesse ambiente de iconofagia, o que resta é consumir, em um

número cada vez maior, as composições imagéticas.

Considerações finais

A sociedade contemporânea passa por constantes transformações. Com o

surgimento de aparelhos reprodutores de imagens, houve uma massificação da produção

imagética, fazendo-a se deslocar do âmbito artístico para o midiático. O indivíduo tem à

sua disposição, smartphones, tablets, notebooks com suas webcams e tantos outros

aparelhos eletrônicos capazes de produzir fotografias. Não obstante, o surgimento da

internet gerou indivíduos cada vez mais conectados e com um anseio em comum:

registrar momentos e lançá-los nas chamadas redes sociais. O resultado foi o

surgimento, no meio virtual, de ambientes iconomaníacos, nos quais há um franco

predomínio de imagens. Um exemplo disso é a rede social que mais cresce no mundo, o

Facebook. Nesse ambiente, as imagens assumem papel predominante, pois se

apresentam em uma grande quantidade. Há, portanto, a presença de ambientes de

imagens. Ou seja, cenários nos quais imagens cercam e disputam constantemente pela

atenção do internauta. Resta, portanto, às empresas, marcas e organizações em geral, a

missão de se integrar a esses novos hábitos do consumidor. Por este motivo, essas

instituições ingressam na rede por meio das chamadas Fanpages ou Páginas de Fãs.

Diante dessas circunstâncias, este estudo observou as publicações da

Fanpage do banco Bradesco. Neste espaço, a tendência encontrada é a mesma, um

ambiente de iconomania. Há uma notável hegemonia visual com relação à escrita. Em

um primeiro instante, foram selecionadas duas imagens da referida página. A primeira

delas, veiculada pela agência bancária, tinha a intenção de gerar outras imagens. O

banco estimulava as pessoas a postarem, no campo dos comentários, fotografias que

retratassem um momento de descanso. A segunda figura foi enviada por um usuário da

página, em resposta à primeira. Com isso, nos comentários de um único post,

internautas publicaram outras 127 imagens. Fica clara, portanto, a iconomania presente

nesse espaço. Além disso, constata-se que esse ambiente de imagens configura os

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indivíduos e é por eles configurado. Isto porque ele leva as pessoas a desenvolverem

determinadas ações de interatividade, publicando outras fotos, curtindo, comentando e

compartilhando as postagens feitas pelo banco. Por outro lado, este ambiente também é

configurado pelo usuário, já que esta instituição, bem como tantas outras, busca se

adequar a este novo perfil de consumidor: o internauta.

Outro fato marcante, apresentado por este estudo, foi a constatação, na

referida página, dos três vetores da iconofagia. Isso porque foram destacadas,

primeiramente, imagens devorando imagens. São composições visuais que repetem

produções de outras imagens. Por isso, este artigo apontou a Figura 3, uma fotografia de

café e bolo de fubá; além da Figura 4, uma infografia com a selfie de uma personagem

segurando um smartphone e um boleto bancário. Essas composições não estão

relacionadas a uma página institucional, mas sim, a um perfil de internauta. Sendo

assim, há uma apropriação de um conteúdo advindo dos usuários da rede, para que os

mesmos se identifiquem com tais publicações e acionem as ferramentas de

interatividade. Em uma outra etapa, o trabalho expôs os outros dois vetores da

iconofagia, o momento em que imagens devoram corpos e corpos devoram imagens. O

fato também é proveniente do excesso imagético. As informações visuais, dada a

sobrecarga, buscam constantemente pelos olhos do internauta, na tentativa de devorá-

los. Por outro enfoque, o próprio indivíduo devora tais mensagens, já que, diante de

tantas opções, não consegue mais apreciá-las, como era feito anteriormente, mas sim,

devorá-las.

Referências

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Paulo: Paulus, 2010.

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24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

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