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Os concílios ecuménicos e a perpétua virgindade de Maria A crença na perpétua virgindade de Maria difundiu-se rapidamente a partir da sua formulação por Jerónimo e Sirício em finais do século IV, até ao ponto de a partir do século se gu in te os bi sp os de Roma a in co rporariam nos seus es cr itos e pro vav elmente (ve r mais abaixo ) ap arecer tal cr enç a no conte xto de nones conciliares, embora estes estivessem destinados primariamente a salvaguardar a Pessoa de Cristo e não a e xaltar Maria. Resulta instrutivo comparar os ensinamentos dos Concílios Ecuménicos sucessivos para notar a forma em que se desenvolveu a crença na perpétua virgindade de Maria. Ano 325. Segundo o Credo de Niceia, Jesus Cristo “  por nós os homens e por nossa salvação desceu e foi encarnado e foi feito homem”. Maria não é sequer mencionada. Ano 381. Segundo o Credo chamado Niceno-Constantinopolitano, Jesus Cristo “  por nós os homens e por nossa salvação desceu do céu e foi encarnado pelo Espírito Santo e pela Virgem Maria, e foi feito homem”. Aqui menciona-se Maria, e a sua condição virginal no momento da concepção. Ano 431. Segundo os anátemas de Cirilo contra Nestório no Concílio de Éfeso,  Se alguém não confessa que Deus é segundo verdade o Emanuel, e que por isso a santa Virgem é mãe de Deus (pois deu à luz carnalmente o Verbo de Deus feito carne) , seja anátema”. Também aqui não se menciona a “sempre virgem”. Ano 451. No Concílio de Ca lcedónia , na defin içã o sobre as duas natureza s de Cristo, diz-se que foi  “...gerado do Pai antes dos séculos quanto à divindade, e o mesmo, nos últimos dias, por nós e por nossa salvação, gerado de Maria Virgem, mãe de Deus, quanto à humanidade...” Os bispos de Calcedónia acrescentaram esta advertência:   Assim, pois, depois que com toda exa ct idão e cu idado em todos se us aspectos foi por nós redigida esta fórmula  , definiu o santo e ecuménico Concílio que a ningué m ser á líci to profes sar outra fé, nem seq uer escre vê- la ou compô-la, nem senti-la, nem ensiná-la. Ape sar da extrema exacti dão e cuidado qu e os bis pos concil iar es af irmam ter exercido, ainda não dizem “Maria semp re Vi rg em”, mas “Maria Vi rg em”  no contexto da concepção de Jesus. Em outras pal avras , o do gma da per pét ua vir gin dade não apa rece de fo rma implícita, nem explícita, nos cânones dos quatro primeiros concílios ecuménicos. No te-se qu e isto nã o se deveu a qu e não ti vess e havido qu em ensinasse o contrário. Já Tertuliano em princípios do século III e no IV primeiro Helvídio, depois Joviniano e mais tarde Bonoso, bispo de Ilíria, sustentaram que Maria teve mais

Os concílios ecuménicos e a perpétua virgindade de Maria

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Os concílios ecuménicos e a perpétua virgindade deMaria

A crença na perpétua virgindade de Maria difundiu-se rapidamente a partir da suaformulação por Jerónimo e Sirício em finais do século IV, até ao ponto de a partirdo século seguinte os bispos de Roma a incorporariam nos seus escritos eprovavelmente (ver mais abaixo) aparecer tal crença no contexto de cânonesconciliares, embora estes estivessem destinados primariamente a salvaguardar aPessoa de Cristo e não a exaltar Maria.

Resulta instrutivo comparar os ensinamentos dos Concílios Ecuménicos sucessivospara notar a forma em que se desenvolveu a crença na perpétua virgindade deMaria.

Ano 325. Segundo o Credo de Niceia, Jesus Cristo “ por nós os homens e por nossasalvação desceu e foi encarnado e foi feito homem”.

Maria não é sequer mencionada.

Ano 381. Segundo o Credo chamado Niceno-Constantinopolitano, Jesus Cristo “ por nós os homens e por nossa salvação desceu do céu e foi encarnado pelo EspíritoSanto e pela Virgem Maria, e foi feito homem”.

Aqui menciona-se Maria, e a sua condição virginal no momento da concepção.

Ano 431. Segundo os anátemas de Cirilo contra Nestório no Concílio de Éfeso,

 “Se alguém não confessa que Deus é segundo verdade o Emanuel, e que por isso asanta Virgem é mãe de Deus (pois deu à luz carnalmente o Verbo de Deus feitocarne) , seja anátema”.

Também aqui não se menciona a “sempre virgem”.

Ano 451. No Concílio de Calcedónia, na definição sobre as duas naturezas deCristo, diz-se que foi

 “...gerado do Pai antes dos séculos quanto à divindade, e o mesmo, nos últimosdias, por nós e por nossa salvação, gerado de Maria Virgem, mãe de Deus, quantoà humanidade...” 

Os bispos de Calcedónia acrescentaram esta advertência:

 “ Assim, pois, depois que com toda exactidão e cuidado em todos seusaspectos foi por nós redigida esta fórmula , definiu o santo e ecuménico Concílioque a ninguém será lícito professar outra fé, nem sequer escrevê-la oucompô-la, nem senti-la, nem ensiná-la.” 

Apesar da extrema exactidão e cuidado que os bispos conciliares afirmam terexercido, ainda não dizem “Maria sempre Virgem”, mas “Maria Virgem” nocontexto da concepção de Jesus.

Em outras palavras, o dogma da perpétua virgindade não aparece de formaimplícita, nem explícita, nos cânones dos quatro primeiros concílios ecuménicos.

Note-se que isto não se deveu a que não tivesse havido quem ensinasse ocontrário. Já Tertuliano em princípios do século III e no IV primeiro Helvídio, depoisJoviniano e mais tarde Bonoso, bispo de Ilíria, sustentaram que Maria teve mais

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filhos depois de parir Jesus. Isto ocorreu décadas antes dos concílios de Éfeso eCalcedónia.

Ano 553. O Concílio II de Constantinopla é habitualmente indicado como tendosido o primeiro a fazer referência à virgindade perpétua. No cânon 2 dos anátemascontra os «três capítulos» lê-se:

Can. 2. Se alguém não confessa que há dois nascimentos de Deus Verbo, um doPai, antes dos séculos, sem tempo e incorporalmente; outro nos últimos dias,quando Ele mesmo baixou dos céus, e se encarnou da santa gloriosa mãe de Deuse sempre Virgem Maria, e nasceu dela; esse tal seja anátema.

No entanto, inclusive em relação a este próprio concílio II de Constantinopla, aevidência é questionável:

 As actas gregas originais do Concílio perderam-se, mas existe uma versão latinamuito antiga, provavelmente contemporânea e feita para o uso de Vigílio,certamente citada pelo seu sucessor Pelágio I.... No seguinte Concílio Geral deConstantinopla (680) verificou-se que as Actas originais do Concílio tinham sidoadulteradas (Hefele, op.cit., II, 855-58) a favor do monotelismo; nem é seguro quena sua forma presente as tenhamos na sua plenitude original (ibid., pp. 859-60).

(Thomas J. Shahan, em The Catholic Encyclopedia, s.v. Constantinople, Second Council of )

É interessante que no seguinte Concílio III de Constantinopla (sexto ecuménico) osbispos se expressassem como se segue:

 “Seguindo os cinco santos Concílios Ecuménicos e os santos e aprovados Padrescom uma voz define que nosso Senhor Jesus Cristo deve ser confessado comoverdadeiro Deus e verdadeiro homem, subsistente em alma racional e corpo;consubstancial com o Pai na sua divindade e consubstancial connosco na suahumanidade; em todas as coisas como nós, excluindo somente o pecado; geradode seu Pai antes de todas as épocas segundo a sua divindade, mas nestes últimosdias, por nós os homens e por nossa salvação feito homem do Espírito Santo eda Virgem Maria, estrita e propriamente a mãe de Deus segundo a carne ; ume o mesmo Cristo nosso Senhor, o unigénito Filho no qual deve reconhecer-se duasnaturezas inconfundível, imutável, inseparável e indivisivelmente ...” 

(Sessão XVIII; negrito acrescentado).

Como pode ver-se, nesta declaração que expressamente afirma a sua adesão aoscinco Concílios Ecuménicos anteriores, não diz aqui «sempre Virgem Maria» mas,como nos Concílios anteriores a II Constantinopla, simplesmente «a Virgem Maria».

Traduzido da edição de Nicene and Post-Nicene Fathers, Second Series, 14:345.

Conclusão

1) Não há evidência de que a perpétua virgindade de Maria fosse ensinada porautores ortodoxos (em sentido estrito) dos primeiros três séculos do cristianismo.

2) A doutrina da perpétua virgindade foi exposta por Jerónimo em 384, no seutratado contra Helvídio. Com o auge do ascetismo e do monaquismo, tornou-sepopular nos séculos seguintes.

3) A primeira referência expressa num cânon conciliar é, ainda que questionável,no Concílio II de Constantinopla de 553, celebrado contra a vontade e sem aparticipação do bispo de Roma Vigílio. O cânon em questão é umadefinição cristológica sobre a natureza divina e humana do Senhor, que menciona

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de passagem a «sempre Virgem». Não é, pois, uma definição dogmática sobre aperpétua virgindade.

4) A doutrina da perpétua virgindade de Maria não foi objecto de uma definiçãodogmática por um concílio ecuménico no primeiro milénio.