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OS CONTORNOS CONTEMPORÂNEOS DA PROPRIEDADE URBANA E A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA Geyson Gonçalves da Silva SUMÁRIO: Introdução. 1 Breve histórico sobre o direito de propriedade. 2 O direito real de uso e a concessão de uso. 3 A concessão de uso especial para fins de moradia. 3.1 Previsão no Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01. 3.2 A Medida Provisória 2.220/2001. 3.3 Características 3.4. Abrangência. Considerações Finais. Bibliografia. INTRODUÇÃO O desenvolvimento histórico da propriedade se confunde com o das sociedades humanas. Ocupando lugar central nas relações sociais e econômicas, o instituto da propriedade no direito moderno esteve (e em grande parte ainda está) vinculado ao paradigma individualista (próprio do liberalismo) sendo naturalmente incorporado pelos ordenamentos jurídicos ocidentais. Tradicionalmente inserido no âmbito do direito civil, vinculado às origens romanas e tratado como um dos pilares do chamado direito privado, o estudo da propriedade tem sido paulatinamente deslocado para um campo mais amplo, onde o impacto do instituto não é tratado apenas de forma individualizada, mas principalmente social. Esta nova visão o aproxima de ramos do direito antes alheios ao seu estudo sistemático (como o direito constitucional, o urbanístico, o ambiental etc.) e incorpora elementos ao direito de propriedade, possibilitando, inclusive, sua revisão conceitual. Este deslocamento foi aprofundado, no Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, que elencou entre os direitos fundamentais não apenas o direito à propriedade privada como também sua função social (CF, art. 5º., XXII, XXIII), além de enumerá-los como princípios da ordem econômica e social (CF, art. 170). * Advogado. Mestre em Direito/UFSC. Professor de Direito Civil do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC.

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OS CONTORNOS CONTEMPORÂNEOS DA PROPRIEDADE URBANA E A

CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA

Geyson Gonçalves da Silva∗

SUMÁRIO: Introdução. 1 Breve histórico sobre o direito de propriedade. 2 O direito real

de uso e a concessão de uso. 3 A concessão de uso especial para fins de moradia. 3.1

Previsão no Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01. 3.2 A Medida Provisória 2.220/2001.

3.3 Características 3.4. Abrangência. Considerações Finais. Bibliografia.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento histórico da propriedade se confunde com o das

sociedades humanas. Ocupando lugar central nas relações sociais e econômicas, o

instituto da propriedade no direito moderno esteve (e em grande parte ainda está)

vinculado ao paradigma individualista (próprio do liberalismo) sendo naturalmente

incorporado pelos ordenamentos jurídicos ocidentais. Tradicionalmente inserido no

âmbito do direito civil, vinculado às origens romanas e tratado como um dos pilares do

chamado direito privado, o estudo da propriedade tem sido paulatinamente deslocado

para um campo mais amplo, onde o impacto do instituto não é tratado apenas de forma

individualizada, mas principalmente social. Esta nova visão o aproxima de ramos do

direito antes alheios ao seu estudo sistemático (como o direito constitucional, o

urbanístico, o ambiental etc.) e incorpora elementos ao direito de propriedade,

possibilitando, inclusive, sua revisão conceitual.

Este deslocamento foi aprofundado, no Brasil, com o advento da

Constituição Federal de 1988, que elencou entre os direitos fundamentais não apenas o

direito à propriedade privada como também sua função social (CF, art. 5º., XXII, XXIII),

além de enumerá-los como princípios da ordem econômica e social (CF, art. 170).

* Advogado. Mestre em Direito/UFSC. Professor de Direito Civil do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC.

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Embora a função social da propriedade não tenha sido uma

novidade no ordenamento jurídico brasileiro (já que estava prevista expressamente na

Constituição Federal de 1967 e indiretamente na Constituição Federal de 1946 sob a

denominação de bem-estar social), o conjunto normativo constitucional relativo ao

direito de propriedade e a própria dinâmica social advinda no período pós 1988

(redemocratização política, com eleições diretas e interlocução com movimentos sociais

de reivindicação de terras, entre outros fatores) trouxeram novo alento ao instituto.

Neste contexto, o princípio da função social ganha destaque e

ocupa parte considerável dos debates ocorridos no âmbito do direito de propriedade,

seja a propriedade rural (cuja função social está diretamente vinculada à produção) ou

a urbana (que tem como principal finalidade assegurar o direito à moradia).

Embora a propriedade rural no Brasil ainda ocupe lugar destacado

nos debates sociais e mesmo nos meios acadêmicos, o aumento expressivo do número

de habitantes nos centros urbanos, mesmo não sendo fato recente, trouxe a

propriedade urbana e o direito à moradia para o centro do debate, fundamentais,

portanto, para o aprofundamento do princípio da função social da propriedade.

O crescente aumento das populações urbanas trouxe consigo

inúmeros problemas relativos à organização do espaço urbano: deficiências na infra-

estrutura, educação, saúde pública, degradação do meio ambiente e também a

ocupação irregular do solo urbano, são apenas alguns deles. Assim, os centros urbanos

passaram a conviver com áreas de altas densidades populacionais e absolutamente

carentes de serviços públicos essenciais.

Apenas para ilustrar o crescimento da população urbana nas últimas

décadas é interessante verificar os dados do IBGE nos censos de 1940 e 2000: em 1940

a população brasileira era de 41.236.315 habitantes. Deste total, apenas 12.880.182

viviam em área urbana (31,24% do total). No ano 2000, a população brasileira era de

169.799.170 habitantes e 137.953.959 eram domiciliados em área urbana (81,25% do

total). Em rápidas palavras significa dizer que em 60 anos a estrutura demográfica

brasileira foi invertida, contando hoje com uma imensa maioria de habitantes na zona

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urbana. Em Santa Catarina (pelo mesmo Censo IBGE 2000), 78,75% da população

reside em área urbana, o que correspondia (no ano 2000) a 4.217.931 habitantes.

Este importante crescimento demográfico resultou em uma

ocupação desordenada e fez crescer significativamente o problema relativo ao uso do

solo urbano. Os milhões de antigos moradores das zonas rurais que migraram para as

cidades (além dos já nascidos nos centros urbanos) não têm garantido o acesso à

propriedade. Também vêem distante a efetivação do direito à moradia e, com isso,

acabam ocupando áreas irregulares, sem condições de uso, áreas de risco, de proteção

ambiental ou pertencentes a terceiros (tanto áreas públicas quanto privadas).

Em muitas circunstâncias, a densidade demográfica é tão alarmante

que se pode dizer que as pessoas sobrevivem “umas sobre as outras”, sem qualquer

condição de higiene ou segurança. Nestes casos, o tratamento jurídico tradicional do

direito de propriedade não é suficiente para resolver os problemas destes habitantes,

que passam a viver uma situação precária também do ponto de vista jurídico, sem

qualquer documento que assegure a sua permanência na área ocupada, mesmo que

permaneçam por longo tempo no local, trazendo ainda mais desconforto para os

habitantes destas regiões.

O ordenamento jurídico brasileiro, principalmente a partir da

promulgação da Constituição Federal de 1988, vem adotando institutos que facilitam o

acesso à titularidade da propriedade pela posse prolongada e produtiva: são exemplos a

usucapião especial urbana (CF, art. ; CC, art. e ECid., art. ), usucapião especial rural

(CF, art. ; CC, art. ), usucapião coletiva (ECid., art. ) e a desapropriação judicial (CC,

art. 1228, §§ 4º. e 5º.).

Entre os institutos jurídicos desenvolvidos no país para tentar

regularizar parte destas áreas ocupadas, está a concessão de uso especial para fins de

moradia. Prevista inicialmente pelo Estatuto da Cidade – Lei 10.257/01, cujo texto

original foi vetado pelo Presidente da República, a concessão de uso especial para fins

de moradia foi restabelecida e regulamentada pela Medida Provisória nº 2.220, de 04 de

setembro de 2001 (complementada pela Medida Provisória nº 335, de 23 de dezembro

de 2006), continuando a ser um instrumento de política urbana, diante de

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características que a tornam atrativa para parte dos ocupantes de áreas urbanas

(públicas, no caso) que não contam com outro instituto jurídico capaz de regularizar sua

posse.

A gratuidade da concessão, a possibilidade de registro e de

transferência, além da garantia da sucessão hereditária, bem como a existência da

concessão de uso conferida de forma coletiva e a desnecessidade de procedimento

judicial, são apenas algumas das características deste instituto, que possibilita às

comunidades uma participação ativa na ordenação das cidades.

A importância do estudo sobre a possibilidade de efetivação do

instituto é considerável, principalmente em regiões como o Município de

Florianópolis/SC, pelo histórico de terras pertencentes à União e pelas características

topográficas e conseqüentes limitações ambientais, acaba por ter diminuída sua

capacidade de aumento demográfico regular. A atração, portanto, de novos moradores

nas últimas décadas não foi acompanhada de um aumento significativo de imóveis em

condições de proporcionar a moradia nem de equipamentos urbanos compatíveis com a

nova realidade social, com um número significativamente maior de habitantes.

1 BREVE HISTÓRICO SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE

A origem da propriedade e seu desenvolvimento têm inúmeras

abordagens possíveis. Desde o seu conceito formulado pelos povos antigos até o

referencial contemporâneo, muitas são as teorias que tentam explicar o fenômeno do

próprio surgimento da propriedade e de sua apropriação individual. Desde teorias que

vinculam sua existência a uma razão natural (Jean Bodin, p. ex.), passando pelas que

reforçam o trabalho e valorização econômica (Locke) e chegando às concepções

materialistas (Engels), o conceito de propriedade vem mudando e se consolidando como

um instituto de grande alcance social, político e econômico1.

1 Sobre a relação existente entre as várias teorias que justificam o direito de propriedade consultar PIPES, Richard. Propriedade e liberdade. Rio de janeiro: Record, 2001.

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Entre os povos antigos a propriedade privada não foi uma regra

absoluta, ao contrário, em alguns povos nunca se observou a existência de apropriação

individual das terras, sendo certo que a coletivização das terras muitas vezes não se

repetia em relação aos frutos destas. Assim, no dizer de COULANGES (2004, p. 65):

Sabemos da existência de raças que nunca chegaram a instituir a propriedade privada, e de outras que só com o tempo e muito penosamente a admitiram. Efetivamente, não é problema fácil saber se nos primórdios da socialização o indivíduo poderia se apropriar do solo e estabelecer tão forte vínculo com uma porção de terra a ponto de poder dizer: esta terra é minha, esta terra é parte de mim mesmo.

A experiência descrita foi vivenciada em vários continentes,

inclusive na América e apesar disso, o próprio COULANGES reconhece que entre os

gregos e os romanos sempre existiu a apropriação individual das terras, mesmo que o

significado desta apropriação esteja vinculado ao culto familiar religioso:

Há três coisas que desde os tempos mais antigos se encontram conexas e firmemente estabelecidas nas sociedades grega e italiana: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade; três coisas que mostram manifesta relação entre si em sua origem e que parecem terem sido inseparáveis. (2004, p. 66)

Portanto, mesmo que a propriedade tivesse um significado diferente

do atual, é o direito romano que vai dar a definição que serviu como base para as

codificações oitocentistas e também para o primeiro código civil brasileiro, a Lei 3.017,

de 1º. de janeiro de 1916. Nas palavras de BEVILÁQUA:

O direito de propriedade tem sido definido por diversos modos. Os romanistas adoptaram um, que, realmente, parece traduzir, com fidelidade, o conceito genuinamente romano desta relação jurídica: - dominium est jus utendi, fruendi et abutendi re sua, quatenus juris ratio patitur. (1930, p. 55)

MOREIRA ALVES alerta que os romanos não tiveram grande

preocupação em conceituar a propriedade, e sim dispor sobre os poderes do

proprietário:

[...] a partir da idade média é que os juristas, de textos que não se referiam à propriedade, procuraram extrair-lhe o conceito. Assim, com base num reescrito de Constantino (C. IV, 35, 21), relativo à gestão de negócios, definiram o proprietário como suae rei moderatur et arbiter (regente e árbitro de sua coisa); de fragmento do Digesto (V, 3, 25, 11), sobre o possuidor de boa-fé, deduziram que a propriedade seria o jus utendi re sua (direito de usar e abusar da coisa); e de outra lei do Digesto (I, 5, pr.), em que se define a liberdade, resultou a aplicação deste conceito à propriedade que, então, seria a naturalis in re facultas

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eius quod cuique facere libet, nisi se quid aut iure prohibetur (faculdade natural de se fazer o que se quiser sobre a coisa, exceto aquilo que é vedado pela força ou pelo direito. (1995, p. 281)

A tradução deste conceito romano (usar, gozar, dispor e reivindicar)

e que estabelece os poderes do proprietário sobre o bem, esteve presente no primeiro

código civil brasileiro e foi repetida no código atual (Lei 10.406/02), in verbis: Código Civil de 1916. Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.

Código Civil de 2002. Art. 1228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Apesar da definição romana, que privilegia a relação estabelecida

com o direito de propriedade e os direitos do proprietário, é um erro imaginar que a

propriedade privada em algum momento tenha sido tratada em Roma como absoluta,

sendo que mesmo entre os romanos, “o seu individualismo era subordinado às

necessidades sociais” (BEVILÁQUA, 1930, p. 56). A propriedade em sua matriz clássica,

portanto, embora com fortes conotações exclusivistas quanto ao seu uso, reconhecia a

prevalência de interesses sociais sobre a utilização individual da coisa2.

Na passagem da Idade Antiga para a Idade Média, a propriedade

da terra aumentou de importância diante da fragmentação experimentada pelo

feudalismo medieval que, na ausência de um grande império como o romano, outorgou

aos senhores da terra poderes quase ilimitados sobre a terra e seus habitantes,

chegando mesmo a ser apontada como principal característica deste período histórico.

Nas palavras de DOBB, “o historiador constitucional tem-se inclinado a encontrar a

essência do feudalismo no fato de que a ‘posse da terra é fonte do poder político’ [...]”.

(1987, p. 42)

2 Utiliza-se neste artigo a distinção entre os conceitos de bem e coisa trazida por parte da doutrina brasileira que considera coisa como um tipo de bem suscetível de apropriação pelo ser humano. Nas palavras de BEVILÁQUA, a palavra coisa, ainda que, sob certas relações, corresponde, na técnica jurídica, ao termo bem, todavia dele se distingue. Há bens jurídicos que não são coisas: a liberdade, a honra, a vida, por exemplo. E, embora o vocábulo coisa seja, no domínio do direito, tomado em sentido mais ou menos amplo, podemos afirmar que designa, mais particularmente, os bens que são, ou podem ser, objeto de direitos reais. Neste sentido dizemos direito das coisas. (1955, p. 152)

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Ainda assim, apesar das restrições ao direito de propriedade, já que

este não se estendia aos camponeses, a propriedade (rural basicamente) tinha como

característica freqüente o uso e a apropriação de seus frutos estabelecidos de forma

coletiva.

Desde a Antigüidade, portanto, o direito de propriedade tem grande

repercussão social, e passa a ser fundamental na grande transformação ocorrida no

início da Era Moderna, quando a terra (e a forma de sua apropriação) teve papel

destacado na própria elaboração do conceito de Modernidade, sendo essencial para a

sua construção,

[...] pois nem a revolução política nem a econômica podiam desprezar a terra, que a primeira escola de economistas, a dos fisiocratas, considerava a única fonte de riqueza e cuja transformação revolucionária todos concordavam ser a pré-condição e conseqüência necessárias da sociedade burguesa, se não de todo desenvolvimento econômico rápido. (HOBSBAWN, 2006, p. 209-210)

A terra, portanto, ocupava papel central no início da Era Moderna e

as mudanças em relação ao sistema feudal foram bastante significativas. Em primeiro

lugar a terra teve que ser transformada em mercadoria, possuída por particulares e

livremente negociada por eles. Depois, deveria ser propriedade de homens que

desenvolvessem seus recursos produtivos para o mercado e, por último, a grande

massa da população rural (acostumada ao sistema feudal) tinha que ser, de alguma

forma, transformada em trabalhadores assalariados (cf. HOBSBAWN, 2006, p. 210 e

ss.).

A terra deixava de ser um vínculo familiar (com antepassados) e de

proteção e cultura de subsistência para se transformar em mercadoria e fonte de

exploração em escala industrial. A apropriação individual e a pouca preocupação com as

óbvias necessidades sociais da época passam a formar uma visão quase que única (de

tão preponderante) do conceito de propriedade, que passa a ser tratada como

propriedade privada.

Delimitado, portanto, o conteúdo moderno do conceito de

propriedade, que recupera as linhas gerais do conceito romano e aponta para a

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apropriação individual dos frutos alcançados com a exploração da terra. A consolidação

deste paradigma passa a ser, na ideologia liberal, o único possível.

São emblemáticas as palavras de LOCKE (1991, p. 230), no

Segundo Tratado sobre o Governo, publicado em 1690: “Assim, Deus, mandando

dominar, concedeu autoridade para a apropriação; e a condição da vida humana, que

exige trabalho e material com que trabalhar, necessariamente introduziu a propriedade

privada”. A idéia da propriedade privada como um direito natural estava lançada e

encontraria solo fértil nos anos posteriores e que estruturaram a concepção liberal de

sociedade e de propriedade.

Além disso, a atenção recebida pela propriedade imóvel era

resultante da possibilidade de sua exploração rural, única possibilidade de então, já que

as cidades e centros urbanos somente foram consolidados tempos depois. Na época, as

grandes cidades “pouco mais eram do que grandes aldeias fortificadas, grandes no Sul

da Europa apenas porque um senhor mais importante que os demais na região nela

residia, e grandes no Norte – onde os senhores viviam no campo – porque nelas um

bispo ou arcebispo tinha sua sé”. (TIGAR; LEVY, 1978, p. 41)

No Brasil, a evolução do conceito jurídico de propriedade também

tem início com a exploração da atividade rural, principalmente levando-se em conta que

o território brasileiro era considerado, ainda no Brasil-Colônia, pertencente a Portugal3.

A ocupação do território brasileiro pelos portugueses foi inicialmente feita pelo sistema

de sesmarias (concessão do domínio condicionado ao uso da terra) e das capitanias

hereditárias (que distribuiu imensas porções de terra e contribuiu para a formação de

senhores de terra poderosos e despóticos e durou apenas 14 anos). Este regime,

imposto aos habitantes primitivos, excluía aqueles que trabalhavam na terra (negros e

índios) do resultado produtivo.

3 No Brasil, antes da efetiva colonização, afirma Beviláqua, em sua obra Direito das Coisas, que nas tribos indígenas o que havia era apenas a propriedade individualizada de certos bens móveis, de forma que o direito de propriedade que existia sobre o solo era coletivizado. A partir da chegada dos europeus, a organização política dos colonizadores suplantou a dos povos indígenas; assim, passou a vigorar uma perspectiva individualista sobre o direito de propriedade, perspectiva esta abraçada pelo Código Civil de 1916.

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É importante ainda lembrar que os índios brasileiros estavam em

estágio de desenvolvimento civilizatório bem diferente de outros índios americanos

(como os astecas, os incas e os maias) e mais ainda dos recém-chegados portugueses.4

Além disso, as propriedades rurais eram imensas. Extensas áreas de

terra que serviam basicamente às monoculturas para exportação e eram ainda (pelo

menos até 1888) exploradas pelo trabalho escravo. O latifúndio para a exportação e a

escravidão são traços marcantes neste período.

Assim, a propriedade surge no Brasil a partir de um marco jurídico excludente: inicialmente, o regime de sesmarias e capitanias hereditárias, que excluía a população indígena e quilombola; e posteriormente, o Estatuto da Terra que limita o acesso à propriedade somente mediante compra e venda. A ocupação do território no Brasil deu-se a partir dessa lógica que associava ocupação, terra e moradia, ao dinheiro. (SAULE JÚNIOR, 2006, p. 17)

Ainda hoje, a caracterização do Brasil como um país de latifúndios é

pública e notória. Em dados colhidos no Relatório da Comissão Mista Parlamentar de

Inquérito, instaurada no Congresso Nacional, em 2005 e que teve como Relator o

Deputado João Alfredo (PT/CE), com o objetivo de analisar a estrutura fundiária

brasileira (a chamada CPMI da Terra), constatou-se “a consolidação de uma perversa

estrutura agrária, em que 1% dos proprietários concentram 45% da superfície total de

terras agrícolas, bem como a improdutividade das terras, que atinge cerca de 60% das

terras rurais” (CONGRESSO NACIONAL, 2005, p. 665)

Diante de uma estrutura agrária tão absurda, não é surpresa

imaginar como foi consolidada a população urbana no país a partir da fuga de parcelas

consideráveis das populações rurais, sem emprego ou possibilidade de desenvolvimento

econômico, para as cidades. O processo de urbanização no Brasil começa já com o seu

encobrimento5 pelos portugueses em 1500. Desde lá, junto com os portugueses surgem

também as primeiras vilas e povoados que, anos depois, são reconhecidas como

cidades. 4 Sobre o tema ver O processo civilizatório, de Darcy Ribeiro. 5 O termo encobrimento leva em consideração o fato de que os europeus que aqui aportaram no final do século XV e início do século XVI acabaram por praticamente dizimar a cultura nativa, impondo dura dominação sobre os povos originários da América. Neste sentido, entre tantos outros, analisar a importante obra 1492 – o encobrimento do outro (A origem do mito da modernidade) – Conferências de Frankfurt, de Enrique Dussel.

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A primeira é Lisboa, que não conta. Nossa primeira cidade foi a Bahia, já no primeiro século, quando surgiram, também, o Rio de Janeiro e João Pessoa. No segundo século, surgem mais quatro: São Luiz, Cabo Frio, Belém e Olinda. No terceiro século, interioriza-se a vida urbana, com São Paulo; Mariana, em Minas; e Oeiras, no Piauí. No quinto século, a rede explode, cobrindo todo o território brasileiro. (RIBEIRO, 1995, p. 193)

Embora com a existência de cidades no Brasil desde o início da

colonização portuguesa, o processo de urbanização propriamente dito no Brasil é

iniciado apenas na década de 1940´, quando o crescimento da atividade industrial nos

centros urbanos acaba por atrair moradores (trabalhadores) da zona rural. Embora

previsível, o crescimento das cidades no país aconteceu de forma rápida e desordenada,

caótica na opinião de muitos.

Em um dos movimentos socioterritoriais mais rápidos e intensos de que se tem notícia, a população brasileira passou de predominantemente rural para majoritariamente urbana em menos de 40 anos (1940-1980). Este movimento – impulsionado pela migração de um vasto contingente de pobres – ocorreu sob a égide de um modelo de desenvolvimento urbano que basicamente privou as faixas de menor renda da população de condições básicas de urbanidade, ou de inserção efetiva na cidade. Além de excludente, o modelo de urbanização foi também concentrador: 60% da população urbana vive em 224 municípios com mais de 100 mil habitantes, dos quais 94 pertencem a aglomerados urbanos e regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes. (ROLNIK, 2006, p. 199)

A falta de uma política agrária de fixação do homem no campo,

aliada a uma produção mecanizada (que privilegia o uso intensivo de tecnologias que

excluem a mão-de-obra) e voltada (assim como na época do Brasil-Colônia) para a

exportação, acabaram por potencializar a atração que a indústria e as cidades exercem

sobre parcelas consideráveis da população. A migração continua significativa com o

desenvolvimento industrial nas décadas de 1950’ e 1960’.

Apesar da urbanização no Brasil já ter atingido níveis consideráveis

desde a década de 1970´, a ordenação jurídica do espaço urbano ganha destaque no

ordenamento jurídico somente a partir da promulgação da Constituição Federal de

1988, que em seu artigo 182 estabelece diretrizes para a política de desenvolvimento

urbano, in verbis:

DA POLÍTICA URBANA

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Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

A introdução do artigo 182 (como também do artigo 183 que trata

sobre a usucapião especial urbana) foi uma conquista da população e dos movimentos

sociais urbanos no processo de reabertura democrática ocorrida na elaboração da

Constituição Federal de 1988.

A situação da moradia no Brasil era (e continua) muito grave.

Dados colhidos em 1996 apontam um déficit grandioso a ser combatido:

As estimativas do déficit habitacional no Brasil são bastante diferentes e variam, conforme a metodologia empregada, de cinco a 13 milhões de moradias. Na prática, isso representa algo entre 20 a 52 milhões de pessoas no país que não disporiam de habitações adequadas. Há famílias morando em residências não servidas por saneamento básico (abastecimento de água e esgotamento sanitário), mais de uma família em uma única habitação, em favelas, em cortiços, meros quartos ou salas e até embaixo de pontes. (IPEA, 1996)

Mesmo assim, a regulamentação do artigo constitucional que trata

da política urbana (CF, art. 182) só ocorreu por meio da entrada em vigor da Lei nº

10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade – que estabelece uma série de

instrumentos jurídicos para a regulação do espaço urbano, embora parte considerável

destes instrumentos ainda não esteja efetivada. A ênfase dada ao conceito de

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propriedade imóvel urbana, com o aumento de sua representação e conseqüente

importância, diz respeito à sua função social, que passa a ter o direito à moradia como

conceito básico de adequação do termo.

O direito à moradia como principal característica da propriedade

imóvel passa a ser importante também para os outros direitos reais diferentes da

propriedade. Assim, os direitos reais de uso (uso, usufruto e habitação) são

direcionados pra aumentar a possibilidade de acesso à moradia sem que a propriedade

fosse obrigatoriamente transferida, já que a titularidade do imóvel permanecia com o

proprietário.

O DIREITO REAL DE USO E A CONCESSÃO DE USO

Entre os vários institutos criados pelo texto constitucional e

regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), merece especial atenção o

incremento de um dispositivo já existente no ordenamento jurídico brasileiro desde o

Código Civil de 1916: o direito real de uso. Agora, de acordo com a previsão

constitucional, o direito de uso pode ser objeto de concessão gratuita pelo Estado

(União, Estados, Municípios) para aqueles que comprovarem a posse de imóvel público

por determinado período (5 anos completados até 30 de junho de 2001, segundo o

texto legal).

O direito real de uso, como já dito, existe no ordenamento jurídico

brasileiro desde o Código Civil de 1916, que já previa a possibilidade de uma pessoa

usar a coisa de acordo com a necessidade sua e de sua família, in verbis:

Código Civil de 1916. Art. 742. O usuário fruirá a utilidade da coisa dada em uso, quanto o exigirem as necessidades pessoais suas e de sua família.

O tratamento dado ao instituto pelo Código Civil de 2002 também

não foi diferente, afirmando em seu artigo 1.412 que “o usuário usará da coisa e

perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família”.

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A possibilidade de utilização da coisa, prevista pelo Código Civil,

entretanto, tem aplicação nas relações jurídicas estabelecidas entre particulares. Mais

ainda, dependia da vontade do dono da terra em dar em uso sua propriedade, o que

acabou por restringir de forma bastante significativa sua implementação. Portanto,

apesar de importante, o uso, como estabelecido na legislação civil, teve sua eficácia

reduzida enquanto concretizador da utilização de terra alheia para qualquer finalidade,

moradia inclusive. Outros institutos como o usufruto, a locação e o arrendamento

obtiveram mais sucesso nesta empreitada. Nas palavras de MONTEIRO, “juridicamente,

este instituto não tem significação em nosso país” e parafraseando CARVALHO DE

MENDONÇA finaliza: “constitui uma dessas irrelevantes persistências que fazemos entrar

em nossas leis e a que nenhum efeito jurídico ligamos” (MONTEIRO, 2003, p. 315).

Em rápidas palavras, o direito real de uso assegura ao beneficiário

(usuário) o direito de usar o bem e, até mesmo, fruir do bem, desde que de acordo com

as necessidades sua e de sua família, podendo ser estabelecido por contrato ou

testamento. A diferença básica entre o uso e o usufruto é que, além da fruição restrita

às necessidades da família, no direito real de uso a cessão não é possível. “O uso é

direito temporário, como o usufruto. Pode recair sobre coisa móvel ou imóvel [...] Não

se compreende mesmo a cessão do exercício do uso”. (BEVILÁQUA, 1930, p. 316)

O direito real de uso estabelecido pela legislação civil, pelas óbvias

limitações de sua aplicação, foi desenvolvido e adaptado às necessidades dos entes da

administração pública para que pudesse ser aplicado em larga escala. Assim, em 1967,

por meio do Decreto-Lei n° 271/67, foi estabelecido um novo direito real de uso: a

concessão de direito real de uso, que nos termos do artigo 7° do referido Decreto-Lei é

instituída como “a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada

ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins

específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra

utilização de interesse social”.

A natureza deste instituto, estabelecido pelo Decreto-Lei n° 271/67,

já possibilitava sua utilização para que pessoas hipossuficientes e que não tenham

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acesso à propriedade imobiliária tenham preservados o direito à moradia e ao trabalho.

A concessão pode ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis e transferida por

ato inter vivos ou sucessão legítima ou testamentária (nos termos do § 4°, do art. 7°,

do Decreto-Lei n° 271/67).

Apesar das possibilidades de utilização do instituto, a

regulamentação estabelecida na década de 1960’, em pleno regime militar, acabou

sendo utilizada para fins diferentes do previsto em sua definição legal, sendo muitas

vezes freqüente a concessão remunerada em detrimento da gratuita, que possibilitaria,

respeitado o interesse público, conforme o artigo 7°, do Decreto-Lei 271/67, auxiliar na

urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de

interesse social.

Portanto, mesmo com a previsão legislativa para a utilização mais

extensiva do direito real de uso, por meio da concessão, o instituto acabou não sendo

uma opção freqüente para o administrador público e, dessa forma, não contribuiu

diretamente para a distribuição da propriedade urbana para os milhares (milhões) de

trabalhadores que chegavam (e chegam) às cidades em procura de emprego e renda e

precisam, naturalmente, de moradia.

Aliás, é correto afirmar que o impacto da concessão de uso no meio

rural também não foi significativo. Por isso, apesar do avanço em relação ao direito real

de uso estabelecido pela legislação civil, a concessão de direito real de uso também não

logrou êxito na tentativa de democratizar o acesso à propriedade imóvel. Era preciso,

como de fato ainda o é, desenvolver novos institutos que possam ser utilizados e

consigam aumentar o acesso das pessoas (principalmente hipossuficientes) à moradia.

Uma alternativa à concessão de direito real de uso estabelecido pelo Decreto-Lei 271/67

foi a criação da concessão de uso especial para fins de moradia, específica do ambiente

urbano e que foi estabelecida com fundamento no artigo 183 da Constituição Federal de

1988.

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A CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA

A concessão de uso especial para fins de moradia foi instituída

como instrumento de política urbana, especificamente de política urbana municipal

(Artigo 4°, V, “h”) e caracterizada pelos artigos 15 a 20, todos da Lei 10.257, de 10 de

julho de 2001 – Estatuto da Cidade, mas teve o seu texto original vetado pelo

Executivo, nos termos da MENSAGEM de Veto n° 730, de 10 de julho de 20016,

6 O texto original da Lei 10.257/01 era o seguinte: Da concessão de uso especial para fins de moradia Art. 15. Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados situada em imóvel público, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação à referida área ou edificação, desde que não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural. § 1o A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez. § 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. Art. 16. Nas áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados situadas em imóvel público, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam concessionários de outro imóvel urbano ou rural. Parágrafo único. Aplicam-se no caso de que trata o caput, no que couber, as disposições dos §§ 1o a 5o do art. 10 desta Lei. Art. 17. No caso de ocupação em área de risco, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício do direito de que tratam os arts. 15 e 16 desta Lei em outro local. Art. 18. O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial. § 1o Em caso de ação judicial, a concessão de uso especial para fins de moradia será declarada pelo juiz, mediante sentença. § 2o O título conferido por via administrativa ou a sentença judicial servirão para efeito de registro no cartório de registro de imóveis. § 3o Aplicam-se à concessão de uso especial para fins de moradia, no que couber, as disposições estabelecidas nos arts. 11, 12 e 13 desta Lei. Art. 19. O direito à concessão de uso especial para fins de moradia é transferível por ato inter vivos ou causa mortis. Art. 20. O direito à concessão de uso especial para fins de moradia extingue-se, retornando o imóvel ao domínio público, no caso de: I – o concessionário dar ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou sua família; II – os concessionários remembrarem seus imóveis. Parágrafo único. A extinção de que trata este artigo será averbada no cartório de registro de imóveis, por meio de declaração consubstanciada do Poder Público concedente.

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entendendo que o texto original deixava dúvidas sobre a aplicação do instituto e

contrariava o interesse público (nos termos do artigo 66, §1° da Constituição Federal),

principalmente por “não ressalvarem do direito à concessão de uso especial os imóveis

públicos afetados ao uso comum do povo, como praças e ruas, assim como áreas

urbanas de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental ou destinadas a

obras públicas”(MENSAGEM DE VETO).

Entretanto, a própria mensagem do veto admite a importância do

instituto e o Poder Executivo se compromete a submeter, com urgência, um novo texto

para garantir a concessão de uso especial para fins de moradia, in verbis:

Em reconhecimento à importância e validade do instituto da concessão de uso especial para fins de moradia, o Poder Executivo submeterá sem demora ao Congresso Nacional um texto normativo que preencha essa lacuna, buscando sanar as imprecisões apontadas. (MENSAGEM DE VETO)

O instituto tem, portanto, sua regulamentação a partir da entrada

em vigor da Medida Provisória n° 2.220, de 04 de setembro de 2001, que altera poucos

aspectos do texto original, estabelecendo que:

Art. 1°. Aquele que, até 30 de junho de 2001, possui como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1°. A concessão de uso espevial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2°. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez.

§ 3°. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse do seu antecessor, dede que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

Diante do texto estabelecido pela Medida Provisória, é possível

afirmar que a concessão tinha (ou tem) como objetivo principal regulamentar ocupações

urbanas consolidadas em terras públicas. Neste caso, a hipossuficiência é pressuposta

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diante das inúmeras restrições elencadas, tais como o tamanho do imóvel (até 250m²),

utilizado para moradia, impossibilidade de ter (ou ser cessionário) de outro imóvel etc.

Em muitos aspectos, a concessão de uso especial para fins de

moradia se aproxima da usucapião especial urbana, também conhecida como usucapião

pro moradia, que tem praticamente os mesmos requisitos. A diferença fundamental,

verdadeiro motivo da existência da concessão, é que os bens públicos não são passíveis

de usucapião (de acordo com a Constituição Federal de 1988, art. 191, p. único e

Código Civil, art. 102). Dessa forma, as ocupações urbanas já consolidadas em terras

públicas não teriam a possibilidade de regularização pela usucapião.

É importante notar que a concessão de uso como instrumento de

política urbana entende lícita a regularização de ocupações já consolidadas por, no

mínimo, 5 anos até o dia 30 de junho de 2001, mas não estende o benefício para

ocupações posteriores. Estas últimas, mais recentes, só podem ser atingidas pela antiga

concessão de direito real de uso (ECid, art. 4°, V, “g”) ou por outros instrumentos de

política urbana.

A concessão prevê, ainda, a possibilidade de que o instrumento seja

outorgado de forma coletiva, desde que a fração ideal de cada unidade não ultrapasse

os 250 m² previstos inicialmente:

Art. 2°. Nos imóveis de que trata o art. 1o, com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001, estavam ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam proprietários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. § 1°. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. § 2°. Na concessão de uso especial de que trata este artigo, será atribuída igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os ocupantes, estabelecendo frações ideais diferenciadas. § 3°. A fração ideal atribuída a cada possuidor não poderá ser superior a duzentos e cinqüenta metros quadrados.

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Além da óbvia concessão de uso, transferível por ato inter vivos ou

causa mortis (art. 7°, da MP 2.220/01), a concessão de uso especial para fins de

moradia tem uma característica que a diferencia de outros institutos e, diante da

quantidade de ocupações em áreas inadequadas, ganha destaque: a possibilidade que o

instituto tem de se consolidar em uma área diferente da ocupada pelos beneficiários.

Em outras palavras, a concessão pode ser outorgada em um imóvel

(público, naturalmente) ainda não ocupado. Este “detalhe” é de grande importância em

virtude das ocupações estabelecidas em áreas urbanas de preservação permanente ou

de risco (inundação, desabamento) e que dificilmente podem permanecer no local onde

estão instaladas.

Mesmo sabendo que a mudança do local de uma ocupação não é

algo desejável, principalmente em função dos vínculos sociais firmados pelos ocupantes

com a comunidade local (como escola, trabalho, igreja, lazer etc.), em algumas

situações não há alternativa, principalmente em situação de risco ambiental ou à saúde

e segurança dos ocupantes. Neste caso, a concessão de uso especial para fins de

moradia autoriza (de acordo com o estabelecido no art. 5°, da MP 2.220/01) e obriga

(nos casos do art. 4°, da MP 2.220/01) o poder público a estabelecer a concessão em

local diferente do possuído pelos beneficiários:

Art. 4°. No caso de a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício do direito de que tratam os arts. 1° e 2° em outro local. Art. 5°. É facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito de que tratam os arts. 1° e 2° em outro local na hipótese de ocupação de imóvel: I - de uso comum do povo; II - destinado a projeto de urbanização; III - de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; IV - reservado à construção de represas e obras congêneres; ou V - situado em via de comunicação.

Um outro ponto destacado da concessão de uso especial para fins

de moradia é a outorga administrativa do instituto. A possibilidade de regularização por

via administrativa, inclusive com prazo máximo estabelecido em lei para concessão nas

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três esferas administrativas (federal, estadual e municipal7), nas próprias razões

apresentadas pelo Poder Executivo, tem como finalidade tentar retirar um número

considerável de pedidos da esfera judicial, pelos já conhecidos problemas de

morosidade e inadequação existentes no Poder Judiciário.

O prazo estabelecido pela legislação é de 12 (doze) meses,

indicando ainda os documentos necessários para a concessão em caso de bens imóveis

da União ou dos Estados. O mesmo dispositivo legal estabelece ainda que o título

conferido administrativamente sirva como título para o registro da concessão no

Cartório de Registro de Imóveis e, no caso da concessão ser alcançada mediante

processo judicial, a sentença judicial terá natureza declaratória, também servindo como

título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. É o que se verifica no Artigo 6°

da Medida Provisória 2.220, de 4 de setembro de 2001:

Art. 6°. O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial. § 1°. A Administração Pública terá o prazo máximo de doze meses para decidir o pedido, contado da data de seu protocolo. § 2°. Na hipótese de bem imóvel da União ou dos Estados, o interessado deverá instruir o requerimento de concessão de uso especial para fins de moradia com certidão expedida pelo Poder Público municipal, que ateste a localização do imóvel em área urbana e a sua destinação para moradia do ocupante ou de sua família. § 3°. Em caso de ação judicial, a concessão de uso especial para fins de moradia será declarada pelo juiz, mediante sentença. § 4°. O título conferido por via administrativa ou por sentença judicial servirá para efeito de registro no cartório de registro de imóveis.

A extinção da concessão de uso especial para fins de moradia está

prevista no Artigo 8° da referida Medida Provisória. A extinção dá-se pela utilização com

finalidade diversa da moradia ou pela aquisição de propriedade ou uma outra concessão

de uso de imóvel urbano ou rural. A extinção do instituto será devidamente registrada

7 Sobre a possibilidade de Lei Federal estabelecer normas de concessão pública estadual e municipal, ver as breves considerações de Kiyoshi Harada, em um texto disponível na internet intitulado Concessão de uso especial de imóvel urbano, em que o Autor argüiu a pretensa inconstitucionalidade do instituto em relação às competências legislativas.

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no Cartório de Registro de Imóveis, mediante declaração da autoridade administrativa,

in verbis:

Art. 8°. O direito à concessão de uso especial para fins de moradia extingue-se no caso de: I - o concessionário dar ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou para sua família; ou II - o concessionário adquirir a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural. Parágrafo único. A extinção de que trata este artigo será averbada no cartório de registro de imóveis, por meio de declaração do Poder Público concedente.

A Medida Provisória 2.220/01 trata, ainda, da concessão de uso

especial para fins diversos da moradia, mais especificamente o uso para fins comerciais.

Neste caso, entretanto, a previsão não obriga a administração pública, sendo

estabelecida apenas como uma faculdade.

Art. 9°. É facultado ao Poder Público competente dar autorização de uso àquele que, até 30 de junho de 2001, possui como seu, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, até 250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para fins comerciais. § 1°. A autorização de uso de que trata este artigo será conferida de forma gratuita. § 2°. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. §3°. Aplica-se à autorização de uso prevista no caput deste artigo, no que couber, o disposto nos arts. 4° e 5° desta Medida Provisória.

Muito embora a concessão de uso especial para fins de moradia

esteja regulamentada desde 2001, a aplicação do instituto ainda não tem uma

repercussão pública importante. Apesar disso, muitas famílias que ocupavam áreas

públicas à época da entrava em vigor da Medida Provisória 2.220/01 (e nos termos da

MP, ou seja, há mais de 5 anos) podem ser beneficiadas pelo instituto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concessão de uso especial para fins de moradia ainda está em

desenvolvimento. Embora devidamente conceituado e regulamentado pela Medida

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Provisória 2.220/01, o instituto precisa de efetivação, o que depende da mobilização das

comunidades que podem ser atingidas pelo instituto e de agilidade da administração

pública para cadastrar as populações beneficiárias da concessão.

A importância do instituto é ainda maior em municípios que têm

grandes áreas urbanas sob o domínio de entes públicos (união, estados e municípios). É

a situação encontrada, por exemplo, nos municípios que estão localizados em ilhas

costeiras (como Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina).

A explicação advém do fato de que sendo uma ilha costeira e de

acordo com o texto constitucional originário de 1988, as terras que ainda não tinham

sido devidamente registradas quando da promulgação da Constituição Federal,

passaram para o domínio da União, de acordo com o revogado artigo 20 do texto

constitucional.

Hoje, com a nova redação do artigo dada pela Emenda

Constitucional nº 46, de 5 de maio de 2005, as terras não mais pertencem à União,

deixando aberta a possibilidade de usucapião para os possuidores que preenchem os

requisitos estabelecidos pela lei. Ocorre, entretanto, que a concessão especial para fins

de moradia não é um instrumento excludente à usucapião. Significa dizer que, mesmo

com a aprovação da Emenda Constitucional já referida, ainda há terras públicas

ocupadas irregularmente nestes municípios e que são de domínio da União, Estado ou

do próprio município, não sendo atingidas pela usucapião e podendo, dessa forma, ter a

regularização imobiliária pela concessão de uso especial.

Além disso, a regulamentação da concessão de uso especial exige

procedimento administrativo (diferente do longo processo judicial de usucapião),

estabelecendo, inclusive, prazo para resposta do Poder Público (12 meses), bem como

impõe ao Estado (União, Estado ou Município), sendo impossível a fixação da

pessoa/comunidade na área ocupada, o dever jurídico de garantir ao possuidor o

exercício do direito em outro local (MP nº 2220, de 4 de setembro de 2001, arts. 4º e

5º).

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Dessa forma, com a adoção do instituto da concessão de uso

especial para fins de moradia (individual ou coletivamente), as comunidades passam a

ser sujeitos de uma relação tradicionalmente vista como um “favor” dos poderes

constituídos, principalmente quando da construção de conjuntos habitacionais para as

pessoas localizadas em áreas de risco.

A concessão de uso especial de moradia inverte a lógica

assistencialista preconizada pelas políticas públicas de ocupação do solo urbano e deixa

a iniciativa nas mãos dos possuidores, com o poder Público sendo responsável por

tomar medidas que viabilizem o instituto.

A regularização da posse, mesmo que sem o título constitutivo de

propriedade, passa a ser, em alguns casos, a única saída para pessoas e comunidades

que ocupam áreas públicas e que, diante das regras de ocupação do solo urbano

previstas no Plano Diretor do município, não podem ter a propriedade do imóvel

consolidada. As características encontradas na concessão de uso especial de moradia

permitem uma situação confortável para os ocupantes, gravando o direito de uso como

direito real e possibilitando a transferência da concessão (seja por negócio jurídico ou

por sucessão).

A concessão de uso especial para fins de moradia, apesar de

prevista desde a Constituição Federal de 1988, ainda não alcançou a eficácia esperada.

Como um dos instrumentos urbanísticos, a concessão deve ser entendida como

fundamental para a regularização dos imóveis urbanos e, como tal, deve ser utilizado

em toda em sua amplitude, servindo como instrumento facilitador da concretização de

um direito fundamental estabelecido pelo texto constitucional (CF, art. 6º.) e vinculado

a própria dignidade da pessoa humana (CF, 1º., III) que é o direito à moradia.

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