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PATROCINADO POR: Os cuidados de saúde baseados em valor em Portugal A necessidade é a mãe da invenção Um relatório da The Economist Intelligence Unit

Os cuidados de saúde baseados em valor em Portugal · as unidades de saúde familiar e um novo processo para a reavaliação de tecnologias de saúde. No período de Novembro a Dezembro

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PATROCINADO POR:

Os cuidados de saúde baseados em valor em PortugalA necessidade é a mãe da invenção

Um relatório da The Economist Intelligence Unit

1© The Economist Intelligence Unit Limited 2016

Os cuidados de saúde baseados em valor em Portugal: a necessidade é a mãe da invenção

Índice

Sobre este relatório 2

Introdução 3

Capítulo 1: Evolução de um sistema em crise 4

Capítulo 2: A era da reforma pós-crise 8

Conclusão 11

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Os cuidados de saúde baseados em valor em Portugal: a necessidade é a mãe da invenção

Os cuidados de saúde baseados em valor em Portugal: a necessidade é a mãe da invenção é um relatório da Economist Intelligence Unit (EIU), encomendado pela Gilead Sciences. Os cuidados de saúde baseados em valor analisam os resultados para a saúde obtidos pelos tratamentos, por oposição aos custos. Neste documento em particular, a EIU examina a forma como a recente crise económica e financeira moldou a avaliação de tecnologias de saúde em Portugal, o papel do sector hospitalar enquanto fonte de poder descentralizado e as iniciativas promissoras dos cuidados de saúde integrados, as unidades de saúde familiar e um novo processo para a reavaliação de tecnologias de saúde.

No período de Novembro a Dezembro de 2015, a EIU realizou três entrevistas com peritos em cuidados de saúde baseados em valor em Portugal. As perspectivas informadas obtidas com estas entrevistas aprofundadas são reveladas ao longo do relatório. A EIU gostaria de agradecer aos seguintes indivíduos (listados por ordem alfabética) por terem partilhado os seus conhecimentos e a sua experiência:

l Pedro Pita Barros, Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa

l Ricardo Baptista Leite, ex-deputado do Parlamento português

l Carlos Gouveia Pinto, Professor Associado do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa

A EIU é a única responsável pelo conteúdo deste relatório. As conclusões e os pontos de vista expressos no relatório não reflectem necessariamente os pontos de vista da entidade patrocinadora. Andrea Chipman foi a autora do relatório e Martin Koehring foi o editor.

Dezembro de 2015

Sobre este relatório

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Os cuidados de saúde baseados em valor em Portugal: a necessidade é a mãe da invenção

Introdução

Apesar de ser um dos mais pequenos e menos abastados países da União Europeia, Portugal tem estado à frente de muitos dos seus vizinhos ao tornar a medição do valor numa parte activa do seu processo de avaliação de tecnologias de saúde (ATS). Como um dos estados da UE mais negativamente afectados pela crise financeira mundial de 2007-08, Portugal viu-se igualmente forçado a adaptar-se a restrições económicas que, por sua vez, ajudaram a enquadrar a evolução da sua abordagem à ATS.

A economia de Portugal guiou-se por um exigente Memorando de Entendimento (MoU) com a troika – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional – entre 2011 e 2014, que colocou o país sob restrições económicas severas, de acordo com Ricardo Baptista Leia, ex-deputado do Parlamento português e perito em doenças infecto-contagiosas e saúde pública.

Com um sistema de saúde financiado principalmente através de impostos gerais e por uma população ligeiramente inferior a 11 milhões de habitantes, a despesa total de Portugal (nos sectores público e privado) em cuidados de saúde chegou aos 9,1% do PIB em 2013, de acordo com os dados mais recentes da OCDE. Este valor está acima da média da OCDE e foi o 14º nível mais alto da despesa face ao PIB entre os 34 membros da OCDE nesse ano. Contudo, em termos per capita (a preços constantes e presumindo paridade do poder de compra), os gastos com os cuidados de saúde em Portugal classificaram-se apenas em 25º lugar, com uma queda nos gastos desde 2011, aquando da introdução do MoU.

"E contudo, apesar do facto de a troika falar muito na saúde baseada em valor, todas as medidas aplicadas ao sistema de saúde português foram meramente financeiras", afirma o Dr. Leite. "Claro está, cumprimos os requisitos, mas também tivemos uma perspectiva clara, e o que decidimos fazer foi alcançar não apenas a solvência financeira mas, também, a sustentabilidade".

Os esforços para aumentar a eficiência, bem como um maior ênfase nos medicamentos genéricos, foram contrabalançados por um aumento do consumo dos cuidados de saúde, dificultando o refrear dos custos. Preocupações continuadas quanto à escalada dos custos dos cuidados de saúde, bem como o desejo de retirar o maior proveito possível de recursos limitados, levaram a uma série de reformas do sistema de saúde, incluindo um aumento da integração da prestação de cuidados de saúde, a atribuição de uma maior autonomia aos prestadores de cuidados de saúde na configuração das suas próprias clínicas de cuidados de saúde primários e, mais recentemente, uma remodelação do sistema de ATS do país.

Para além de um maior investimento nos cuidados de saúde preventivos, como explica o Dr. Leite, "tentámos mudar a forma como estávamos a financiar não apenas os hospitais, mas também o acesso à inovação. Tem sido um processo mais lento, mas conseguimos algumas alterações importantes".

Este documento irá abordar primeiro a evolução do sistema de reembolso e definição de preços de Portugal, no âmbito da crise económica e financeira e irá, em seguida, examinar a era de reforma pós-crise.

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Capítulo 1: Evolução de um sistema em crise1

Tradicionalmente, o processo de avaliação de tecnologias de saúde (ATS) tem-se limitado a produtos farmacêuticos. Contudo, uma das mais recentes iniciativas de reforma do país tem por objectivo submeter os dispositivos médicos a avaliações semelhantes. O país é também fora do vulgar na forma como a responsabilidade pela despesa com os cuidados de saúde é atribuída. Embora a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) esteja encarregue de definir orçamentos, os hospitais têm poderes significativos sobre a atribuição de fundos.

Um sistema de partilha de custosO sistema de saúde português é disponibilizado por três sistemas co-existentes e sobrepostos. Um destes é universal, enquanto os outros dois se caracterizam por um acesso mais limitado. Estes sistemas englobam tanto prestadores privados como públicos e diferentes níveis de partilha de custos.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) de Portugal tem disponibilizado uma cobertura de cuidados de saúde universal desde 1979, provindo os seus fundos de impostos gerais. Inclui uma gama de prestadores públicos e privados. Contudo, não existe nenhuma cobertura abrangente para todos os serviços.

Certas profissões têm acesso a programas de seguros especiais públicos e privados, conhecidos como "sub-sistemas de saúde", os quais disponibilizam uma cobertura abrangente ou parcial a entre um quinto e um

quarto da população. Os planos são financiados através de contribuições por empregados e empregadores, incluindo contribuições estatais para os que estão empregados no sector público.1

Para terminar, mais 10% a 20% são abrangidos por fundos de seguros privados ou de seguros de saúde voluntários (SSV).

O nível de partilha de custos por cuidados de saúde mais elevado de todos aplica-se a produtos farmacêuticos, com níveis de reembolso oscilando entre 0% e 100% e co-pagamentos reduzidos por parte de certos grupos da população, tais como os pensionistas. Os doentes com problemas de saúde que tenham um maior impacto na qualidade de vida, incluindo cancro e algumas doenças crónicas, são elegíveis para reembolso integral de medicamentos essenciais ou que salvam vidas humanas, como a insulina.2

A autorização, regulamentação, distribuição e vigilância de produtos farmacêuticos e dispositivos médicos está sob a alçada da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. (INFARMED), que foi fundada em 1993 como parte do Ministério da Saúde. O INFARMED conduz avaliações de tecnologias de saúde e recomenda o reembolso apenas para produtos farmacêuticos; como iremos ver no Capítulo 2, as reformas ao sistema de ATS introduzidas em 2014 permitirão empreender avaliações económicas tanto a medicamentos como a dispositivos médicos.

1 Barros, PP, Machado, SR et al, “Portugal Health System Review”, Health Systems in Transition, Vol. 13, N.º 4, 2011, Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, p. xvi.

2 Ibid.

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O INFARMED é responsável tanto por decisões de reembolso como pela reavaliação de tecnologias aprovadas, com base num perfil comparativo de eficácia, segurança e eficiência de custos: um processo que pode levar a uma alteração ou redução do preço ou da taxa de reembolso, bem como à remoção da lista de medicamentos reembolsáveis. Decisões quanto ao reembolsar ou não um medicamento são baseadas no tipo de doença e nos elementos específicos da situação do doente, incluindo a gravidade da doença ou a importância de prolongar a vida.

A agência começou a emitir directrizes para a execução de estudos sobre a eficácia de custos de medicamentos à venda em farmácias já em 1998, tornando-a uma das primeiras agências de ATS na Europa a fazê-lo.3 Em 2006, este mandato foi alargado a medicamentos hospitalares.

A lista de medicamentos aprovados para doentes externos, que é actualizada mensalmente, inclui mais de 7.200 medicamentos, dos quais 4.300 são considerados essenciais. Os medicamentos não essenciais estão sujeitos a co-pagamentos substanciais, entre 31% e 85%.4

No sector dos doentes internados, para poderem ser receitados, os medicamentos têm obrigatoriamente de estar incluídos tanto no Formulário Hospitalar Nacional de Medicamentos como nos formulários hospitalares locais; se não for esse o caso, os prescritores têm obrigatoriamente de apresentar uma justificação para utilizarem o medicamento em questão. Estes requisitos podem resultar em desigualdades de acesso de hospital para hospital ou de região para região.

O INFARMED é responsável por determinar o preço máximo do fabricante para medicamentos receitados a doentes externos. A agência utilizou preçários de referência internacionais baseados no preço médio em países seleccionados da UE desde 2003. A partir de 2007, utilizou preços de quatro países: Espanha, França, Itália e Grécia. Em 2015, estes países de referência foram alterados para passarem a incluir a França, a Espanha e a Eslováquia, sendo a média dos três países utilizada para o mercado de venda ao púbico e o mais baixo de todos para os preços para hospital.5 O preçário de referência internacional é utilizado para todos os medicamentos, excepto os genéricos.

No caso de medicamentos apenas para utilização hospitalar, é utilizada uma combinação semelhante de preçário de referência e de avaliação de reembolso central. Contudo, quando este reembolso é aprovado, cada hospital pode, individualmente, rever a utilização de um medicamento e fazer um contrato de compra com o fabricante. A decisão de reembolso central não é seguida por uma atribuição de fundos para medicamentos. Assim, os hospitais são os detentores do orçamento para medicamentos. Aos hospitais não é permitido comprar medicamentos nem negociar a respectiva utilização se não tiverem sido aprovados nacionalmente para reembolso. Em 2007, o Parlamento português aprovou legislação introduzindo preços máximos, baseados nos preços mais baixos de todos do conjunto de países de referência e nos controlos de orçamento para novos medicamentos em hospitais públicos, exigindo a avaliação de novos medicamentos com base no valor acrescentado terapêutico e na eficiência de custos.6

Ainda assim, em 2008, a despesa com produtos farmacêuticos de Portugal, não incluindo medicamentos hospitalares, foi de cerca de 2,1% do PIB, comparativamente mais alta do que em muitos outros países da OCDE.

Definição de orçamento para a saúde numa época de austeridadeO Governo tem negociado com regularidade com as empresas farmacêuticas, num esforço para reduzir a despesa governamental no geral. Desde 1997, o sector assinou com regularidade acordos de enquadramento com os Ministérios da Saúde e das Finanças, empenhando-se em implementar reformas, limites da despesa e contribuições financeiras por parte do sector. Em 2014, o reembolso por parte do sector ascendeu a 160 milhões de euros (173 milhões de dólares) e, para 2015, ficou acordado em 180 milhões de euros.7 Isto representa mais de 7% do total da conta anual de medicamentos (em preços de venda ao público).

Para além disso, o Governo introduziu, repetidamente, cortes nos preços de medicamentos, incluindo uma redução de 30% para genéricos em 2008, um desconto obrigatório de 6% no preço de venda ao público de todos os medicamentos reembolsáveis e uma redução de 7,5%

3 Ibid., p. 45.

4 Vogler S and Leopold C, “Access to essential medicines in Portugal”, encomendado pela Health Action International Europe, Julho de 2009, pp. 27 e 32.

5 Ministério da Saúde, Decreto-Lei n. 97/2015, 1 de Junho de 2015. Disponível em: http://www.portaldasaude.pt/NR/rdonlyres/96677839-3EB3-4ABF-B7E8-B9CDF2B43D3D/0/Decreto_Lei97_2015_SiNATS.pdf

6 Barros et al, “Portugal Health System Review”, p. 45.

7 IMS, “ Portugal: Compromise Reached over Payback Agreement”, IMS Pharma Pricing & Reimbursement, Janeiro de 2015, Vol. 20, N.º 1, p. 18.

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em produtos biológicos em 2010, e um corte em 1.400 medicamentos de marca em 2013.

Sob o acordo com a troika – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional – alcançado em 2011, o Governo concordou em limitar a despesa com medicamentos a 1,25% do PIB em 2012 e a cerca de 1% do PIB em 2013 e 2014, segundo Carlos Gouveia Pinto, Professor Associado do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa.

Os esforços de Portugal no sentido de introduzir reformas à sua política de preçário de medicamentos contribuíram para reduções significativas na despesa com produtos farmacêuticos desde 2010. O total da despesa em medicamentos de venda ao público no SNS português estabilizou em menos de 1,2 mil milhões de euros por ano, entre 2012 e 2014, tendo baixado de mais de 1,6 mil milhões de euros em 2010.8 Os dados da OCDE mostram que, em Portugal, a despesa com produtos farmacêuticos per capita em termos reais desceu, numa média anual de 6,8% durante o período de 2010 a 2013, enquanto as vendas se mantiveram relativamente estáveis na OCDE, em média, no mesmo período.9

Os medicamentos genéricos constituíram uma parte essencial da concentração do controlo de custos na política farmacêutica portuguesa, a qual combinou tanto reduções de preços como um aumento nas taxas de reembolso, para proporcionar incentivos. A quota de mercado de medicamentos genéricos alcançou os 22,6% do valor total das vendas do mercado farmacêutico (a preços à saída da fábrica) em Portugal em 2013 – acima de países como a Grécia (15,1%) e a Espanha (18,5%), mas abaixo da Itália (41,5%) e da Polónia (54,8%) – de acordo com dados da Federação Europeia de Indústrias e Associações Farmacêuticas (EFPIA).10

Não obstante, embora os esforços para controlar a despesa se tenham revelado mais eficazes no sector dos doentes externos, não o foram tanto no sector hospitalar, de acordo com o Professor Gouveia Pinto.

O sector hospitalar: uma fonte de poder descentralizadoTradicionalmente, o sector hospitalar tem tido uma autonomia significativamente maior e tem estado menos

sujeito aos indicadores de desempenho do que outras partes do sistema de cuidados de saúde português.

O Ministério das Finanças faculta ao Ministério da Saúde um orçamento global para o serviço de saúde, o qual é atribuído a instituições individuais dentro do sistema, incluindo os hospitais públicos. O Ministério introduziu grupos de diagnósticos homogéneos (GDH) de forma gradual, de 1997 a 2002. A partir de 2003, foram utilizados para definir a atribuição do total de fundos para os hospitais do SNS e os cuidados de saúde a doentes internados, correspondendo a entre 75% a 85% do orçamento dos hospitais públicos para doentes internados.11 As autoridades portuguesas utilizam os GDH para definir os orçamentos dos hospitais, em vez de definirem pagamentos para sequências de tratamentos. Uma vez que o sistema de GDH exige a recolha de dados com base em doentes individuais, o melhoramento daí resultante em termos da informação disponível ajuda os hospitais no ajuste dos seus orçamentos para uma mistura de casos e noutros factores específicos dos hospitais, permitindo assim uma maior uniformidade na atribuição dos recursos.12

O serviço de saúde investiu na execução de testes clínicos dentro dos hospitais, como parte da sua estratégia de saúde, permitindo tanto o compromisso com o sector farmacêutico como o acesso antecipado a novas tecnologias para uso compassivo. Contudo, o facto de as administrações dos hospitais poderem negociar directamente com as empresas farmacêuticas cria os seus próprios problemas, como realça o Dr. Leite.

"A maior parte das vezes, para a maior parte das patologias, existem três ou quatro medicamentos de primeira linha, e isto leva a disparidades regionais, o que é prejudicial para o SNS porque faz com que seja mais difícil negociar o preço com base no volume", afirma. Ao mesmo tempo, acrescenta, os administradores dos hospitais não estão dispostos a abdicar desta fonte de poder. "Um sistema regional funcionaria melhor, pois as agências poderiam supervisionar-se umas às outras e mostrar que poderiam comparar preços."

Nalguns casos, os hospitais conseguiram negociar com sucesso descontos adicionais sobre o preço máximo aprovado pelo Governo, segundo afirma Pedro Pita

8 INFARMED e ACSS na apresentação por João Almeida Lopes, presidente da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), para a conferência Rethinking Pharma, 2015.

9 OCDE, Estatísticas de Saúde da OCDE de 2015.

10 EFPIA, The Pharmaceutical Industry in Figures, Key Data 2015, p. 17. Disponível em: http://www.efpia.eu/uploads/Figures_2015_Key_data.pdf

11 Barros et al, “Portugal Health System Review”, pp. xvii, 70-71.

12 Ibid., p. 70.

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Barros, Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Acrescenta ainda que alguns hospitais conseguiram também criar consórcios para obterem volumes maiores, a fim de melhorarem as negociações com as empresas farmacêuticas.

Portugal tem envidado esforços nos últimos anos no sentido de reformar o sector hospitalar e introduzir melhoramentos na qualidade dos cuidados de saúde, incluindo a introdução de novos modelos de gestão, novos sistemas de pagamento e novas normas de segurança.

Como parte integrante deste processo, os hospitais instituíram vários indicadores de desempenho que reflectem o acesso, a qualidade, a produtividade e o financiamento. A OCDE louvou a abordagem portuguesa à monitorização da qualidade e ao melhoramento, como sendo "particularmente sofisticada", empregando registos específicos para cada doença e registos eletrónicos dos doentes para ajudar a impulsionar as reformas.13

Contudo, apesar da compilação de dados abrangentes referentes às actividades hospitalares e aos resultados da prestação dos cuidados de saúde, Portugal ainda não

conseguiu estabelecer uma relação significativa entre os incentivos e a qualidade dos serviços hospitalares – apenas 5% da receita hospitalar estão relacionados com indicadores de desempenho relevantes.14

Nalguns casos específicos, o Governo tem tentado afastar-se do actual sistema de orçamento global, para modelos nos quais os hospitais são financiados através de contratos pagos por cada doente. O Dr. Leite faz referência ao tratamento do HIV, onde os hospitais são elegíveis para taxas de reembolso mais altas se melhorarem a saúde dos doentes, por exemplo mantendo as contagens dos vírus baixas e as contagens do CD4 (uma parte importante do sistema imunológico dos seres humanos) altas em doentes com HIV. "É um exemplo interessante", afirma, "e é um modelo que precisa de ser aperfeiçoado, mas acho que é um passo na direcção certa".

Contudo, e como aponta a OCDE, continuam a existir problemas em manter a coerência das práticas clínicas no sector como um todo, acrescentando que o sistema de saúde português ainda é "excessivamente baseado" no sector hospitalar.15

13 “Portugal: Raising Standards,” OECD Reviews of Health Care Quality, 27 de Maio de 2015, p. 3.

14 Ibid., p. 33.

15 Ibid., pp. 14 e 19.

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O impacto da crise financeira mundial e as restrições em particular introduzidas como resultado das negociações da troika com Portugal constituíram o catalisador para uma série de reformas que se iniciaram em 2010.

Nomeadamente, os hospitais foram forçados a apresentar uma estratégia para a redução das suas despesas e os prestadores de cuidados de saúde foram incentivados a prestarem cuidados de saúde mais integrados. Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde contratou médicos reformados, para lidar com uma falta de médicos, e fundou um grupo para a reforma dos cuidados de saúde primários, juntamente com um novo modelo de gestão para moldar as reformas.16

Estas políticas assentaram em esforços visando aumentar a autonomia dos doentes, incluindo um aumento da utilização de Web sites e outras formas de informação posta ao dispor dos consumidores de saúde. Mais recentemente, o Governo empreendeu um plano ambicioso no sentido de fazer uma remodelação do seu sistema de condução de avaliação de tecnologias de saúde.

Cuidados de saúde integradosEm comparação com muitos dos seus vizinhos europeus, Portugal tem estado na vanguarda dos países da OCDE na introdução da prestação de serviços de cuidados de saúde mais integrados.

Em 2008, o Governo começou a desenvolver vias para a prestação de cuidados de saúde integrados, a fim de lidar

com uma população envelhecida e com taxas aumentadas de doenças crónicas, tendo publicado as suas novas directrizes em 2013. Estas vias envolvem a coordenação de serviços médicos e de enfermagem em hospitais, cuidados de saúde primários e cuidados de saúde a longo prazo.17

Como parte deste processo, o Governo definiu programas integrados de gestão de doença, caracterizados por um equilíbrio entre incentivos e sanções, para melhorar a prestação de cuidados para problemas de saúde como obesidade, doença renal crónica e hipertensão pulmonar.18

"A abordagem integrada não será aplicável a todos, mas, se se tratar de uma doença com uma prevalência elevada ou um impacto elevado no orçamento, poderá fazer sentido ter um programa que integre todos os serviços, certificando-nos de que o sistema de financiamento não está atribuir fundos a procedimentos administrativos", faz notar o Dr. Leite. Esta abordagem é especialmente importante para doenças como a diabetes, que ainda tem uma prevalência de 13% em Portugal, significativamente mais alta do que a média da OCDE, acrescenta.

Neste momento, contudo, continua a ser difícil aferir de forma conclusiva se a estrutura de cuidados de saúde integrados levou ao melhoramento dos resultados para os doentes, segundo o Professor Pita Barros. "Avaliações parciais parecem apontar para uma diferença não muito grande em termos de resultados e de produtividade, embora, a meu ver, seja necessária uma análise mais abrangente e seja preciso ter o cuidado de fazer as

Capítulo 2: A era da reforma pós-crise2

16 Ibid., pp. 17ff.

17 Ibid., p. 14.

18 Ibid., p. 19.

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comparações adequadamente", afirma, acrescentando que isto se deve, em parte, à concentração da atenção nos resultados do doente ainda não ser predominantemente aceite dentro do sistema.

Unidades de saúde familiarPortugal tem tradicionalmente dado uma prioridade alta aos cuidados de saúde hospitalares, mas o sistema de saúde tem sofrido com um número relativamente baixo de médicos de clínica geral (clínicos gerais), em comparação com outros países. Simultaneamente, o serviço de saúde restringe o acesso a cuidados de saúde por médicos especialistas, desempenhando os clínicos gerais um papel de filtragem, o que leva a que muitos utilizadores contornem o seu posto de saúde local e procurem atendimento nos serviços de urgência.19 Reformas recentes à prestação de cuidados de saúde tentaram corrigir esta situação, ao melhorarem a eficiência ao nível da disponibilização de cuidados de saúde.20

Em particular, tem havido um esforço no sentido de examinar mais atentamente a eficiência e os resultados no sistema de cuidados primários, o qual é actualmente dominado por dois modelos diferentes: unidades de cuidados de saúde primários (UCSP) e unidades de saúde familiar (USF). As UCSP são a forma tradicional de disponibilização de cuidados de saúde primários em Portugal e operam sob uma cadeia de comando com decisões tomadas por administradores de saúde regionais e por profissionais de cuidados de saúde empregados como funcionários públicos. Em 2007, o Governo fundou um modelo novo – as unidades de saúde familiar – com o objectivo de aumentar a coordenação entre prestadores multidisciplinares, dando aos clínicos gerais e aos enfermeiros de cuidados primários maior flexibilidade e aumentando a proximidade dos clínicos gerais aos doentes. As USF geralmente são compostas por entre três a oito clínicos gerais e o mesmo número de enfermeiros de família, que são convidados a se voluntariarem para formarem os seus próprios grupos de parceria, para disponibilizarem cuidados de saúde em conjunto.

Existem algumas outras diferenças entre as USF e as UCSP. Casos graves são tratados em instalações separadas dotadas de clínicos gerais em algumas UCSP, enquanto as USF tratam casos graves durante o horário normal dos clínicos gerais. As UCSP apenas lidam com consultas

médicas, enquanto as USF disponibilizam também consultas regulares com enfermeiros.21 Sob este sistema, as equipas de USF recebem pagamentos relacionados com o desempenho, recompensando a acessibilidade e a qualidade, incluindo o seu sucesso em controlar a hipertensão, evitar complicações da diabetes em doentes, ou outros indicadores de saúde.22

A OCDE nota que as reformas "foram bem-sucedidas no melhoramento da acessibilidade, eficiência, qualidade e continuidade dos cuidados de saúde, bem como em aumentarem a satisfação tanto dos profissionais, como dos cidadãos".23 Contudo, ainda existem desafios. Segundo a OCDE, as USF parecem ter um desempenho consistentemente superior às UCSP, pelo que certas partes da população têm acesso a cuidados de saúde com maior qualidade do que outras. A OCDE propõe que o Governo poderia fazer mais no sentido de incentivar as UCSP a transformarem-se em USF, inclusivamente pela introdução de incentivos.24 Isto é particularmente crucial visto a iminente falta de clínicos gerais, à medida que muitos vão atingindo a idade da reforma, e dado os ganhos potenciais a serem colhidos do desenvolvimento do papel do enfermeiro de família.

"Agora que as evidências são de tal forma claras, temos realmente que pensar em como podemos motivar quem ainda não está interessado em adoptar o novo sistema", afirma o Dr. Leite, que designa o programa um "ensaio clínico em circunstâncias reais numa era de austeridade".

SiNATS: um processo contínuo de avaliaçãoA mais notável das reformas recentes ao sistema de saúde português foi a introdução de uma nova avaliação de tecnologias de saúde do sistema nacional de saúde, o Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde (SiNATS), enquanto parte integrante do INFARMED em 2014.

Anteriormente, como já vimos, o INFARMED utilizava a ATS para ajudar a definir o preçário e o reembolso de medicamentos, bem como para controlar a despesa, utilizando simultaneamente medidas de eficiência relativa e de eficiência de custos.

O SiNATS alarga o sistema de avaliação a todos os tipos de tecnologia, a começar pelos dispositivos médicos, e dá

19 Ibid., p. 99.

20 Barros et al, “Portugal Health System Review”, p. xviii.

21 Portugal: Raising Standards, p. 25.

22 Ibid., p. 19.

23 Ibid., p. 14.

24 Ibid., p. 25.

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prioridade a acordos de financiamento com os fabricantes, baseados em contratos. Espera-se que o processo de avaliação analise a viabilidade de acordos de partilha de riscos e a necessidade da monitorização adicional de medicamentos. Sob o sistema de contratos, mais formal, virá a esperar-se das empresas farmacêuticas que reembolsem o excedente caso ultrapassem as projecções orçamentais, e que a eficiência de custos seja calculada tanto na pré- como na pós-comercialização.

Uma questão essencial que o SiNATS procura resolver são as deficiências do actual modelo de reembolso que, segundo o Dr. Leite, tende a ser inconsistente e político. O SiNATS vai reavaliar as tecnologias existentes, comparando-as com alternativas, utilizando tanto as informações dos fabricantes como os dados dos resultados dos doentes obtidos a partir dos registos nacionais dos doentes tratados no SNS para problemas de saúde como HIV/SIDA.25 "O que se pretende é ter um processo contínuo de avaliação", afirma o Professor Gouveia Pinto.

Uma questão essencial que o SiNATS procura resolver são as deficiências do actual modelo de reembolso que, segundo o Dr. Leite, tende a ser inconsistente e político. "A verdade é que, feitas as contas, o modelo não é tão perfeito como gostaríamos que fosse: a questão é se o Estado irá reembolsar o medicamento, apesar de ter ficado aprovado na ATS", afirma.

Consequentemente, o SiNATS procura garantir que o processo de ATS se torne mais transparente e simplificado e que envolva uma gama mais alargada das partes interessadas, incluindo associações de doentes.

O Professor Gouveia Pinto sustenta que a introdução do SiNATS foi motivada pela convicção do Governo de que a regulamentação das despesas com medicamentos hospitalares era ineficiente. "Embora os médicos concordem mais com sistemas de eficiência, o SiNATS está a levar em conta os resultados e não apenas a contenção de custos", comenta.

A criação do SiNATS e os respectivos novos procedimentos de avaliação têm o potencial de trazer atrasos adicionais às decisões referentes a novas tecnologias, especialmente durante o processo de preçário e reembolso. Espera-se que o maior impacto deste desafio ocorra nos medicamentoshospitalares de marca, como os utilizados no tratamento

do cancro e de doenças raras, embora o INFARMED tenha declarado estar a analisar formas de proporcionar uma via que permita o acesso acelerado a medicamentos inovadores que sejam promissores.

Um factor essencial que irá determinar o sucesso do SiNATS é a sua capacidade para ser impiedoso na retirada do mercado de tecnologias cuja eficácia já não seja suportada por provas científicas. Como afirma o Dr. Leite, "Acho que a única forma que nos vai permitir corrigir o problema do reeembolso é o estabelecimento de um limite à despesa total com medicamentos e a negociação com todos os parceiros do sector. Precisamos de definir regras totalmente transparentes, e temos de ter a garantia por parte do Estado de que irá haver cumprimento da sua parte."

O Professor Gouveia Pinto nota que "embora o SiNATS leve em conta o desinvestimento, e exista uma lei específica para isso, não é claro de que forma isso irá ser concretamente implementado".

Construir uma melhor infra-estrutura de informação e de tomada de decisãoEnquanto procura a implementação desta abordagem mais baseada em provas à avaliação de novas tecnologias, Portugal pode utilizar a "infra-estrutura rica em informação", a qual é significativamente mais alargada a todo o seu sistema de cuidados de saúde do que acontece noutros países. Isto inclui não apenas registos de doenças e identificadores electrónicos de doentes, mas também a Plataforma de Dados da Saúde de Portugal, incluindo um portal para doentes, profissionais e instituições.26

Em 2003, como parte dos esforços para garantir um serviço de cuidados primários de alta qualidade, o Governo criou uma nova entidade reguladora: a Entidade Reguladora da Saúde (ERS). A agência concentra-se na promoção dos direitos dos doentes, ao disponibilizar indicadores de qualidade da prestação de cuidados e outras informações, a fim de permitir a escolha informada aquando da selecção de prestadores de cuidados de saúde; a regulação de falhas do mercado, incluindo o combate à desigualdade de acesso aos cuidados de saúde; e a regulamentação da interacção económica entre as diferentes partes do sistema de cuidados de saúde, através da concorrência.27

25 Ibid., p. 2.

26 Ibid., p. 21.

27 Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, Health Systems in Transition (HiT); perfil de Portugal.

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Os cuidados de saúde baseados em valor em Portugal: a necessidade é a mãe da invenção

população portuguesa que acha que o sistema de saúde precisa de alterações fundamentais, ou até mesmo de uma restruturação completa, caiu para 54% em 2015, de 80% em 2002. A este valor contrapõe-se uma média de 51% em toda a UE.28

Portugal irá fazer frente ao desafio de acelerar as reformas no sector hospitalar, para melhorar ainda mais os resultados e para garantir que o sistema de financiamento constitui um incentivo ao melhoramento dos resultados da saúde. Para além disso, terá de aperfeiçoar a iniciativa SiNATS para se assegurar de que um sistema de avaliação contínuo e mais abrangente para as novas tecnologias não constitui um obstáculo aos doentes que delas necessitam. E, para terminar, o elo entre a decisão do reembolso e a atribuição de fundos permanece um desafio por resolver.

No desenvolvimento do seu sistema para avaliação e autorização de novas tecnologias, Portugal levou em conta a análise de custos-benefícios com grande antecedência em relação a muitos dos seus países vizinhos mais abastados. Anos de austeridade económica e de restrições impostas pela troika forçaram o país a encontrar formas mais inovadoras de obter o máximo valor possível por parte deste processo.

Em resultado da experimentação, Portugal também implementou reformas significativas na prestação de cuidados de saúde primários e de cuidados integrados, embora ambas estas áreas continuem em desenvolvimento.

Existem, contudo, sinais positivos a retirar das iniciativas das reformas: de acordo com dados de inquéritos da OCDE, a percentagem da

Conclusão

28 Portugal: Raising Standards, p. 22.

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