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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
LITERATURA GÓTICA: UMA SUGESTÃO DE TRABALHO COM
CONTOS GÓTICOS
Luciana Andrade dos Santos de Souza Magrani1
Alice A. Matsuda 2
Resumo O presente artigo apresenta os resultados obtidos com a execução do projeto de Intervenção Pedagógica, intitulado “Literatura Gótica: Vai encarar?” E teve como objetivo despertar nos alunos do Ensino Médio o interesse e a consciência da importância da Literatura Gótica. Esta produção constitui a última etapa do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), espaço disponibilizado pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED/PR) ao docente da rede pública estadual para o aperfeiçoamento de sua formação, tendo como fundamentação teórico-metodológica o uso do Método Recepcional, elaborado pelas autoras Maria da G. Bordini e Vera T. Aguiar (1993), considerando os pressupostos da Estética da Recepção, de Jauss. O Projeto, centrado nas ideias de intervenção pedagógica e a Unidade didática, que fundamentaram as discussões levantadas neste artigo, têm como objeto as obras: Passeio Noturno, de Rubem Fonseca (1994), O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde (1890), Poesias, de Augusto dos Anjos (2003), A noite na Taverna, de Álvares de Azevedo (1855), Venha ver o pôr do sol, de Lygia Fagundes Telles (2007) e por fim O Gato Preto, de Edgar Allan Poe (2005). As escolhas foram motivadas pela necessidade de o aluno-leitor perceber-se como coautor, e como um sujeito ativo, elemento essencial à produção de sentido do texto, também porque a leitura expande sua proficiência, seu repertório cultural, sua visão de mundo e suas relações sociais cotidianas. Os tópicos do projeto apontam para uma alternativa metodológica para o ensino e aprendizagem da Literatura em sala de aula, dando enfoque à tríade autor-texto-leitor mediante o desenvolvimento das etapas do Método da Teoria Recepcional, trabalhando com o horizonte de expectativas. Palavras-chave: Leitura. Escrita. Formação do Leitor. Interação. Estética da Recepção.
Abstract The article presents the results achieved from the implementation of the Pedagogical Intervention project, entitled “Gothic Literature: Are you up to it?”, and aimed to rouse the interest and the knowledge of the importance of Gothic Literature on the High School students. This production constitutes the last stage of the Education Development Program (EDP), space provided by the State Secretariat for Education of Paraná (SEED/PR) to the teachers of the state public schools to improve their formation, having as theoretical-methodological foundation focused on the use of the Recepcional Method, developed by the authors Maria da G. Bordini and Vera T. Aguiar (1993), considering the assumption of the Reception Theory, of Jauss. The project, focused on the ideas of the pedagogical intervention and the didactic unit, that based the discussions raised on this article, has as objective the titles: Night Tour of Rubem Fonseca (1994), The Picture of Dorian Gray,of Oscar
1Professora PDE, Licenciada em Letras- Português e Espanhol, Pós-graduada em Língua Portuguesa
e Literatura Brasileira. Vinculada ao Colégio Estadual João XXIII E.F.M. – localizado no Município de Campo Largo. E-mail: [email protected] 2 Professora Orientadora, graduada em Letras Anglo Portuguesas pela Universidade Estadual de
Londrina, mestrado em Letras - Literatura e Ensino - pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001) e Doutorado em Letras - Estudos Literários - pela Universidade Estadual de Londrina (2009). Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Curitiba. Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL). E-mail: [email protected]
Wilde (1890), Poetry, of Augusto dos Anjos (2003), The night in the Tavern, of Álvares de Azevedo (1855), Come see the sunset, of Lygia Fagundes Telles (2007), and finally The Black Cat, of Edgar Allan Poe (2005). The choices were motivated by the need of the student-reader perceive himself as co-author, and as an active subject, essential element to sense of the text, also because reading expands the proficiency, the cultural repertoire, the vision of world and the daily life relations. The project topics point to a methodological alternative for the Literature teaching and learning classes, focusing on the triad author-text-reader through the development of the stages of the Recepcional Method, working with the expectation horizon. Keywords: Reading. Writing. Formation of the reader. Interaction. Reception Theory.
Introdução
A finalidade da busca de novas abordagens ante o trabalho com a literatura
na escola é motivar o aluno-leitor a conhecer e compreender os sentidos explícitos e
implícitos que constituem a “arte da palavra”. Assim, estimular o contato dos alunos
com a variedade de relações entre arte e vida e entre o individualismo e as relações
sociais, é proporcionar um olhar mais crítico diante da Literatura, afinal, a leitura, de
um modo geral, cerca o leitor cotidianamente. Valorizar essa nova relação é
estabelecer um elo mais forte entre o leitor - que passa a ver a Literatura não só de
forma tradicional, impressa e imposta, mas também a multiplicidade que a própria
leitura proporciona o que enseja ao professor um avanço positivo para um trabalho
docente mais amplo e significativo – e o texto lido.
O leitor da atualidade não tem as mesmas características do leitor de outrora
e é a partir desta constatação que o trabalho com a estética da recepção surge
como um diferencial para o melhor aproveitamento do tempo e do espaço escolar,
ocupados pelas aulas, principalmente ao destinados à literatura no Ensino Médio. As
obras referenciadas contêm características essenciais para o entendimento da
Literatura Gótica, pois refletem o desafio dos autores em levar ao leitor a
possibilidade de se inserir na obra publicada, de olhar de novas formas e fugir de
uma interpretação banal ou superficial e, finalmente, torna-os capazes de captar as
possibilidades expressivas e reflexivas no processo de criação.
Dessa forma desenvolveu-se este artigo a partir do Projeto de Intervenção
Pedagógica intitulado: “Literatura Gótica: Vai encarar?”, projeto esse, aplicado no
Colégio Estadual João XXIII – Ensino Fundamental e Médio, no município de Campo
Largo, Região Metropolitana de Curitiba, durante o período de julho a dezembro de
2014, como etapa prática do Programa de Desenvolvimento Educacional da
SEED/PR.
Trabalhar a leitura de contos de terror depende do planejamento da atividade
a ser desenvolvida pelo professor dentro da sala de aula, porquanto se trata de
oportunidades de leitura participativa, que implica o envolvimento entre docente e
leitores, para uma apropriação e extrapolação do texto; há a percepção de coautoria,
deslocando o aluno de mero leitor passivo a sujeito produtor de sentidos. Destaca-se
a importância da leitura, uma vez que, por meio dela, esse sujeito percebe seu nível
de conhecimento, questiona, incorpora novas ideias, amplia o aprendizado, criando
condições para a construção mais elaborada de novos pensamentos.
Tendo em vista essa formação do leitor criativo, capaz de interpretar um texto
e expressar ideias, produziram-se atividades com observância aos fundamentos
teóricos da Estética da Recepção, destacada nas Diretrizes Curriculares Estaduais
de nosso estado, as quais apontam que esses pressupostos buscam a formação de
um leitor que interage com outros leitores, com o texto e, por conseguinte, com o
próprio autor, sendo capaz de sentir e demonstrar o que sentiu.
O objetivo principal deste artigo é demonstrar que o contato intenso com
várias leituras e os vários autores selecionados, contribui de maneira significativa
para que as seguintes metas sejam alcançadas no ensino da Língua Portuguesa:
mostrar que há textos que propiciam interação com o conhecimento de mundo do
aluno-leitor; que é possível interpretar um conto, mesmo que esse seja diferente
daquilo que se perpetuou como tradicional nas práticas de leitura em sala de aula.
Pretende-se, ainda, demonstrar que a palavra pode ser multifacetada e cada
indivíduo dá-lhe ênfase conforme sua visão de mundo e suas experiências.
Os autores selecionados e suas obras, como já mencionado anteriormente,
trazem temas que permeiam o homem cotidianamente e se baseiam numa proposta
que enfatiza o diálogo em constante movimentação, permanentemente reflexiva e
produtiva. Assim, esse enfoque auxilia o professor na adoção de diferentes práticas
de linguagem como ponto central do trabalho pedagógico de leitura literária, e é uma
mudança, um avanço positivo diante do papel do ensino da Língua Portuguesa,
sobretudo nos anos finais da Educação Básica, e, pensando nisso e na
complexidade que envolve a leitura, tem-se a necessidade de uma metodologia que
dê suporte para a prática escolar, sobretudo a leitura em sala de aula, favorecendo
as discussões acerca dos encontros com os alunos e a obra literária, sem exigir-lhes
apenas atos de memória.
Assim, optou-se pela aplicação do Método Recepcional organizado pelas
professoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1993), por ser essa a
metodologia sugerida para trabalhar-se com a literatura em nossa Rede de Ensino e,
a partir dessa concepção, apresentar-se-á a experiência desenvolvida no Colégio
Estadual João XXIII, a fim de constatar o quanto é fundamental um bom
planejamento, expondo a intencionalidade pedagógica, o domínio dos pressupostos
teóricos e a sistematização metodológica.
1 Fundamentação teórica
1.1 O ensino de literatura pensado a partir dos pressupostos teóricos da
Estética da Recepção
O caminho da leitura é marcado pelas inúmeras tentativas de explicar as
características que envolvem o seu processo de efetivação. Estudos com caráter
filosófico, teológico, hermenêutico, histórico, sociológico ou literário expuseram
concepções sobre as diversas possibilidades de interação entre os autores, leitores
e textos.
Nessa linha, a Estética da Recepção e a Teoria da Literatura formulada por
Hans Robert Jauss e seus colegas da Escola de Constança, no final da década de
60, e que dá nova visão à história da literatura. Jauss retoma a discussão por
discordar da orientação da escola idealista ou da escola positivista para a
construção de uma história literária, pois ambas em seus estudos, não se embasam
na convergência entre o aspecto histórico e o estético. Ao preterir esses estudos, o
resultado obtido é a preocupação centrada apenas nas obras e nos seus autores,
marginalizando os leitores.
Jauss (1994) argumenta que a história da literatura, ao seguir um cânone ou
descrever a vida e obras de alguns autores em sequência cronológica, deixa de
contemplar a historicidade das obras, desconsiderando, portanto, o lado estético da
criação literária, uma vez que:
A qualidade e a categoria de uma obra literária, não resultam nem das condições históricas ou biográficas de seu nascimento, nem tão-somente de seu posicionamento no contexto sucessório no desenvolvimento de um gênero, mas sim dos critérios da recepção, do efeito produzido pela obra e de sua fama junto à posteridade (JAUSS, 1994, p.8)
Cabe ainda ressaltar que a escola literária formalista por ter a concepção da
obra literária como um todo autônomo e autossuficiente, com seus elementos
organicamente relacionados, independente de dados históricos ou biográficos do
autor, atribuindo verdadeira significação a sua organização interna sem necessitar
de referência a uma situação externa, também recebeu críticas da parte de Jauss,
que ressaltou que a teoria literária marxista por ver a literatura apenas como um
reflexo dos fenômenos sociais, o que implica a emissão de juízo de valor de uma
obra literária pautado somente na sua capacidade de representação da estrutura
social, impossibilita, a partir desse juízo, a definição de categorias estéticas.
A partir das considerações de Jauss, é possível concluir que, tanto a visão
marxista, como a formalista, deixam de analisar a recepção e o efeito das obras
sobre o leitor, atribuindo-lhe um papel passivo. A escola marxista interessa-se pelo
leitor na medida em que esse caracteriza uma posição social e a formalista o vê
como o sujeito da percepção, a quem compete apenas distinguir a forma e o
procedimento do texto literário.
As duas concepções, portanto, deixam de analisar o leitor como o
destinatário, a quem toda obra literária, primeiramente, visa.
Contrapondo-se a essas concepções teóricas, mas, ao mesmo tempo,
apropriando-se de suas ideias, Jauss (1994) concebe a relação entre leitor e
literatura baseando-se no caráter estético da mesma. O valor estético, para o autor,
pode ser comprovado por meio da comparação com outras leituras, o valor histórico,
através da compreensão da recepção de uma obra a partir de sua publicação, assim
como pela recepção do público ao longo do tempo.
Jauss (1994) expõe a fundamentação de sua teoria sobre a recepção a partir
de sete teses; segundo Zilberman (1989), sendo as quatro primeiras premissas, e as
demais direcionadas à prática.
A primeira tese postulada por Jauss (1994) diz respeito à historicidade da
literatura; que não se relaciona a sucessão de fatos literários, mas ao diálogo entre
obra e leitor. Sobre esse aspecto Zilberman (1989, p.33), afirma que “a relação
dialógica entre leitor e o texto [...] é o fato primordial da literatura, e não o rol
elaborado e depois de concluídos os eventos artísticos de um período”. Assim, a
historicidade vem de encontro com a atualização da obra literária.
Na segunda tese, Jauss (1994) propõe que o saber prévio de um público, ou
o seu horizonte de expectativas, determina a recepção. O novo, apresentado pela
literatura, dialoga com as experiências que o leitor já possui. O leitor ao deparar-se
com a nova obra, gera expectativas, retoma lembranças, fazendo com que a
recepção se torne um fato social e histórico, pois as reações individuais fazem parte
de uma leitura ampla do grupo ao qual o homem, em sua historicidade, está inserido
e que torna a sua leitura semelhante a de outros homens que vivem a mesma
época.
A terceira tese se pauta no sentido de que o texto pode satisfazer o horizonte
de expectativas do leitor, ou provocar o estranhamento e o rompimento desse
horizonte, levando-o a uma nova percepção da realidade. A distância entre as
expectativas do leitor e a sua realização é denominada por Jauss de “distância
estética” e determina “o caráter artístico de uma obra literária”. (Jauss, 1994, p.31).
Na quarta tese, Jauss (1994) propõe examinar as relações atuais do texto
com a época da sua publicação, gerando a possibilidade de distintas recepções do
passado e do presente. Assim, o modelo proposto por Jauss “liberta” a literatura da
clausura em um determinado período.
Nas três últimas teses Jauss (1994) prevê, por meio de uma metodologia, o
estudo das obras literárias por aspectos diacrônicos e sincrônicos, relacionando-os
com a literatura e a vida. O aspecto diacrônico, abordado na quinta tese, diz respeito
à recepção da obra literária ao longo do tempo, devendo ser analisado não somente
no momento da leitura, mas no diálogo com as leituras anteriores. A análise
diacrônica exige a consideração da obra em relação ao contexto histórico literário.
No enfoque sincrônico, trazido pela sexta tese, a história da literatura procura
uma articulação entre as obras produzidas na mesma época, e que provocaram
rupturas e ensejaram novos rumos sociais e de comportamento, por exemplo,
através da literatura.
A correlação entre literatura e vida, vinculada na sétima tese de Jauss (1994),
presume uma função social para a criação literária, pois, devido ao seu caráter
emancipador, abre novos caminhos para o leitor no horizonte da experiência
estética. Destarte, ao se tornar capaz, por meio da literatura, de visualizar aspectos,
de sua prática cotidiana de modo diferenciado provoca a sua experiência estética,
assim “a função social somente se manifesta na plenitude de suas possibilidades
quando a experiência literária do leitor adentra o horizonte de expectativas de sua
vida prática”. (JAUSS, 1994, p.50)
O prazer estético envolve participação e apropriação, pois, diante da obra
literária, o leitor é capaz de perceber sua atividade criativa de recepção da vivência
alheia. A experimentação estética reside em o leitor sentir e saber que “seu
horizonte individual, moldado à luz da sociedade de seu tempo, mede-se com o
horizonte da obra e, que, desse encontro, lhe advém maior conhecimento do mundo
e de si próprio”. (AGUIAR, 1996, p.29). Dessa forma, a experiência estética, envolve
prazer e conhecimento e, através do diálogo entre autor, texto e leitor, a criação
literária age sobre um público apresentando padrões de comportamento, mas, ao
mesmo tempo, emancipando-o.
2 Método Recepcional
Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua
Portuguesa do Paraná (2008, p.58), o ensino de literatura é pautado a partir dos
pressupostos teóricos da Estética da Recepção, e as professoras Maria da Glória
Bordini e Vera Aguiar Teixeira (1993) elaboraram o Método Recepcional, suporte
teórico na apresentação desse artigo.
O Método Recepcional não fazia parte da tradição literária da escola
paranaense antes da elaboração das Diretrizes Curriculares do Paraná. A literatura,
portanto, à época, estava centrada em modelos da pedagogia greco-latina, que
moldava o aluno a uma realidade encontrada nos clássicos da literatura
(FREDERICO &OSAKABE, 2004), tornando a leitura mecânica e unilateral. O leitor
não tinha espaço e o texto era fixo num dado momento no tempo.
Ao se apresentar as novas propostas para o ensino da literatura, o aqui e o
agora ganham relevância, porque o contexto histórico faz relação com o leitor/obra.
Para Bakhtin (1992, p.354), “mesmo enunciados separados um do outro no tempo e
no espaço e que nada sabem um do outro, se confrontados no plano de sentido,
revelarão relações dialógicas”. Portanto, há sempre interação entre os textos, e
estão sempre ligados à vida social. Os textos transformam, humanizam o homem e a
sociedade, afirma Candido (1972).
De acordo com Bordini e Aguiar, à medida que o aluno alcança o saber,
transforma não só o próprio horizonte de expectativas, mas também, o do professor,
o da escola e o da comunidade. “O método recepcional de ensino de literatura,
enfatiza a comparação entre o familiar e o novo, entre o próximo e o distante no
tempo e no espaço” (1993, p.86). Assim, o trabalho deve ser finalizado com leituras
mais exigentes que a inicial em termos estéticos e ideológicos.
Segundo Bordini e Aguiar (1998, p.88) a transformação do horizonte de
expectativa do aluno depende de cinco conceitos básicos que consistem em: 1)
receptividade, a abertura para a aceitação do novo; 2) concretização, atualização do
texto a partir das vivências imaginativas; 3) ruptura, ação que distancia o horizonte
cultural do aluno da nova proposta suscitada pela obra; 4) questionamentos, revisão
de interesses, comportamentos; e 5) assimilação: aceitação e integração de novos
sentidos à vida do aluno. Estes conceitos, propostos pelas estudiosas, são
trabalhados por meio de cinco etapas:
A primeira etapa consiste na determinação do horizonte de expectativas,
portanto, o professor deverá sondar os alunos procurando desvendar seus gostos,
pensamentos e opiniões sobre os mais diversos assuntos desde moda, religião,
gostos culturais, até suas preferências literárias.
O segundo passo que prevê o atendimento do horizonte de expectativas,
visando oferecer aos alunos textos literários que correspondam a temáticas e formas
por eles esperadas. A abordagem desse texto, não deve fugir ao que os alunos já
estão acostumados.
A terceira etapa incide na ruptura do horizonte de expectativa. Para que isso
ocorra, o professor oferecerá textos e abordagens de leitura que não condizem com
o que os alunos estão acostumados, de modo a abalar “as certezas e costumes dos
alunos, seja em termos de literatura ou de vivência cultural” (BORDINI, AGUIAR,
1988, p.89). Assim, os textos abordados nessa fase devem apresentar técnicas de
composição complexas e diferentes das que os alunos estão acostumados, de modo
a exigir um esforço maior de compreensão.
A quarta etapa apresenta o questionamento do horizonte de expectativa, que
faz a comparação entre as duas etapas anteriores. A classe deve ser incentivada a
analisar e discutir os temas já apresentados, de modo a identificarem quais exigiram
uma reflexão maior para a sua compreensão. Além disso, é pertinente discutir-se
entre os alunos o modo como eles se portaram diante do texto e quais os desafios
enfrentados por eles para a compreensão da obra. Para tanto, o aluno deve refletir
sobre como seus conhecimentos oriundos da escola, religião, cultura, concepções
políticas, ideológicas e vivências sociais o auxiliaram no entendimento da obra.
A partir dessa reflexão sobre a obra literária e a vida entra-se na quinta e
última etapa, ampliação do horizonte de expectativa, em que o aluno passa a
conscientizar-se de que os textos literários estudados não dizem respeito apenas ao
ambiente escolar, mas, podem vir a influenciar a sua maneira de ver o mundo: “os
alunos nessa fase tomam consciência das alterações e aquisições obtidas através
da experiência com a literatura” (BORDINI; AGUIAR, 1988, p.90).
3 A metodologia do projeto Literatura Gótica: vai encarar?
O projeto de Intervenção Pedagógica elaborado durante o Programa de
Desenvolvimento Educacional em parceria com a IES/UTFPR - Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, tendo como orientadora a Professora Doutora Alice
Atsuko Matsuda, foi desenvolvido em duas fases: a primeira consistiu na elaboração
do projeto no ano de 2013, seguido pela produção da unidade didática para ser
aplicada com os alunos. Após a sua implementação, a conclusão se deu com a
apresentação do presente artigo.
O proposto neste projeto foi trabalhar a leitura de contos góticos como
interação entre sujeitos e construção de sentidos, mediando os processos de
produção de sentido. Isso sob a égide da Estética da Recepção, surgida a partir das
reflexões de Hans Robert Jauss no final da década de 1960:
A estética da recepção apresenta-se como uma teoria em que a investigação muda de foco: do texto enquanto estrutura imutável, ele passa para o leitor...seguidamente marginalizado, porém não menos importante, já que é condição da vitalidade da literatura enquanto instituição social. (ZILBERMAN, 2009, p.10-11).
Conforme já exposto, as Diretrizes de Língua Portuguesa destacam que o
ensino da literatura deve ser pensado a partir dos pressupostos teóricos da Estética
da Recepção e da Teoria do Efeito, “visto que essas teorias buscam formar um leitor
capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas
aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades [...] por meio da interação que
está presente na prática de leitura’’ (PARANÁ, 2008, p.58).
Para os alunos, o projeto propôs a ampliação das possibilidades de produção
de sentido para os textos góticos. Nessa concepção, o ato de ler, sob o
encaminhamento da Estética da Recepção, não é decodificação de sistema de
signos com foco no texto, mas no “sujeito” que interpreta o mundo, reconhece a
intenção do autor e que – pela leitura em diálogo com o escritor – interage com o
texto e produz sentidos para os diferentes textos e contextos históricos.
Essa é a concepção de historicidade da teoria recepcional, pois é a
“relação de sistemas de eventos comparados num aqui e agora específico: a obra é
um cruzamento de apreensões que se fizeram e se fazem dela nos vários contextos
históricos em que ela ocorreu e no que agora é estudada” (BORDINI; AGUIAR,
1993, p.81).
Então, com conteúdos e abordagens dialógicas significativas à vida dos
alunos, se firmou a reflexão e se percebeu a escola como um local de real
aprendizagem, visando o aprofundamento da sensibilidade estética e
desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico.
O Projeto de intervenção Pedagógica e a Unidade Didática seguiram o
Método Recepcional organizado por Bordini & Aguiar (1993), e para o
desenvolvimento dessa proposta iniciaram-se as atividades aplicando uma
entrevista com os alunos a respeito do que eles achavam ou sabiam acerca do
gênero contos-góticos. O resultado foi a constatação de que este gênero despertava
grande interesse. A partir desta constatação, propôs-se uma dinâmica de grupo,
enfatizando-se o tema do sombrio, incentivando-os para que contassem histórias
ouvidas em casa, ou as que tivesse chegado até eles por outras formas. Essa
prática foi denominada de “contação de histórias de medo e assombração”, e o
resultado foi surpreendente, pois foram trazidas à sala de aula, histórias peculiares,
muitas delas oriundas da tradição familiar. A dinâmica despertou intensa
curiosidade da parte de todos. Como exemplo, pode-se citar histórias de tesouros
escondidos em propriedades de familiares de alunos, que até hoje pairam dúvidas,
sobre serem verídicas ou meros frutos da fantasia popular. Vale salientar, a
revelação do talento de alguns alunos, que sempre se mostraram tímidos em sala de
aula, mas estimulados pelo tema, se engajaram na “contação”, o que fizeram de
forma descontraída, com excelente performance.
Terminada a “contação”, propô-se a realização de pesquisa com o objetivo de
recolher narrativas curtíssimas presentes na literatura oral brasileira, que usam o
recurso do suspense e com final surpreendente. Foram orientados a uma pesquisa
acerca da arte gótica e até mesmo a moda gótica de alguns jovens de hoje, que se
expressam tematizando o “sombrio da vida” ou os medos humanos. Com a pesquisa
realizada foi possível trabalhar o aspecto histórico da literatura gótica, permitindo
estabelecer o diálogo entre a obra e o leitor e o autor.
Obtido o resultado da pesquisa, propôs-se uma dinâmica sobre o tema
intitulada: “Caixa do Terror”, com o intuito de permitir um maior conhecimento
pessoal bem como, explorar os sentimentos que surgem para um indivíduo quando
ele se coloca no lugar de outra pessoa. A dinâmica foi conduzida através de
questionamentos sobre se eles já haviam sentido um medo intenso, como reagiram
diante dele, se este sentimento havia se tornado impedimento à realização de
alguma coisa, do que eles costumam ter medo, se conheciam pessoas que sofriam
com consequências mais sérias em razão do medo.
A partir das considerações surgidas nessa dinâmica, desenrolaram-se as
demais aulas de literatura, sempre tornando as discussões mais complexas, até um
ponto em que se verificou que a dinâmica trouxe à tona algumas inquietações por
parte dos alunos, a exigir até mesmo a intervenção de um profissional de psicologia,
confirmando-se, desta forma, uma suscetibilidade coletiva quando se trata de
temática envolvendo fobias. No entanto, os diversos profissionais contatados não se
dispuseram a falar ao grande grupo, mesmo ofertando-lhes os devidos honorários.
Alegaram que não há como promover uma intervenção satisfatória, por se tratar de
um coletivo.
Na tentativa de suprir essa demanda, não prevista, e continuar com as aulas
de literatura, foi trazido à sala de aula o texto: Você tem medo de que?, de autoria
da psicóloga Gabriela Cabral, como tentativa de elucidar dúvidas e serenar os mais
inquietos.
Para consolidar o interesse dos adolescentes pela temática, foi promovida a
apreciação da música Medo, com a intérprete Pitty (2009) e Medo do grupo de rock
nacional denominado Titãs (1989). Em seguida foram tecidos alguns comentários a
título de contextualização, chamando a atenção dos alunos acerca da abordagem
das músicas referidas, quais sejam a superação dos medos e a necessidade de
enfrentá-los.
Ainda, para sensibilizá-los sobre a temática, foi apresentado na TV multimídia
um slide de “O Grito” pintado pelo norueguês Edvard Munch, em 1983, de estilo
impressionista, a obra apresenta a angústia e o desespero como sentimentos
universais e próprios da condição humana, sendo considerada a melhor e a mais
conhecida de suas obras. Na sequência, foi proposta a criação de uma paródia
artística sobre o tema medo. Para a realização da atividade foram apresentados aos
alunos alguns links exemplificativos de releituras do quadro “O Grito”:
- http://skatecuriosidade.com/bizarro/obra;
- http://colunas.revistamarieclaire.globo.com/ralstonites;
- http://jblog.com.br/quadrinhos;
- http://super.abril.com.br/blogs/nerdices/tag/parodias.
Ao final dessa etapa, por meio de um debate informal, os alunos comentaram
as diversas abordagens realizadas sobre o tema e a maioria deles manifestou-se
motivado e considerou a temática instigadora.
Ao valorizar essa etapa, foi possível conhecer e verificar as funções que as
características desempenham nas obras, como instigar o psicológico e incorporar
dados artísticos e históricos à narrativa, possibilitando uma melhor compreensão do
assunto e uma consequente conscientização e boa utilização do termo Gótico,
evitando-se, desta forma, alusões de caráter duvidoso e até mesmo desmoralizante
a um gênero de arte tão importante e tão rico em criatividade.
Para se dar o Atendimento ao horizonte de expectativas, que corresponde a
segunda etapa do método, trabalhou-se com a audiência do filme “Coraline e o
mundo secreto”, (SELICK, 2009) e, após assistirem ao filme, foi conduzida uma
discussão acerca dos elementos do gênero fantástico presentes. A observação foi
orientada no sentido de perceberem o uso das cores escuras e o ambiente de
penumbra que permeiam a película, as cenas de sono que são momentos propícios
ao mistério; as vestimentas que podem indicar a época, o país ou até da região; os
seres estranhos que circundam as cenas; o espaço destas histórias como: clima frio,
castelos assustadores, quartos mal-assombrados, floresta sombria, mata fechada,
ambiente macabro, etc. O desenvolvimento do enredo: criação do clima de
suspense e o como se dá a apresentação de um fato bizarro que leva o
desencadeamento da ação. A reflexão acerca desses elementos facilitou aos alunos
o entendimento do conceito de “sobrenatural”.
Não obstante, os alunos realizaram a leitura do conto “Passeio Noturno”, de
Fonseca (1974), com a intencionalidade de que pudessem perceber como o tema
medo na literatura brasileira contemporânea, é capaz de personificar monstros
dificilmente identificáveis. Outrossim, a forma como a barbárie está posta na
sociedade, inclusive, entre “gente do bem”, é o que também, chama a atenção
nesse conto. A barbárie é colocada de uma forma tão sutil que o leitor, ao concluir a
sua leitura, é levado a ficar estupefato diante de tanta falta de humanidade. É
justamente isso que causa fascínio, a maneira ardilosa como o autor constrói o
percurso narrativo do texto e só no desfecho é dada a revelação, que trata-se de um
ser desalmado, que mata por prazer.
A partir da leitura deste conto, algumas questões foram levantadas a respeito
dos “medos” dos alunos. Indagou-se se o medo fazia parte da vida, de modo geral;
se este sentimento tem função de proteger o ser humano contra perigos e evitando
sofrimentos, e, se assim fosse, como se efetivaria esta proteção; se existem locais
que evocam o medo de forma mais intensa; quais seriam estes locais e por que
razão, desencadeariam a sensação; se eles apreciavam histórias de terror
(solicitando-se que justificassem a resposta)
Feitas as reflexões suscitadas, propôs-se que fossem feitos relatos de casos
que tivessem gerado medo, dos quais os alunos tivessem participado ou tido
conhecimento. Neste passo foram trabalhadas as características do gênero- relato
pessoal. O material assim produzido foi recolhido, objeto de leitura e devolvido aos
alunos na aula seguinte, para verificação dos apontamentos.
Em continuidade da aplicação prática do projeto, agora visando ao
rompimento do horizonte de expectativas dos alunos, foi oferecido o conto “O retrato
de Dorian Gray” de Oscar Wilde (1890), para que, assim, começassem a ter contato
com textos e atividades capazes de abalar-lhes as certezas e os costumes em
termos de literatura ou vivência cultural de modo a despertar maiores exigências
interpretativas, e até extrapolar o lugar-comum, sem, no entanto, perder-se o vínculo
com as atividades realizadas anteriormente. Antes de serem apresentados ao conto,
foram levados até o laboratório de informática para que, em duplas, pesquisassem
sobre a vida e a obra do escritor Oscar Wilde. Após, realizada a pesquisa, os alunos
tiveram a oportunidade de saber que o enredo serviu para Wilde discutir os limites
da arte diante da vaidade e da manipulação humana, pois o romance foi largamente
acusado de imoral, perverso, sádico e deturpador dos costumes.
Nas aulas seguintes, efetivou-se a leitura em voz alta do conto, com todos os
ouvintes acompanhando silenciosamente, e ficando a critério do próprio aluno
participar ou não da leitura em revezamento. Aproveitando essa atividade, foram
relembradas, de forma conjunta, as características do conto e explicou-se os passos
do mesmo dentro dos acontecimentos da história, destacando-se os elementos
linguísticos que construíram o mistério do conto e chamando-lhes a atenção para os
adjetivos usados nas descrições dos personagens e cenário, salientando-se os
advérbios de modo e os períodos da oração. Depois relembrou-se os dois tipos de
foco narrativo, e devido ao conto ser uma versão para o mito faustiano da perda da
alma em troca dos prazeres mundanos aproveitou-se para explicar o que vem a ser
um mito.
E para consolidar o rompimento do horizonte de expectativas dos alunos,
passou-se de um texto narrativo para um texto poético. Para esse fim, apresentou-
se os poemas “Vozes de um túmulo”, “O caixão fantástico” e “A lanterna- vozes da
Morte” de Augusto dos Anjos (2003. A audição e apreciação dessas poesias se
deram através do site https://ia600700.us.archive.org/10/items/eu_outras_poesias_Ir
librivox/eu 020 anjos.mp3 e, após, os alunos formaram duplas e declamaram os
poemas que mais os agradaram, seguidamente procederam a ilustração dos
mesmos.
Da mesma forma que o conto: “O Retrato de Dorian Gray” desperta no leitor
sensações de aversão diante do medo, da morte, da loucura e do mal que
escondem na mente humana, os poemas de Augusto dos Anjos causam esse
mesmo impacto.
Na aula seguinte, trabalhou-se com o conto “A noite na taverna” de Álvares de
Azevedo. A história é ambientada em uma taverna, repleta de bêbados e loucos,
onde alguns rapazes conversam e, estimulados pela bebida, relatam aventuras
amorosas de seu passado. Os relatos são todos fantásticos e os temas – amor e
morte – permeiam cenas de adultério, incesto, necrofilia, violência e desejo carnal,
as quais prendem e fascinam o leitor.
Cada relato traz como título o nome da personagem que narra a história. O
conto selecionado para a leitura com os alunos foi “Johann”, que surpreende pela
fantasia materializada num final trágico.
Após as leituras, a turma foi direcionada a registrar as impressões de leitura e
observações a partir das seguintes questões:
- Ao iniciar sua história, Johann situa seus interlocutores no ambiente em que
se encontrava com Arthur. Que informação, o narrador apresenta e que antecipam o
conflito?
- O narrador tem certeza de que Arthur tenha tido a intenção de trapacear?
Justifique transcrevendo pelo menos uma passagem do texto.
- Quais as atitudes dos dois jovens nos momentos que antecedem ao duelo e
que para os nossos dias soam como estranhamento, num contexto em que ambos
sabem que um morrerá assassinado pelo outro?
- Histórias mórbidas, ambientes sombrios e misteriosos são alguns dos
elementos relacionados à literatura gótica. No conto lido, de que forma a atmosfera
gótica se faz presente e em que medida contribui para o desfecho da trama?
- As personagens devassas de “Noite na taverna” representam o tédio, o
pessimismo, a melancolia, a solidão, a obsessão pela morte, tão comuns à 2ª
Geração conhecida como Ultrarromântica. Que sentimentos Johann manifesta ao
final da narrativa?
A partir dessa última questão foi possível introduzir as características do
período literário da 2ª Geração do Romantismo.
Seguidamente, os alunos realizaram a análise das diferenças e semelhanças
existentes entre os contos “O Retrato de Dorian Gray” e “Noite na taverna”,
obedecendo ao seguinte esquema:
O Retrato de Dorian Gray Noite na taverna
SEMELHANÇAS
DIFERENÇAS
Após este trabalho de constatação das diferenças e semelhanças
apresentadas entre os contos mencionados, os alunos passaram a produção de
seus próprios contos, para serem trocados entre os colegas de classe, para a leitura.
Os alunos tiveram a opção da escolha do cenário para ambientar as suas histórias,
podendo ser: paisagens sombrias, bosques tenebrosos, castelos com enormes
porões, casebres abandonados, casas com ruídos noturnos ou ambientes simples e
aconchegantes que, de repente, se tornam lugares ameaçadores e, também, foi
dado a oportunidade de decidirem o tipo de narrador da história, quem e como
poderiam ser os personagens? Que aventuras viveriam nesse local? Como fariam
para atingir seus objetivos? Se eles conseguiriam esse intento? Como seria o
desfecho?
Após tudo definido, os alunos começaram a escrever os seus textos, os quais,
terminados, foram trocados com os colegas, com o objetivo de leitura recíproca;
cada aluno faria sugestões para modificação e melhorias do texto elaborado. As
sugestões deveriam ser feitas mediante análise no sentido de terem sido
observados os passos sugeridos. Com base nas sugestões apontadas pelos
próprios colegas, o aluno autor do texto redigiu sua versão final que foi recolhida e
devolvida a cada um deles, com os devidos apontamentos tais como: a observância
dos elementos importantes dentro dos contos de suspense e terror, as marcas de
oralidade ainda presentes em alguns contos, às inadequações de uso de
concordância, regência, pontuação e acentuação que foram trabalhadas em sala,
em aulas posteriores.
A partir da retomada dessa versão, os alunos se concentraram na produção
dos seus próprios contos, respeitando as características que compõem os textos do
gênero conto de terror/suspense.
Para a apresentação da quarta etapa, Questionamento do horizonte de
expectativas, realizou-se a comparação entre as duas etapas anteriores por meio de
um diálogo envolvendo a todos. Para isso foi proposta a leitura do conto “Venha ver
o pôr do sol”, de autoria de Lygia Fagundes Telles (2007). O conto narra a história
de Ricardo e Raquel, de ex-namorados. A partir do momento em que terminam o
namoro, Ricardo inconformado com a separação, e por conhecer o espírito
aventureiro de Rachel, resolve convidá-la para um último encontro em um cemitério
abandonado. Chegando lá, Ricardo executa a sua vingança de forma macabra,
trancando Rachel em uma tumba e abandonando-a lá pelo tempo necessário para
que ela morra e, assim, respondesse pelo ato de ter se separado dele. Com essa
leitura, os alunos foram chamados a, mais uma vez, à reflexão e à análise das
características dos contos e, ao final mostrarem a sua evolução no que se refere ao
grau de dificuldade e compreensão em relação aos textos trabalhados.
As questões que nortearam a reflexão acerca dessa obra foram:
1) O narrador descreve o cenário no qual as personagens irão se encontrar.
Que cenário é esse? Qual é a importância dele na narrativa?
2) A partir do diálogo estabelecido entre as personagens, sabemos como era
Raquel e como ela está agora. O que mudou na personagem? E em
relação à situação financeira das personagens, o que ocorreu?
3) A ideia de Ricardo, a princípio, parece estranha: ver o pôr do sol em um
cemitério. No entanto, ele tranquiliza Raquel. Que argumentos ele usou
para convencê-la de que o passeio seria bom?
4) Como Ricardo convence a ex-namorada a entrar na catacumba? O que
essa personagem descobre nesse momento? Qual é a reação de Rachel?
5) É possível afirmar que o crime foi premeditado? Utilize fatos do texto para
comprovar sua resposta.
6) Nesse caso, é possível afirmar que o conto tem um desfecho inesperado?
Comente a resposta dada.
7) A temática nesse conto é bem clara. Identifique-a.
Após a verificação da análise, os alunos foram orientados a procederem à
comparação entre as semelhanças e as diferenças encontradas com esse conto e
os demais contos, já trabalhados.
A partir dessa reflexão sobre a obra literária, adentrou-se à quinta etapa:
Ampliação do horizonte de expectativas; foi proposta a leitura do conto de autoria
de Edgar Allan Poe “O gato preto”. Para a introdução à leitura, foi feita uma breve
apresentação das características literárias do autor, pois trata-se de uma obra
publicada entre os anos de 1833 e 1845 e que representa um clássico da literatura
de horror e policial, trazendo o horror com personagens que vivem entre a lucidez e
a loucura, e o pensamento analítico que se prevalece da lógica e da dedução
intelectual do escritor a fim de solucionar crimes. Para o próximo passo, cada aluno
recebeu uma cópia do conto e, em seguida foi feita a leitura em voz alta de forma a
dar ênfase à sequência da narrativa. Após essa leitura, foi feito um intervalo para
que pudesse se resolver problemas de ordem vocabular. Para instigar ainda mais a
leitura, foi trazido à sala o significado da simbologia da cor preta, que traz na cultura
popular e nos estudos em geral, a característica das trevas, do mundo inferior e
subterrâneo. O preto representa “o que nega a luz do dia” tornando-se símbolo do
mal. Na superstição cotidiana, animais pretos como gato ou bode representam
infortúnio.
Após o término da leitura abordou-se a questão estrutural e o final insólito do
conto o que para todos os alunos, foi realmente original, pois, de acordo com os
comentários feitos por eles, à medida que a leitura acontecia não se conseguia
prever o final da história. Após as constatações, os alunos compartilharam a
interpretação e receberam os textos produzidos na etapa três para que
procedessem as correções apontadas, em seguida foi promovida a releitura e
reescrita dos contos, tendo em vista a enriquecê-los a partir do novo repertório. Essa
atividade foi realizada de forma a fazer circular pela sala de aula os textos, sendo
feito o atendimento individual a quem necessitasse de ajuda.
Nas aulas subsequentes, ocuparam o Laboratório de Informática para
executar a digitação dos seus próprios contos para que dessa forma, a atividade
ficasse registrada de forma concludente na escola. A turma decidiu por promover a
realização de um livro de contos que levou o nome do Projeto – Literatura Gótica vai
encarar? A intenção era promover um concurso de ilustração para a capa, mas
como não houve tempo hábil, a própria professora desempenhou essa atividade, e
para que o encerramento das atividades realizadas no período se desse de forma
apoteótica, idealizou-se uma noite de autógrafos, realizada num ambiente temático,
em que os alunos recriaram um cemitério, com a representação de alguns
elementos que o compõem tais como: velas, caixão, estatuetas de anjos, alguns já
deformados pelo tempo, lápides, etc. A ideia surgiu deles mesmos, e como a escola
é circundada pelo cemitério da Rondinha, foi solicitado ao zelador o empréstimo de
alguns elementos mencionados nos contos.
Também foram expostas todas as atividades realizadas nas etapas anteriores
e, em forma de revezamento, a comunidade escolar foi convidada à visitação do
ambiente recriado, deparando-se com os alunos caracterizados de vampiros,
bruxas, caveiras, fantasmas, a figura da morte, etc, enquanto eram envolvidos pela
“contação” do conto “o gato preto”, realizada por uma aluna, seguidos de
explicações orais referentes à obra e o autor, explicações essas dadas pelos alunos
envolvidos.
Além das explanações e apreciação da contação, houve um vernissage
gastronômico produzido, da mesma forma pelos alunos, e foi composto de comidas
temáticas como: dedos de bruxa de marzipan, salsichas mumificadas, olhos
esbugalhados comestíveis, bolinhos de cérebro, brownie de cemitério, caveiras de
marshmallows, etc. A estética sombria e macabra contagiou a todos e o projeto
extrapolou a sala de aula. Até hoje, ao encontrar-se com alunos de outras séries,
nos corredores, sempre há questionamentos se eles realizarão as atividades que os
colegas fizeram.
Assim, é possível afirmar que a sequência didática foi válida. Foi possível
inferir que os alunos ampliaram os sentidos construídos individualmente e
certamente tiveram seu horizonte de expectativas ampliado, particularmente por ter
sido oportunizado o contato com diferentes textos que circundavam sobre o mesmo
assunto, mas com estruturas e abordagens diferentes, ofertando-lhes assim aportes
para ponderações sobre o mundo e a condição do homem, ampliando suas próprias
ideias, conceitos e valores, capacitando-os a condição de leitores críticos e
competentes que é o objetivo do Método Recepcional.
Aqui também, se faz pertinente a menção de que outras leituras como:
“Memórias póstumas de Braz Cubas”, de Machado de Assis; “A máscara da morte
escarlate”, de Edgar Allan Poe, “As formigas”, de Lygia Fagundes Telles, etc, foram
sugeridas para que assim, torne-se possível o início de um novo ciclo de atividades
retomando as etapas do Método.
4 Considerações do grupo de trabalho em rede – GTR – ao projeto: Literatura
Gótica: vai encarar?
O Grupo de Trabalho em Rede (GTR) constitui uma das atividades do
Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e se caracteriza pela interação a
distância entre o professor PDE e os demais professores da rede pública estadual
de ensino.
Um dos objetivos principais é articular o referencial teórico com as propostas
de ações apresentadas no projeto de intervenção pedagógica e na produção
didático-pedagógica, além de contribuir para o aperfeiçoamento dos professores da
rede, mediante estudo das proposições dos professores PDE.
O presente projeto proposto pelo GTR, turma 2013, foi realizado em três
etapas e suscitou reflexões relacionadas à preocupação que os professores tem ao
elaborarem seus planejamentos no que tange ao tempo destinado à leitura. Embora
as práticas de escrita e de oralidade não tenham sido esquecidas, foi à prática de
leitura que se destacou nas discussões do Fórum e nos apontamentos do Diário.
Talvez pela compreensão que se tem de que por meio dela pode-se ampliar o
conhecimento de mundo e interagir com este, capacitando para a formação de um
leitor competente, que seja ativo no processo de leitura, que decodifique sinais e
faça escolhas.
Também, por meio das questões propostas, foi possível debruçar-se sobre o
Método Recepcional como recurso pedagógico o que despertou o interesse da
maioria dos participantes.
O GTR aplicado pela professora PDE constou com a inscrição de dezenove
participantes dos quais, dezoito o concluíram.
Aqui se faz oportuno enfatizar que ao ser aplicado o GTR, a professora PDE
encontrava-se em Licença Maternidade e, seguindo orientação do próprio NRE –
Núcleo Regional de Educação – optou-se em seguir com a aplicação, assim as
contribuições dos professores participantes foram empregadas quando da aplicação
do Projeto que se deu a partir de outubro de 2014.
Como discussão, essa rede gera considerações, além de novas leituras
indicadas pelos envolvidos o que torna a proposta bem enriquecedora.
Cabe-se ressaltar que os professores participantes ao serem instigados a
analisarem a Produção Didática do Projeto, consideraram todas as atividades
propostas relevantes para serem aplicadas em sala de aula. O que é bastante
gratificante à professora PDE, pois um dos objetivos ao propor as atividades é
realmente a sua partilha e aceitação por parte dos colegas.
Diante do exposto, é possível considerar que a propositura do GTR descrito
atingiu seus objetivos e que os participantes que o concluíram irão propagar a teoria
por ele abordada e terão uma ferramenta eficaz para ser empregada em suas
práticas pedagógicas, pois tendo a Estética da Recepção como referencial teórico e
metodológico é possível proporcionar ao aluno total autonomia no processo de
construção de seu conhecimento e retomada do status de sujeito nas relações que
se estabelece na tríade autor/obra/leitor, promovendo também, o desenvolvimento
intelectual e afetivo, pois a leitura e interpretação, proporcionam ao aluno o “tomar
as rédeas” do próprio conhecimento e faz com que ele se torne confiante e mais
seguro de si, visto que tem embasamento teórico/histórico/sensível para expor suas
opiniões. A autoestima do aluno se eleva quando ele se torna gestor do seu
conhecimento, pois o ato de saber é algo prazeroso para quem o possui ou o
constrói. O aluno reconstrói conceitos (re-conceitua) a partir do contexto no qual está
inserido, cada um constrói e reconstrói seu conhecimento, conforme o chão em que
os seus pés pisam.
O educando possui, em sua natureza multifacetada por influências de
mercado e mídias, uma "leitura de mundo" mais afeita ao inovador, contra os
ditames do opressor conservador que o deixam estagnado e cristalizado, mantendo-
o sujeito às necessidades e vontades que operam por odes à ignorância.
Considerações Finais
Ler e escrever com propriedade é um processo complexo. Não se adquire o
gosto de ler, se conquista dia a dia. Sendo assim, é tarefa primordial do professor
buscar metodologias diversificadas de ensino. Também cabe ao professor
demonstrar seu contato com textos e a forma como a leitura atua e modifica a
vivência dos indivíduos.
A formação do leitor literário não acontece de forma isolada na sala de aula,
ela deve estar articulada às práticas de produção e análise de textos bem como as
atividades diversificadas, para que se caracterize como conhecimento de opções,
que, à medida que se tornam conscientes, podem ser utilizadas pelos alunos para
seus propósitos de leitores e autores.
A partir das considerações apresentadas neste artigo, procurou-se
demonstrar a eficácia do Método Recepcional, que é um caminho possível para
aperfeiçoar as aulas de leitura e formar o leitor literário. O fato do Método se
desenvolver passo a passo, partindo do que o aluno conhece facilita para que o
mesmo construa o processo junto com seu professor. O Método Recepcional, por
ser dinâmico e bem definido, favorece o trabalho do professor e a compreensão e
participação dos alunos.
[...] a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar nossa humanidade. (CANDIDO,1972,p.235)
As obras selecionadas expõem caminhos, se não novos, ao menos
abrangentes, na medida em que elas tentam captar as múltiplas relações humanas
através de um grande mergulho na temática gótica. Destarte, o papel do professor,
nas aulas de literatura do Ensino Médio deve ser o de instigar seus alunos,
proporcionar-lhes o contato com os textos de diversos gêneros textuais e autores,
tornando-os sujeitos que dialogam nesse processo ininterrupto de novidades que a
língua proporciona. O projeto: “Literatura Gótica: Vai encarar?” teve essa pretensão.
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