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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · interação verbal, como, por exemplo, o contato com familiares, amigos, namorados. O trabalho com a escrita de cartas pessoais

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

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CARTA PESSOAL: UMA PRODUÇÃO TEXTUAL QUE SOBREVIVEU AO TEMPO

Autora: Erenice Bezerra dos Santos1

Orientador: Flávio Brandão Silva2

Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados obtidos na implementação pedagógica, com intuito de observar como os alunos realizam suas práticas de escrita, em vistas à interação social. Nesse sentido, a carta pessoal se mostrou eficaz, visto que se trata de um tipo de correspondência que, apesar das inovações dos meios de comunicação, ainda é muito utilizada. Ela apresenta estrutura e linguagem simples, proporcionando uma fácil assimilação. Esse gênero foi proposto por ser importante para a formação dos alunos, pois envolve situações cotidianas de interação verbal, como, por exemplo, o contato com familiares, amigos, namorados. O trabalho com a escrita de cartas pessoais fez com que os alunos percebessem a estrutura, os elementos linguísticos necessários à sua construção e também sua circulação. O projeto de implementação pedagógica foi desenvolvido com os alunos do 7º Ano, no Colégio Estadual Bento Mossurunga, na cidade de Umuarama-PR. O esquema metodológico da Sequência Didática, de Dolz e Schneuwly (2004) norteou todo o trabalho realizado, permitindo que as dificuldades dos alunos fossem diagnosticadas, por meio de uma produção inicial e uma produção final, averiguando, assim, o conhecimento dos alunos em relação ao gênero Carta Pessoal. A metodologia da Sequência Didática contribuiu para o conhecimento dos elementos da carta pessoal e para despertar o interesse dos alunos pelas atividades propostas. O trabalho culminou com a produção de uma Carta Pessoal realizada pelos alunos e a troca de correspondência entre alunos da mesma turma e de turmas diferentes.

Palavras-chave: Língua Portuguesa; Gêneros Discursivos; Carta Pessoal.

1 Colégio Estadual Bento Mossurunga - EFMP, Avenida Aracaju, 1590, 87503-370 – Umuarama –

Paraná. Professora de Língua Portuguesa, pós-graduada em Língua Portuguesa: Metodologia e Técnica de Produção de Texto; Educação de Jovens e Adultos. Graduada em Letras (UNIPAR).

[email protected]

2 Docente do curso de Letras, da Universidade Estadual do Paraná – Unespar. Mestre em Linguística

e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista – Unesp. Graduado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá – (UEM).

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1. Introdução

Ao iniciar a vida escolar, o indivíduo é levado a desenvolver suas habilidades

cognitivas. Já no inicio é apresentado a ele o ensino da língua materna, com ênfase,

nas questões formais e, muitas vezes, artificiais, da escrita e da leitura, que, nem

sempre, favorecem a capacidade do indivíduo de se expressar de forma proficiente,

nas diferentes situações comunicativas.

Há, portanto, que se repensar o trabalho com a Língua Portuguesa, em

especial a escrita, para que o aluno tenha segurança ao realizar essa modalidade da

língua, afinal, nunca se escreveu tanto como na atualidade. Hoje, todos estão,

constantemente, em contato com a escrita, seja na escola, no ambiente de trabalho,

no momento de lazer. Isso devido ao advento da internet, que exige que todos, por

meio de blog, e-mail, sites de relacionamentos, redes sociais: facebooks,

whatsApps, twitter, pratiquem, de alguma forma, a escrita.

Assim, um trabalho com foco na diversidade de textos e sua funcionalidade

torna-se cada vez mais necessário, para que o aluno aprenda a produzir textos orais

ou escritos, organizando as ideias cotidianas, de forma a transmitir informações com

sentidos para quem o ler.

Dessa forma, o trabalho com gêneros textuais é bastante viável, o que, aliás,

é recomendado pelas Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa –

DCEs, uma vez que cada gênero constitui-se como enunciado concreto, que reflete

as diferentes situações de interação verbal.

Dentre os gêneros textuais sugeridos para o trabalho na sala de aula, está a

carta, que, além de cumprir o papel de texto pertencente a um gênero e com

estrutura própria, é uma das mais antigas formas de escrita e está relacionada a

outros gêneros utilizados atualmente.

Assim, este trabalho pedagógico faz-se necessário para minimizar as

dificuldades que os alunos apresentam na escrita. De acordo com as avaliações

externas (SAEB, PROVA BRASIL E SAEP) e internas (provas escritas, debates,

seminários, etc), é nessa modalidade que se encontram as maiores distorções do

ensino aprendizagem.

Escrever coloca o indivíduo em uma posição de privilégio e ascensão perante

a sociedade. O aluno precisa, além de aprender a escrever, escrever bem, revisar e

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reescrever seus textos quantas vezes forem necessárias, só assim tornar-se-á autor

de sua história e conhecedor das várias histórias produzidas pelo tempo.

2. Fundamentação teórica

2.1 Algumas considerações sobre concepções de linguagem

Para sustentar esse trabalho, pesquisamos alguns pontos acerca do processo

de ensino aprendizagem da escrita, buscando, para isso, uma fundamentação

baseada nas concepções de linguagem e de escrita, que devem nortear o professor

de Língua Portuguesa em sala de aula. Além disso, que, por meio dessas

concepções, tenha-se em vista a escrita como trabalho planejado e organizado pelo

aluno, professor e colaboradores.

Sendo a escrita uma das grandes dificuldades dos alunos, no decorrer de sua

vida escolar, necessita-se buscar metodologias eficientes para amenizar este grande

problema que se apresenta para a escola. Em função disso, segundo as Diretrizes

Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa - DCEs (2008):

A ação pedagógica referente à linguagem, portanto, precisa pautar-

se na interlocução, em atividades planejadas que possibilitem ao

aluno a leitura e a produção oral e escrita, bem como a reflexão e o

uso da linguagem em diferentes situações. Desse modo, sugere-se

um trabalho pedagógico que priorize as práticas sociais. (PARANÁ,

2008, p.55).

Os estudos da linguagem têm-se encaminhado para diferentes correntes

teóricas. Portanto, para melhor entendê-la pautamos o nosso estudo nas

concepções aqui apresentadas.

Linguagem como expressão do pensamento

De acordo com Geraldi (1997), a concepção de linguagem como expressão

do pensamento tem suas raízes na gramática normativa, em que se acreditava que

bastava o sujeito ter domínio da leitura, a partir de uma prática mecânica, para se

expressar bem.

Ainda segundo Geraldi (1997), na concepção de linguagem como expressão

do pensamento, quem não se expressava bem não pensava. Dessa forma, tal

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concepção não levava em conta a interação dos sujeitos. Assim sendo, bastava o

indivíduo ter um domínio gramatical para atingir o leitor, o leitor, por sua vez, se

mantinha passivo e indiferente ao dizer do texto.

Assim, o leitor não construía uma relação com o outro (texto), já que não se

fazia uso de uma linguagem dinâmica, pois não se levava em consideração a

enunciação, que é a compreensão da comunicação entre os sujeitos em

determinado contexto. Sendo que, de acordo com Bakhtin (2006):

Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em

relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto

correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em

processo de compreender, fazemos corresponder uma série de

palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e

substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão

(BAKHTIN, 2006, p.135).

Nesse sentido, ressaltamos que a linguagem como expressão do pensamento

não considera o outro, nem o contexto em que é produzida a enunciação, ficando

esta apenas no plano estável da comunicação, não promovendo a interação dos

sujeitos. Dessas acepções, podemos ressaltar que a linguagem como expressão do

pensamento leva em consideração apenas as atividades metalinguísticas, que

segundo Geraldi (2013):

[...] Trata-se, aqui, de atividades de conhecimento que analisam a

linguagem com a construção de conceitos, classificações, etc.

Enquanto tais, elas remetem a construções de especialistas e, em

consequência, à formação cultural dos sujeitos. Dependendo do nível

de escolaridade dos sujeitos intervenientes num processo interativo,

é possível detectar nele a presença de certos conceitos gramaticais

e, portanto uma atividade metalingüística, cuja pertinência, em cada

ocasião, é definir parâmetros mais ou menos estáveis para decidir

sobre questões como erro/acerto no uso, pronúncia, etc. de

expressões; na construção de sentenças ou na significação dos

recursos linguísticos utilizados (GERALDI, 2013, p.25).

Logo, a linguagem como expressão do pensamento, no estudo da língua

portuguesa, amparou-se apenas nos estudos tradicionais, como único meio para o

indivíduo adquirir o conhecimento individual. Assim, acreditava-se que o indivíduo

chegaria ao domínio da linguagem (oral/escrita).

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Linguagem como instrumento de comunicação

A linguagem como instrumento de comunicação é compreendida como um

mecanismo que ajuda a transmitir uma mensagem ou informação, empregando a

norma padrão. A norma padrão possui estruturas linguísticas estáveis que não leva

em conta as variedades linguísticas.

Nessa perspectiva, a concepção da linguagem como instrumento de

comunicação agrega-se aos estudos ligados às teorias: do Estruturalismo, que

analisa as inter-relações (estruturas) em que o significado é produzido dentro de

uma cultura; do Transformacionalismo, que se preocupa com as formas abstratas da

língua e da Teoria da Comunicação, que tem a língua como um código que

transmite uma mensagem do emissor para o receptor.

Desse modo, a concepção da linguagem como instrumento de comunicação

origina-se da segunda linha do pensamento filosófico e linguístico de Saussure: o

objetivismo abstrato. De acordo com Saussure apud Baktin/Volochinov 1992, no

objetivismo abstrato, “a língua é um sistema estável, imutável” (SAUSSURE apud

BAKTIN/VOLOCHINOV 1992, p. 82), ou seja, com estruturas estáveis às quais

deveriam adaptar-se os indivíduos.

Dessa forma, no Estruturalismo, no Transformacionalismo e na Teoria da

Comunicação, a linguagem era vista apenas como processo de comunicação do

sujeito enquanto emissor e receptor, não levando em conta o referente e a

mensagem, considerando apenas como elemento principal da comunicação o

código, ou seja, a língua.

Assim, nessas correntes teóricas, a língua era um sistema fixo em que

bastava o indivíduo conhecer suas regras e normas para bem utilizá-la. A linguagem

tinha como função apenas a troca de mensagens entre os indivíduos, sem que os

mesmos agissem sobre ela.

Podemos compreender, com base em Geraldi (2004) que:

Defendia-se um sujeito assujeitado às condições e limitações

históricas, produto do meio, da herança cultural e das ideologias que,

incorporadas ao longo de sua história, fazem do indivíduo desde

sempre sujeito, mero preenchimento de um lugar social reservado

pela estrutura (ideológica) que define o dizível e como exercer o

papel neste lugar social previamente estabelecido (GERALDI, 2004,

p. 19).

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Geraldi (1997) afirma que, na concepção da linguagem como instrumento de

comunicação, acreditava-se, então, que o aluno que conseguisse, por meio da

repetição ou da “copiação”, se expressar bem teria sucesso na vida escolar, e a

escola cumpriria assim o seu papel de reprodutora do conhecimento.

Assim, temos que o ensino da língua materna na concepção de linguagem

como instrumento de comunicação valorizava as normas gramaticais em detrimento

da interação verbal. O professor era visto como único detentor do conhecimento e o

aluno apenas um depositório das informações do professor. O código (língua) é que

merecia papel de destaque na aprendizagem.

A linguagem como interação social

Na linguagem como interação social, o estudo da língua materna busca

valorizar a ação do sujeito sobre a linguagem, tornando-a um instrumento de

interação social capaz de desenvolver a reflexão e a criticidade do sujeito sobre o

mundo ao qual pertence. A partir dessa reflexão, podemos dizer que o texto

apresenta-se como o elo da interação entre os sujeitos.

Koch (2002) aponta que: “o texto passa a ser considerado o próprio lugar da

interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se

constroem e são construídos...” (KOCH 2002, p. 17 apud FUZA, A. F. /OHUSCHI, M.

C. G/ MENEGASSI, R. J. P., 2011). Dessa forma, o texto é o instrumento que

possibilita a troca de saberes e a interação entre professor e aluno.

Assim, a linguagem como uma forma de interação social se justifica quando

se busca compreender o contexto em que o sujeito do discurso está inserido, a

época em que os fatos ocorrem e a intencionalidade do discurso. Tendo em vista os

diversos sujeitos que compõem a sociedade. Desse modo, entendemos que:

Não basta dar a palavra ao outro, é necessário aceitá-la e devolvê-la ao outro: “É devolvendo o direito à palavra – e na nossa sociedade isto inclui o direito à palavra escrita – que talvez possamos um dia ler a história contida, e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos das escolas públicas” (GERALDI, 1990, p. 124 apud PARANÁ, 2008, p.38).

Segundo Geraldi (1990), “Não basta dar a palavra ao outro, é necessário

aceitá-la e devolvê-la...” (GERALDI, 1990, p. 124 apud PARANÁ, 2008, p. 38), isto

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implica dizer que a interação verbal possibilita uma educação pautada no

conhecimento do poder exercido pela palavra oral e escrita. A escola é o lugar

propício para a aquisição desse conhecimento. Portanto, precisa defender uma

educação de qualidade, que considere o saber escolar uma ponte para o

desenvolvimento intelectual, econômico e pessoal.

Assim sendo, a linguagem como interação social permitirá que o sujeito

interaja com o mundo e a sociedade, compreenda seus interlocutores e as diferentes

atividades discursivas inseridas no contexto.

2.2 Gêneros discursivos

A concepção de gênero começou a ser discutida nos estudos desenvolvidos

acerca da linguagem por MiKhail Bakhtin, que acreditava que as pessoas se

comunicavam por meio de enunciados relativamente estáveis, que ele chamava de

gêneros do discurso. Esses enunciados eram construídos nas diversas esferas das

atividades humanas, sendo assim tão variados. Os enunciados orais e escritos

apontam as suas finalidades, por meio de seu conteúdo, estilo verbal e recursos

lexicais, fraseológicos e gramaticais.

Diante do exposto, o ensino de língua materna, que antes seguia as normas

tradicionais, passa a se centrar no funcionamento da língua, aprofundando-se no

conceito de linguagem bakhtiniano.

A linguagem definida por Bakhtin (2006) sempre será um fator social

constituído por meio da enunciação, que é a interação verbal entre dois ou mais

sujeitos pertencentes à mesma comunidade linguística. Na enunciação, a palavra

utilizada pelo sujeito apresentar-se-á de acordo com o nível social do seu

interlocutor. Ela se estrutura a partir da relação de discurso entre locutor /interlocutor

que determina o horizonte social, do tempo e do espaço ocupado pelos sujeitos

envolvidos na interação verbal.

Numa interação verbal concreta, a enunciação se adapta de acordo com o

contexto social ou nível de complexidade da experiência social dos indivíduos.

Sendo assim, Bakhtin (2006) defende que a língua é um fenômeno social que se

realiza por meio de enunciações que só têm sentido se tiver contato com outras

enunciações e que, assim, constituirá uma interação verbal entre sujeitos.

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Os sujeitos, por sua vez, serão orientados no processo de comunicação pela

enunciação que sempre se adéqua ao contexto dos participantes. Cada palavra

entendida pelos sujeitos são respostas à compreensão da enunciação que é o

produto da interação entre os participantes do discurso.

Bakhtin (2006) apresenta o dialogismo como a interação entre as vozes do

locutor/interlocutor, em que locutor enuncia em função de um interlocutor

real/imaginário, que busca no outro interlocutor real/imaginário uma atitude

responsiva, já tendo em mente a reação do outro. Assim, é na interação dialógica

que se formam os enunciados que são provenientes de outros enunciados.

De acordo com Baktin (2006), a língua é constituída pelo fenômeno social de

interação verbal, que tem no diálogo uma das formas mais concretas de realização.

A palavra diálogo, além da interação “face a face”, é a relação entre os sujeitos, por

meio de gestos, imagens, livros e textos impressos em geral.

O ser humano, no decorrer de suas vidas, utiliza o diálogo com pessoas do

mesmo grupo linguístico, formando esferas comuns de comunicação. Essa

comunicação se dá por meio de enunciados aprendidos no decorrer de sua

existência. Esses enunciados são conhecidos como textos ou gêneros discursivos.

Os gêneros discursivos apresentam-se nas diversas esferas da comunicação

humana, construindo-se de acordo com as necessidades do homem. Nesse sentido,

os gêneros apresentam variações de acordo com o desenvolvimento de cada esfera

da comunicação, estando presentes nas diferentes esferas: jornalística, política,

religiosa, etc.

Os gêneros são caracterizados pelo conteúdo temático que é o domínio de

sentido com que se ocupa o texto; pelo estilo verbal que é uma seleção dos recursos

lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua e pela construção composicional que

é o modo de organizar o texto.

A escola é o lugar onde os alunos, mesmo depois de fazer uso de todos os

tipos de gêneros, vão ter contado com a definição e os nomes desses gêneros.

Quanto maior a quantidade de gêneros textuais trabalhados pela escola, maior será

a compreensão que o aluno terá do seu universo. Mas esse trabalho não pode ser

artificial, o aluno deverá, ao término do trabalho com os gêneros textuais, ser capaz

de reconhecer as características e a funcionalidade do mesmo.

De acordo com Zanini (2010):

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O texto espaço de interação verbal, enunciado pleno de significação,

organiza-se coesa e coerentemente, ou seja, por meio de um arranjo

lingüístico, tecido com o objetivo de levar o leitor a construir sentidos

mais próximos o quanto possível daqueles que o autor deseja atingir.

Essa concepção reafirma de que os sentidos são construídos pela

interação entre os sujeitos da atividade comunicativa – autor e leitor

– e que, nos processos de produção e de leitura de um texto,

instauram-se ações lingüísticas, cognitivas e sociais, as quais tornam

possível seu funcionamento social (ZANINI, 2010, p.103).

Dessa forma, a aprendizagem só acontecerá se o aluno for capaz de

perceber que um gênero textual é carregado de significação, que produz uma

interação social, com o sujeito que constrói sentidos para toda e qualquer produção

apresentada por qualquer leitor/autor.

2.3 Concepções de escrita

O homem começou a inventar a escrita quando percebeu que precisava de

uma forma de comunicação que fosse além da fala, ou seja, que permanecesse que

pudesse ser utilizada mesmo após o seu dizer.

Até pouco tempo, a escrita era exclusividade de uma classe de prestígio, pois

nem todos tinham acesso a ela, só os mais privilegiados ou bem nascidos. Hoje,

apesar de termos uma escola dita “para todos”, de certa forma, o problema ainda

continua, pois muitos leem e escrevem, mas não dominam as ideias e intenções

presentes nos gêneros discursivos ou produções textuais.

A escola como lugar de construção do saber deve se comprometer para que a

escrita, de fato, aconteça e que o aluno perceba que ela faz parte de sua vida

cotidiana.

Portanto, cabe à escola um ensino sistematizado da escrita para que o aluno

faça uso da linguagem com autonomia, percebendo que sua linguagem não é

adequada a determinados contextos. Por exemplo, não nos dirigimos, de forma oral

ou escrita, a uma autoridade, da mesma forma como nos dirigimos a um colega,

amigo, familiar.

Menegassi (2010) apresenta as várias concepções de escrita que permeiam,

até hoje, o ensino da produção textual, são elas:

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a) a escrita com foco na língua: nessa concepção, o professor quando se depara

com a produção textual se prende apenas à correção de erros de grafia, desvios de

concordância e de sintaxe;

b) escrita como dom inspiração: a produção textual, nessa concepção, é feita a partir

de título, frases ou tema, em que o aluno produz, por meio de informações que o

professor julga que o mesmo tem internalizado sobre o assunto, é mais uma

estratégia de preenchimento do tempo do aluno para manter a disciplina;

c) escrita como consequência: a escrita, nessa concepção, é uma consequência de

uma atividade realizada: passeio, filme, debate e a produção é vista como uma

penalidade por ter realizado uma atividade motivadora, não sendo necessariamente

lida ou corrigida pelo professor;

d) escrita como trabalho: nessa concepção, a escrita é vista como processo contínuo

de ensino e aprendizagem em que o aluno percebe as reais necessidades de sua

produção. A produção passa nessa concepção pelo planejamento, execução do

texto escrito, revisão e reescrita.

Nas três primeiras concepções apresentadas, pensava-se a escrita com o

objetivo de tornar o aluno um leitor/escritor capaz de perceber as situações reais em

que a linguagem acontece. No entanto, a escrita continuava sendo reproduzida, por

meio de atividades mecânicas e estruturas gramaticais preestabelecidas.

Já na concepção da escrita como trabalho, o aluno (autor) é envolvido no

processo de produção, utiliza-se de suas experiências e de seu conhecimento de

mundo. Ele é capaz de observar os elementos do texto: destinatário, leitor,

interlocutor e contexto como essenciais.

Nesse aspecto, Baktin (1992) diz que “é preciso que o aluno se envolva com

os textos que produz e assuma a autoria do que escreve, visto que ele é sujeito que

tem o que dizer. Quando escreve, ele diz de si, de sua leitura de mundo”. (BAKHTIN

1992, p. 289).

Assim, ao professor, cabe possibilitar a interação do uso da linguagem verbal

ou escrita, valorizando o conhecimento trazido pelo aluno e sua participação ativa,

aceitando as diferentes linguagens, a diversidade cultural e a liberdade de

pensamento.

E a escola como lugar de formação humana deve oportunizar ao aluno um

ensino/aprendizagem de qualidade que possibilite a sua interação e atuação na

sociedade.

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2.4 Gênero textual: Carta Pessoal

Os textos são presença constante na vida das pessoas. Toda comunicação é

feita por intermédio de textos, sejam eles verbais ou não-verbais. Portanto, é preciso

oferecer uma prática educacional pautada no ensino dos gêneros textuais, para que

os indivíduos conheçam o maior número de gêneros possíveis e possam fazer uso

dos mesmos com autonomia e propriedade.

Sabemos das dificuldades dos nossos alunos em relação à leitura e à escrita

e, mais ainda, em relação à escrita, modalidade escolar que dá ao aluno a

impressão de que ele nada sabe e de que nunca fez uso de quaisquer elementos da

escrita.

Assim sendo, a intenção é mostrar para o aluno que a fala e a escrita se

completam. E que o uso de ambas depende do contexto em que se apresentam. Ou

seja, se falamos ou escrevemos para uma autoridade, o nosso discurso tende a ser

mais formal, elaborado, sucinto; se estamos em uma reunião familiar, o discurso é

mais informal, íntimo. Assim, existem contextos diferentes de manifestação da

linguagem.

A escola, por sua vez, tem o papel de sistematizar esse conhecimento sem

depreciar ou rejeitar a gama de gêneros que o aluno apresenta internalizado pelas

suas vivências anteriores. Dessa forma, o ensino por meio de gêneros textuais

proporciona uma aprendizagem efetiva da língua, possibilitando ao indivíduo uma

formação adequada para a prática social da língua materna.

A carta pessoal é um texto com forma composicional específica. Ela

apresenta uma situação temporal, num determinado espaço. A carta também exibe

uma relação de interlocução que aponta para elementos fora do texto, que interfere

no sentido do mesmo, dependendo do contexto em que ela está inserida. Além

disso, enquanto gênero textual, a carta pessoal oportuniza uma maior participação

dos alunos nas práticas sociais, podendo os mesmos se posicionarem como

cidadãos que têm opiniões e que desejam participar nos vários fatos que se

constroem no dia a dia de suas vidas.

O assunto, parte principal da carta, também é muito importante para que

aluno perceba que este pode ser organizado de acordo com a necessidade social do

autor. Visto que os assuntos e realidades são diversos, o indivíduo, um ser social,

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apresenta curiosidade de conhecer essas diversidades parecidas com a sua. Por

conseguinte, a escola deve propiciar este momento entre alunos e comunidade

ampliando a comunicação e oportunizando uma aprendizagem colaborativa.

Para Soto (2001):

São muitos os benefícios que este gênero oferece. “A carta

apresenta a vantagem adicional de ser um texto que é pensado

como um diálogo que acontece a distância e por isso tem como

características imanentes ser escrito e se realizar sem a presença

dos interlocutores” (SOTO, p.23, 2001).

Desta forma, a carta pessoal proporciona a interação entre os sujeitos e suas

atividades de oralidade/leitura e escrita. A escola como espaço de interação desses

sujeitos deve propiciar o conhecimento e a apropriação dos vários gêneros do

discurso desenvolvendo a leitura e a escrita nos diversos textos com os quais

entram em contato.

Para a efetivação desse trabalho, as produções de carta pessoal deverão

passar pelo processo de escrita, revisão e reescrita, até se alcançar uma produção

adequada. O professor e os colegas de sala serão colaboradores no sentido de

aprimorar o processo de revisão e reescrita do texto, apontando sugerindo,

comentando e aprimorando as ideias presentes. Mas, é o aluno, que, após

internalizar e se apropriar das estratégias de melhoria do texto, que realizará a

escrita final.

3. Informações metodológicas

O projeto realizou-se nos meses de março a outubro, sendo interrompido no

decorrer de sua aplicabilidade por problemas de ordem administrativa estadual, no

Colégio Estadual Bento Mossurunga - EFMP, de Umuarama, Estado do Paraná, no

ano de 2015, para alunos do 7º Ano A do Ensino Fundamental, Fase II, com a

participação de todos os alunos, sendo as atividades desenvolvidas no horário

normal de aula, atendendo a uma carga horária de 32 horas aula.

Para a realização do trabalho proposto junto aos alunos, tendo como base a

escrita de cartas pessoais, utilizou-se a proposta metodológica da Sequência

Didática (SD).

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A sequência didática é uma contribuição de Bernard Schneuwly e Joaquim

Dolz (2004), desenvolvida para o trabalho com gêneros textuais. Segundo os

autores, trata-se de: “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira

sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (SCHNEUWLY; DOLZ,

2004, p. 96). Portanto, a produção de um gênero textual, em que se pretende a

assimilação dos alunos, deve atender as seguintes demandas:

[...]

permitir o ensino da oralidade e da escrita a partir de um encaminhamento, a um só tempo, semelhante e diferenciado;

propor uma concepção que englobe o conjunto da escolaridade obrigatória;

centrar-se, de fato, nas dimensões textuais da expressão oral e escrita;

oferecer um material rico em textos de referência, escritos e orais, nos quais os alunos possam inspirar-se para suas produções;

ser modular, para permitir uma diferenciação do ensino;

favorecer a elaboração de projetos de classe. (DOLZ; NAVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 96)

A sequência didática é um dos processos de ensino aprendizagem que

possibilita a realização de uma nova forma de ensinar a língua portuguesa, uma vez

que utiliza os gêneros textuais em contextos de produção adequados, com

atividades que permitem ao aluno construir o conhecimento em torno do gênero

produzido. Para Dolz; Naverraz; Schneuwly (2004), a sequência didática deve ter a

seguinte estrutura: apresentação da situação, primeira produção, módulos e

produção final.

Na apresentação da situação, os alunos são informados sobre o trabalho que

será realizado, tomarão conhecimento do gênero, do interlocutor do texto, como será

a produção e quem participará dela.

Na primeira produção, o importante é observar as dificuldades do aluno em

relação ao gênero proposto, pois é esta produção que servirá de suporte para os

módulos seguintes.

Os módulos foram organizados para reparar as dificuldades apresentadas na

primeira produção. Na preparação dos módulos, três pontos devem ser

apresentados: “[...] que dificuldade da expressão oral e escrita abordar; como

construir um módulo para trabalhar um problema particular; como capitalizar o que é

adquirido nos módulos” (DOLZ; NAVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 102).

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Na produção final, o aluno apresenta, por meio de uma produção escrita, tudo

o que aprendeu sobre o gênero. Essa produção final serviu para o professor avaliar

se as atividades trabalhadas nos módulos foram entendidas.

4. Relato e apresentação dos resultados da implementação

A primeira ação foi a apresentação do projeto junto à equipe pedagógica da

escola, para que se inteirasse do trabalho que seria implementado. Na

apresentação, foi reforçado, principalmente, o objetivo do projeto que era o de

promover ações que favorecessem o desenvolvimento e o aprimoramento da

escrita.

Na sequência, já em contato com a turma, houve o momento da discussão,

em que foram expostos o trabalho e as estratégias a serem desenvolvidas.

Na busca de amenizar a ansiedade foram propostas algumas questões orais

sobre o gênero: “Vocês sabem o que é uma carta?”, “Já leu alguma?”, “Já

escreveram alguma?”, “Qual é a importância do uso da carta em nossa sociedade?”,

etc. Nesse momento, os alunos se mostraram contrário a realização do projeto

alegando já existirem diversos meios de comunicação muito mais rápido e prático

que a carta, citaram então: whatsApp, e-mail, msn, telefone... Mas, foram

convencidos, quando tomaram conhecimento, por meio da discussão, de que a carta

ainda se faz presente em diversas situações, além de ajudar na melhoria da escrita,

no conhecimento dos gêneros, na análise linguística e, ainda, promover uma troca

de experiências, pois haveria troca de correspondência com uma turma do

contraturno do colégio.

Para tanto, foram apresentados um texto informativo, um vídeo sobre o

gênero e uma atividade de pesquisa sobre algumas palavras que apresentavam

dificuldades de entendimento para os alunos.

Após a realização das atividades anteriores, foi proposta a primeira produção,

uma vez que o projeto é desenvolvido por meio de uma Sequência Didática (SD),

que é uma contribuição de Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz (2004), para o ensino

de gêneros, na Língua Portuguesa. Nessa proposta metodológica, o aluno faz a

primeira produção conhece o gênero, por meio de diversas atividades e ele mesmo

faz os ajustes do seu texto na produção final.

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Na primeira produção da carta pessoal a dificuldade apresentada foi a

estrutura. Os alunos, já conheciam o gênero em séries anteriores, mas não o

dominavam. Então, foram apresentados a eles vários modelos de carta em que

estavam presentes os elementos necessários para a construção: remetente,

destinatário, local, data, saudação, corpo, despedida e assinatura com objetivo de

reconhecerem esses elementos. Desse modo, essa dificuldade foi amenizada e a

maioria dos alunos aprenderam os elementos da carta pessoal.

Na busca de tornar a aula mais atrativa e desafiadora os alunos assistiram ao

filme Central do Brasil, filme brasileiro que apresenta como protagonista, Dora

(Fernanda Montenegro), é uma professora aposentada que tira o seu sustento como

escrevente de cartas para pessoas aposentadas. A importância do gênero carta foi

evidenciada à medida que os alunos assistiram ao filme e observaram que esta era

o único meio de comunicação utilizada pelos personagens humildes e analfabetos

para enviar noticias aos familiares e amigos que se encontravam distantes.

O filme serviu também como suporte para o trabalho com a linguagem

formal/informal mostrando como as pessoas falavam e como a protagonista

escrevia, explicando que, existem diferenças significativas entre escrever e falar. As

discussões foram riquíssimas acerca dessa atividade, pois por se tratar de um filme

antigo não se esperava tanta receptividade. Nessa atividade, confirmou-se a função

social da carta e sua importância para a sociedade.

Após as discussões, chegou o momento de trabalhar com os módulos da

seguência didática, observando as dificuldades da expressão oral e escrita da

primeira produção. Uma das primeiras atividades do módulo foi a pesquisa de

palavras no dicionário. Essa atividade se fez necessária, pois havia, no texto de

alguns alunos, palavras que os demais não conheciam a ortografia e o seu

significado. Ao desenvolver essa atividade, ficou claro que muitos alunos não sabem

utilizar o dicionário. Assim, aprenderam que para encontrar uma palavra no

dicionário é preciso observar a ordem alfabética da primeira letra, da segunda e

assim sucessivamente.

Outra atividade necessária foi com o vocativo e os pronomes. Para amenizar

as dificuldades apresentadas os alunos fizeram exercícios em que precisavam

reconhecer esses elementos na carta. A princípio tiveram dificuldades, mas após

várias atividades apresentaram uma melhora significativa no reconhecimento desses

elementos.

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Os alunos tiveram ainda contato com textos informativos sobre envelope e o

preenchimento dos mesmos. Aqui, também se percebeu que os alunos, no geral,

não tinham o menor conhecimento de como realizar o preenchimento de um

envelope, mesmo afirmando que os mesmos já o tinham feito no Ensino

Fundamental I. As curiosidades sobre selos e sobre as agências de correios, por

meio dos textos informativos, foram muito bem aceitas, pois os alunos tinham pouco

conhecimento sobre esses assuntos.

A produção final da carta oportunizou a avaliação e os avanços alcançados

pela turma. Apesar do trabalho feito ao longo de, praticamente, um bimestre, alguns

alunos não apreenderam a estrutura do gênero carta pessoal, não definiram

palavras como destinatário, remetente, mas sabiam expressões para utilizar na

saudação e na despedida e assimilaram linguagem formal/informal.

O trabalho com o gênero textual carta pessoal mostrou-se propício para

amenizar o problema que, atualmente, aflige as escolas brasileiras: a escrita. A

escrita, por meio do gênero carta pessoal, determinou quem seria o leitor do texto.

Isso levou o aluno a cuidar da redação, pois estava claro que o professor não seria o

único leitor. Assim, o aluno viu um sentido para escrever e escrever bem, pois o seu

interlocutor, não só observaria os seus “erros” ortográficos, mas a sua mensagem, a

sua intenção. Ele, o aluno, teria que convencer o seu destinatário a interagir, a

absorver suas ideias.

Desse modo, o aluno compreendeu que a sua produção necessitava de

planejamento, revisão, reescrita e uma linguagem que atraísse o leitor. A revisão,

ora individual, ora buscando ajuda nos colegas e professor era preciso para ajustar e

sanar os problemas do texto. Após, os vários momentos de revisão e reajustes

chegou o momento da reescrita.

A reescrita, por não ser uma prática muito aceita pelos alunos, também

provocou resistência. No entanto, mesmo contrariados, relutando para não realizar a

atividade, aceitaram a ideia de que precisariam reescrever, uma duas ou mais

vezes, visto que a escrita apresenta um juízo de valor. Por meio dela, é possível

levantar várias hipóteses sobre o escritor.

Assim, a escrita da carta para um (a) colega colaborou de forma positiva na

postura do aluno, uma vez que o mesmo precisou tomar uma posição perante seu

interlocutor, sobre o que escrever, como escrever e escrever bem, de forma a

convencer e ao mesmo tempo causar uma boa impressão.

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A visita ao correio para a postagem da carta oportunizou o aluno em conhecer

funcionamento do órgão responsável pelo itinerante das correspondências. Os

alunos tiraram suas dúvidas com uma funcionária responsável em atendê-los e

apreciaram o local que muitos desconheciam.

4. Considerações finais

A carta pessoal é um gênero discursivo muito próximo do diálogo. Ao conviver

em situações em que precisa persuadir/convencer o seu interlocutor, no caso

amigos, familiares, em determinados momentos, o aluno busca ajuda na linguagem

apelativa para dar credibilidade a sua fala e atingir a emoção do outro.

A escola, de acordo com uma das participantes do GTR (Grupo de Trabalho

em Rede): “ao oportunizar o contato dos alunos com diferentes gêneros textuais,

ajudando-os a identificar e a diferenciá-los dentro de uma sociedade tomada pela

tecnologia, inserida no "touch screen", permite a esses sujeitos se manifestarem

socialmente, dando “empoderamento” às palavras. Mesmo que desconheçam a

estrutura do gênero carta, colocar, no papel, as suas palavras, legitima o sujeito

como protagonista da sua história. Seja essa qual for.”

O comentário da cursista relatado acima confirma o que Baktin (1992),

mesmo antes do advento das tecnologias, já dizia “é preciso que o aluno se envolva

com os textos que produz e assuma a autoria do que escreve, visto que ele é sujeito

que tem o que dizer. Quando escreve, ele diz de si, de sua leitura de mundo”.

(BAKHTIN 1992, p. 289).

Assim, o trabalho realizado com a carta pessoal, mesmo apresentando

resistência por parte de alguns alunos, foi muito proveitoso, visto que contribuiu para

amenizar problemas de escrita: ortografia das palavras, uso do vocativo e dos

pronomes, linguagem formal/informal; compreensão da estrutura: remetente,

destinatário, local, data, saudação, corpo, despedida e assinatura e função social do

gênero. Os alunos compreenderam que a carta pessoal é um importante meio de

comunicação, que objetiva aproximar pessoas distantes, por meio da escrita.

No decorrer das aulas houve mais interesse na realização das atividades e a

participação tornou-se mais ativa e dinâmica. Muitos alunos se apropriaram do

conteúdo. Aqueles que apresentaram maiores dificuldades foram assistidos pelos

colegas e professor obtendo um desempenho aceitável.

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Desta forma conclui-se que a metodologia de aprendizagem por meio dos

gêneros textuais, em especial a carta pessoal, enriquece o trabalho em sala de aula.

A participação e o comprometimento dos alunos são mais visíveis, visto que os

mesmos são oportunizados a expor suas opiniões acerca do conteúdo.

Referências

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DOLZ, J; SCHNEUWLY, B; NOVERRAZ, M. Seqüências didáticas para o oral e a

escrita: apresentação de um procedimento. In: Gêneros orais e escritos na Escola.

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Cortez, 2004.

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ZANINI, M. A produção textual e o ensino: Maringá PR. UEM, 2010.