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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA …€¦ · Biodiversidade, como o ensino de Ciências pode contribuir para uma análise das ... incluindo violência e consumo

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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1 Professora Estatutária da Rede Pública Estadual do Paraná, lotada no Colégio Estadual do Campo

Ireno Alves dos Santos. Graduada em Ciências Biológicas e Especialização em Educação, Pedagogia Escolar e Educação do Campo, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). e-mail:[email protected] ² Professor Orientador do Departamento de Ciências Biológicas – UNICENTRO/PR. Mestre em

Ciências Ambientais. e-mail: [email protected]

CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA NO ENSINO DE

CIÊNCIAS: UM ESTUDO DA BIODIVERSIDADE

Elisangela Gomes Ferreira Garcia¹ Sidnei Pressinate Júnior²

Resumo: Este texto é resultado de estudos sobre a metodologia da Contextualização no Ensino de Ciências, da aplicação do material didático produzido a partir do conteúdo Biodiversidade e Educação Ambiental no Programa de Desenvolvimento Educacional/PDE do Paraná. A partir do cotidiano escolar, observa-se que os estudantes conhecem os termos relacionados ao ambiente natural, mas não compreendem a complexidade de relações existentes na natureza, tampouco a relação com os aspectos sociais, políticos, éticos, econômicos e culturais. Procurou-se abordar esses temas dentro de uma práxis educativa, que auxilie os estudantes na compreensão da transformação da natureza pelo trabalho, pela análise de sua realidade, condição social e histórica, para que possam desejar um projeto social coletivo. Outro aspecto desenvolvido foi articular os conhecimentos do cotidiano dos estudantes e o conhecimento científico com relação ao meio ambiente, para que possam apropriar-se destes conceitos e compreender a sua relação direta com a natureza, sentindo-se parte dela. Na educação ambiental procura-se mostrar que a luta pelo ambiente natural é também uma luta pela igualdade, não aceitar que o planeta se torne mercadoria e a dominação do homem sobre o homem e a natureza. Partindo do pressuposto que os conteúdos devam ser tratados de forma contextualizada, propõe-se que tais conhecimentos contribuam para a crítica às contradições sociais, políticas e econômicos presentes nas estruturas da sociedade. E que contribuam de forma significativa na abordagem e na conscientização da questão ambiental. Procurou-se atingir os objetivos em que o estudante se aproprie do recorte do conteúdo selecionado e relacione com a educação ambiental. Constatou-se a apropriação dos conceitos trabalhados, a relação com outros sistemas para além da análise biológica e a superação de obstáculos conceituais, tornado a aprendizagem significativa e participativa.

Palavras-chave: Biodiversidade. Educação Ambiental. Contextualização Sócio-

Histórica.

1. Introdução

A instituição escolar de acordo com as Diretrizes Curriculares Estaduais tem a

educação como um direito universal e a partir das teorias críticas de educação,

possui a função de ser um local de acesso ao saber, ao conhecimento produzido

pela humanidade, sistematizado e socializado nesse ambiente, com vistas à

formação integral e emancipatória. (PARANÁ, 2008).

Segundo Loureiro (2007) o processo emancipatório deseja a construção de

uma nova organização social, nos quais os limites possam ser superados

democraticamente. Processo que garante condições de participar e decidir sob

relações de produção, com justa distribuição do que é produzido socialmente como

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alimentos, remédios, educação, arte, ciência, entre outras, para que a humanidade

encontre modos de se realizar na natureza e não “contra a natureza”.

Nessa socialização do conhecimento, as Diretrizes Curriculares Estaduais do

Paraná aponta para uma formação ao enfrentamento com vistas à transformação da

realidade social, econômica e política de seu tempo. Que seja humanista e

tecnológica, considerando as dimensões científicas, artísticas e filosóficas.

Essa formação integral, emancipatória deve atender a todos os sujeitos e

para isso faz-se necessário conhecer quem são esses sujeitos e quais referenciais

trazem com eles. As DCEs destacam que:

Um sujeito é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é, também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como o compreende e como dele lhe é possível participar. Ao definir qual formação se quer proporcionar a esses sujeitos, a escola contribui para determinar o tipo de participação que lhes caberá na sociedade. Por isso, as reflexões sobre currículo têm, em sua natureza, um forte caráter político. (Paraná, 2008, p. 16).

É necessário entender que os conteúdos devem ser vinculados a uma análise

histórica e política. Contextualizar os conhecimentos aos interesses políticos,

econômicos, sociais e aos determinantes ideológicos para perceber como interferem

nos saberes e praticas de ensino inserido na escola.

Nesta perspectiva, ao trabalhar com o conteúdo biodiversidade é

indispensável fazer a relação de contexto com a educação ambiental, em uma visão

de totalidade, considerando os aspectos sociais, econômicos e culturais. A

educação ambiental tem na escola, a partir dos conteúdos sistematizados, um

potencial importante de reflexão política. A escola, as teorias educacionais precisam

preparar o sujeito para enfrentar as relações de poder na sociedade, para isso

precisam compreender essas relações de forma dialética. Vinculada a discussão na

perspectiva do Materialismo Histórico Dialético, a educação emancipatória e crítica

tem uma opção política no processo de construção de conhecimento socioambiental.

A proposta do trabalho foi à aplicação da metodologia Contextualização

Sócio-Histórica no Ensino de Ciências, feita a partir do conteúdo biodiversidade,

para estudantes do Ensino Fundamental Anos Finais, em uma turma de 7º ano de

uma escola do campo.

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A escolha dessa metodologia surgiu pela necessidade de aprofundamento

dessa temática, tornando os conteúdos escolares significativos aos estudantes para

a apropriação dos mesmos. E que a partir do conhecimento, compreendam as

contradições sociais, políticas e econômicas existentes, contribuindo para a crítica a

esse modelo de desenvolvimento atual.

.Algumas reflexões que seguem no texto são resultado de leituras feitas no

curto espaço de tempo que os educadores possuem, o material disponível, pela

experiência na educação e pela indignação diária frente à transformação do ser

humano e suas necessidades em mercadorias

Considerado essas discussões foi investigado a partir do conteúdo

Biodiversidade, como o ensino de Ciências pode contribuir para uma análise das

questões ambientais e sua relação com as contradições do sistema econômico,

político, social, e cultural. Buscou-se compreender a relação conceitual,

interdisciplinar e de contexto deste conteúdo.

2. Contextualização no Ensino de Ciências

Os estudantes ao apropriarem-se de conhecimentos produzidos pela

humanidade precisam também compreender que na construção e produção da

Ciência, não há neutralidade. Há uma intencionalidade e um tensionamento

originado pelas relações de poder existentes, as quais não sendo naturais, podem

ser modificadas.

Os conteúdos disciplinares devem ser tratados, na escola, de modo

contextualizado, estabelecendo-se, entre eles, relações interdisciplinares e

colocando sob suspeita tanto a rigidez com que tradicionalmente se apresentam

quanto o estatuto de verdade atemporal dado a eles. Desta perspectiva, propõe-se

que tais conhecimentos contribuam para a crítica às contradições sociais, políticas e

econômicos presentes nas estruturas da sociedade contemporânea e propicie

compreender a produção científica, a reflexão filosófica, a criação artística, nos

contextos em que elas se constituem. (PARANÁ, 2008, p.16).

A discussão da problemática ambiental deve ser pautada nos diferentes

condicionantes que interferem no ambiente natural, não apenas aspectos biológicos

ou sobre o manejo correto dos recursos naturais, mas em uma abordagem sócio

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ambiental. Deve-se entender a realidade como um processo historicamente

construído na relação entre ambiente e sociedade.

Uma problemática a ser enfrentada na educação ambiental é a concepção

que foi criada sobre natureza e sustentabilidade para o desenvolvimento da

humanidade. Para Leff (2001), a crise ambiental veio questionar a racionalidade e os

paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico,

negando a natureza. O modelo atual de desenvolvimento, que levou a degradação

da natureza e dos valores humanos precisa ser questionado. Segundo Leff (2001), o

humanismo e o pensamento crítico se colocam a necessidade de questionar e ética

desse modelo, que reoriente o desenvolvimento material e as aplicações da Ciência.

O racionalismo crítico e a ética ambientalista buscam recuperar valores essenciais,

criar condições para a criatividade de todos, conseguir uma vida digna para a raça

humana e promover desenvolvimento pela qualidade de vida. Há necessidade de

uma nova racionalidade produtiva e ambiental para reapropriação social da

natureza.

Criar condições na escola para a construção de conhecimento integrado do

mundo, considerando a complexa rede de relações dos componentes naturais,

sociais, econômicos e culturais a partir dos conteúdos implica em muitos

entendimentos. Um deles é a superação de obstáculos conceituais feitos pelos

estudantes, onde suas concepções prévias devem ser valorizadas e tomadas como

ponto de partida para formação de conceitos científicos. Conhecer a história da

ciência, de acordo com as Diretrizes Curriculares Estaduais de Ciências, (2008)

associando os conhecimentos científicos com os contextos políticos, éticos,

econômicos e sociais que originaram sua construção. Dessa forma, podem-se

compreender os obstáculos epistemológicos a serem superados para que o

processo ensino-aprendizagem seja mais bem sucedido. Conhecer as relações

conceituais, interdisciplinares e contextuais associadas à produção de

conhecimentos, para superar a ideia reducionista da ciência como transmissão de

conceitos, porque essa perspectiva desconsidera os aspectos históricos, culturais,

éticos, políticos, sociais, tecnológicos, entre outros, que marcam o desenvolvimento

científico. (PARANÁ, 2008 p. 61)

2.1 Educação Sócio Ambiental

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Essa sociedade que produz conhecimento e tecnologia, baseada em

contradições sociais, se apresenta como ameaça a sobrevivência das espécies.

Para Capra (2005), gastam-se bilhões em moedas por dia com armas nucleares e

armas de fogo em nome da segurança e a morte de bilhões de pessoas por ano de

fome persiste no séc. XXI. A tecnologia industrial, que facilita o trabalho e gera mais

lucro, ameaça o ambiente natural, poluindo o ar, água, alimentos, acompanhada de

problemas de saúde. A deterioração do ambiente natural é acompanhada pela

deterioração do ambiente social, incluindo violência e consumo de drogas. E a par

dessas patologias tem-se a distribuição desigual de riquezas e a percepção que a

energia dos recursos naturais está sendo exaurida.

A análise da crise ambiental, não pode ser dissociada de uma análise da

economia. Como o enfoque da economia é fragmentado, preocupada

exclusivamente com o lucro, não considera as realidades sociais e políticas.

Qualquer problema existente para a economia é resolvido com técnicas que ocultam

os conflitos.

Segundo Capra (2005), novos valores surgiram no séc. XVI e XVII como o

individualismo, o direito a propriedade privada, racionalismo e com o avanço do

sistema econômico vigente até hoje, surgiu o mercantilismo. Hoje temos grandes

companhias com tecnologias de alto risco, mas com custos sociais e ecológicos. As

multinacionais “jogam” os trabalhadores de um país contra o outro, explorando o

racismo, sexismo e nacionalismo, ficando difícil a união dos trabalhadores. Hoje

existe a obsessão pelo crescimento econômico e tecnológico, com ausência de

limitação, para um ambiente natural finito.

Ao se referir ao crescimento para melhorar a qualidade de vida, Capra

comenta:

...Não se referia, evidentemente, a qualidade de vida, mas ao chamado padrão de vida, que é equiparado ao consumo material, Os fabricantes gastam verbas enormes com publicidade a fim de que seja mantido um padrão de consumo competitivo com artigos desnecessários, supérfluos e nocivos... Se mantivermos os modelos atuais de crescimento não diferenciado, não tardaremos a exaurir as reservas de metais, alimentos, oxigênio e ozônio, que são cruciais para nossa sobrevivência (CAPRA, 2005 p. 206).

Para Capra (2005), o crescimento das instituições como empresas,

universidades, igrejas, governos e nações, ao fazer sua autopreservação podem

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desvirtuar suas finalidades, como multinacionais com grande poder econômico e

político, ultrapassam o poder dos governos nacionais, controlando o legislativo,

distorcendo informações para os meios de comunicação, o direcionamento de

pesquisas acadêmicas e o funcionamento da educação. A competição, coerção e

exploração são apenas aspectos para o crescimento e não se espera encontrar por

trás o lado humano, passando os valores a serem pessoais.

A busca pelo crescimento leva a querer mais recursos naturais, mão de obra

barata, novos mercados, fechamento de pequenas empresas, dependência dos

trabalhadores, massificação das mentes e desejos, criando sérios problemas sociais

que serão resolvidos pelo consumo, apesar de ser nocivo. E essas companhias,

quando diminuem seus lucros, usam o poder público com a desculpa de preservar

empregos, para usufruir de dinheiro público para tirá-los do apuro.

Na maioria das sociedades quem detém o poder, cria demandas, conceitos,

estilos de pensar e determina a política. O sistema econômico não considera

variáveis sociais e ambientais. Esse sistema trabalha com mercados livres, onde

todos tem acesso à informação e igual poder, eficiência, produtividade e o lucro é o

que vale. Para Capra (2005), a eficiência é medida pelo lucro. Eficiência social, para

quem? Para o ecossistema ou individual? O sistema norte-americano usa

gigantescas quantidades de recursos naturais no seu sistema industrial, para uma

pequena parcela da população mundial. Isso é considerado ineficiente do ponto de

vista ecológico. Como é ineficiente a mecanização que geram desempregados e os

lucros são à custa de exploração social e ambiental. É ineficiente na agricultura o

uso de produtos petroquímicos destruindo o equilíbrio dos solos e uso de venenos

nos alimentos.

Neste sistema econômico, que não pode ser coletivo, pois não cumpre seus

objetivos individuais e momentâneos, não há lugar para todos os seres humanos.

Os conceitos criados na economia, para mantê-la com suas finalidades, precisam

estar em todos os outros sistemas. Ela dita os valores, estilos, felicidade e o destino

do indivíduo. O conceito de trabalho neste sistema é emprego só por dinheiro e estar

desempregado acarreta perder status. Os empregados são alienados e insatisfeitos,

não sentem orgulho pelo produto, com menos qualidade, pois segundo Marx (1844),

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não são ouvidos, não detém os meios de produção e não se identificam com o

produto. (CAPRA, 2005, p. 225). Como cita Roszak:

O trabalho que produz quinquilharias desnecessárias ou armas de guerra é errado e esbanjador. O trabalho que se apoia em falsas necessidades ou apetites indesejáveis é errado e esbanjador. O trabalho que engana ou manipula, que explora ou degrada, é errado e esbanjador. O trabalho que fere o meio ambiente e torna o mundo feio é errado e esbanjador. Não há nenhum meio de redimir esse trabalho enriquecendo-o ou reestruturando-o, socializando-o ou nacionalizando-o, tornado-o “pequeno”, ou descentralizado ou democrático. (ROSZAK apud CAPRA, 2005, p. 223).

Essa relação de trabalho, que modifica a natureza e ela como meio direto de

vida, deve ser compreendida. Para Marx (1844), dizer que o homem vive da

natureza significa que a natureza é o corpo dele, com o qual deve se manter em

contínuo intercâmbio a fim de não morrer.

O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. Assim é, com

efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte

em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica

e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos

afirmar que o trabalho criou o próprio homem. (ENGELS, 1876).

A visão egocêntrica e imediatista faz a humanidade pensar que o homem,

além de não fazer parte do sistema natural, precisa dominá-la não tendo absoluta

noção de coletividade e cuidado. Para Boff (1999), a ótica do cuidado funda uma

nova ética, compreensível a todos e capaz de inspirar valores e atitudes

fundamentais para a fase planetária da humanidade.

De acordo com Boff (1999), há um descuido e um abandono dos sonhos de

generosidade, agravados pela hegemonia do neoliberalismo como o individualismo e

a exaltação da propriedade privada que comporta. Faz-se pouco dos ideais de

liberdade e de dignidade para todos os seres humanos. A maioria dos habitantes

sente-se desenraizados culturalmente e alienados socialmente. Sem o cuidado, o

ser humano, deixa de ser humano, desestrutura-se e perde sentido.

Um dos aspectos na sociedade é o cientificismo cartesiano, que produz

conhecimento de forma fragmentada, foca o olhar no indivíduo, gerando competição,

exacerbação da individualidade, fazendo a dissolução da realidade coletiva. Para

atingir essa condição, há necessidade de dominação de um sobre o outro e do

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homem sobre a natureza. Na lógica reducionista, o individuo autônomo, isolado, não

sofre influência do todo. Sua racionalidade domina outras dimensões, e na educação

ambiental, o individuo ao se tornar ecologicamente correto, com ações individuais

estará fazendo sua parte. O que existe é uma população que sabe da importância

de preservar o meio ambiente, mas esse ambiente está cada vez mais degradado.

Estar consciente da influência dominante na visão de mundo de quem detém

o poder, é uma das formas de romper com a visão reducionista da realidade.

Segundo Guimarães:

Conscientização como um processo do individuo, mas na relação com o outro, em que o que está interiorizado pela razão e emoção, na consciência, se exterioriza pela ação refletindo essa interioridade. É a consciência em ação - conscientização. Separarmos razão e emoção, teoria e prática, reflexão e ação, dicotomizando estas dualidades sem relacioná-las é estarmos presos à armadilha paradigmática. (GUIMARÃES, 2005, p. 193).

A construção de um ambiente de conscientização, segundo Guimarães

(2005), é promover uma reflexão crítica, que se dá pela práxis, que é a ação e

reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Na perspectiva dialética, o

indivíduo se transforma transformando a sociedade e, reciprocamente, na sociedade

em transformação, o indivíduo se transforma.

Segundo Saviani (2005), na dialética está à relação do movimento e das

transformações, que não é idealista, mas de um movimento real e histórico. A

dialética histórica é expressa pelo materialismo histórico, onde procura explicar o

processo abrangendo desde a forma como são produzidas as relações sociais e

suas condições de existência, até a inserção da educação neste processo. Para ele

a práxis nesse processo é a prática fundamentada teoricamente. Se existe a prática

em prevalência da teoria, é pragmatismo, espontaneísmo e ao contrário é idealismo,

contemplação. A prática se fundamenta teoricamente, isto significa que a prática é

critério de verdade e finalidade da teoria. O movimento do conhecimento como

passagem do empírico ao concreto, pela mediação do abstrato, ou a passagem da

síncrese à síntese, pela mediação da análise. Assim pode-se enxergar a escola,

como mediação da prática social, entendendo o desenvolvimento da humanidade

historicamente.

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Dentre muitas práticas pedagógicas inseridas nas teorias críticas de

educação, que poderiam ser trabalhadas na escola para discutir educação

ambiental, está a Contextualização Sócio-Histórica, que de acordo com as Diretrizes

Curriculares Estaduais de Ciências (2008), é uma forma de articular conhecimento

científico com o contexto histórico e geográfico dos estudantes, com outros

momentos históricos, com interesses políticos e econômicos que levam a sua

produção para que o conhecimento disciplinar seja potencialmente significativo.

Significa aproximar os conteúdos científicos escolares das estruturas sociais,

políticas, econômicas éticas, tecnológicas, entre outras. “Para as teorias críticas a

contextualização propicia a formação de sujeitos que, ao se apropriarem de

conhecimento, compreendam que as estruturas sociais são históricas e

contraditórias”. (PARANÁ, 2008, p.32).

A educação como prática humana deve ser vivenciada, mas também

pensada. A educação escolar tem um papel importante no processo de

humanização e transformação social, a qual não faz sozinha, mas faz na formação

de um sujeito integral e que compreenda sua condição social.

2.2 Educação e Sustentabilidade

É preciso ficar atento para o uso do termo sustentabilidade, pois ele muitas

vezes se torna um modismo. Qual é a concepção deste termo?

Considerar a concepção de meio ambiente sob enfoque da sustentabilidade é

para Gadotti (2008, p.14), o sonho de bem viver; sustentabilidade é equilíbrio

dinâmico com o outro e com o meio ambiente, é harmonia entre os diferentes.

Podemos afirmar que, hoje, a sustentabilidade também representa uma esperança

e, tal como esta, a sustentabilidade tornou-se um imperativo histórico e existencial.

Os governos comprometidos em incluir temas relacionados com a

sustentabilidade precisam segundo Gadotti (2008), levar em conta os níveis de

pobreza, a construção da paz, da justiça e da democracia, a segurança, os direitos

humanos, a diversidade cultural, a equidade social e a proteção ambiental, entre

outros temas.

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Outra questão é que a sustentabilidade deve ser ligada a planetaridade, como

explica Gadotti (2008), “uma cultura da sustentabilidade é também, por isso, uma

cultura da planetaridade, isto é, uma cultura que parte do princípio de que a Terra é

constituída por uma só comunidade de humanos, os terráqueos, e que são cidadãos

de uma única nação”. A visão da Terra como um novo paradigma, incluindo a

categoria da complexidade e holismo.

Aliado a sustentabilidade, tem-se o conceito de desenvolvimento sustentável,

em que muitas vezes trata separadamente questões ambientais das sociais. Para

Gadotti, sem uma preocupação social, o conceito de “desenvolvimento sustentável”

esvazia-se de sentido. Por isso, devemos falar muito mais do “socioambiental” do

que do “ambiental”, buscando não separar as necessidades do planeta das

necessidades humanas. (GADOTTI, 2008, p.50)

Para Leff (2001), na década de 80, os programas dos governos neoliberais

avançaram no mundo com a crise dos países. As estratégias de

ecodesenvolvimento postuladas anteriormente, na necessidade de fundar novos

modos de produção caem em desuso e aparece o desenvolvimento sustentável com

o discurso da globalização econômica. Mas esse discurso não considerava as

condições ecológicas e sociais neste processo, como tempo ecológico e de

regeneração, valores culturais e humanos e qualidade de vida. O discurso

dominante de sustentabilidade promove crescimento sem considerar as condições

ecológicas. Ocorre a negação da crise sócio ambiental em nome do crescimento,

nas políticas neoliberias. Nestas políticas, o equilíbrio e justiça social passam pela

via do crescimento orientado pelo mercado livre. Assim, distorce a percepção das

coisas e burla a razão crítica. Na globalização, dissolvem a contradição, a oposição

e a alteridade.

Como a natureza é atravessada por relações de poder, faz-se necessária

outra lógica de apropriação da natureza. De acordo com Leff (2001), o movimento

ambiental transmite custos ecológicos ao sistema econômico, nas lutas sociais para

melhorara qualidade de vida e sustentabilidade, abrem um processo de

reapropriação social da natureza. Isso pode ocorrer com uma descentralização do

desenvolvimento e com uma reconstrução das bases do processo produtivo. Ou

seja, construir um novo paradigma, com uma nova racionalidade produtiva, com

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novas relações entre campo e cidade, crescimento e natureza. Surgem aí desafios,

como articular economia local com nacional e mundial, preservar identidades e

condições ecológicas locais, descentralização econômica e desenvolver as

capacidades dos sujeitos, e muitos outros, além do caráter assistencial e de

solidariedade.

Outro termo é “desenvolvimento humano sustentável”, onde coloca o ser

humano no centro do desenvolvimento, com participação e equidade. O que se torna

difícil é aliar sustentabilidade com o modelo econômico. Esse modelo do lucro,

acumulação e exploração do trabalho, degrada o meio ambiente, não permitindo

atingir a equidade. Para Gadotti (2008), Desenvolvimento sustentável só tem sentido

numa economia solidária, uma economia regida pela “compaixão” e não pelo lucro.

O enfrentamento entre o crescimento econômico, a iniquidade e a degradação

ambiental deve ser analisado nos marcos das relações de poder.

A economia solidária citada acima considera uma nova maneira de conceituar

valores econômicos, inclui, mas não é limitada ao consumo responsável, trabalho e

investimento. Seus princípios são o da solidariedade, da sustentabilidade, da

inclusão e da emancipação social. O ambiente escolar através de conteúdos

sistematizados deve estar ligado a uma formação integral e emancipatória, na

formação cultural, de valores e pensamentos coletivos, sustentáveis e para Gadotti

(2008), necessita-se de uma economia que não coloque o mercado livre e o lucro

como o centro de tudo. Existem relações, recursos naturais, bens públicos,

conhecimento, educação e, sobretudo, os seres humanos, que não devem estar

sujeitos ao mercado livre. Não é só de comida que todos os seres humanos

precisam. Precisam de dignidade, de poder para decidir sobre sua existência,

precisam de cultura, conhecimentos e saberes. Precisam, por isso, de

autodeterminação. Para mudar o modo pelo qual os homens hoje produzem e

reproduzem a sua existência é preciso mudar a lógica que preside esse modo de

existir humano. Não se trata de extinguir a riqueza e o mercado que a faz circular.

Trata-se de fazer circular a riqueza com outra lógica: da lógica da concentração para

a lógica da desconcentração, da lógica da competição que comanda o mercado livre

para a lógica da cooperação que comanda o mercado solidário. Só podemos

revolucionar o nosso modo de existir no planeta interferindo nessa lógica. Ele só

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pode ser transformado, superado, pela introdução de outra lógica, com alternativas

econômicas, política e socialmente viáveis. (GADOTTI, 2008, p. 58)

Ao trabalhar com o conteúdo biodiversidade no ensino de Ciências, vários são

os conceitos envolvidos com os quais se podem tratar várias relações de contexto

como a educação ambiental. A perda de biodiversidade e o desmatamento podem

ser relacionados com a perspectiva de desenvolvimento sustentável. Cabe salientar

que para Caporal (2011), a aposta em monocultivos tem sido um dos responsáveis

pela perda da biodiversidade em todos os biomas. O modelo de produção

agropecuária atual, parte da premissa de desocupar a terra de sua vegetação

natural para plantio e pecuária, simplificando os agroecossistemas, reduzindo a

biodiversidade, causando desequilíbrio ecológico, rompimento de cadeias tróficas e

artificialização de áreas de produção, causando dependência a subsídios externos.

A agroecologia traz consigo um paradigma capaz de contribuir para o

enfrentamento da crise ambiental e para Caporal, Costabeler e Paulus (2011), é

preciso novas bases epistemológicas, novas perguntas e novos conhecimentos para

o enfrentamento da crise e do tipo de civilização construída, que devora os

ecossistemas.

A Agroecologia é uma Ciência de um novo desenvolvimento rural, construída

numa matriz disciplinar integradora, totalizante, holística, capaz de aprender e

aplicar conhecimentos das mais diferentes áreas científicas. Para Gomes (2011), é

preciso superar a ideias de supremacia das ciências naturais e sociais, promover

diálogo de saberes, articulando conhecimento científico e tradicional. Em lugar de

conhecimento que domine a natureza, deve ser introduzida cooperação entre

cientistas, cidadãos e natureza. Essas mudanças dependem de especialistas,

tecnologias, entretanto não supõe liberdade absoluta da Ciência, é necessário

controle da sociedade e produção social.

Para Caporal, Costabeler e Paulus (2011), pode-se discutir a dependência da

agricultura de matéria e energia externos aos ecossistemas, como nas

monoculturas, que usam muito insumos, combustíveis, agrotóxicos, gerando

entropia, ao contrário de compreender o fechamento dos ciclos biogeoquímicos, a

microbiologia do solo, entre outros. A agricultura industrial não considera esses

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custos externos como exportação de micronutrientes, contaminação de água, solo,

perda da biodiversidade e da variabilidade genética, doenças causadas por

pesticidas, uso em excesso de recursos naturais, danos aos biomas, alimentos

contaminados, a perda da segurança e soberania alimentar. Para manter a

vitalidade dos ecossistemas, é preciso entender as interações ecológicas, lembrar

que a agricultura trabalha com processos biológicos vegetais e animais de

dimensões micro e macro. É necessário um conjunto de conhecimentos para

alcançar a sustentabilidade na agricultura. Sem falar nos problemas de exclusão

social, perda de identidades e culturas, produção de alimentos primeiro para

exportação, na influencia da coevolução e dependências de grandes empresas,

altos preços da produção, endividamento, êxodo rural e problemas urbanos.

Segundo Azevedo (2001, p.180), são três considerações a fazer. O modelo

atual de agricultura explora o ambiente até a exaustão. A proposta agroecológica é

consistente na abordagem doa agroecossistemas e a injustiça social feita ao

transferir a responsabilidade dos empresários para a sociedade, pois privatiza o

lucro e socializa os prejuízos.

Portanto a agricultura sustentável reconhece a natureza da produção de

alimentos, preocupações com a saúde ambiental, justiça social, viabilidade

econômica incluindo distintos povos, enfim, considerar as dimensões ecológicas,

econômicas, sociais, políticas, culturais e éticas.

Deste modo, a partir dos conteúdos de biodiversidade é necessário fazer uma

relação de contexto com a educação ambiental. A contextualização permite que a

partir da apropriação dos conceitos científicos, o estudante faça relação com

conceitos cotidianos. Entendendo que os conhecimentos do cotidiano precisam ser

valorizados e tomados como ponto de partida para superação de obstáculos

conceituais e formação de conceitos científicos dos estudantes.

O conhecimento contextualizado de forma dialética permite o entendimento

dos problemas ambientais na contradição e na relação com o sistema econômico,

não tornando a abordagem da educação ambiental apenas biológica, mas em

abordagem socioambiental.

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Para tanto, é importante fazer o diálogo entre os saberes sociais e científicos,

auxiliando na definição das convicções e valores dos estudantes, para compreender

a condição dos sujeitos históricos, o estímulo e o fortalecimento de uma consciência

crítica sobre a problemática ambiental e social.

3. Aplicação do Material Didático

A implementação das atividades produzidas no material didático a partir do

Projeto de Intervenção Pedagógica ocorreram no primeiro semestre de 2014, com

estudantes do 7º ano do ensino fundamental no Colégio Estadual do Campo Ireno

Alves dos Santos, município de Rio Bonito do Iguaçu. Das atividades propostas, a

maioria foram aplicadas durante o período de implementação do material didático

produzido, até o mês de julho, que eram de 32 horas/aula. As demais atividades

foram realizadas após esse período.

Simultaneamente as atividades aplicadas aos estudantes, foram realizadas

discussões no Grupo de Trabalho em Rede (GTR), um atividade de formação

continuada à distância para professores da rede estadual, onde os cursistas tiveram

acesso ao Projeto de Intervenção Pedagógica, a Produção Didático-Pedagógica e a

Implementação Pedagógica. Estes materiais foram analisados e discutidos com

professores que contribuíram para o trabalho, incentivando e sugerindo novas

discussões. Todos os professores acharam ser indispensável à discussão da

temática a partir de conteúdos sistematizados, sendo possível adaptar a realidade

de cada escola e turma.

A atividade inicial com os estudantes foi à aplicação de questões diagnósticas

a uma turma de 34 alunos do 7º ano para levantamento dos conceitos prévios,

através de um questionário diagnóstico aberto, contendo 10 questões referentes ao

conceito de biodiversidade, ao conceito de natureza, sustentabilidade e trabalho,

relação com os seres humanos e demais seres vivos, a perda da biodiversidade e a

relação com o sistema político, econômico e social. Poucos estudantes responderam

as questões, afirmando conhecer os termos, mas não sabiam o significado. Dos

estudantes que responderam pelo menos 03 questões sobre o conceito de

biodiversidade foram 07. Na primeira etapa das atividades, com base nas

informações diagnosticadas, levantaram-se algumas questões problema para iniciar

o trabalho com o conteúdo e apropriação de conceitos através aula dialogada, leitura

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e discussões de textos, pequenos vídeos, documentários, onde foram lidos e

debatidos textos impressos sobre biodiversidade, dados os biomas brasileiros, perda

da biodiversidade e do habitat, assistido vídeos sobre a biodiversidade do Paraná e

a mata com Araucária e análise de imagens referentes à agricultura e

biodiversidade. Utilizou-se a biodiversidade local e a realidade agrícola dos

estudantes para discutir o conteúdo e contextualizá-lo.

Na segunda etapa foi trabalhado através de textos os ecossistemas e sua

estrutura, uma dinâmica em grupo feita na quadra da escola sobre teia alimentar e a

leitura do livro de Literatura “Tem um Cabelo na Minha Terra” de Gary Larson, o qual

através do lúdico pode-se discutir que os seres humanos fazem parte da natureza e

a natureza faz parte dos seres humanos, esclarecendo que é necessário reverenciá-

la, mas também entendê-la. Perceber que os seres humanos estão sujeitos às

mesmas leis da natureza. Outra atividade foi a Pegada Ecológica, onde cada aluno

realizou a sua pegada ecológica, podendo refletir sobre as diferenças de consumo

entre os países. Em grupo, realizaram leituras de noticiários, a análise de casos e

socialização, sobre espécies exóticas e invasoras, o gelo no ártico, o desperdício de

alimentos e a relação com o aquecimento global e perda da biodiversidade.

Na terceira etapa foram estudados alguns textos sobre a agricultura e a perda

da biodiversidade brasileira e a produção de alimentos. Após leituras, um agrônomo

do Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia

(CEAGRO) realizou uma conversa com os estudantes sobre o que é a Agroecologia

e seus princípios e o modelo atual de agricultura, um dos maiores causadores da

perda da biodiversidade dos biomas brasileiros. E a ultima atividade foi à visita de

estudos feita em uma propriedade próxima à escola, certificada por realizar

produção leiteira agroecológica, onde os estudantes observaram a produção de

frutas, pastagens, manejo de animaise a horta agroecológica. Ao retornar a suas

casas, elaboraram um texto de relatório e uma atividade agroecológica já realizada

ou a ser realizada em sua propriedade para socializar em sala de aula.

Foi iniciada a produção de uma coletânea de controle biológico, com textos de

comportamentos vegetais repelentes, plantas inimigas, controle biológico de

doenças nos animais e alternativas ecológicas, a qual terá continuidade no próximo

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ano letivo. E a partir da coletânea, realizar com os estudantes algumas atividades

experimentais, no entorno da escola e na horta escolar.

3.1 Resultados e Discussão

As questões diagnósticas iniciais foram aplicadas novamente para avaliar a

efetividade da contextualização e verificar as mudanças conceituais. O resultado foi

que os alunos responderam de forma satisfatória em comparação ao inicial.

Inicialmente questionou-se sobre o conceito de biodiversidade e as dependências do

ser humano, 29 estudantes responderam de forma satisfatória e 05 não

responderam satisfatoriamente. Quanto ao conceito de ecossistema, 32 estudantes

responderam a importância de entender a dinâmica e 02 não responderam. Sobre o

modelo da agricultura atual e a perda da biodiversidade, todos compreendem a

agricultura de monocultura como uma das principais causadoras do problema. Sobre

os motivos da extinção de espécies e a interferência na natureza todos reponderam

de forma satisfatória. Perguntou-se sobre o domínio da natureza, 28 responderam

que o ser humano é parte dela e precisa compreendê-la e 06 que precisa ser

dominada. Sobre o termo sustentabilidade, 24 responderam satisfatoriamente e 10

de maneira incompleta. De modo geral, compreenderam a importância da

biodiversidade para todos os seres vivos, inclusive para ser humano. Observaram

nas leituras e discussões, que a natureza precisa ser compreendida e respeitada,

necessitando de outra forma de uso e produção, com distribuição igual do que é

produzido socialmente. Problematizaram o conceito de natureza e sustentabilidade

nas discussões realizadas. Ao considerar o avanço dos estudantes a partir da idade

escolar, do recorte do conteúdo estudado, a complexidade das discussões, pode-se

afirmar que os objetivos pontuais foram alcançados. Ocorreu à apropriação dos

conceitos trabalhados, como a interação, a estrutura dos ecossistemas, a

importância de cada espécie, a ciclagem de matéria no solo, à perda da

biodiversidade e a relação com a agricultura, entre outros. No resultado das

avaliações durante o processo, observou-se a internalização de novos conceitos, o

que contribuiu para a superação de obstáculos conceituais da maioria dos

estudantes. Na sequência das aulas, fora do período de avaliação do projeto,

observou-se a evolução na construção de significados dos conteúdos, mostrando

que se estabeleceram relações com a aprendizagem anterior realizada durante as

atividades planejadas na aplicação do material didático.

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Porém, apesar do avanço, ainda algumas questões de senso comum

apareceram nas respostas e comentários com relação aos problemas ambientais.

Surgiram algumas respostas pouco politizadas, pois a construção de significados é

um processo dependente da idade escolar do estudante, do professor, do conteúdo

e complexidade do tema. As questões abordadas são complexas e dependem de

um conjunto de conhecimentos, que serão construídas ao longo do tempo.

A discussão sobre Agroecologia e a visita de estudos a propriedade com

produção seguindo princípios agroecológicos despertou a curiosidade de estudantes

que geralmente não se expressavam em sala de aula. Esses estudantes

contribuíram para a discussão e a partir de seu conhecimento prévio, pode-se

avançar em alguns pontos debatidos. Uma temática levantada por eles foi à

possibilidade de produção de alimentos sem uso de agrotóxicos, o que parece ser

impossível neste sistema econômico.

Outros questionamentos feitos pelos alunos durante o trabalho foram à

necessidade do desmatamento para a agricultura, pois a população está em

crescimento e a necessidade de desenvolvimento tecnológico para melhorar a vida

humana. Sem dúvida há a necessidade de produção de alimentos para toda a

humanidade, mas segundo Arl (2007) a ameaça quando à capacidade de alimentar

o mundo está exatamente na continuidade do atual modelo, que concentra renda,

exclui pessoas, degrada o meio ambiente, e que tem como objetivo maior o lucro e a

produção de commodities. Muitas pessoas já passam fome, mesmo com safras

abundantes. No Brasil somente a safra de grãos soma em torno de 159 milhões de

toneladas, o que equivale a aproximadamente 2,0 kg de grãos por dia por habitante.

Somado aos demais produtos agrícolas, ultrapassa os 3 kg por habitante por dia, o

que daria para alimentar no mínimo cinco vezes mais pessoas. Porque então ainda

tem fome no Brasil?

Segundo Arl (2007), as populações antigas tinham uma dieta muito

diversificada e rica. Com o surgimento da agricultura, já houve uma redução

significativa na diversidade. Mas com o surgimento da chamada agricultura

moderna, a redução da diversidade foi drástica. E, à medida que grandes

corporações vão assumindo a distribuição de alimentos, essa diversidade vai sendo

reduzida ainda mais.

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Mesmo quem não passa fome, tem uma dieta carente em sais minerais e

vitaminas (gordinhos desnutridos). Além da redução da diversidade, a

industrialização dos produtos leva à perda de qualidade e à inclusão de aditivos

como corantes, estabilizantes, conservantes e outros, que afetam a nossa fauna e

flora intestinal. (ARL, 2007).

4. Considerações Finais

Como já divulgado em outros trabalhos, é necessário um comentário sobre

importância da formação continuada que permita aos educadores serem produtores

de conhecimento como o PDE Estadual. De forma presencial e com a tutoria das

Universidades Públicas, sem um caráter de formação fragmentada e aligeirada, o

PDE auxilia na formação do educador como um sujeito epistemológico e consciente,

como afirma Gramsci:

[...] é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção do mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente [...] ou é preferível elaborar a própria concepção de mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceita do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade? (GRAMSCI, 1955 p.12).

A formação do professor consciente é necessária, pois é ele que direciona o

processo de aprendizagem, tornando-a significativa.

Respeitar a dinâmica da natureza, conservar a biodiversidade não significa

retornar ao primitivo. O avanço da tecnologia e da produção é importante, mas

desde que seja distribuído democraticamente. A defesa da biodiversidade é a defesa

da própria vida humana.

A própria condição do ser humano, que já se posicionava relativamente fora do ecossistema dado à influência de sua visão antropocêntrica, distancia-se ainda mais quando descobre que pode controlar e substituir os princípios que regulam a natureza, a tal ponto que perdem a referência da sua condição natural de existência enquanto espécie. E na medida em que o afastamento da existência humana da natureza se realiza, necessita-se aumentar o nível de artificialização para poder continuar vivendo, afastando-se cada vez mais da ciência da vida e exerce uma vida dominada pela ciência. Interrompem-se os ciclos e segmenta-se a teia da vida, e se gasta fortunas com tecnologias e produtos para sustentar a vida nesta nova condição. (ARL, 2007).

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Portanto a agricultura sustentável reconhece a natureza da produção de

alimentos, preocupações com a saúde ambiental, justiça social, viabilidade

econômica incluindo distintos povos, enfim, considerar as dimensões ecológicas,

econômicas, sociais, políticas, culturais e éticas.

Então no modelo de agricultura como da monocultura, uso de agrotóxicos e

extinção de sistemas tradicionais de cultivo, são apontados como principais

ameaças a biodiversidade e a natureza.

Outra questão é qual a educação pensada para a escola pública? Quais são

as condições históricas desta instituição?

Para Sanchez (2012), haveria a crise da escola com as variadas

impossibilidades de ensino e a crise na escola, uma crise histórico-social, de

civilização, que perpassa as esferas econômicas, política e cultural de toda

sociedade, onde a crise da escola não pode ser pensada, sem compreender a crise

na escola. Não basta para isso criticar apenas as teorias tradicionais, mas a reflexão

de melhores propostas educacionais que ajudem o professor em sala de aula. Para

Sánchez:

[...] Assim se produz o segundo esvaziamento, da figura do professor. Ele não só perde sua função (não deve ensinar conteúdos sistematizados “prontos”) como, pela inconsciência teórico-crítica sobre suas práticas, se descobre surpreendentemente responsável pelas falhas e deficiências do ensino; os problemas da escola e do ensino (desinteresse, indiferença, agressão, impossibilidades de ensinar Fundamentos) antes de serem pensadas considerando o contexto histórico-estrutural mais amplo, uma crise de civilização com causas econômicas (crise estrutural de financiabilidade da infraestrutura pública), políticas (neoliberalismo e a privatização do Estado), e culturais (o mundo da criança-rei consumista-hedonista-narcicista-imediatista) bem específicas, que reunidas significam a destruição da escola pública como espaço disciplinar para o ensino, parecem se reduzir a falhas metodológicas causadas pelo pensar estreito do professor sobre as questões do conhecimento, pelo senso comum com o qual pensa seu papel e pelo autoritarismo, racismo e preconceito --inconscientes com que lida com seus alunos. (SÁNCHEZ, 2012 p. 30)

As reformas feitas na educação não são apenas pedagógicas, mas para

atender ao interesse do capital, da nova lógica de acumulação do capitalismo

globalizado.

É assim desta maneira que propomos inicialmente considerar, desde uma perspectiva histórico-estrutural do desenvolvimento do sistema capitalista, o esvaziamento da autoridade da instituição escolar, do professor e dos saberes a serem ensinados, que definem as impossibilidades do ensino-aprendizagem hoje em dia. Pode-se até sugerir,

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cruamente, que para os alunos de escola pública “não faz sentido” estudar os fundamentos de nada porque “sabem” muito bem da barbárie a que estão sendo jogados eles e o mundo sem alternativas. É impossível neste contexto exigir dos professores “criatividade” para atrair o interesse dos alunos. A escola está esvaziada estruturalmente e suas impossibilidades não dependem do “jeitinho” do professor. A escola pública, formadora do povo, não é mais necessária para o sistema, e o desprestígio e a indiferença com a escola e inclusive as sérias dificuldades encontradas para repensar a escola e voltar a dotá-la de sentido e autoridade são consequências de sua desimportância objetiva e estrutural para a reprodução econômica do sistema e para a manutenção da sua dominação política. (SANCHEZ, 2012 p. 17).

Enfim, para Sanchez (2012), “a Educação Politizadora como talvez o único

papel que a crise ou o enlouquecimento de nossa civilização planetária tem lhe

deixado à pequena e deteriorada escola pública, provavelmente o último e frágil

espaço de batalha contra a barbárie.”

O educador como mediador do conhecimento sistematizado, pode-se utilizar

de muitas metodologias. Dentre muitas práticas pedagógicas inseridas nas teorias

críticas de educação, que podem ser trabalhadas na escola para discutir educação

ambiental, está a Contextualização Sócio-Histórica, sendo uma forma de articular

conhecimento científico com o contexto histórico, com interesses políticos e

econômicos que levam a produção do conhecimento. Como uma forma de

politização, ao se apropriarem de conhecimento, os sujeitos podem compreender

que as estruturas sociais são históricas e contraditórias.

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