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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
O Conto Contemporâneo com viés na Memória Coletiva
Simone Sanches (PDE)1
Weslei Roberto Cândido (UEM)2
Resumo
Este estudo empenhou-se em promover a leitura do texto literário (conto), para que a tarefa de ler não seja encarada como enfadonha, sem sentido e cansativa. O objetivo foi permitir ao aluno participar de modo ativo, da leitura do texto, colocando-se como construtor de sentidos. Para isto, propôs-se os contos: “Varandas da Eva” e “Bárbara no inverno” de Milton Hatoum, cuja temática memorialista foi embasada no aporte teórico oriundo das investigações sobre a Memória Coletiva Jacques Le Goff, Maurice Halbwachs, Michael Pollak e Márcio Seligmann-Silva. O problema mobilizador foi: Por que há rejeição ao texto literário por parte dos alunos do Ensino Fundamental na EJA? Os sujeitos da pesquisa foram os alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Ensino Fundamental do Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos (CEEBJA) Professor Manoel Rodrigues da Silva, que se identificaram com a temática, pois a maioria dos alunos não sabiam ou tinham informações sobre a ditadura no Brasil, tema do segundo conto, “Bárbara no inverno”.
Palavras-chave: Texto Literário; Conto; Memória Coletiva.
1- Introdução
Este estudo teve por finalidade cumprir com as normas do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), ofertado pelo Governo do Estado do Paraná
aos professores da Rede Pública de Ensino para aplicação dos conhecimentos e
metodologias voltadas para o melhor aproveitamento do processo ensino-
aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa.
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica (DCE’s 2008, p.
56), no ato de ler “o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos
prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o
constituem”. E ainda ressalta que apenas “uma leitura aprofundada, em que o aluno
é capaz de enxergar os implícitos, permite que ele depreenda as reais intenções que
cada texto traz.” (DCE’s 2008, p. 71)
1 Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Paraná desde 1992. Integrante do Programa
de Desenvolvimento Educacional (PDE-2014). Especialista em Didática e Metodologia de Ensino e Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Profissionalizante. Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail: [email protected] 2 Professor Doutor – Classe Adjunto da UEM – Universidade Estadual de Maringá- Atua no PLE- programa de
pós-graduação em Letras. Desenvolve projeto sobre memória no romance latino-americano contemporâneo. Poeta e tradutor.
Pensando nessas questões, a opção pelo texto literário (conto) foi resultado
da experiência de muitos anos nas salas da EJA. A proposta de Implementação
Pedagógica foi a de desenvolver uma unidade didática para trabalhar com alunos do
Ensino Fundamental, do Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos
CEEBJA Prof. Manoel Rodrigues da Silva, cujo objetivo foi permitir ao aluno
participar da leitura do texto literário (conto) de modo ativo, colocando-se como
construtor de sentidos.
Foram feitas as análises de dois contos de Milton Hatoum: “Varandas da Eva”
e “Bárbara no inverno” para discutir o tema da memória com os alunos. Para tanto,
recuperou-se o período da ditadura e explorou-se as marcas desse momento político
do texto.
Poucos alunos sabiam ou tinham informações sobre a ditadura no Brasil, por
isso foi preciso o uso de textos paralelos e documentários para esclarecimentos.
2 – Desenvolvimento
2.1- Revisão teórica
A humanidade teve momentos de grandes catástrofes e a literatura, nesse
contexto, encarrega-se de refletir e apontar caminhos para as angústias, incertezas
e anseios que, de uma maneira ou de outra, dá um sinal de alerta, para que essas
atrocidades não voltem a ocorrer.
Ao escritor cabe o compromisso de lutar contra o esquecimento e mais uma
vez a literatura auxilia (re)lembrar os erros e as atrocidades cometidas por gerações
passadas. Neste sentido, a escrita pode ser uma forma de resistência, que abrange
uma dimensão ética, sempre que manifestar a indignação.
No Brasil, a ditadura militar (1964-1985) fez ressurgir novas catástrofes,
[...] as quais implicaram em políticas de extermínio premeditado de contingentes de opositores, em massacre dos humilhados, em supressão dos direitos civis, em tortura sistemática contra vítimas indefesas, em repressão e censura indiscriminada, em imposição de brutal sofrimento físico considerável parte da população, entre outras atrocidades.( FRANCO, apud SELIGMAN, 2003, p. 353).
Após decretar o AI-5, em dezembro de 1968, o governo militar brasileiro adota
uma censura rígida e passa a interferir na vida cultural, em seus vários setores e
contra todo tipo de obra, com a tentativa de silenciar a voz da sociedade. Este ato foi
uma política repressiva, adotada pelo governo no combate aos partidos e
organizações de esquerda, que restaram da década anterior. A censura exige da
produção cultural da época, o romper dos laços entre a cultura e a política tecidas
nos anos 60, por meio da radical ideologia de alguns setores da classe média, como
os estudantes.
Passado o período de intensa repressão, que perdurou de 1964 a meados
dos anos 1970, a literatura pode, enfim, começar a dar vazão a diversos
questionamentos, por meio da ficção e dos relatos jornalísticos, que ficaram
conhecidos como “romance-reportagem” e “romance de denúncia”. Franco enfatiza
que:
Ambos, porém, têm em comum tanto o fato de resultarem quase que imediatamente do fim do fim da censura como o de almejarem denunciar a violência e as atrocidades cometidas pelos militares, e dessa maneira, relatar os acontecimentos políticos da década que até então, por força da interdição, só comportavam a versão oficial dos fatos. (FRANCO, apud SELIGMAN, 2003, p. 359).
No final dos anos 70, surge a “literatura do testemunho”, constituído por
ex-militantes revolucionários, que foram presos e torturados. Estes resolvem contar
suas experiências o que seria uma verdadeira literatura do testemunho. Desse
modo, para Franco “eles testemunham acontecimentos excepcionais que, para um
leitor incrédulo ou politicamente não-desconfiado o suficiente, podem parecer, por
sua natureza absurda e bárbara, quase inverossímeis”.
Assim, o narrador-personagem, enfrenta o trauma desta década, podendo
narrar o sofrimento experimentado, e também, alimenta nele a esperança de
denunciar o inimigo pela barbárie consumada, impedindo-o, dessa maneira de
continuar tais práticas. Segundo Seligmann-Silva “o trauma é o acontecimento que
não pode ser assimilado nem enquanto ocorre, nem mesmo em tempos posteriores,
a não ser de modo pouco satisfatório”.
No Brasil, como em outros países que passaram por catástrofes, a dor
deixada pela história foi muito difícil de ser superada. Segundo Pollak (1989),
memórias traumáticas encontram dificuldade em integrarem-se na memória coletiva
da nação, criando uma fronteira entre o dizível e o indizível:
A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa, em nossos exemplos, uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam para se impor. (POLLAK, 1989).
A Comissão Nacional da Verdade é um exemplo que esclarece marcas da
memória traumática: a Comissão foi instituída somente em 2012, tendo sido
necessários 48 anos para que as feridas deixadas pela ditadura autorizassem sua
rememoração. É nesse momento que se inicia a batalha pela memória, no qual as
“[...] memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço público [...]” (POLLAK,
1989). Segundo Pollak, as memórias subterrâneas entram em conflito com outras
memórias, o que faz com que haja um dissenso na memória coletiva.
A despeito da importante doutrinação ideológica, essas lembranças durante tanto tempo confinadas ao silêncio e transmitidas de uma geração a outra oralmente, e não através de publicações, permanecem vivas. O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas (POLLAK, 1989).
Desta forma, quando surgem os primeiros testemunhos da ditadura militar
as lembranças, dos presos e torturados, eram confrontadas com as lembranças dos
militares e com a história tida como oficial naquele momento, ocasionando a disputa.
Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memória subterrânea que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se opõem à “Memória oficial”, no caso a memória nacional. (POLLAK, 1989).
Acontecimentos essenciais são com frequência rememorados na narração,
que se configura como um mosaico de fatos, que busca reconstruir a história do
narrador-personagem, salvando-o do esquecimento. Seligmann-Silva nos fala sobre
outra função essencial da narrativa de si mesmo; o ataque ao “inimigo”:
A narrativa abrange tanto a denúncia da barbárie e das atrocidades por ele cometidas como a reconstituição do rosto desfigurado dos mortos, os quais tentaram, no passado, construir uma vida diversa da do atual presente. Narrar as ruínas dessa tentativa é um modo de atualizá-las. (SELIGMANN-SILVA, 2003, p.362).
Após o início da política de abertura, a produção literária, conheceu
romances que superaram a narrativa de testemunho. Ela retomou, segundo Franco
(1998), a “linguagem de prontidão”, que confere ao romance um valor de atualidade.
Também narrou em direção contrária, a história política pós-1968, investigando os
vários ângulos que estavam reprimidos ou recalcados. Esses romances foram
chamados de “romance de resistência”, por oferecer respostas literárias à violência
do período ditatorial.
2.2- Metodologia –Análise das ações implementadas
Este Projeto Pedagógica foi implementado no Centro Estadual de Educação
de Jovens e Adultos Prof. Manoel Rodrigues da Silva – CEEBJA, no município de
Maringá, tendo como público-alvo os alunos do Ensino Fundamental II, do período
da tarde.
Devido à greve, foi preciso atualizar o cronograma, o que necessitou uma
reorganização das aulas e datas previstas inicialmente. Desta forma, as aulas foram
planejadas e organizadas em 16 encontros de 2h/a, sob a forma de uma Unidade
Didática, a qual contou com atividades de leitura, escrita e também de atividades
orais, totalizando 64 horas, sendo que destas, 32 horas aulas foram com os alunos e
aconteceram nos meses de agosto e setembro de 2015.
Todo o trabalho foi amparado no aporte teórico oriundo das investigações
sobre a Memória Coletiva.
Inicialmente, o Projeto de Intervenção foi apresentado à equipe pedagógica e
direção e no início das atividades letivas para os professores da escola.
A implementação do projeto se iniciou com uma conversa informal com os
alunos para explicar a importância desse programa PDE, para os professores, quais
eram os objetivos e como seria realizado todo o trabalho.
No segundo encontro, os alunos, em um primeiro momento, conheceram a
biografia e as obras de Milton Hatoum, em PowerPoint, pois por se tratar de um
autor contemporâneo e não estudado nas salas de aula, os alunos não sabiam nada
sobre o ficcionista. Em seguida, assistiram a duas entrevistas com o autor em que
ambas faziam comentário sobre o livro A cidade ilhada, de onde foram retirados os
contos trabalhados, também conheceram, por meio de imagens, a cidade de
Manaus, seus pontos turísticos e principais monumentos desta cidade. Para essa
apresentação foi utilizado como recurso, o Datashow.
O terceiro encontro foi sobre o aporte teórico de meu projeto. Para isso, foi
colocado no quadro, conceitos de Memória Coletiva e feita a devida explicação.
Para mostrar a importância da memória, na literatura, foram distribuídas para
a turma várias fotos de nossa cidade, e também de imagens que pudessem ter tido
ou não significados para suas vidas como: papagaio, cachorros, cidades e pontos
turísticos.
Neste momento, cabe um esclarecimento, pois conforme os alunos iam se
identificando com as imagens, começaram a voltar no tempo e a se lembrar de
pessoas, acontecimentos, esquecidos há muito tempo. Um aluno, pediu que eu
parasse de mostrar as fotos, porque estava se lembrando de coisas, que não queria.
Toda essa reação pode ser confirmada com a teoria que segundo, Pollak,
Existem lugares da memória, lugares particularmente ligados a uma lembrança, que pode ser uma lembrança pessoal, mas também pode ter apoio no tempo cronológico. Por exemplo, um lugar de férias na infância, que permaneceu muito forte na memória da pessoa. Na memória mais pública, nos aspectos mais públicos da pessoa, pode haver lugares de apoio da memória, que são os lugares de comemoração. (Memória e Identidade Social, pag. 3, 1992).
O quarto encontro foi preciso explicar, no quadro, para os alunos, a estrutura
do conto contemporâneo, que este interage com o leitor, fazendo-o ir além do que
não está escrito, concisão, brevidade, economia de palavras, profundidade, unidade
de tempo e ação, narração de um episódio (início, meio e fim), poucas personagens,
a história é apresentada em parágrafos, geralmente curtos, com uma dimensão
muito ampla, o narrador passa a ter preocupações estéticas e criativas, poucas
personagens intervêm na narrativa, cenário limitado, espaço restrito, diálogos
sugestivos que permitem mostrar os conflitos entre as personagens, a ação é
reduzida ao essencial, há um só conflito, a narrativa é objetiva e por vezes, a
descrição não aparece. Dadas as devidas explicações, os alunos fizeram a leitura do
conto, “Maria Pintada de Prata”, do autor contemporâneo, Dalton Trevisan,
buscando no mesmo as características estudadas do conto.
No quinto encontro, foram retomadas as características do conto
contemporâneo e em seguida feito o questionamento sobre quem se recordava da
primeira experiência sexual. Todos os alunos participaram oralmente e o mais idoso
da turma lembrava perfeitamente e disse que nunca havia se esquecido do rosto
dela.
Foi feita a entrega do texto para uma leitura individual e silenciosa, e em
seguida, uma leitura com os alunos representando os personagens e tendo a
professora como narradora. Iniciamos a discussão do conto.
No sexto dia, retomamos a discussão do conto e foi entregue a unidade
didática para que eles respondessem as atividades propostas. A correção foi feita de
forma oral e também no quadro. Segue um resumo do conto “Varandas da Eva”.
O conto instiga a imaginação do leitor a começar pelo título, pois propicia que
o leitor faça uma inferência com o nome bíblico de Eva e também questione, por que
Varandas?
A história narrada é em primeira pessoa, o que dá o tom testemunhal das
narrativas memorialistas, trata da lembrança de um episódio ocorrido na infância do
narrador, quando este visitou, pela primeira vez, um bordel, chamado “Varandas da
Eva”, e lá passou uma noite, sua primeira, com uma bela e enigmática mulher.
Voltou ao local no dia seguinte, e em outros, e outros, e nunca mais a encontrou.
As diferenças sociais de um grupo de amigos parecem pequenas quando
todos não passam de meninos que descobrem a vida. É interessante notar a
concepção de tempo vivenciado pelo narrador. O tempo passa, os amigos tomam
seus destinos, a vida fica diferente.
Anos depois, num fim de tarde, eu acabara de sair de uma vara cível, e passava pela avenida Sete de Setembro. Divagava. E já não era jovem. A gente sente isso quando as complicações se somam, as respostas se esquivam das perguntas. Coisas ruins insinuavam-se, escondidas atrás da porta. As gandaias, os gozos de não ter fim, aquele arrojo dissipador, tudo vai se esvaindo. E a aspereza de cada ato da vida surge como um cacto, ou planta sem perfume. Alguém que olha para trás e toma um susto: a juventude passou”. (HATOUM, 2009, p.13).
Mas em outro momento ele contradiz a essa relação com o tempo quando a
sua memória resgata a lembrança da mulher que aos seus olhos permanece a
mesma de outrora. A juventude ainda presente naquele rosto nos faz crer que para
as recordações o tempo permanece estagnado e resiste a toda e qualquer
modificação.
À porta apareceu uma mulher para apanhar o cesto. Reapareceu em seguida e acenou para Tarso. Num relance, ela ergueu a cabeça e me encontrou. Estremeci. Eu ia virar o rosto, mas não pude deixar de encará-la. Ela me atraía, e a lembrança surgiu agitada, confusa. A voz dela chamou: Meu filho! A mesma voz, meiga e firme, da moça, da mulher da casinha vermelha, no balneário Varandas da Eva. Era a mãe do meu amigo? Isso durou uns segundos. Por assombro, ou magia, o rosto dela era o mesmo, não envelhecera. Mal tive tempo de ver os braços e as pernas, a memória foi abrindo brechas, compondo o corpo inteiro daquela noite. (HATOUM, 2009, p. 14).
O desfecho surpreendente da trama vem da descoberta que a mulher com
quem esteve o narrador era a mãe de seu amigo Tarso. A quem chamou de
desmancha prazer por não querer entrar na casa de luzes vermelhas naquela noite
maravilhosa.
A surpresa e recordações revividas se misturaram e ali se finda a história de
uma aventura ou desventura de um menino-homem percorrendo os caminhos de
sua primeira experiência sexual.
Para o trabalho com o segundo conto, “Bárbara no inverno”, proposto neste
estudo, foi necessário apresentar aos alunos, como aconteceu o período militar no
Brasil, pois apenas um aluno se recordava vagamente, deste período. Para isto,
foram utilizadas imagens da época, no PowerPoint, mostrando a perseguição dos
policiais com cavalaria e cassetete em direção aos manifestantes. Em seguida, os
alunos assistiram ao documentário da TV Brasil, “O dia que durou 21 anos”, do
jornalista Flávio Tavares. Este relata como e por que os Estados Unidos da América
decidiram intervir na Política do Brasil, com o pretexto do avanço comunista,
vitorioso em Cuba, criando assim as condições para o Golpe Militar de Março de
1964.
Na discussão sobre o documentário, ficou evidente a percepção dos alunos
quanto à falta de liberdade de expressão que havia na época e como tudo era
controlado pelos militares.
Em função dos alunos desconhecerem o vocábulo exílio, foi solicitado que
consultassem o dicionário e em seguida, no Datashow, os alunos acompanharam a
biografia de Chico Buarque de Holanda e em seguida, assistiram a um vídeo do You
Tube, no qual se apresentou uma entrevista em que Chico retrata o período da
Ditadura vivido por ele.
Após o término do vídeo os alunos quiseram saber por que o Chico havia
incomodado tanto os militares. Nesse momento, houve a necessidade de explicar
aos alunos, que em meio a muitos movimentos artísticos, a música destacou-se
neste período e que não apenas o Chico Buarque, mas também outros nomes os
quais são conhecidos até hoje como: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria
Bethânia, Geraldo Vandré, Djavan, Milton Nascimento, Elis Regina, Nara Leão, entre
outros.
Desta forma, estes artistas foram muito importantes para a luta contra a
ditadura militar na década de 60. Geraldo Vandré, por exemplo, teve uma música de
sua autoria usada como “hino” da luta contra a ditadura, “Pra não dizer que não falei
das flores”, porém, por ter sido muito perseguido e torturado, deixou de compor
canções de protesto. Então, Chico Buarque passa a ser o cantor com o maior
número de canções censuradas. Alguns de seus sucessos da época como (Cálice,
Apesar de Você, Roda-Viva e Angélica), no entanto, serão analisadas nesse estudo
as canções Cálice e Atrás da porta.
A primeira por ter sido censurada antes mesmo de ser lançada, todavia,
isso não impediu que ela fosse um sucesso e até hoje estudada por sua letra que
faz analogia à Bíblia. “ Cálice”, foi dada para cada aluno, para uma leitura silenciosa
e após, estrofe por estrofe comentada. Cabe aqui o registro da importância do
trabalho com o período ditatorial no Brasil, pois foi observada a presença deste, a
partir do título: Cálice, que nos lembra, além do significado da palavra, o “calar-se”,
enquanto, silêncio, ficar mudo, diante das barbáries cometidas neste período. É
importante ressaltar que toda a música faz uma analogia entre a Paixão de Cristo e
a situação das vítimas da Ditadura. Em seguida, foi passado o vídeo, do You Tube,
da canção “Cálice”.
Para a análise da segunda canção, Atrás da porta, foi feito primeiramente, a
apresentação do vídeo de uma entrevista com Chico Buarque, em que ele explicou
como compôs a letra de “Atrás da porta” e que foi com essa letra, que teve início o
seu primeiro trabalho com o compositor Francis Hime.
Após a apresentação da entrevista os alunos assistiram ao vídeo da canção,
“Atrás da porta”, em uma interpretação emocionada da cantora Elis Regina.
Além disso, foram apresentados no, Datashow, depoimentos das vítimas da
ditadura presas no Destacamento de Operações Internas – Centro de Operações de
Defesa Interna (DOI-CODI), instrumentos de torturas do período militar, imagens do
Arquivo Nacional, de presos políticos, vídeos de crimes passionais, que foram
destacados no período da ditadura e para encerrar as informações deste período, o
vídeo Memórias de chumbo. Segue um resumo do conto “Bárbara no inverno”.
Inicialmente este conto, foi escrito para compor uma coletânea chamada
Aquela canção - 12 contos para 12 músicas (PUBLIFOLHA, 2005) e reescrito para
fazer parte do livro A cidade ilhada.
O conto centra-se no relacionamento de um casal na época da ditadura no
Brasil. Pela narrativa de um narrador onisciente, vai-se construindo a personagem,
Bárbara, que apesar da crise política, se sente feliz no apartamento de Copacabana
com o namorado Lázaro. Ele, um militante político, é condenado ao exílio e ela
decide acompanhá-lo a Paris. Em Paris, Bárbara, começa a perder sua identidade,
causada pelo ciúme, despertado pelos companheiros engajados na luta pela
liberdade.
Ao longo da narrativa, o narrador estabelece um diálogo com a música
“Atrás da porta”, de Chico Buarque de Holanda e Francis Hime. A canção é tema do
conto. Ela aparece como pano de fundo da narrativa, exercendo a função de
acalmar o casal ou a situação em que se encontram, amenizar a saudade, que faz
recobrar os sentidos, e também está presente na maneira como a personagem
protagonista, Bárbara, escolhe para encerrar sua história de amor.
No início da narrativa, o narrador onisciente aproxima o leitor das
personagens Bárbara e Lázaro já vivendo em Paris, onde o militante político foi
obrigado a se exilar
“ [...] com o coração e o pensamento num canto do Rio: o apartamento avarandado de Copacabana onde moraram quase dois anos, conciliando a militância com o calor da paixão, até o dia em que Lázaro foi preso e Paris se tornou um destino temporário” .(HATOUM, 2009, p.77).
Percebe-se, que apesar da maravilhosa Paris, cidade luz, Bárbara sente-se
deslocada ali. Sua segurança estava no Rio.
A ansiedade da personagem feminina é revelada pelo narrador logo nas
primeiras linhas. Embora trabalhando na redação da Rádio France (RFI), Bárbara
sente que o espaço parisiense não lhe pertence, porque “só Lázaro era exilado, só
ele havia sido preso no Brasil” (HATOUM, 2009, p.77) e apenas ele participava da
“militância estabanada e arriscada” (HATOUM, 2009, p.77). Esta situação gera
insegurança e medo na protagonista, que imagina a perda do amado. Mas não é só
o narrador que está atento para a situação, Lázaro também “Medo, em Paris?”
(HATOUM, 2009, P.77).
Mas apesar da liberdade que Lázaro tem em Paris, para Bárbara a cidade
lhe inspira medo, porque ele segue com sua militância política e ela se corrói de
ciúme das companheiras políticas do homem amado. “[...] essas reuniões são uma
farsa, pura nostalgia de parasitas.” (HATOUM, 2009, P.78).
No Rio, apesar do burburinho provocado pelo regime militar, Bárbara se
sentia segura, portanto entre o casal, apesar de alguns instantes de relaxamento a
relação entre eles era marcada pelo medo em relação à luta política em que seu
namorado se enreda.
Tudo piora no terceiro inverno em Paris, quando Lázaro resolve preparar um
almoço para os amigos franceses e argentinos, também exilados, em comemoração
a seu aniversário:
Não aguento mais ouvir análises sobre correlação de forças e agora você ainda inventa esse almoço. Não basta o noticiário da RFI? Já sei de cor o que Jean-Paul vai dizer antes de cair bêbado: Quero conhecer o Brasil, mas só depois da queda do governo militar. E você vai concordar: Claro, com os gorilas no poder, nunca, e Jérôme vai fazer um brinde com uma caipirinha: Pelo fim do gorilato, de todos os gorilatos, e Gerardo e Gabriela: Eso ES, em dueto, com voz empastada. Sempre a mesma conversa, vocês não mudam o disco.” (HATOUM, 2009, p.80).
Bárbara não comparece ao almoço permanecendo em seu trabalho até o
anoitecer e perguntou logo de cara “Vocês ainda estão falando de política?”. É hora
das velinhas e de cantar parabéns e ela, deslocada naquele ambiente, assiste a
tudo:
“[...] Escondida atrás da porta, Bárbara viu o beijo furtivo de Francine na boca de Lázaro e pensou que não podia ser um beijo de amizade, como o beijo de Laure, seco e breve, no rosto do aniversariante”. (HATOUM, 2009, p.81).
Após este acontecimento, Bárbara desencadeia uma série de cenas e
agressões, demonstrando seu ciúme e insegurança com o relacionamento. Lázaro
passou a viver como se ela não existisse levando uma vida normal “[...] Adiava a
volta para casa, temendo encontrar Bárbara, temendo mais um daqueles bate-bocas
escandalosos que já impacientavam os vizinhos” (HATOUM, 2009, p.82).
Lázaro some e depois de uma espera infrutífera ela lê no jornal que ele havia
sido anistiado e decide retornar ao Rio e ao apartamento supondo que ele a espere
mas, “[...] acossada por um ciúme cego que só aumentava, mas sem ainda ter
certeza do ultraje.”(HATOUM, 2009, p.87).
Bárbara retornou ao apartamento depois de um passeio por Copacabana e
percebe a mudança de móveis, mas não vasculhou o ambiente. Liga o aparelho de
som com a música que ouviam juntos. Da varanda escuta a voz de Lázaro e
constata a traição. É ao som dos versos “pra sujar teu nome, te humilhar”, que ela se
suicida frente a Lázaro, jogando-se da varanda do apartamento de Copacabana:
“[...] Então durou sete ou oito segundos: Lázaro escutou o choro ou a risada diabólica antes de ver o rosto de Bárbara, e entendeu que era o fim. Ainda teve tempo de correr, mas não de agarrá-la e evitar o salto.” (HATOUM, 2009, p.88).
Com esse desfecho, tem-se uma convergência entre a história coletiva e a
história particular: a biografia dos personagens é influenciada pelas questões
sociais, como se, guardadas as proporções, houvesse uma correspondência entre
os dramas pessoais e nacionais.
2.3- Considerações finais
Afinal, por que há rejeição ao texto literário por parte dos alunos do Ensino
Fundamental na EJA?
Pode-se apurar que há rejeição ao texto literário, quando este não é
fundamentado, textos com os quais os alunos não se identificam ou para uma leitura
simplesmente com o intuito de fazer a “avaliação”.
A maneira como foi proposto o estudo levando o aluno a encontrar sentido
naquilo que leu e a escolha da teoria memorialista, fez com que os alunos se
identificassem com as temáticas escolhidas.
Apesar de o projeto inicial ter sido para se trabalhar com o ensino médio, o
fato de aplicar as estratégias de leitura para a EJA – Ensino Fundamental não
representou nenhuma dificuldade por parte dos alunos. Eles participaram de todas
atividades escritas e orais.
É importante registrar o comentário de alguns participantes do GTR, quanto à
escolha dos contos, pois talvez não fossem apropriados para o ensino fundamental
do regular em função da idade, contudo gostaram de conhecer uma teoria diferente
para o trabalho com seus alunos.
Conclui-se que é possível mostrar a literatura aos alunos como forma de
encantamento, desde que sejam planejadas atividades voltadas para a gratuidade e
o prazer de ler.
Referências
HATOUM, Milton. A cidade ilhada: contos, 6ª reimpressão, São Paulo: Companhia
das Letras, 2009.
MÁRCIO, Seligmann-Silva (org.). História, Memória, Literatura: o testemunho na
era das catástrofes, 2ª reimpressão, Campinas, São Paulo, Editora da Unicamp,
2003.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Língua
Portuguesa do Estado do Paraná. Curitiba: SEED, 2008.
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social, Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 200-212.
______. Memória, Esquecimento, Silêncio, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.
2, n. 3, 1989, p. 3-15.
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