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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · 2016-06-10 · biografia e autobiografia através de histórias familiares Autora: Marta Maria Tomazi Battisti1 ... e a escrita

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

GÊNEROS DISCURSIVOS: O aperfeiçoamento da leitura e da

escrita por meio da produção de textos dos gêneros entrevista,

biografia e autobiografia através de histórias familiares

Autora: Marta Maria Tomazi Battisti1

Orientadora: Profa. Dra. Mariangela Garcia Lunardelli2

Resumo: O objetivo deste artigo é relatar as ações de experiência docente focada na leitura e

produção de textos de gêneros discursivos, trabalho desenvolvido com alunos do 9º ano do

Ensino Fundamental da rede pública estadual. Por meio de um movimento dialético

fundamentado em bases bakhtinianas, o objetivo do trabalho foi o aprimoramento dos gêneros

discursivos a partir da produção escrita de memórias familiares, e com isso aperfeiçoar a leitura

e a escrita por meio de textos do gênero entrevista, biografia e autobiografia. No decorrer do

Projeto de Implementação, realizou-se um aprofundamento teórico-metodológico com a leitura

e a escrita dos gêneros propostos através de intervenções pedagógicas nas quais foram

desenvolvidas diferentes estratégias com o intuito de melhorar a produção escrita dos alunos.

Estes fatores possibilitaram perceber as marcas linguístico-enunciativas dos autores

envolvidos, a socialização das formas de vida da comunidade, permitindo a contextualização

de diferentes momentos históricos através da interação verbal. Ao concluir o Projeto de

Intervenção Pedagógica, pode-se afirmar que os objetivos propostos foram alcançados. O

trabalho contribuiu para fortalecer os laços familiares, resgatando o respeito aos idosos e a

valorização de suas memórias. A partir do conteúdo estudado, o educando passou a ter nova

atitude quanto à sua prática, entendendo-a e valorizando-a de outra maneira. Passou a

reconhecer-se como humano, trocando experiências e compreendendo o meio em que se

insere como participante ativo da sociedade.

Palavras-chave: gêneros discursivos; leitura; escrita; memórias.

1- Introdução

O objetivo deste artigo é relatar as pesquisas e estudos realizados no

desenvolvimento do Projeto de Intervenção Pedagógica do Programa de

Desenvolvimento Educacional PDE/ PR, turma 2003/2014.

1Professora PDE 2013; Professora de Língua Portuguesa no Colégio Estadual do Campo

Heitor Cavalcante de Alencar Furtado – Tupãssi – Jotaesse – Paraná; e-mail: [email protected]. 2 Professora Adjunta da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Doutora em Estudos da

Linguagem - Professora Orientadora do PDE.

Na busca de alternativas para a problemática presente no Ensino Fundamental

e geradora deste estudo, pretende-se relatar o que foi proposto no Projeto de

Intervenção Pedagógica, intitulado“ O aperfeiçoamento da leitura e da escrita

por meio da produção de textos nos gêneros entrevista, biografia e

autobiografia através de histórias familiares, que teve como objetivo aprimorar

os gêneros discursivos. A temática do Projeto de Intervenção Pedagógica é

decorrente das dificuldades, que os professores de Língua Portuguesa e das

outras disciplinas têm enfrentado na escola, tais como: falta de motivação, de

valorização e interesse pela leitura e produção escrita dos alunos. Pensando

na importância e influência que a mesma exerce nas demais disciplinas e como

o tema proposto tem sido alvo de constantes críticas por parte dos profissionais

que neste estabelecimento atuam, porque o aluno que não domina enunciados

concretos de diversos gêneros discursivos tem dificuldades para adquirir o

conhecimento científico nas outras áreas do conhecimento. Para melhorar o

exposto acima houve, no decorrer do projeto, um aprofundamento teórico-

metodológico em bases bakhtinianas com a leitura e a escrita dos gêneros

entrevista, biografia e autobiografia, por meio de intervenções pedagógicas nas

quais foram desenvolvidas diferentes estratégias com o objetivo de melhorar a

produção escrita dos estudantes.

Para o indivíduo interagir na sociedade, faz-se necessário o domínio da

escrita e, nesta proposta, o desafio foi estimular, questionar, oferecendo

diferentes instrumentos que colaboram para a produção escrita dos alunos.

O projeto justificou-se pela análise de alguns indicadores que avaliam a

desempenho dos alunos na escola pública; um é a Prova Brasil, avaliação

nacional com o objetivo de produzir informações sobre os níveis de

aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática; o outro é o IDEB-

resultados e metas, combinação de dois indicadores educacionais, Aprovação

e Desempenho- obtidos, respectivamente, a partir do Censo Escolar e da

Prova Brasil.

De acordo com levantamento realizado no Colégio, ficou constatado o

baixo desempenho dos alunos, tanto na Prova Brasil e na média do IDEB,

como também no relatório de acompanhamento bimestral do 7º ano, turma

envolvida na realização da intervenção pedagógica no 9º ano em 2014. A

proposta elaborada esteve voltada ao cotidiano escolar e ao aprimoramento

dos gêneros discursivos a partir da produção escrita de memórias familiares,

visando contribuir para a melhoria da qualidade do ensino.

Com a escrita dos textos, foi possível perceber as marcas linguísticas e

enunciativas dos autores envolvidos, permitindo o acesso e a socialização das

formas de vida da comunidade e possibilitando a contextualização de

diferentes momentos históricos por meio da interação verbal. Segundo Clara,

Altenfelder e Almeida (2012), escrever se aprende pondo-se em prática a

escrita, escrevendo-se em todas as situações possíveis.

Assim sendo, o trabalho com a produção desses gêneros foi positivo,

pois contribuiu para a qualidade no processo de ensino e aprendizagem em

Língua Portuguesa.

As aulas foram desenvolvidas no Colégio Estadual do Campo Heitor

Cavalcante de Alencar Furtado, no período de fevereiro a julho de 2014, no 9º

ano do Ensino Fundamental, contando com 32 aulas.

2- Pressupostos Teóricos

Na atualidade, trabalhar com a educação de adolescentes é um grande

desafio. Em Língua Portuguesa, nas práticas de oralidade, leitura e escrita, as

dificuldades são atribuídas, principalmente, à artificialidade com que estes três

eixos são trabalhados. Isso acarreta grandes problemas como desinteresse e

baixo rendimento dos alunos. Buscamos, nesta proposta, alternativas de

trabalho que propiciassem maior interação entre os envolvidos no processo

educativo e a melhoria no relacionamento interpessoal. Quanto aos valores e

afetividade que envolvem o trabalho didático, podemos observar:

Não creio na amorosidade entre mulheres e homens, entre os seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo. A ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador. Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor.

Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressiva, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos e o que fazemos. Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros. (FREIRE, 2000, p. 67)

O autor faz um alerta sobre educação de adolescentes, enfatizando a

necessidade de compreender que ela tem papel central no que diz respeito aos

valores e às ações dos seres humanos na sociedade. Lembra ainda que, se

quisermos, através da educação, construir um mundo melhor, será preciso

antes ensinar o amor. Amor ao outro, à natureza, respeitar o diferente e ajudar

a formar pessoas que vão contribuir para um mundo melhor. Nesse sentido,

pode-se analisar ainda:

Se é possível obter água cavando o chão, se é possível enfeitar a casa, se é possível crer desta ou daquela forma, se é possível nos defender do frio ou do calor, se é possível desviar leitos dos rios, fazer barragens, se é possível mudar o mundo que não fizemos, o da natureza, por que não mudar o mundo que fazemos, o da cultura, o da história, o da política? (FREIRE, 2000, p. 98)

Vale ressaltar que a proposta de mudar o mundo construído pelo

homem, o da cultura, política e história, só pode ser concretizada através de

uma educação que se preocupa em formar o jovem em sua totalidade. Isso é

possível através das ações que se realizam dentro do processo de ensino e

aprendizagem. É preciso dar suporte para que as mesmas se concretizem:

“mudar é difícil, mas é possível” (FREIRE, 2000, p. 98).

Para Bakhtin, as palavras ao serem usadas trazem a ideologia de quem

as utiliza e assim servem para as pessoas se relacionarem em todos os

setores numa constante interação com a fala do outro: “a palavra é uma

espécie de ponte entre mim e os outros” (1992, p. 119). Ao utilizar as palavras,

os seres humanos interagem com o mundo, o autor nos orientou ainda que:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1999, p. 123)

De acordo com a citação anterior, salientamos que o trabalho que se

propôs através de relatos e registros de memórias com os gêneros entrevista,

biografia e autobiografia possibilitou atividades de oralidade, leitura e escrita de

histórias locais (familiares) nas quais foi possível perceber as marcas

linguístico-enunciativas dos autores envolvidos. Ainda sobre a escrita e a

linguagem, podemos observar:

Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados *(orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos, o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional, estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 261-262)

Nesta concepção interacionista de linguagem, podemos perceber os

gêneros como formas comunicativas, não as dos livros didáticos com

conteúdos fragmentados e descontextualizados, mas como processo interativo.

Há diferentes maneiras de comunicação e ao usar cada uma produzem-se

enunciados concretos pertencentes ao gênero necessário àquela atividade

social. Eles variam assim como a língua. Essa prática discursiva presente em

cada gênero faz parte do cotidiano dos alunos e podem ser valorizados na

escola, como meio de representar seu espaço nos textos que produz, não

havendo separação da língua que lê e escreve, ou seja, de sua vida e o meio

que frequenta. Ao produzir, deve-se considerar o antes da elaboração o

durante e o depois. A forma de pensar e sentir é determinada pelo contexto

sociocultural em que o indivíduo está inserido.

A leitura e a escrita de textos é uma prática social, assim, no decorrer do

trabalho, ambas orientaram a prática pedagógica. De acordo com Saviani

(2007, p. 420 apud PARANÁ, 2008, p.45), “a prática social, põe-se, portanto,

como ponto de partida e ponto de chegada da prática educativa”.

Para Antunes (2003), a escrita terá como ponto de partida o professor

que cumpre papel central no desenvolvimento dessa prática dando ao aluno

condições que determinam o gênero a ser produzido e a diversidade de seus

usos, valorizando-os como leitor, e que o texto tenha destinatário e finalidades,

e assim decidir sobre o que será escrito:

A atividade da escrita é, então, uma atividade interativa de expressão (ex, “para fora”), de manifestação verbal das ideias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos que queremos partilhar com alguém, para, de algum modo, interagir com ele. Ter o que dizer é, portanto, uma condição prévia para o êxito da atividade de escrever. Não há conhecimento linguístico (lexical ou gramatical) que supra a deficiência do “não ter o que dizer”. As palavras são apenas a mediação, ou o material com que se faz a ponte entre quem fala e quem escuta, entre quem escreve e quem lê. Como mediação elas se limitam a possibilitar a expressão do que é sabido, do que é pensado, do que é sentido. Se faltam as ideias, se falta a informação, vão faltar as palavras. Daí que nossa providência maior deve ser encher a cabeça de ideias, ampliar nosso repertório de informações e sensações, alargar nossos horizontes de percepções das coisas. Aí as palavras virão, e a crescente competência para a escrita vai ficando por conta da prática de cada dia, do exercício de cada evento com as regras próprias de cada tipo e de cada gênero de texto. (ANTUNES, 2003, p. 45-46)

A partir dessa reflexão, o que se pode perceber é que essas atividades

têm por finalidade mostrar o universo do seu autor e a necessidade de trabalho

prévio no qual ele tem as informações necessárias através de leituras,

entrevistas e discussões para produzir com independência tendo, então, o que

dizer no trabalho com os gêneros entrevista, biografia e autobiografia: “a língua

constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da

interação verbal social dos locutores” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1992, p. 127).

Como vemos em Casarin e Angelo (2007), os gêneros discursivos são

marcados por sua esfera de atuação, isso se caracteriza pelo seu propósito de

comunicação e pelo modo como eles se compõem, indo de uma carta, um

bilhete, às formas mais elaboradas como as exposições científicas ou literárias.

Esses gêneros foram divididos por Bakhtin em primários, constituídos num

contexto de comunicação verbal espontânea do cotidiano como a carta, o diário

e o bilhete; e os secundários, presentes num contexto complexo de

comunicação na escrita acadêmica, jurídica e artística. Ambas se constituem e

se desenvolvem em interação constante com a fala do outro. Quanto aos

gêneros, podemos ver ainda:

O aprimoramento da competência linguística do aluno acontecerá com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas de leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. O trânsito pelas diferentes esferas de comunicação possibilitará ao educando uma inserção social mais produtiva no sentido de poder formular seu próprio discurso e interferir na sociedade em que está inserido. Bakhtin (1992, p. 285) afirma que “quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos”. (PARANÁ, 2008, p. 53)

Lajolo (1982, p. 60) defende que “as atividades que visem à produção de

texto sejam (também) fundadas numa função que privilegie não o texto

redigido, mas o ato de redigir”. Escrita é, antes de tudo, ação e experiência.

Trabalhar os registros das memórias, através dos gêneros biografia,

entrevista e autobiografia, possibilitou que as mesmas fossem perpetuadas:

Por que lembramos as coisas? As lembranças nos vêm sem que se tenha a

intenção de recordar, acontece naturalmente. Onde se deu a vivência? É

procurar na memória aquilo que já estava esquecido, aproximar-se dos

ausentes, compreender o passado, conhecer outros modos de viver, falar,

comportar, agir, possibilitando contextualizar com as heranças deixadas pelas

gerações anteriores.

Além disso, é preciso considerar que, ao escrever usamos normas e o

conhecimento gramatical: “quando alguém é capaz de falar uma língua é então

capaz de usar, apropriadamente, as regras (fonológicas, morfológicas,

sintáticas e semânticas)” (ANTUNES, 2003, p. 85). A autora, em outro

momento, ressalta que, independentemente do prestígio social ou nível de

desenvolvimento tanto econômico quanto cultural em que é falada, “não existe

língua sem gramática”. Antunes (2003, p. 85) orienta também que é importante

esclarecer as diferenças entre regras de gramática, nomenclaturas e

classificações. Segundo ela, as regras orientam o uso das unidades da língua.

São normas. Sobre as normas gramaticais, é possível observar no texto abaixo

que:

Dessa forma, são regras, por exemplo, a descrição de como empregar os pronomes; de como usar as flexões verbais para indicar diferenças de tempo e de modo; de como estabelecer relações semânticas entre partes do texto (relações de causa, de tempo, de comparação, de oposição etc...) de quando e como usar o artigo indefinido e o definido; de quando e de como garantir complementação do verbo ou de outras palavras; de como expressar exatamente o que se quer pelo uso da palavra adequada, no lugar certo, na posição certa. (ANTUNES, 2003, p. 86)

A fim de elaborar enunciados pertencentes aos gêneros propostos, foi

preciso também recorrer às figuras de linguagens, advérbios, escolher as

palavras e utilizá-las com critérios que deram ritmo ao texto, possibilitando ao

leitor reportar-se aos cenários e situações narradas pelos entrevistados,

podendo conhecer melhor a comunidade onde vive, porque cada indivíduo traz

a memória do grupo social a que pertence ou pertenceu.

Daí a necessidade de perceber que era importante, no decorrer do

trabalho, que os alunos compreendessem as especificidades do gênero

proposto como os elementos estruturais da narração: narrador, as

personagens, enredo, espaço, tempo.

3- Abordagem didático-metodológica

Tomou-se como marco referencial epistemológico a teoria dialética do

conhecimento, tanto para a fundamentação metodológica e planejamento de

ensino como a ação docente-discente. De acordo com Lunardelli (2012),

apoiada em Gasparin (2003), o ponto de partida dessa metodologia não foi a

escola, nem a sala de aula, mas sim a realidade em que o aluno está inserido.

Para tanto, a responsabilidade do professor e a do aluno tornaram-se

fundamentais, pois juntos, como coautores do processo ensino-aprendizagem,

descobriram os objetivos reais dos conteúdos propostos pela escola através

das três fases do método dialético de construção do conhecimento escolar:

prática, teoria, prática.

Partiu-se, portanto, da Prática Social Inicial, do conhecimento que os

educandos já possuem sobre o conteúdo pretendido; vivência cotidiana do

mesmo e os seus desafios: “o que gostaria de aprender mais?”. Em seguida,

problematizou-se, discutindo os principais problemas postos pela prática social

e pelo conteúdo com a proposição de mostrar a relevância de conhecer as

histórias dos familiares através de suas memórias e, para isso, foi proposta a

leitura de três fragmentos dos livros: Anicheto Battisti - Herói da ll Guerra, O

Diário de Anne Frank e o Diário de Zlata. Também assistir a e comentar o filme

Encontrando Forrester. O trabalho foi instrumentalizado com ações docentes e

discentes por meio de entrevistas com bisavós, avós e pais dos alunos que

culminaram nas produções de textos dos gêneros biografia e autobiografia.

Foram realizadas as reescritas dos textos em forma de pequenas oficinas, até

sua versão final.

Com isso, pretendeu-se atingir a catarse, uma nova postura do aluno

diante do conteúdo estudado e a construção de nova compreensão da

realidade. Por fim, chegou-se à Prática Social Final: tendo o conhecimento

teórico que fundamenta a sua realidade, o educando pode posicionar-se de

maneira diferente quanto à prática, pois ele a entendeu de outra maneira e seu

agir, a partir disso, passou a ter perspectiva de transformação da realidade, ou

seja, a construção de uma nova totalidade concreta.

4- Projeto de Intervenção Pedagógica: análise e discussões

Durante esses dois anos de participação no PDE, os cursos,

levantamento de dados, encontros de estudos com a orientadora, e discussão

do mesmo com professores estaduais, através do Grupo de Trabalho em Rede

- GTR, contribuíram significativamente para o desenvolvimento do Projeto de

Intervenção Pedagógica. O aprofundamento teórico-metodológico e o resultado

das pesquisas realizadas sobre a temática possibilitaram a realização de

atividades que foram desenvolvidas a partir de 5 ações: Prática Social Inicial do

conteúdo, Problematização, Instrumentalização, Catarse e Prática Social Final.

A implementação foi realizada durante os meses de fevereiro a junho de 2014.

Na primeira ação, com a Prática Social Inicial, ocorreu a apresentação

do Projeto de Intervenção Pedagógica “O aperfeiçoamento da leitura e da

escrita por meio da produção de textos dos gêneros entrevista, biografia e

autobiografia através de histórias familiares” para alunos do 9º ano, equipe

pedagógica e direção. Com apoio de slides, foi apresentado o problema que

gerou a proposta para o Projeto de Intervenção Pedagógica, por meio de

alguns gráficos, sobre o desempenho da turma e o levantamento feito entre

2009 a 2011 pelos indicadores que os avaliam como a Prova Brasil e o IDEB: a

observação do Relatório de Acompanhamento Bimestral da turma em questão

nos anos anteriores, levantamento sobre o Plano de Desenvolvimento que

estabelece como meta que, até 2022, o IDEB do Brasil para os anos iniciais

seja 6,0.

Na sequência, apresentamos os objetivos esperados para o trabalho e o

cronograma das ações de fevereiro a julho de 2014. Abriu-se um momento de

questionamentos e opiniões onde todos os presentes puderam expor suas

dificuldades quanto à produção escrita e a sua importância para aquisição do

conhecimento científico nas demais disciplinas e nas relações sociais. Houve

boa receptividade por parte de todos, os alunos ficaram empolgados com a

ideia das entrevistas, sugerindo fazer no momento roda de chimarrão e tererê

com o objetivo de recepcionar bem os visitantes, disponibilizando-se para

trazer seus bisavós, avós e pais até a escola. A equipe Pedagógica e Direção

disponibilizaram-se para total apoio durante as atividades.

Na segunda ação, iniciamos com a Problematização: realizamos uma

sessão de cinema para assistir ao filme Encontrando Forrester. O objetivo foi

refletir como a escrita pode melhorar e mudar a vida do cidadão. O enredo

mostrou que escrever não é apenas como muitos pensam, somente uma fonte

de inspiração, ou que nascemos com este dom. Mas que é, na verdade, um

processo que exige muita dedicação, esforço, técnica e treinamento. Abordou

sobre o preconceito existente dentro das escolas e como este fator interfere na

vida do aluno, os aspectos positivos que o domínio da escrita traz para nossas

vidas e em que a escola ou o professor podem prejudicá-los quanto à escrita

de textos. Criou-se uma mesa redonda para que pudessem comentar sobre

esses pontos e a maioria interagiu principalmente quanto ao preconceito,

colocando-se contrários a essas atitudes, entendendo a importância da escrita

na vida social.

Ainda nesta ação, realizamos a leitura dos fragmentos dos três livros de

memórias: Herói da ll Guerra, O diário de Anne Frank e O diário de Zlata. O

objetivo foi entender as especificidades dos textos e contextualizar realidades

de diferentes guerras percebendo como uma memória pode ser contada. Em

círculo, foram socializados os momentos marcantes que fizeram parte da

história da humanidade citados em cada texto. Ler e contextualizar os registros

possibilitou aos alunos perceberem as características das memórias relatadas

pelo narrador personagem. Lembrando que, como nos textos lidos, nós e

nossos familiares também temos episódios de vida para lembrar e relatar,

alguns deles são marcantes e merecem ser registrados. Ao término dessa

etapa, sugerimos outros livros de memórias do acervo da biblioteca para serem

lidos, além dos três citados, e percebemos o interesse da maioria em lê-los.

A continuidade do trabalho contemplou a terceira ação com a

Instrumentalização, em que ocorreram as quatro oficinas de textos as quais

permitiram as entrevistas e biografias dos bisavós, avós, pais e, por fim,

autobiografia.

Em relação à oficina 1, o objetivo foi entrevistar os bisavós sobre sua

história pessoal, seguindo o roteiro de questionamentos, e produzir texto do

gênero biografia, observando as características do mesmo. Antecipadamente,

iniciou-se a organização da sequência do trabalho com a pesquisa sobre quem

tinha bisavós em condições de dar entrevista. Isso feito, pessoalmente, a

professora visitou a família para combinar detalhes sobre o trabalho e o

transporte da bisavó que aceitou o convite. Nas aulas seguintes, para melhor

compreensão das especificidades do gênero a ser trabalhado, alguns aspectos

foram caracterizados.

Para melhor entendimento e familiaridade com o trabalho, foi trabalhada

uma entrevista de linguagem acessível com o objetivo de que os alunos

percebessem que entrevistar alguém era algo possível e agradável; com essa

atividade, puderam familiarizar-se com as características do gênero: tipos de

perguntas, posição coerente do enunciador, ética e respeito com o

entrevistado, linguagem acessível, etc.

Chegou o momento da primeira entrevista, o ambiente foi organizado em

círculo para que nossa visitante se sentisse confortável e acolhida, o chimarrão

e tererê, como sugeridos pela turma, foram preparados, pois nossa convidada

havia nascido no Rio Grande do Sul. Orientados também que a atividade de

recontar a história de alguém seria a chave do trabalho, que ouvissem e

anotassem tudo o que pudessem: as falas sobre costumes, hábitos, ambiente,

formas de pensar, de agir, modos de se alimentar e vestir. E que os relatos

orais e escritos seriam o foco do trabalho durante as aulas. Participaram desse

momento a diretora, orientadora, alunos, a entrevistada e a professora.

Dentro do roteiro sugerido para esta entrevista, foi pedido à

entrevistada que dissesse o nome, idade, cidade de origem e há quanto tempo

vivia na comunidade. Na sequência, indagaram-lhe sobre sua infância, como

eram as brincadeiras e se a crianças tinham tempo para brincar. Depois, que

falasse como eram as escolas, as oportunidades, transporte, conforto,

materiais e professores. Também sobre a adolescência, juventude,

relacionamento com os pais, namoro, religião, trabalho, alimentação e

vestuário. E por fim pedimos que deixasse uma mensagem aos adolescentes

da sala.

Com voz forte e clara, nossa entrevistada foi respondendo prontamente

a cada pergunta, e os alunos, atentos, anotaram tudo o que puderam; no final

da aula, agradecemos a presença tão marcante de nossa convidada e a

bisneta lhe ofereceu flores em nome da turma.

A sequência foi produzir o rascunho do texto, mas, antes disso, voltamos

a fundamentar com a turma as características do gênero biografia, retomando

os momentos mais marcantes da história que foi relatada, contextualizando

com o momento atual da vida do aluno e percebendo as transformações

ocorridas através do tempo. Isso colaborou para que os pontos positivos e

negativos do relato fossem observados. Em seguida, pontuamos outros

aspectos importantes para o entendimento do gênero a ser produzido.

Foram orientados que, no caso de biografias, normalmente, o narrador

aparece em primeira pessoa; isso revela que o mesmo é também personagem

que tem por característica se apresentar com o pronome pessoal (eu). Pode

também ocorrer o uso do pronome da primeira pessoa do plural (nós) que,

neste caso, indica uma ação ou sentimento do narrador com outras pessoas. E

que ao trocar os pronomes de 3ª para 1ª pessoa, na flexão verbal, observar

que o verbo será flexionado, sendo conjugado na 1ª pessoa. Tomando sempre

o cuidado em manter a fidelidade dos fatos, situando o leitor no tempo e

espaço em que foram narrados. O objetivo dessas orientações foi facilitar a

produção do rascunho do texto como podemos observar a seguir.

Elaborar um texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se completa, simplesmente, pela codificação das ideias ou das informações, através de sinais gráficos. Ou seja, produzir um texto escrito não é uma tarefa que implica apenas o ato de escrever. Não começa, portanto, quando tomamos nas mãos papel e lápis. Supõe-se, ao contrário, várias etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento, passando pela escrita propriamente, até o momento posterior da revisão e da reescrita. Cada etapa cumpre, assim, uma função específica, e a condição final do texto vai depender de como se respeitou cada uma destas funções. (ANTUNES, 2003, p. 54)

O terceiro momento contemplou a leitura, correção e reescrita da

biografia, com a devida autorização do aluno para o aprimoramento do seu

trabalho e relembrando a organização do gênero já pensado anteriormente.

Com os textos trocados, foi iniciada a leitura e as observações dos critérios

propostos. O objetivo foi despertar nos alunos a responsabilidade,

companheirismo, respeito pelo trabalho do outro e ajuda mútua. A professora

mediou esse momento tirando dúvidas e fazendo com que houvesse

aprendizagem. Essa primeira produção mostrou o que já sabiam e deram

pistas para as próximas intervenções no processo de ensino e aprendizagem,

colaborando para os problemas de escrita da turma.

A oficina também proporcionou a reflexão de outras questões tais como:

o comprometimento com sua própria escrita; além de produzir, também

aperfeiçoá-la nos aspectos ortográficos e gramaticais, em que vários

problemas surgiram e foi necessário recorrer novamente à estrutura da

narrativa e do gênero biografia para melhor compreensão dos aspectos

referentes ao narrador personagem, foco narrativo em 1ª pessoa, flexão verbal,

repetição de palavras, entre outros.

O quarto momento priorizou a digitação dos textos no laboratório de

informática para a coletânea e painel previamente planejados. No entanto,

algumas dificuldades foram constatadas durante a realização desse trabalho,

dentre elas, foi percebido que há entre os adolescentes um falso domínio

referente à tecnologia. Também que o uso que fazem constantemente é

apenas para sentir-se conectados e manter um status. Na realização de

trabalho pedagógico as dificuldades foram: letras maiúsculas, parágrafos,

acentuação, espaçamento e falta de habilidade para digitar causando lentidão.

E os computadores com problemas de funcionamento também trouxeram

dificuldades.

Mesmo assim, a preferência foi escrever fazendo uso do teclado e não

se incomodaram com a correção e reescrita. Antunes (2003) defende que são

dois os momentos importantes no processo que envolve o trabalho com o texto

escrito. No primeiro momento, são as várias etapas que orientam o aluno para

a produção: planejamento, delimitação do tema, objetivos, escolha do gênero e

a produção escrita. O outro momento é o da reescrita, o refazer textual deve

ser uma atividade fundamental à adequação do gênero proposto às exigências

circunstanciais de sua produção. Que estes momentos devem valorizar, antes,

o esforço daquele que escreve, desconfia, rasga e reescreve.

Selecionamos alguns trechos de textos do gênero biografia, produzidos

nessa primeira oficina:

“A viagem do Rio Grande do Sul até Cascavel durou sete dias, por estradas de chão no meio do mato”. (aluna) “Naquela época não havia escolas, os mais velhos ensinavam o que sabiam aos mais novos”. (aluno) “Quando chegamos aqui era tudo mato, meu maior medo foi dos índios e bugres que viviam na região”. (aluno) “Foram tempos difíceis, mas ainda penso que era melhor do que hoje, com respeito, obediência e valores. Não importa se a pessoa é bonita ou feia o importante é sua educação. Quero que os jovens de hoje saibam disso”. ( aluna )

Através dos relatos das memórias, levar os alunos a se apropriarem da

cultura e da história de seus antepassados, com a possibilidade de recriá-las.

Neste trabalho, história e memória foram utilizadas como domínios sociais de

comunicação, na representação, pelo discurso, de experiências vividas

situadas no tempo e espaço (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004).

Acerca da oficina 2, assim como ocorrido na entrevista anterior, o

trabalho foi organizado com antecedência, no dia marcado, organizamos o

ambiente para acolher os visitantes, desta vez o número aumentou, tivemos a

presença de duas avós, um avô, a diretora, equipe pedagógica, professora e

alunos. Novamente, recorremos a um roteiro e, após as apresentações,

perguntaram-lhes se lembravam de algum fato marcante que teria interferido

significativamente em suas vidas e na vida da comunidade. Os três visitantes,

um de cada vez, foram narrando suas memórias e a turma fazendo as devidas

anotações.

A continuidade do trabalho contemplou um momento de oralidade,

atividade propícia para que pudessem relembrar os fatos marcantes relatados,

os sentimentos e as diferenças trazidas pelo tempo. Também realizamos a

leitura de fragmentos de memórias “Os automóveis invadem a cidade” e

“Parecida mas diferente”, de Zelia Gattai. Com a atividade, foi possível rever as

características das memórias procurando identificar início, meio, fim e como o

texto foi organizado: observação de trechos que situava o leitor no tempo e no

espaço em que as lembranças se desenvolveram. Em seguida, retomamos as

especificidades do gênero já trabalhadas na oficina anterior, aproveitando para

reforçar os pontos em que eles demonstraram ter dificuldades. As histórias

contadas pelos avós relataram fatos ocorridos no passado envolvendo a

comunidade. Questionou-se sobre qual delas envolveu suas vidas no presente

como a construção de igrejas, a escola onde estudam, clube, a emancipação

política, conselhos, diretorias, APMF do colégio, etc. Foi um momento

importante para perceberem que as pessoas idosas, com suas experiências

anteriores, ajudaram na melhoria da vida da comunidade. Foi propício para

criar a consciência e o respeito ao idoso. Na sequência foram realizadas as

atividades de oralidade, escrita do rascunho, leitura, correção, refacção do

texto, digitação e montagem do painel no ambiente escolar para que todos

pudessem lê-los.

Dos textos escritos sobre a biografia dos avós, extraímos alguns trechos:

“Quando cheguei aqui tive que desmatar para então ter onde plantar.

Neste lugar tive meus filhos e netos onde vivo até hoje. Durante este

tempo colaborei com a comunidade fui presidente da capela, dirigente

de grupo, ministro da eucaristia e presidente da APMF deste colégio

onde meus netos estudam até hoje”. (Neto)

“Fui morar numa casinha velha de madeira sem janelas, sem

assoalho, sem fogão e sem poço. No dia seguinte os vizinhos se

reuniram, abriram o poço para nós e fizeram o fogão de barro. As

mulheres fizeram o almoço. Eu e meu marido percebemos quanta

gente boa morava aqui”. (Neta)

A terceira oficina sobre o gênero biografia teve maior emoção, pois

proporcionou aos alunos a oportunidade de conhecer fatos marcantes da vida

de seus pais ainda não revelados. No devido tempo, foi explicado que o

objetivo da entrevista era conhecer a história de vida dos pais e que a mesma

estaria diretamente ligada à vida deles. Diferente das outras oficinas, aqui o

esforço foi maior no sentido de que todos os pais pudessem dar seu

depoimento, em sala ou em casa. Nesta oficina organizamos um roteiro de

perguntas voltadas para a vida dos pais e seus maiores desafios como o

trabalho, o sustento da família, e a história pessoal de cada um e o que

esperavam para o futuro de seus filhos.

Após a realização das entrevistas, retomamos alguns pontos

importantes da caracterização do gênero e relembramos que, na produção de

memórias, os autores usam os verbos para marcar um tempo passado. E os

essenciais deste gênero são: pretérito perfeito e pretérito imperfeito. Foi

importante explicar a eles a diferença entre os tempos verbais do passado.

Para melhor compreensão dos alunos, propusemos a leitura de outros

fragmentos dos livros sugeridos na etapa 2 da unidade, onde foi possível

perceber o uso dos mesmos. Ao término das orientações, iniciou-se a produção

escrita da biografia dos pais seguindo as orientações já feitas nas oficinas

anteriores.

Esta oficina foi considerada a mais importante dentro da proposta de

trabalho, porque seus objetivos eram, além da produção escrita, provocar o

diálogo familiar melhorando o relacionamento entre pais e filhos que tanto é

necessário e importante na vida escolar do aluno. No entanto, algumas

dificuldades foram constatadas durante a realização do trabalho, a falta de

tempo dos pais e por vezes de interesse em colaborar na atividade do filho

acarretando atraso na realização da atividade.

Na atualidade, percebemos as dificuldades tanto de relacionamento

quanto de participação dos pais na vida escolar de seus filhos. Durante a

realização das oficinas ficou claro mais uma vez que este fator precisa ser

constantemente trabalhado em nossas escolas, procurando meios que

efetivamente consigam reverter este quadro, pois a presença e apoio dos pais

nas atividades escolares é essencial. A seguir, trechos de textos sobre as

biografias dos pais:

“Meu nome é Gilenes, sou de origem africana, nasci em Assis Chateaubriand Pr. Quando era pequena, brincava de bulicas, betes, bonecas e outras brincadeiras da época. Quando chegou a hora de eu ir para a escola as dificuldades começaram, não me adaptei, não conseguia ficar no meio daquelas crianças e só chorava, um dia minha irmã mais velha, com dó me levou para casa , chegando lá minha mãe me deu uma surra que eu me lembro até hoje. Depois fez eu voltara para a escola e se chorasse iria apanhar novamente”. (aluno)

“Meu pai era bem rígido, não tinha diálogo com as crianças. Mas minha mãe era carinhosa, trabalhadora, religiosa e compreensiva. Com 16 anos comecei a namorar, com 17 me casei, não tinha casa então morei dois anos na casa da minha sogra. Não tive muitas dificuldades, Deus me abençoou”. (aluna)

“Um dos maiores desafios que tive foi o desemprego. Hoje o que mais desejo é que eles estudem para não passar o que eu passei”. (aluno) “Curtam, divirtam-se, aproveitem essa fase da vida que é tão boa, mas que antes de tudo, sejam amorosos e responsáveis, principalmente com aqueles que mais os amam e se importam de verdade com vocês, que são seus pais”. (aluno)

A quarta oficina priorizou a escrita do gênero autobiografia, para isso,

com a ajuda dos pais, foi feito o resgate da história pessoal do aluno por meio

de uma entrevista escrita organizada em sala anteriormente e feita em casa. As

questões abordaram a vida do estudante desde a gravidez, nascimento,

batizado, infância, o primeiro dia de aula e acontecimentos marcantes. Além

de entrevistar os pais sobre sua história, o aluno que concordou, compartilhou

seu álbum de fotos desde o nascimento com os colegas e a professora. O

objetivo foi o enriquecimento de detalhes e a valorização pessoal e familiar de

cada um.

Antes da escrita do texto autobiografia fez-se necessário a

caracterização do gênero para que os alunos percebessem as suas

especificidades. Fizemos a leitura de uma autobiografia para que percebessem

como é possível escrever sobre si mesmo. A atividade lhes deu segurança

para produzirem sobre sua própria história. Quanto à organização do texto,

relembramos alguns aspectos de análise linguística, considerados relevantes

para sua escrita, como os pronomes pessoais; e que, em autobiografia,

normalmente o narrador é também personagem, apresentando-se neste caso

com os pronomes (eu, me, nos etc.).

Nesta quarta produção, eles já haviam avançado quanto à escrita e esta

envolveu a sua individualidade, portanto a revisão foi realizada somente pela

professora que ajudou nas dúvidas que ainda surgiram e, em seguida, cada um

reescreveu a versão final de sua autobiografia.

Propusemos a leitura dos trabalhos, deixando livre a participação para

evitar constrangimentos. Conhecer as histórias pessoais de cada um trouxe

para todos momentos de carinho, amizade e emoção. Os textos deste gênero

também foram digitados e expostos no painel.

No entanto algumas dificuldades foram constatadas na realização dessa

oficina, dentre elas as dificuldades em realizar a entrevista com os pais, a falta

de interesse de alguns alunos e demora no término da atividade proposta.

Destacamos alguns fragmentos de textos do gênero autobiografia:

“Meus pais disseram que quando souberam que eu ia nascer, ficaram felizes, eu fui um filho desejado”. (aluno) “Meu pai, quando me viu pela primeira vez, disse que eu era o filho homem que Deus tinha lhe dado e que ele tanto queria”. (aluno) “Comecei a estudar no Jardim e fiz muitos amigos, depois a Pré- Escola, o Primário e agora aqui no Ensino Fundamental ainda temos um grupo da época do Jardim. Por isso temos tanta coisa em comum”. (aluno) “Meus pais acham que sou inteligente e me deram muitos conselhos para que eu não desvie dos seus ensinamentos”. (aluna)

Assim sendo, além da certeza sobre a continuidade do Projeto para os

anos seguintes, nas demais turmas, a avaliação do trabalho foi satisfatória,

tendo em vista a apresentação na escola da coletânea e a exposição dos

textos produzidos em cada oficina no decorrer do Projeto. Registramos aqui os

depoimentos da coordenadora do PDE do Núcleo Regional de Educação, a

diretora e equipe pedagógica do Colégio Heitor Cavalcante:

“O trabalho foi muito bom, pois proporcionou a integração entre todos e conhecimentos históricos através do tempo”. (coordenadora do PDE do núcleo regional). “A família envolvida na escola é muito importante, procuramos fazer com que isso aconteça durante todo o ano para a melhora da aprendizagem”. (orientadora) “Este trabalho foi importante porque resgatou a história local e a participação dos bisavós, avós e pais no desenvolvimento dessa história, inclusive aqui na escola”. (diretora).

Além do trabalho de desenvolvimento do Projeto de Intervenção no

colégio, fez parte do processo a tutoria do Grupo de Trabalho em Rede (GTR)

que ocorreu durante os meses de março a maio de 2014.

As três temáticas, discutidas durante o trabalho, muito contribuíram para

o enriquecimento pedagógico tanto da tutora quanto dos professores

participantes pelo fato de terem proporcionado muitas trocas de experiências

acerca das metodologias adotadas por cada um, como também sobre as

dificuldades comuns a todos.

Na temática 1, ficou clara a preocupação dos professores em buscar

novas estratégias que colaborassem com a aprendizagem dos alunos em

Língua Portuguesa, também o papel desempenhado pelo professor durante o

processo.

Já na temática 2, as discussões giraram em torno da necessidade de o

cidadão dominar a leitura e a escrita para viver em sociedade e interagir com

ela. Falou-se também sobre os pontos positivos e negativos do fator

tecnológico, as questões que envolvem o trabalho com os gêneros discursivos,

a sua estruturação e análise linguística como sendo fundamentais antes da sua

produção. Os participantes teceram elogios quanto à metodologia das

entrevistas adotadas na proposta discutida pelo grupo.

A temática 3 foi focada na troca de experiências entre a implementação

da tutora em sala e o trabalho pedagógico dos professores participantes.

Durante os compartilhamentos das atividades e da fundamentação teórica

utilizada, oportunizou-se que ambos pudessem acrescentar em seus trabalhos

as atividades discutidas. Foi uma experiência de grande aprendizagem.

5- Considerações finais

Ao concluir o Projeto de Intervenção Pedagógica, pode-se afirmar que

os objetivos propostos foram alcançados. As entrevistas fortaleceram os laços

familiares, contribuíram para uma reflexão sobre a valorização do idoso,

proporcionaram o resgate histórico da comunidade onde alunos, professora,

equipe pedagógica e direção do colégio também puderam conhecê-las,

proporcionaram ao aluno compreensão das especificidades dos gêneros

textuais propostos e a importância da valorização da escrita para aquisição do

conhecimento científico e interação verbal.

As oficinas priorizaram diferentes momentos de leituras: fragmentos dos

livros de memórias, sessão de filme com debates, entrevistas com familiares

(bisavós, avós, pais), observação de álbum de fotos usados para resgatar as

memórias familiares e pessoais de cada aluno. Por fim, a organização do mural

no ambiente escolar, dando a oportunidade para todos terem acesso à leitura

das memórias através de textos dos gêneros biografia e autobiografia, também

organização da coletânea para a biblioteca escolar.

“Mudar é difícil, mas é possível” (FREIRE, 2000, P. 98). As mudanças só

podem ser concretizadas através de uma educação que se preocupa em

formar o jovem em sua totalidade. Isso é possível por meio das ações que se

realizam dentro do processo ensino-aprendizagem. É preciso dar suporte para

que as mesmas se concretizem. Trabalhar com os gêneros discursivos abriu

um canal de discussões, leituras e contextualizações com o objetivo de

reflexão sobre a realidade envolvendo o meio social do educando.

Partiu-se da prática social inicial do conhecimento daquilo que os alunos

já possuíam e o que gostariam de aprender mais, em seguida problematizou-se

as questões postas pela prática social e pelo conteúdo com a proposição de

mostrar a relevância de conhecer as histórias através das memórias, para isso

instrumentalizou-se com ações docentes e discentes que culminaram nas

produções textuais e o objetivo final foi atingir a catarse com uma nova postura

do aluno diante do conteúdo estudado chegando assim à prática social final

com a perspectiva de transformação da realidade.

O trabalho visou à melhoria da produção escrita, ao entendimento das

mudanças trazidas pelo tempo e ao respeito pelos antepassados. Com o

término do projeto, a proposta não se encerra, ela será de fortalecer o trabalho

com a produção escrita envolvendo toda a escola e, assim, melhorar o

processo de ensino-aprendizagem em Língua Portuguesa e nas demais

disciplinas.

6. REFERÊNCIAS

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______. Muito além da gramática: Por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007.

BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Biblioteca Universal)

BAKHTIN, Mikhail M. (VOLOSHINOV, Valentin N.) Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução de Míchel Lahud e Yara Frateschi. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

BATTISTI, Marta Tomazi; ASSIS, Lourdes Rodrigues de. Avaliação no Ensino Fundamental. Revista Científica Multidisciplinar Unimeo, Assis Chateaubriand, Jan. 2007, p. 124.

CLARA, Regina Andrade; ALTENFELDER, Anna Helena; ALMEIDA, Neide. Se bem me lembro... Caderno do professor: orientação para produção de textos. São Paulo: Cenpec, (Coleção da Olimpíada).

DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (franco – fona). IN: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. p. 41-70.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção leitura)

______. Pedagogia da indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp, 2000.

GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico–Crítica. Campinas, SP: Autores Associados, 2003.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Prova Brasil. 2011. Disponível em: <http://sistemasprovabrasil2.inep.gov.br/resultados/resultado/resultado.seam?cid=4311>. Acesso em: 06 jun. 2012.

______. Diretrizes Curriculares da Educação Básica: Língua Portuguesa. Curitiba: Jam 3 comunicação; 2008.

______. Relatório de Acompanhamento Bimestral: Turma B. Colégio Estadual do Campo Heitor Cavalcante de Alencar Furtado, 2012.

SÃO PAULO, Câmara Brasileira. Olímpiada de Língua Portuguesa. Fundação Itaú, 2012.