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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS E PROGRAMAS

EDUCACIONAIS COORDENAÇÃO ESTADUAL DO PDE

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO - OESTE

RITA DECONTO FRIZON

O ENSINO DA ARTE NA SOCIEDADE INDIVIDUALISTA

Artigo apresentado à SEED\SUED–PR como requisito para o cumprimento das atividades previstas dentro do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE 2014/2015, do Governo do Estado do Paraná, orientado pelo Professora Érica Dia Gomes.

GUARAPUAVA

2016

O ENSINO DA ARTE NA SOCIEDADE INDIVIDUALISTA

Rita Deconto Frizon1

Érica Dias Gomes2

RESUMO

Este artigo visa compartilhar uma reflexão sobre o ensino de arte na escola em uma sociedade meramente influenciada pelo individualismo. Relata os resultados obtidos pela implementação do projeto de intervenção pedagógica realizado no Colégio Estadual Amâncio Moro, na cidade de Corbélia- PR, cujo objetivo maior foi o de conscientizar os alunos do curso de Formação de Docentes sobre o modelo de cultura, a cultura do individualismo do ter, do lazer e do prazer momentâneo, que a sociedade contemporânea vem enfrentando. A análise tem por referência as teorias de Lipovetsky, Dumont, Simmel e Ostrower visando argumentar a condição da arte no contexto cultural e o poder de mudança que a mesma pode oferecer ao espectador. Assim, é de suma importância refletir sobre ações pedagógicas que possam viabilizar a formação de um indivíduo, com menos prejuízos, com determinação, segurança e com capacidade de escolha. Acreditando, como Froebel, que o caminho para transformar esta realidade está na ênfase em atividades coletivas, o trabalho desenvolvido buscou com a Arte unir o grupo de participantes em atividades que ressaltassem a importância do outro.

Palavras-chave: Individualismo. Arte. Educação. Sociedade contemporânea.

INTRODUÇÃO

Na sociedade em que vivemos os comportamentos viciantes influenciam

de tal modo que o indivíduo parece estar desolado das atitudes que permeiam

as virtudes. Nesse contexto desolador basta olhar um pouco mais

profundamente a profusão de informações e as novas possibilidades sobre o

avanço tecnológico antes inimaginável. Podemos então começar a desconfiar

dos aspectos positivos geralmente a ele atribuídos. Ostrower (1991) argumenta

que se oferece, ao mesmo tempo, diversas oportunidades exatamente no

sentido inverso, podendo levar a um processo que aliena as pessoas de sua

espontaneidade criativa e de seu potencial sensível.

Segundo Ostrower (1991) esse bombardeio ininterrupto voltado para o

“ter”, acompanha o indivíduo desde o nascimento, através de diversos canais

1 Professora de Arte do Colégio Estadual Amâncio Moro, do município de Corbélia/Paraná.

2 Professora Assistente de Música do Departamento de Arte (DEART) da Universidade

Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO) e integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná – PDE.

de persuasão cultural e meios de comunicação. Procura-se impor os valores do

consumismo como únicos valores reais, única forma de realização social e

única meta de vida. Nossos jovens possuem anseios, aspirações e

necessidades, tudo é sumariamente reduzido ao nível de mercadoria a fim de

ser considerada a realidade. Portanto esse trabalho se constitui em reflexões

sobre a arte e o individualismo e também sobre um profundo processo que

aliena as pessoas, privando-as de sua espontaneidade criativa e de seu

potencial sensível.

Nos últimos anos da longa caminhada de trabalho dentro da escola

pública paranaense é possível perceber a mudança de comportamento que se

apresenta nos educandos. Cada vez mais distraídos, doentes, com dores,

stress, com dificuldades de atenção, cada vez maior número de alunos vem

apresentando desinteresses, crises de identidade, transtornos obsessivos

compulsivos, síndrome do pânico, ansiedade e depressão.

De acordo com as Avaliações Psicoeducacionais3 realizadas no Colégio

Estadual Amâncio Moro, 15% dos alunos matriculados apresentam algum tipo

de transtorno. Esse novo comportamento instigou a pesquisa do porquê isso

vem acontecendo e que interferência pode ser feita para amenizar essa

condição. Nos estudos realizados durante o Programa de Desenvolvimento

Educacional percebeu-se que essa condição é provocada pelo individualismo

exagerado que assola a sociedade contemporânea provocando perturbações e

desconforto nos educandos.

Pensando na Educação e na disciplina de Arte, buscou-se a linha de

estudo: Arte, cultura e sociedade e as diversas teorias da Arte que

estabelecem referências sobre a sua função social. O tema desta pesquisa tem

relevância no sentido de que a formação social do indivíduo depende muito de

sua formação escolar. Portanto os objetivos dessa pesquisa foram: refletir

sobre possibilidades no ensino de arte para a formação do ser coletivo dentro

de sua individualidade; elencar elementos da contemporaneidade que podem

interferir na formação individualista do ser; promover reflexões sobre caminhos

que levam para a geração do egoísmo e a insensibilidade; averiguar o papel da

3 A avaliação psicoeducacional é feita inicialmente pelos professores e pedagogos da escola e,

após, encaminhada para uma equipe de profissionais dos Núcleos Regionais de Educação, formada por pedagogos, psicólogos, neurologistas e psiquiatras, quando necessário.

arte para o desenvolvimento da individualidade ou da coletividade; analisar o

individualismo em produções artísticas contemporâneas; explorar as

potencialidades de processos criativos no envolvimento em atividades

coletivas.

A ideia de se utilizar da Arte é de que a mesma, em sua origem, foi um

auxilio mágico à dominação de um mundo real inexplorado. O papel mágico da

arte foi progressivamente cedendo lugar ao papel de clarificação das relações

sociais e ao papel de iluminação dos homens em sociedade. Hoje a função da

arte capacita o homem a identificar-se com a vida sendo capaz de argumentar

e também de dar sugestão. Segundo Fischer (2002), “a Arte é necessária para

que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo”.

Nessa perspectiva, podemos, sim, dizer que a Arte pode ser um meio

para amenizar ou mudar o comportamento aqui apresentado. E, na tentativa de

utilizá-la como pressuposto de mudança, desenvolvemos atividades de forma

coletiva, onde para concluir o proposto, com sucesso, os participantes

necessitavam obrigatoriamente da interação com o próximo.

Individualismo, arte e educação na sociedade contemporânea

“Se pelo menos eu pudesse sentir alguma coisa! ” Essa frase traduz o ‘novo’ desespero que

aflige um número cada vez maior de pessoas.

Gilles Lipovetsky

Na tentativa de esclarecer esse modelo de sociedade e de cultura que

estamos vivendo é possível citar alguns pensadores e teorias que

fundamentam este trabalho. Lipovetski, em A Era do vazio (2005), descreve um

novo modelo de sociedade, a pós-moderna, onde a confiança e a fé no futuro

se dissolvem, ninguém mais acredita nos amanhãs radiosos da revolução. O

conceito de revolução desaparece ante uma nova ordem mais pasteurizada.

Na sociedade pós-moderna, as pessoas querem viver o momento atual, aqui e

agora, querem se conservar jovens e não pensam mais em forjar um novo

homem. Essa sociedade tem mais ídolos e tabus e é o vazio que predomina.

A cultura pós-moderna é voltada para o aumento do individualismo,

diversificando as opções de escolha. Cada vez mais elas levam à perda de

uma visão crítica sobre os objetos e valores que estão a nossa volta. É uma

cultura da personalização. Individualismo total. Os desejos individualistas

passam a ter mais valor do que os desejos e interesses de classe, fazendo

com que se enfraqueça a perspectiva de movimentos sociais e de vida coletiva.

Outro enfoque que permite uma compreensão da atual época em

mudança é sob o viés da arte moderna e pós-moderna tratada com os termos

modernismo e pós-modernismo. O modernismo caracteriza-se através do uso

de uma nova lógica artística do início do século XX, que tem como base as

rupturas e descontinuidades apoiando-se na negação da tradição e no

devotamento do novo. Expressão dessa descontinuidade era o lema dos

artistas vanguardistas: “Não à tradição e obsessão pela renovação total! ”. Foi

no fim do século XIX que a mudança causou uma grande revolução, uma

descontinuidade entre o antes e o depois, uma afirmação de uma nova ordem.

O modernismo procura romper com o passado procurando novas formas

estilísticas e temáticas inéditas. A modernidade é uma espécie de

autodestruição criadora... a arte moderna não é apenas herdeira da era crítica,

mas também a crítica de si mesma; há anos as negações da arte moderna “são

repetições rituais”: a rebelião tornou-se um procedimento, a crítica, retórica e a

transgressão, cerimônia. A negação deixou de ser criadora (DUMONT, 1985).

Ainda enfatizando modernidade e individualismo, Dumont (1985) afirma

que o individualismo é o valor fundamental da sociedade moderna. Em

segundo lugar, nos faz lembrar a oposição entre “holismo” e “individualismo”,

sendo que este último é o “valor fundamental da sociedade moderna” e que o

holismo é o valor dominante nas sociedades tradicionais.

No mesmo sentido Simmel (1998) esclarece que o dinheiro abriu, para o

homem singular, a chance à satisfação plena de seus desejos numa distância

muito mais próxima e mais cheia de tentações. Existe a possibilidade de

ganhar, quase com um golpe só, tudo que é desejável. Percebe-se então um

modelo de sociedade, que procura livrar-se das imposições das instituições

políticas, econômicas e religiosas. É incansável a busca por liberdade,

singularidade. Isso traduz um individualismo descontrolado e impiedoso.

A arte pode ser uma ferramenta educacional na tentativa de mudar

esses valores, e, para reforçar essa ideia, podemos citar a fala de Ana Mae,

que deixa bem claro o potencial desta via de conhecimento:

Por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ao indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2007)

Portanto, se pensarmos nisso, podemos então desenvolver a percepção,

e compreender o meio em que vivemos e entender o modelo de cultura que

estamos vivendo, criando formas que remetem em tentativas de superação

desta realidade.

estratégias pedagógicas e possibilidades que O projeto contemplou

promoveram atividades coletivas a fim de amenizar o modelo de sociedade

individualista. No referido modelo, o estar juntos não significa poder acreditar

ou confiar no outro, pois o mundo capitalista oferece cada vez mais a

necessidade de disputa para conseguir se sobressair perante os demais. Existe

a necessidade de ser visto, pois o mesmo muitas vezes encontra-se sozinho,

ridicularizado e abandonado. Embora esteja ao lado de outras pessoas, sente

a sensação de não ser percebido, então busca no ter, no prazer da compra

desenfreada, na busca incansável de preencher este vazio existencial a

possibilidade de ser percebido.

Como arte e vida refletem-se e influenciam-se mutuamente, podemos

perceber esses valores analisando algumas criações artísticas

contemporâneas. Podemos observar tanto na dança, na fotografia, no teatro

como na música, também em algumas esculturas e pinturas, um individualismo

explícito quando vemos um grupo dançando juntos, porém cada um fazendo o

seu movimento individual, sem depender do outro para realizá-los. No teatro,

muitos se apresentam só, no palco, tentando transmitir sua ideia. Na

Fotografia, o ‘selfie’. Na música, muitos artistas estão se separando de grupos

e seguem carreira solo. Mesmo escultura e pintura apresentam uma aura

sozinha, distante, individualista, como diz Walter Benjamim, “sem aura”. Se

podemos observar isso nas criações, podemos então acreditar que o homem

não consegue se distanciar realmente do momento em que vive, ele representa

consciente, ou inconscientemente o momento, ou o período em que vive. É

impossível fugir disso. Segundo Ernst Fischer, em uma sociedade decadente,

como a que vivemos: “[...] a arte, para ser verdadeira, deve também refletir

decadência. E a menos que queira ser infiel à sua função social, a arte deve

mostrar o mundo como mutável. E ajudar a mudá-lo” (FISCHER, 2002, p.58).

Analisando, buscando ideias e pensadores que apresentassem alguma

forma de superação, podemos citar Froebel. O autor (FROEBEL..., 2015)

considerava a Educação Infantil indispensável para a formação da criança – e

essa ideia foi aceita por grande parte dos teóricos da educação que vieram

depois dele. O objetivo das atividades nos jardins-de-infância era possibilitar

brincadeiras criativas. As atividades e o material escolar eram determinados de

antemão, para oferecer o máximo de oportunidades e tirar proveito educativo

da atividade lúdica. As brincadeiras eram acompanhadas de músicas, versos e

dança. Os objetos criados por Froebel eram chamados de "dons" ou

"presentes" e havia regras para usá-los, que precisariam ser dominadas para

garantir o aproveitamento pedagógico. As brincadeiras previstas por Froebel

eram, quase sempre, ao ar livre para que a turma interagisse com o ambiente.

Todos os jogos que envolviam os ‘dons’ começavam com as pessoas formando

círculos, movendo-se e cantando, pois assim conseguiam atingir a perfeita

unidade. A natureza era a manifestação de Deus no mundo terreno e

expressava a unidade de todas as coisas. Da totalidade em Deus decorria uma

lei da convivência dos contrários. Isso tudo levava ao princípio de que a

educação deveria trabalhar os conceitos de unidade e harmonia, pelos quais as

crianças alcançariam a própria identidade e sua ligação com o eterno. A

importância do autoconhecimento não se limitava à esfera individual, mas seria

ainda um meio de tornar melhor a vida em sociedade.

Sendo assim, podemos acreditar que o individualismo está presente na

sociedade desde muito tempo e que há preocupação de muitos estudiosos em

relação a como lidar com esse modelo de cultura que se intensifica a cada dia.

Segundo Ernest Fischer, em tempos remotos a magia dá lugar a Arte,

[...] A arte não era uma produção individual e sim coletiva. [...] A sociedade primitiva implicava uma forma densa e fechada de coletivismo. Nada era mais terrível do que ser excluído da coletividade e ficar sozinho. A separação do indivíduo em relação ao grupo ou à tribo significava a morte: o coletivo significava a vida e o conteúdo da vida. A arte, em todas as suas formas – a linguagem, a dança, os cantos rítmicos, as cerimonias mágicas – era a atividade social. (FISCHER, 2002, p. 47)

Como a arte pode colaborar no trabalho coletivo e como o ser humano é

um ser coletivo, foi possível se utilizar da mesma, no intuito de superação e

principalmente com a Educação Infantil, onde, segundo Froebel (FROEBEL...,

2015), a Educação infantil é indispensável para a formação da criança.

Crianças que possuem uma boa formação escolar, crescerão mais seguras e

serão indivíduos com menos prejuízos, com determinação, segurança e com

capacidade de escolha.

Encaminhando práticas pedagógicas para uma intervenção

A partir dessas reflexões sobre o individualismo e pensando no

compromisso do educador com mudanças que melhorem o meio em que se

vive, foi elaborado um planejamento pedagógico para aulas de arte, com

ênfase na coletividade. Assim, o planejamento foi desenvolvido tendo em

mente o ensino de arte enquanto forma de intervir positivamente, na medida

que visa propiciar uma reflexão sobre estas questões fundamentais do

momento em que vivemos.

Baseada nas ideias de Ana Mae Barbosa (2007) e de Froebel

(FROEBEL..., 2015), foi possível desenvolver a produção didático pedagógica.

A turma escolhida foi de Formação de Docentes na intenção de que poderá ser

a propagadora dessa ideia, pois justamente esses alunos(as) trabalharão com

educação infantil ou séries iniciais, após sua formação. A produção foi dividida

em seis tópicos, que compreendiam aulas geminadas durante as aulas de arte

do período letivo, até o total de 32 aulas. O grupo era formado por 35 alunas do

curso de formação docente, com faixa etária entre 14 e 17 anos, que

frequentaram 2 horas aulas semanais (geminadas) durante o segundo

semestre de 2015.

O primeiro tópico se baseou na apresentação do projeto, com o objetivo

de esclarecer à turma a proposta a ser trabalhada. O tópico 2 teve como foco a

relação entre brincadeira e coletividade, com brincadeiras que envolvessem

ritmo, coletividade, leveza de gestos e movimentos, confiança e percepção do

outro. As brincadeiras foram selecionadas minuciosamente e adaptadas ao

contexto: coletividade. As mesmas foram retiradas de vivências infantis da

cultura popular (folclore). O tópico 3 tratou sobre o individualismo na

atualidade, com estudos e reflexões de alguns textos que relatam sobre a

cultura do individualismo, bem como com a análise de produções artísticas

contemporâneas onde se apresenta o individualismo. Os textos foram artigos

retirados da internet, de autores como: George Ardilles da Silva Jardim (2004);

Rosângela Nieto Albuquerque (2014); Alexandre Rossato Augusti (2005);

Renato Bosco (2014); da área de filosofia e sociologia. No tópico 4 foram

abordadas as danças circulares, que pela sua base estrutural e filosófica,

reforçam a ideia de coletividade. As atividades foram elaboradas com base em

vídeos da internet, e no trabalho de Adriana Bisconsin (BISCONSIN, 2005),

idealizadora do grupo Giraflor Danças Circulares (GIRAFLOR..., 2016).

O círculo é um símbolo de totalidade, e, ao mesmo tempo, da individualidade cooperando para a harmonia deste todo. Nele, nenhum elemento se sente excluído e, assim, nestas atividades, cada pessoa, posicionada a uma distância igual do centro, é essencial para a realização circular da dança, a roda simbolizando o todo em harmonia (PIAZZETTA, 2016).

Dessa forma, é um modo especial de dança conjunta, pois “O que faz a

diferença são as pessoas que unidas colocam a roda em movimento”

(PIAZZETTA, 2016, p. 3), em que coexistem individual e coletivo. Assim,

segundo a autora, ocorre uma sensação de pertencimento ao grupo, que

desenvolve por meio da dança, a relação com o sagrado (PIAZZETTA, 2016).

As Danças Circulares apresentam inúmeros benefícios, entre eles: cooperação

e apoio mútuo; desenvolvimento da musicalidade individual e grupal; aceitação

do outro; equilíbrio físico, emocional, mental e espiritual; ajuda no combate do

stress e da depressão; coletividade e concentração; proporciona o trabalho em

grupo, sem que a pessoa perca sua individualidade. (BISCONSIN, 2005).

O tópico 5 foi voltado para música, baseado na ideia de Rearranjo

Musical, que tem como referência a proposta Reesignificando e recriando

músicas: a proposta do rearranjo, de Maura Penna e Vanildo Mousino Marinho

(2010), com o objetivo de recriar música, coletivamente, através de uma

proposta contemporânea de arranjo. Por fim, o último tópico foi dedicado à

reflexão, com avaliação do projeto em si, e possibilidades de sequência, ou

propagação em outras turmas, em outros grupos.

Desenvolvendo a coletividade nas aulas de arte

Através do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) ofertado

pela Secretaria da Educação do Estado do Paraná, foi desenvolvido um projeto

de pesquisa intitulado Arte e a importância do coletivo: aspectos filosóficos e

sociológicos sobre o individualismo contemporâneos. Com base nessa

pesquisa foi feita uma produção-didático-pedagógica que se constituiu em

material de apoio na implementação da pesquisa-ação. A seguir, os relatos do

resultado dessa implementação, realizada no Colégio Estadual Amâncio Moro,

no município de Corbélia, com alunos do curso de Formação de Docentes.

Durante a aplicação do projeto foi possível perceber que a recepção dos

educandos criou uma expectativa de participação nos mesmos. Porém, ao

desenvolver as primeiras atividades encontramos alguns obstáculos, deixando

claro que o individualismo estava bem presente em alguns educandos,

resultando na impossibilidade de desenvolvimento de algumas atividades

propostas.

Durante o segundo tópico, relativo à coletividade e brincadeiras, por

vezes, foi possível observar a dificuldade em se respeitar o ritmo dos colegas

em atividades como Escravos de Jó e brincadeira com cabos de vassoura.

Com segurança, a interferência foi feita de forma tranquila e pacífica,

convencendo-os a participar e respeitar os colegas. Começamos a brincadeira

em grupos de 4 alunas para treino, aí continuamos somando, de 4 para 8, de 8

para 16 e assim sucessivamente até todos participarem de uma só roda. No

início, quando se formaram grupos menores, tudo deu certo, mas quando a

roda foi aumentando, começaram os obstáculos: algumas alunas não

conseguiam entender porque outras estavam errando, porque demoravam

mais para entender, porque era difícil todos estarem no mesmo ritmo. Então

saíram do jogo dizendo: “não dá certo, não vou mais brincar...”. Foi preciso

intervir, mostrar que as pessoas são diferentes umas das outras, que

aprendem com tempos e ritmos diferentes e que precisariam então observar e

entender que com um olhar diferente seria possível que todas participassem

em uma roda grande e única. Modificamos o ritmo deixando-o mais lento e

assim a brincadeira aconteceu para satisfação de todas.

A respeito da importância de atividades práticas que envolvam a

coletividade e a integração para o desenvolvimento humano, Bianchin (2010, p.

283) afirma que: “[...] a qualidade das oportunidades que estão sendo

oferecidas às crianças e aos jovens através de brincadeiras e de brinquedos

coletivos garante que suas potencialidades e sua afetividade se harmonizem”.

Dessa forma, as práticas para coletividade foram planejadas com o objetivo de

averiguar o papel da arte nessas e, pela pesquisa, foi possível verificar que

promoveram reflexões sobre caminhos que levam para a geração do egoísmo

e para a insensibilidade; e também para desenvolver autoconfiança, respeito,

concentração, percepção e atenção.

No tópico 3, onde foi discutido o individualismo na atualidade, as

participantes demostraram interesse e concordância com os textos por

assimilar o conteúdo discutido com a realidade vivida por elas dentro da

sociedade.

Durante o tópico 4, referente às danças circulares, foi preciso

interferência da professora para a conscientização do trabalho em grupo.

Alguns se negaram ao contato físico de dar as mãos para a dança circular.

Começamos assistindo alguns vídeos para transmitir a ideia do que é a dança

circular. Depois disso, foi solicitado que as alunas formassem um círculo de

mãos dadas para tentarmos dançar uma coreografia de Adriana Bisconsin que

tem como título “Canção de Ninar”, com a música Blessing Nigun de origem

israelita. Quando solicitado que se dessem as mãos, aconteceu um dos

obstáculos, pois um grupo não queria dar as mãos para o outro grupo.

Segundo as alunas de um grupo, não gostam das colegas de classe porque se

sentem rejeitadas pelas mesmas devido ao fato de serem de classe baixa,

então foi preciso parar com a dança e trocarmos algumas ideias sobre o

acontecido. Após a conversa voltamos novamente para a dança, e, apesar de

haver um pouco de receio, as alunas se deram as mãos e a dança aconteceu.

Duas alunas fizeram o seguinte comentário após a dança: “Como é gostoso

dançar essa dança, professora! Parece que a gente esquece de tudo” (Todos

os problemas). Nas aulas seguintes dançamos outras músicas e outras

coreografias, como: “Eu quero a luz”, de Rubinho do Vale, coreografada por

Cristiana Menezes4; “Eu morava na areia”, de Lydia Hortélio, com coreografia

de Semeia Dança - Danças Circulares e da Paz Universal5; e “Ô de Casa”, com

Ivan Lins e coreografia de Renata C. Lima Ramos6. A satisfação em participar

das atividades artísticas envolvendo coletividade foi gratificante. Durante a

dança circular, após a intervenção da professora, as alunas se soltaram e

participaram, deixando fluir leveza e harmonia.

Na dança circular, os passos vão dos mais simples aos mais elaborados.

Porém, o mais importante não é a execução perfeita da dança, ou seja, a

técnica, mas sim o sentimento de união de grupo. Isso é muito importante

ressaltar, pois o verdadeiro sentir da dança se explica quando não precisamos

mais pensar nos passos, simplesmente se dança. E é aí que acontece a

verdadeira dança circular. Os passos da dança circular são agrupados em

sequência que se repetem no decorrer de toda a música. Dessa maneira,

reproduzimos os ritmos da natureza: o começo e o fim; o nascimento e a morte;

o dia e a noite; as estações do ano; além dos ciclos que compõe a biografia

humana, onde somos levados a perceber as mudanças que vão acontecendo

em nossas vidas. Vamos nos percebendo seres mutantes que, a cada

repetição, já não somos mais os mesmos que da última vez. (BISCONSIN,

2005). Desta forma, após os obstáculos encontrados, é possível concluir que o

objetivo deste projeto foi alcançado, tendo este grupo de alunas como

referência, pois se a cada passo que damos nos modificamos pode-se, sim,

dizer que o grupo não é mais o mesmo. Aparentemente está mais unido e feliz.

Ao final, tivemos a oportunidade de refletir e expor a opinião dos

educandos com depoimentos sobre o conteúdo apresentado, paramos e

assistimos o vídeo das atividades desenvolvidas que foram gravadas, podendo

assim avaliar os acontecimentos, os obstáculos e fazendo um debate onde

todas alunas se sentiram à vontade e puderam falar. Percebeu-se então que o

projeto deveria ter continuidade para maior absorção da proposta e possível

superação do individualismo. Uma aluna sugeriu que se trabalhasse já durante

o estágio que estavam preparando e outras que se trabalhasse com toda

4 Vídeo da coreografia disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Y3_eTY8-18c.

Acesso em: 20 Mar. 2015. 5 Música presente no CD “Abra Roda Tin do lê lê”, dirigido por Lydia Hortélio. Coreografia

disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Jdx3kigK9vE. Acesso em: 20 Mar. 2015. 6 Vídeo da coreografia disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=VKlCVdPEooc>.

Acesso em: 20 Mar. 2015.

escola, pois a satisfação foi tão grande em participar que as mesmas não

queriam que o projeto tivesse fim. Ao final, o grupo ficou mais unido e mais

alegres.

Durante o processo de estudos houve também a realização de um curso

a distância que se denominou GTR - Grupo de Trabalho em Rede7 – com

participação de 20 professores da rede pública do Estado do Paraná. O

objetivo do mesmo foi a troca ideias sobre o projeto em desenvolvimento e

também agregar sugestões para enriquecer o mesmo. Na troca de ideias foi

possível perceber que todos os participantes sentiram a necessidade de

trabalhar em suas escolas, pois, segundo eles, o individualismo não está

presente só nos jovens, mas também no grupo de professores, funcionários,

equipe pedagógica, equipe diretiva e em todos os setores da sociedade. Cito

aqui trechos da fala de participantes do GTR: “[...] é preciso continuarmos

realizando trabalhos como esse constantemente”; “[...] não podemos cair na

vaidade de achar que o problema só está nos alunos”. Sobre este ponto, ainda

é acrescentado por três diferentes professores do grupo:

[...] vejo que o grande problema da individualidade dos alunos mora primeiramente na individualidade da equipe de trabalho do colégio, professores, agentes I e II e direção, por muitas vezes todos estão fragmentados pensando e agindo cada um por si.

Precisamos, antes de implantar com os alunos, implantar com os professores e equipe, para que o sentimento de um projeto de vida seja instalado na escola, não que cada um deve doar sua vida à escola, mas que cada um tenha sim uma pequena parte de seu EU dentro da escola construindo um NÓS, pois assim quem sabe quando vamos para a sala de aula o coletivo da escola passa a contaminar os alunos.

O individualismo da nossa comunidade escolar é bastante evidente, tanto com alunos como com os professores e funcionários. O projeto de intervenção pedagógica proposta pela professora Rita é extremamente necessário, pois observa-se que esta realidade é o que mais compromete o trabalho na escola. (Trechos extraídos de depoimentos dados pelos participantes do GTR no módulo específico disponível no sistema SEED- PDE, 2015, s.p.)

Por essas observações, podemos verificar que o problema é visto como

algo crônico da sociedade escolar, não se referindo somente à realidade dos

alunos. Assim como nas reflexões de sala de aula, também com grupo de

7 O Grupo de Trabalho em Rede (GTR) constitui uma das atividades obrigatórias do Programa

de Desenvolvimento Educacional (PDE) e se caracteriza pela interação a distância entre o professor PDE e os demais professores da rede pública estadual de ensino.

professores, as sugestões foram voltadas à ideia de que é preciso ampliar para

vários setores da sociedade a fim de amenizar ou talvez mudar esse modelo de

cultura individualista provocada pelo sistema capitalista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob o viés da arte, da filosofia e da sociologia foi possível perceber que

uma sociedade extremamente influenciada pelo sistema capitalista se

intensifica: a cultura do individualismo, do prazer momentâneo, do ter e do

lazer. Existe a preocupação de que o individualismo comece a provocar

perturbações psíquicas, então é preciso encontrar suportes que levem a

sociedade a ser determinada, segura e com capacidade de escolhas, sem o

prejuízo de ser manipulada pelo mundo capitalista.

Na implementação da produção e da intervenção didático-pedagógica

confirmou-se que o individualismo está bem enraizado entre os jovens e a

sociedade contemporânea. Em vários momentos foi preciso a intervenção da

professora para que as atividades pudessem acontecer. Foi preciso fazer-se

entender que é exatamente o individualismo que está presente em cada ser

que os impedem de participar da coletividade. Era preciso se desprender dele

para poder participar e obter sucesso, pois se a sociedade desfruta de uma

cultura individualista, como trabalhar com atividades coletivas?

Fica aqui registrado que isso é possível, pois ao final da implementação,

o resultado foi satisfatório com a participação de todas as alunas do curso.

Portanto, por meio da Arte é possível aprender e perceber a realidade do meio

em que vivemos. E também analisar e criar formas para mudar a realidade.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Rosângela de Nieto. O perigo do individualismo na formação do sujeito: o que eu tenho a ver com isso? Construir Notícias. Disponível em: http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=1932. Acesso em: 05 julho 14.

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AUGUSTI, Alexandre Rossato. A cultura do individualismo na sociedade contemporânea e a formação das identidades. Faro. Valparaíso, Chile, n. 2, 2005. Disponível em: http://web.upla.cl/revistafaro/n2/02_rossato.htm. Acesso em: 05/07/14.

BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2007.

BISCONSIN, Adriana. Dança Circular: um mundo sem fronteiras. Curitiba: FERA, 2005.

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