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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
TRABALHO COM GÊNERO TEXTUAL BIOGRAFIA EM AULAS DE LÍNGUA
PORTUGUESA: MOTIVANDO OS ALUNOS
Neiva Pereira Martins1
Tania Regina Montanha Toledo Scoparo2
Resumo: Este artigo apresenta os resultados obtidos do Projeto de Intervenção Pedagógica através da aplicação de Sequência Didática para alunos de 9º ano do Ensino Fundamental na Escola Estadual do Campo Vila Nova, distrito de São Jerônimo da Serra, PR. O tema trabalhado foi “Trabalho com gênero textual biografia em aulas de Língua Portuguesa: motivando os alunos” (PDE-2013/2014). O projeto serviu de suporte para que os alunos se apropriassem da prática social desse gênero, desenvolvessem capacidades de leitura e produção em relação a essa modalidade textual; objetivando reflexões para levá-los a compreender que, apesar das dificuldades vivenciadas, eles poderiam construir a sua biografia e se destacarem na sociedade em que convivem. Partindo da análise de biografias de personalidades famosas no mundo, no Brasil, no Paraná, no município e no distrito puderam perceber que é possível superar os obstáculos sociais que surgem nas suas vidas e que a escola é fundamental para ajudá-los nesse processo. O material aplicado foi a Sequência Didática fundamentada na metodologia das sequências didáticas de gêneros propostas pelos pesquisadores da Universidade de Genebra, filiados ao Interacionismo Sociodiscursivo (ISD). O produto final das atividades foi a produção de biografia de moradores e ex- moradores que se destacaram na comunidade apesar das dificuldades que enfrentaram. Apresenta-se neste artigo, além da fundamentação teórica de base, a descrição da sequência didática do gênero textual biografia elaborada durante o projeto assim como um relato reflexivo do processo de Intervenção Pedagógica.
Palavras – chave: Gênero textual. Biografia. Sequência Didática.
Introdução
Este artigo apresenta os resultados obtidos pela aplicação de uma
Sequência Didática, cuja abordagem pedagógica foi o gênero textual biografia. O
Projeto de Intervenção Pedagógica de Língua foi desenvolvido em uma classe de
9º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual do Campo de Vila Nova,
município de São Jerônimo da Serra, estado do Paraná, uma comunidade de base
econômica rural com predominância da agricultura familiar de subsistência. A
maioria dos alunos dessa escola conclui o ensino fundamental e deixa de estudar,
ou para se dedicar aos trabalhos na lavoura com a família ou para migrar para
centros urbanos maiores.
1 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná
2 Orientadora PDE da Universidade UENP
Esses alunos pouco enxergam possibilidades de progredir socialmente por
meio do prosseguimento dos estudos e o abandono se torna uma prática comum
na maioria dos casos. Grande parte desses estudantes não consegue vislumbrar
avanço social significativo através da sequência de estudos no Ensino Médio e
Superior e acabam se resignando com a vida a que já estão acostumados. Porém,
no distrito há inúmeras pessoas que, a despeito dos mesmos problemas sociais
que permeiam a comunidade, conseguiram se destacar de alguma forma em
alguma área profissional a partir da aquisição da cultura Escolar. São pessoas que
se transformaram em profissionais conceituados na sua área de atuação e
construíram a sua biografia mudando o rumo de suas vidas. Dessa forma, este
projeto de Intervenção Pedagógica vislumbrou a possibilidade de mostrar aos
alunos do 9º ano que eles também poderiam superar os desafios que enfrentavam
e construírem a sua própria biografia, mesmo ainda sendo tão jovens. A
experiência proporcionará a construção da escrita de sua vida.
O trabalho foi desenvolvido através da aplicação de uma Sequência Didática
com atividades concatenadas e elencadas a partir da apropriação do gênero textual
biografia. Foram realizadas 12 oficinas com duração de 32 aulas. O lançamento e o
encerramento das atividades ocorreram em parceria com outros três projetos de
PDE de professoras do mesmo município.
Os resultados certamente são os melhores possíveis, pois se percebeu nos
alunos o entusiasmo de saber que eles podem construir a sua biografia e que a
escola é parceira que pode ajudá-los nessa construção. Quando se trata de
Educação, deve-se lembrar de que os resultados ocorrem em longo prazo e que
esses alunos tiveram o despertamento para prosseguir estudando e, mesmo que
continuem a trabalhar na lavoura, certamente serão melhores no seu trato com a
terra e com as demais pessoas.
Este artigo está estruturado da seguinte forma: inicia-se apresentando a
fundamentação teórica que o embasa. Dolz e Schneuwly (2011) fundamentam o
trabalho com os gêneros textuais na escola e com o modelo pedagógico da
Sequência Didática. No tocante à teoria da linguagem, buscou-se em Bakhtin
(1992) a apropriação para o trabalho com o discurso em seu meio de circulação.
Quanto aos dados sobre o local em que o estabelecimento está inserido, foram
obtidos de informações constantes do Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social –IPARDES- (2012). Os documentos oficiais que dão suporte
ao trabalho são as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná de Língua
Portuguesa (2008) e as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná de Educação
do Campo (2006).
Em seguida, é apresentado o modelo didático do gênero textual adotado,
explicitando-se as suas particularidades e a sua didatização para as atividades
desenvolvidas. Na sequência, é descrita a Sequência Didática em seus aspectos
teóricos, metodológicos, estruturais e formais. A Sequência Didática será
apresentada como um modelo de trabalho pedagógico com “atividades escolares
organizadas de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”
(Dolz e Schneuwly, 2011, p. 82). Portanto, a escolha desse modelo de material
pedagógico atende à expectativa de superação da rotina de sala de aula ao propor
atividades de produção e reflexão sobre o gênero textual que está sendo estudado.
Certamente que nenhum modelo pedagógico exaure todas as formas de dúvidas
que surgem no fazer pedagógico, porém, a Sequência Didática propicia o
engajamento do aluno com o gênero que está sendo trabalhado por serem
apresentadas atividades sequenciais diversificadas e embasadas na motivação dos
alunos através da reflexão sobre a prática discursiva no contexto social.
A seguir é apresentado o relato da experiência da aplicação da Sequência
Didática com os alunos do 9º ano da Escola Estadual de Vila Nova. Inicialmente
será feita uma apresentação geral das experiências, evidenciando seu resultado:
durante a execução do trabalho, as aulas se transformaram numa espécie de
laboratório de produção textual com os alunos motivados para realizar as
atividades. Também são relatados os avanços obtidos em algumas oficinas
específicas, nas quais se percebeu o engajamento dos alunos e o deslumbre deles
em aprender, que podem construir a sua própria biografia e que a escola pode
ajudá-los nesse processo.
Finalmente serão apresentadas as considerações finais da realização de
todo o trabalho: desde a escolha do tema, passando pela elaboração do Projeto de
Intervenção Pedagógica, a definição do modelo didático a ser seguido, a
construção da Sequência Didática e a sua aplicação, a experiência da coordenação
de um Grupo de Trabalho em Rede (GTR) até a elaboração do presente relato em
forma de artigo científico.
Fundamentação teórica:
As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná de Língua Portuguesa
(DCEs) preconizam que o modelo pedagógico que embasa o trabalho na rede
pública é a Pedagogia Histórico Crítica a qual enxerga “a educação como
mediação da prática social” (PARANÁ, 2008, p. 45). Nesse sentido, Saviani (2007,
p. 420) afirma que “a prática social põe-se como ponto de partida e ponto de
chegada da prática educativa”.
Esse documento inovou ao reafirmar a necessidade de se democratizar o
ensino da Língua Portuguesa adotando como eixo de trabalho o conteúdo
estruturante e os conteúdos específicos. De acordo com as DCEs de Língua
Portuguesa (PARANÁ, 2008, p. 62),
Entende-se por Conteúdo Estruturante, em todas as disciplinas, o conjunto de saberes e conhecimentos de grande dimensão, os quais identificam e organizam uma disciplina escolar. A partir dele, advêm os conteúdos a serem trabalhados no dia a dia da sala de aula.
Portanto, o conteúdo estruturante é aquele em torno do qual todos os
demais conteúdos orbitarão e se embasarão. Ainda de acordo com o documento,
esse conteúdo maior é adotado de acordo com o momento histórico-social que é
vivenciado em determinado período. Assim sendo, neste momento, o conteúdo
estruturante adotado e a ser seguido é o discurso como prática social (PARANÁ,
2008, p. 62/63).
O conceito de discurso, assumido pelas DCEs de Língua Portuguesa, é
entendido como resultado da interação – oral ou escrita – entre sujeitos é, portanto,
de acordo com Bakhtin (1997, p. 181) “a língua em sua integridade concreta e
viva”. Sob essa concepção, deve-se entender que “o discurso é toda a atividade
comunicativa entre interlocutores” (PARANÁ, 2008, p. 63). Assim sendo, os sujeitos
do discurso são
seres situados num tempo histórico, num espaço geográfico; pertencem a uma comunidade, a um grupo e por isso carregam crenças, valores culturais, sociais, enfim a ideologia do grupo, da comunidade de que fazem parte (Brandão, 2005, p. 2)
Dessa forma, é fundamental compreender que o trabalho com a linguagem
supera a tradição gramatical de aulas de análise linguística de morfologia e sintaxe.
A língua deve ser vista como um fenômeno que permeia toda a sociedade que dela
se utiliza e, enquanto fenômeno, a língua está envolvida pelos valores ideológicos,
está ligada aos seus falantes, aos seus atos, às esferas sociais (RODRIGUES,
2005). Entende-se, portanto, que a língua não é um trabalho individual, mas
coletivo. Então as aulas de Língua Portuguesa devem levar em consideração que o
trabalho com a linguagem seja efetivo de prática discursiva que promova no aluno
e no professor a reflexão sobre o estar no mundo, vivenciando um determinado
contexto histórico cheio de contradições políticas e sociais. Assim sendo, o trabalho
de Língua Portuguesa deverá valorizar a língua em seus aspectos de leitura,
escrita, oralidade e análise linguística em todos os seus amplos aspectos
(morfossintático, estilístico, ortográfico, semântico, entre outros).
Modelo didático: gênero textual biografia
Inicialmente, é necessário fazer a conceituação sobre o modelo didático que
foi utilizado na aplicação do Projeto de Intervenção Pedagógica e da Sequência
Didática com os alunos. Para esta ocasião, o modelo escolhido foi o trabalho com o
gênero textual biografia. De acordo com Bakhtin (1992, p. 279), o gênero
[...] reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma das esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, para seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais, mas também, e, sobretudo, por sua construção composicional. Esses três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente, é claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso.
Mediante esse conceito bakhtiniano de gênero textual, pode-se afirmar que
o trabalho com gêneros textuais é fundamental no processo de construção da
cidadania do indivíduo. Os gêneros textuais são responsáveis por inserir o
indivíduo na sociedade em que ele convive, situando-o como responsável por
sua inserção dialógica no mundo contemporâneo. A estabilidade dos gêneros leva
a pessoa, em seu ato comunicativo, a compreender e ser compreendida por
seus interlocutores na construção do discurso.
Para Bakhtin (1992), os gêneros se constituem em gêneros primários e
gêneros secundários. Entende-se por gênero primário aqueles que ocorrem na
esfera da vida cotidiana e o gênero secundário aqueles de elaboração mais
complexa. Assim sendo, tanto o Projeto de Intervenção Pedagógica quanto a
Sequência Didática tiveram como objeto de trabalho um gênero textual secundário,
no caso o gênero textual biografia. De acordo com Brait (2000, p. 20) “não se pode
falar em gêneros sem pensar na esfera de atividades em que eles se constituem e
atuam, aí implicadas as condições de produção, de circulação e de recepção”.
Portanto, a produção do gênero textual representa o poder do discurso no meio
social. O indivíduo está continuamente exposto ao dialogismo discursivo da
expressão verbalizada – a fala –, e a luta de pensamento com outros traz reflexos
sobre a formação pessoal do caráter do indivíduo.
Segundo Dolz e Schneuwly (2004, p.48), “a compreensão e produção dos
textos demanda a aprendizagem da capacidade de linguagem”, o domínio dos
gêneros textuais leva o indivíduo a uma prática discursiva eficaz em seu meio
social. Cada gênero textual é identificado por uma marca linguística que o
caracteriza a partir dos propósitos para os quais ele é produzido. Assim sendo, o
gênero textual biografia se identifica com a forma de uma descrição acentuada
sobre a vida de uma determinada pessoa. A linguagem desse gênero demanda
palavras que situem o indivíduo biografado no tempo e no espaço.
De acordo com Marcuschi (2002, p. 19), “fruto de trabalho coletivo, os
gêneros textuais contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas
do dia-a-dia”. Esta afirmação demonstra a necessidade de se realçar o trabalho
com essa forma de ensino, por meio de práticas efetivas que levem a contribuir
para a apropriação das condições de construção de cada gênero.
Para Alves e Silva (2010, p. 22) a definição dos parâmetros que guiam a
situação de interação é determinante para que se faça a escolha do gênero textual
a ser utilizado. Nesse sentido, o trabalho com gêneros textuais pode ser um
instrumento de trabalho ou um megainstrumento. Enquanto atividade
pedagógica em sala de aula para a práxis do professor, o gênero textual age
como instrumento, pois leva o aluno a produzir algo (no caso, algum texto).
Enquanto atividade macro da instituição de ensino, disposta e organizada na
Proposta Pedagógica Curricular (PPC), age como megainstrumento para a
atividade de todo o corpo escolar, pois organiza a práxis pedagógica em sala de
aula. Schneuwly e Dolz (2011, p. 21) afirmam que “duas considerações
psicológicas devem ser lembradas (...) para a explicação da tese” de que o
gênero textual como instrumento pode ser fator de desenvolvimento das
capacidades intelectuais. A primeira consideração é a de que
[...] os instrumentos encontram-se entre o indivíduo que age e o objeto sobre o qual ou a situação na qual ele age: eles determinam seu comportamento, guiam-no, afinam e diferenciam sua percepção da situação na qual ele é levado a agir. (SCHNEUWLY; DOLZ, 2011, p. 21).
Para os autores, a segunda consideração a ser feita sobre o trabalho com
gêneros textuais é que “eles atuam como mediadores entre o indivíduo e o
artefato material” (DOLZ & SCHNEUWLY, 2011, p. 21-22). Para embasar essa
tese, os autores afirmam que
[...] há o material simbólico, isto é, o produto material existente fora do
sujeito, materializando sua própria forma, as operações que tornam
possíveis os fins aos quais o instrumento é designado; por outro lado – o
do sujeito -, há os esquemas de utilização do objeto que articulam suas
possibilidades às situações de ação. O instrumento, para se tornar
mediador precisa se tornar apropriado pelo sujeito; ele não é eficaz
senão à medida que se constroem, por parte do sujeito, os
esquemas de sua utilização.
Assim sendo, para que haja resultados práticos, é de suma importância que
o aluno construa o conhecimento e compreenda o que é o gênero que está sendo
trabalhado, quais os objetivos, qual o contexto de produção, o estilo e outros.
Seguindo essa perspectiva teórica de Bakhtin, Dolz & Schneuwly (2004, p. 52)
consideram que todo gênero se define por três dimensões essenciais: 1) Os
conteúdos que são (que se tornam) dizíveis através dele; 2) A estrutura
(comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero; 3) As configurações
específicas das unidades de linguagem, que são, sobretudo, traços da posição
enunciativa do enunciador, e os conjuntos particulares de sequências textuais e de
tipos discursivos que formam sua estrutura.
Assim sendo, sob essa abordagem, o gênero deve ser entendido “como um
verdadeiro megainstrumento mediador entre o sujeito e a situação” (LOUSADA,
2009, p. 174). Portanto, o gênero textual, enquanto megainstrumento, contribui
para o desenvolvimento dos três tipos de capacidades de linguagem: as de ação,
as discursivas, as linguístico – discursivas. Ao adotar-se o trabalho com gênero
textual biografia para alunos de 9º ano do Ensino Fundamental, priorizou-se o
modelo pedagógico de Sequência Didática, entendo este recurso como um método
para leitura e produção escrita.
A Sequência Didática como material de apoio
Para a aplicação prática deste trabalho com os alunos, utilizou-se como
metodologia de ensino a sequência didática. Dolz e Schneuwly (2011, p. 82)
entendem como sequência didática “um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou
escrito”. Para os autores, cada gênero apresenta a sua sequência didática própria,
porém é possível reconhecer entre os diferentes gêneros elos que os sequenciam.
A análise desses pontos em comum proporcionou aos autores a criação da
proposta de uma sequência didática de ordem geral e ampla. Os autores
reconhecem, contudo, que a sua proposta não “pretende, de forma alguma, cobrir
a totalidade do ensino de produção oral e escrita, ela fundamenta-se no postulado
de que é possível ensinar a escrever textos e a exprimir-se oralmente em
situações públicas escolares e extraescolares” (DOLZ & SCHNEUWLY, 2011, p.
82).
Assim sendo, pode-se entender que a didatização de um gênero não
deve ser entendida como sinônimo de modelo ou uma forma a ser copiada,
mas realmente em um processo a ser construído entre aluno e professor. A
sequência didática proposta por Schneuwly e Dolz (2011, p. 83) contempla as
seguintes etapas, como demonstra o gráfico apresentado a seguir:
Fonte: Dolz e Schneuwly (2011, p. 83)
Fica evidenciado pela proposta dos autores que o trabalho deve partir de
um determinado problema de ordem prática na realidade da escola. Esse problema
deve ser apresentado aos alunos como situação a ser enfrentada através de um
trabalho didático. Nessa etapa de aproximação dos sujeitos envolvidos no trabalho,
deve-se explicitar exatamente o que se deseja ao longo da atividade. No caso da
aplicação deste Projeto de Intervenção Pedagógica, o problema a ser enfrentado
foi a necessidade de se despertar os alunos para o prosseguimento dos estudos ao
final do 9º ano do Ensino Fundamental, pois a maioria deles deixa de estudar
quando concluem essa etapa.
Passada essa etapa, deve-se iniciar a produção do gênero que está
predisposto a ser trabalhado. Nessa etapa, seleciona-se o material que será
utilizado no trabalho, atribuem-se tarefas aos alunos, apresenta-se aos alunos o
gênero e suas particularidades específicas e faz-se a primeira produção. Sobre
essa primeira produção, deve-se realizar uma avaliação formativa das atividades
desenvolvidas. Todavia, nessa avaliação, não é o momento de atribuir juízos
de valor ao produto elaborado pelos alunos. É o momento de entender o quanto
os alunos já assimilaram do trabalho realizado. O professor, por sua vez, deve
redirecionar o projeto se for necessário.
Em seguida, passa-se ao trabalho com a etapa que Schneuwly e Dolz
(2011, p. 87) chamam de Módulo 1. Nessa etapa do trabalho, “trata-se de trabalhar
os problemas que apareceram na primeira produção e de dar aos alunos os
instrumentos necessários para superá-los”. Esse é o momento de analisar o texto
para se abordar separadamente os seus diversos elementos. Após essa
atividade, passa-se à parte da sequência pedagógica Módulo 2: o texto deve ser
enriquecido com outros elementos de pesquisa produzida pelos alunos. Após esse
enriquecimento, reelabora-se o texto, que é o Módulo N, em que o texto deve ser
revisto e reelaborado. Finalmente, faz-se a produção final, que deve levar em conta
a compreensão que o aluno construiu sobre o problema prático que desencadeou o
trabalho. Essa percepção do problema certamente desencadeará no aluno alguma
transformação em si mesmo e no que tange à sua realidade.
Quanto ao que Dolz e Schneuwly (2011) caracterizam como Módulo N, os
autores afirmam que o professor pode aplicar tantos módulos quanto achar
necessário. Portanto, a quantidade de aulas, de oficinas ou de encontros há de
variar de acordo com o gênero textual a ser trabalhado, com o nível de
desenvolvimento da turma e com os objetivos que o professor pretende atingir com
o seu trabalho.
Ademais, percebe-se que esse modelo de sequência didática proposta por
Dolz e Schneuwly prioriza o trabalho coletivo na produção do gênero textual. Essa
sequência permite que os alunos atuem em conjunto, tanto na elaboração da
pesquisa, quanto no levantamento de materiais e na ação de construção do texto
final. Cumpre salientar que se entende como texto final não o fim da pesquisa
sobre o problema desencadeador da atividade, mas como atividade pedagógica
planejada para determinada sala de aula.
Partindo-se dos pressupostos sociais e pedagógicos que motivaram a
criação deste projeto de pesquisa, percebeu-se que o trabalho com o gênero
textual biografia deu a sua contribuição para a melhoria da autoestima dos alunos
envolvidos neste projeto. Porém, o tema não se esgotará, cabendo novas e
diferentes abordagens acadêmicas com esses estudantes.
Como já mencionado, a Sequência Didática é um conjunto de atividades
escolares articuladas entre si, a partir de um gênero textual (Dolz e Schneuwly,
2011, p. 83). Ela parte de uma situação concreta de comunicação, em uma
determinada esfera social e conclui com a prática discursiva dos alunos sobre um
determinado tema motivador. Por exemplo, a sequência aplicada na escola de
Campo por meio do projeto de Intervenção Pedagógica partiu de fatos concretos da
vida das pessoas da comunidade do entorno da escola e se concretizou com a
realização prática da produção de um texto do gênero biografia.
A Sequência Didática apresenta uma produção inicial que pode ser de
leitura, oralidade ou escrita. A partir dessa produção, os alunos realizam uma
primeira tentativa de produção textual do gênero biografia a partir de uma
necessidade concreta de comunicação. É um momento de extrema importância
para o professor, pois todo o seu trabalho será embasado a partir da organização
da Sequência Didática que será respaldada através da análise dessas produções
iniciais. Deve-se ressaltar que essa produção é fruto de discussões e
encaminhamentos didáticos e metodológicos gerados pela necessidade de
utilização do gênero proposto numa situação real de comunicação. A Sequência
Didática é concluída com uma produção final, no caso desta Sequência Didática,
os alunos produziram a biografia de uma pessoa que se destacou na comunidade e
em seguida produziram a sua própria biografia.
De acordo com Carino (1999, p. 154)
o ato de biografar é descrever a trajetória única de um ser único, original e irrepetível; é traçar-lhe a identidade refletida em atos e palavras; é cunhar-lhe a vida pelo testemunho e outrem; é interpretá-lo, reconstruí-lo, quase revivê-lo.
Dessa forma, dentro da escola, o trabalho com biografias cria a possibilidade
de reflexão sobre o outro: suas alegrias, suas frustrações, suas esperanças, seus
êxitos e seus fracassos. Enfim, tipifica o outro a partir de seu próprio ser sem que
seja exemplo bom ou ruim, pois as pessoas são feitas de vitórias e derrotas,
virtudes e defeitos e o trabalho biográfico permite que as pessoas sejam
compreendidas não como super-heróis, mas como pessoas comuns do dia a dia
que interagem com o seu meio social em um determinado tempo histórico. Por
outro lado, o trabalho biográfico permite que, a partir de uma história de vida,
permite que o aprendizado de outros conteúdos aconteça.
Finalmente, o gênero textual biografia permite o fomento da leitura do aluno
numa atividade de reflexão que realça a individualidade da pessoa e suas
diferenças com o outro. Para a execução deste Projeto de Intervenção Pedagógica,
adotou-se a sistematização a partir do trabalho com o gênero textual dentro de uma
proposta de Sequência Didática, pois este modelo propicia um trabalho eficaz com
a língua por meio da interação comunicativa, como também qualifica e capacita os
alunos ao longo das séries escolares.
Relato reflexivo da experiência didática: Gênero textual biografia - descrição
dos resultados
Para a implementação deste projeto de intervenção pedagógica na escola foi
elaborada um Sequência Didática (SD) com atividades concatenadas e
coordenadas sobre o gênero textual biografia. Essa SD contou com 12 oficinas em
um total de 32 aulas. Todo o material foi desenvolvido paralelamente com os
demais conteúdos da série durante o primeiro bimestre de 2014.
A Sequência Didática foi realizada em sua integralidade de acordo com o
planejado. Os objetivos das atividades propostas foram atingidos em sua
totalidade: despertar os alunos para a importância de construir a sua biografia e
prosseguir estudando. Os alunos da Escola Estadual Vila Nova, em sua maioria,
são oriundos da zona rural do Distrito de Vila Nova e ao concluir o Ensino
Fundamental deixam de estudar. Percebe-se que a maioria deles não consegue
contemplar possibilidades de mudança social em suas vidas e permanecem
residindo e trabalhando na agricultura familiar. Porém, analisando o contexto social
do Distrito, há inúmeras pessoas que se destacaram na sociedade de Vila Nova e
de alguma forma são destaques em suas profissões. Portanto, o trabalho com o
gênero textual biografia em aulas de Língua Portuguesa pressupõe proporcionar
nos alunos a reflexão de que eles são capazes de construir a sua biografia e que a
Escola pode ajudá-los nessa construção.
Para conseguir esse intento, foi proposta uma Sequência Didática sobre o
tema biografia enquanto gênero textual. Os trabalhos foram sequenciais no sentido
de promover a atividade de leitura, oralidade, escrita e análise linguística tal qual
preconizado nas Diretrizes Curriculares Estaduais do Estado Paraná. O quadro a
seguir mostra as oficinas e a sua aplicação durante o desenvolvimento da
Sequência Didática:
Nº PERÍODO CARGA
HORÁRIA
AÇÃO
1 Fevereiro/
2014
8 horas aula Socialização do projeto de intervenção
pedagógica na escola com o público – alvo:
Semana Pedagógica e aulas.
2 Março/abril/
maio 2014
32 horas aula Implementação do Projeto “Trabalho com
gênero textual Biografia em aulas de Língua
Portuguesa: motivando os alunos”.
OFICINAS:
1- Preparando a apresentação da situação.
2- Apresentação do projeto de implementação
pedagógica.
3- Ampliando o horizonte social, cultural e
geográfico dos alunos a partir do
reconhecimento do gênero textual biografia.
4- Reconhecendo o gênero textual biografia.
5- Analisando uma biografia.
6- Produção inicial de uma biografia.
7- Socializando e avaliando a produção inicial.
8- Motivando os alunos.
9- Produção final.
10- Revisão e reescrita da produção final.
11- encerramento da Sequência Didática e
exposição das atividades produzidas.
3 Março/
Abril/ maio
2014
5 horas/aula Coleta de dados do Projeto através da
produção de portfólio.
4 Maio/ Junho
2014
8 hora/aula Sistematização dos dados coletados durante a
implementação do projeto de Intervenção
Pedagógica na Escola.
5 Junho 2014 8 horas/aula Encerramento do projeto de Intervenção
pedagógica com exposição dos trabalhos
realizados pelos alunos.
Todas as cinco ações foram realizadas com êxito e os objetivos foram
atingidos de acordo com o planejado. Percebeu-se que aos poucos os alunos
foram tomando consciência de o que é uma biografia e puderam refletir sobre as
possibilidades de eles construírem a sua. O fato de se trabalhar por 32 horas /aula
o mesmo tema e o mesmo gênero textual, havia a preocupação de que o projeto
poderia enjoar os alunos e eles perderem a motivação para o trabalho. Porém, aos
poucos, percebeu-se que o envolvimento dos alunos motivou-os a permanecer
concentrados no trabalho de construção de sua biografia. Também perceberam
que é possível se destacar em uma área de atuação profissional a partir dos
conhecimentos que a escola proporciona.
Na primeira oficina, a sala de aula foi decorada com cartazes de pessoas
famosas no mundo, no país, no estado e no município. Em seguida, também foram
apresentadas fotografias de pessoas da comunidade que eles conheciam. Esse ato
de decorar a sala serviu para desencadear todo o processo de discussão sobre o
gênero textual biografia. Serviu para motivá-los a se interessar pelo gênero, pois é
uma modalidade de texto que permite conhecer muito sobre o contexto histórico,
social, cultural e político do mundo em que o aluno está inserido.
Na sequência, o Projeto foi apresentado aos alunos e explicado a dinâmica
do trabalho. Nessa aproximação, pôde-se perceber que houve interesse por parte
deles porque havia pessoas famosas junto com pessoas comuns do bairro. Isso
permitiu a eles a compreensão de que qualquer pessoa pode ter a sua biografia
construída a partir de seus atos na comunidade em que reside.
A partir desse momento, os alunos foram até a sede do município para
assistir a uma peça de teatro sobre os gêneros textuais. Essa peça foi escrita e
encenada por alunos do Colégio Estadual José Ferreira de Mello – Ensino
Fundamental, Médio e Normal (ex-alunos da Escola Estadual João XXIII), com o
título de “O mundo Fantástico da Imaginação”. Toda a produção da peça ficou ao
encargo desses alunos. Houve a integração de quatro projetos PDE
proporcionando, além dos resultados esperados, a interação entre as Escolas de
Ensino Fundamental e um colégio de Ensino médio. Essa peça representou uma
parceria com estes três Projetos de Intervenção Pedagógica do PDE 2013:
Crônicas esportivas na escola, Gênero textual quadrinhos e contos maravilhosos.
Além do gênero biografia.
Nesse dia, em que os alunos assistiram à peça, também visitaram a
Prefeitura e entrevistaram o prefeito sobre seus fatos biográfico. Fizeram, ainda,
uma visita à Biblioteca Pública Municipal e realizaram um levantamento dos livros
que falam sobre biografias. Além disso, realizaram uma vista ao Museu Histórico
Municipal para pesquisar sobre as pessoas que estão biografadas naquele local e
qual foi a contribuição delas para a sociedade.
Em seguida, foi apresentado aos alunos o gênero textual biografia: sua
estrutura, sua importância, sua representação discursiva, sua relação com a
realidade da pessoa biografa, a honestidade do biógrafo em ser fiel aos fatos, a
necessidade de autorização legal do biografado para a publicação, a necessidade
de constante atualização do texto e outros aspectos. No momento seguinte, foram
apresentadas aos alunos várias biografias para que eles lessem, analisassem e
discutissem sobre a sua estrutura. No prosseguimento das atividades, os alunos
fizeram uma primeira produção textual: escreveram a biografia de uma pessoa da
comunidade. Para isso, foram realizadas visitas a essas pessoas e os alunos os
entrevistaram levando em conta a necessidade de se ater tão somente aos fatos
biográficos dessas pessoas. Foram entrevistadas seis pessoas: um antigo morador
do bairro, um professor de Geografia que mora na sede do município, uma ex-
professora de Matemática aposentada que ainda reside no Distrito, uma professora
de Português que nasceu e reside no bairro, uma Professora formada em Letras
que reside na sede do município. Além disso, foi entrevistado o prefeito da cidade
que é nascido no bairro. Em seguida, os alunos socializaram esses textos com os
demais alunos. Cada aluno pôde ler o texto um do outro.
A próxima oficina tinha como objetivo incentivar os alunos a produzir a sua
própria biografia. Em outros termos: levá-los a refletir sobre a capacidade que eles
têm de direcionar o seu destino e criar fatos relevantes para o seu
engrandecimento pessoal e social. Foi-lhes apresentada uma caixa e explicado que
ela serviria para guardar os textos com as biografias deles. Também foi explicado
que essa caixa seria aberta somente dali a dez anos e que nesse prazo eles
poderiam ampliar os seus fatos biográficos para atualizar o texto. Assim sendo, os
alunos produziram o seu texto que foi comentado. Foram sugeridas algumas
alterações estruturais e linguísticas necessárias. O texto foi, então, reestruturado,
revisto e reescrito pelos alunos e, em uma cerimônia na sala de aula, os textos
foram arquivados na caixa, que foi em seguida lacrada e armazenada na secretaria
da Escola.
O encerramento da implementação da SD aconteceu com uma exposição
das produções dos alunos e apresentação de uma peça teatral encenada pelos
mesmos alunos envolvidos nos projetos Biografia, Contos de fadas, HQ e Crônicas
esportivas. Também houve apresentação de dança rítmica com o tema: Copa do
Mundo 2014, com a participação de quarenta e duas alunas dessas turmas. O
evento final contou com todos os alunos das duas escolas, sendo assistido pela
comunidade escolar e autoridades do município. Foi uma apresentação de rara
beleza plástica que demonstrou a dedicação e capacidade dos alunos em
participarem de atividades dramáticas e musicais diferenciadas do seu cotidiano
em sala de aula. A presença da comunidade escolar de autoridades ressaltou a
importância do PDE para a educação no município.
Diante de todo o exposto e retomando os questionamentos apresentados no
início deste artigo, pode-se afirmar através das aulas de Língua Portuguesa que
houve a contribuição para a melhora da competência comunicativa dos alunos,
levando-os a desenvolver capacidades discursivas para a produção de texto e de
leitura.
Pôde-se perceber que os alunos interagiram com os moradores que foram
entrevistados durante a execução do projeto e da aplicação da Sequência Didática
e puderam compreender que o local em que residem pode lhes oferecer
possibilidades de avançar socialmente através da Escola. Mesmo que continuem
morando no Distrito e vivendo da lavoura, é possível ser um agricultor melhor.
Afinal, os tempos mudam, a dinâmica da vida e da economia também se
transformam e novas formas de trabalho surgem. E para fazer frente a essa nova
ordem o conhecimento e a consciência sobre o estar no mundo são fundamentais.
Nesse sentido, este Projeto parece ter atingido o seu objetivo principal, que era
conscientizar os alunos sobre a possibilidade de eles construírem a sua biografia
real através das aulas de língua portuguesa.
Mesmo vivendo em uma era de contradições e de extremos (HOBSBAWN,
1995), é possível superar as dificuldades impostas pelo capitalismo aos mais
pobres. Em primeiro lugar, é necessário tomar consciência da opressão para em
seguida suplantá-la. Nesse sentido, o trabalho com o gênero textual biografia
permitiu aos alunos se conscientizarem de que de fato o lugar em que residem é
pobre e com parcos recursos. Porém, cabe a eles a luta de superação sobre esses
problemas que historicamente permeiam a sociedade do distrito em que residem.
Essa reflexão sempre foi promovida durante a aplicação das oficinas e permitiu aos
alunos a possibilidade de se engajarem para o prosseguimento dos seus estudos.
Esse engajamento ocorreu através da aplicação de uma oficina em que eles
concluíram o texto de sua autobiografia e esses textos foram colocados em uma
caixa. A caixa foi lacrada e arquivada na Secretaria da Escola para ser aberta
somente daqui a dez anos. Alguns alunos chegaram a se emocionar no momento
em que a caixa estava sendo lacrada, pois perceberam que ali estava a narrativa
da sua história de vida. A emoção ficou por conta da consciência e da reflexão de
que são extremamente jovens e que serão capazes de construir a sua verdadeira
biografia: com atos e com fatos reais do mundo real. Percebeu-se que eles
compreenderam que a vida é feita de vitórias e de fracassos; de ganhos e de
perdas; de progresso e de retrocesso.
No momento em que a caixa com os seus textos estava sendo lacrada,
surgiu entre eles a proposta de se encontrarem na escola daqui a dez anos para
abri-la e avaliarem os atos que ocorreram em suas vidas. Todos foram unânimes
em afirmar que não desejam parar de estudar e querem prosseguir até a faculdade.
Esses depoimentos foram tocantes, pois como professora da turma, pude perceber
que os conteúdos que ensinamos nada representam se não trouxerem emoção a
quem os aprende. A caixa está lá, tal qual o mundo que espera aqueles jovens.
Jovens com toda vida pela frente e que através de uma Sequência Didática sobre o
gênero textual biografia passaram a ter novos sonhos. Não que não já os tivessem,
porém puderam compreender que é possível materializá-los em realidade, mesmo
a despeito das contradições que permeiam este mundo extremamente desigual.
Durante o primeiro semestre houve a coordenação de um Grupo de
Trabalho em Rede (GTR). Esse curso online contou com a participação de dezoito
professores e foi dividido em três módulos. No primeiro módulo, os cursistas
debateram o Projeto de Intervenção Pedagógica. O segundo módulo foi o momento
de apreciar material pedagógico, no caso a Sequência Didática sobre o gênero
textual biografia. E no terceiro módulo, houve as impressões gerais dos cursistas
sobre a aplicabilidade do material didático. Durante as discussões todos os
participantes foram unânimes em afirmar que tanto a proposta quanto o material
didático eram perfeitamente aplicáveis em sua realidade. Alguns cursistas
chegaram a afirmar que pretendiam aplicar integralmente a Sequência Didática em
alguma de suas turmas. Outros se identificaram com a proposta e disseram que a
motivação gerada pelo gênero textual biografia é fundamental para criar nos alunos
a consciência sobre a necessidade de prosseguir estudando. Apenas uma cursista,
por motivos alheios à coordenação, não completou o curso do GTR.
Considerações finais
Atuando como professora na Escola Estadual do Campo Vila Nova – Ensino
Fundamental há 18 anos, tenho percebido que as contradições sociais que
permeiam o distrito de vila Nova, município de São Jerônimo da Serra, são
imensas. A maioria dos alunos não prossegue estudando após concluir o Ensino
Fundamental. A Escola do distrito não oferta o Ensino Médio e quem deseja
continuar estudando precisa se deslocar para o distrito mais próximo, São João do
Pinhal, distante 10 km. Para esse deslocamento há transporte para os alunos.
Porém, o que tenho percebido é que há um desestímulo por parte dos alunos e a
maioria deixa de estudar e passa a trabalhar com a família na agricultura. Essa
interrupção de estudos é nociva para os alunos e para a própria sociedade, pois o
domínio da cultura escolar é fundamental para enfrentar as contradições desta
época.
Assim sendo, elaborei este Projeto de Intervenção Pedagógica e esta
Sequência Didática com o gênero textual biografia. Tinha como objetivo despertar
os alunos para que eles construírem a sua biografia. Para realizar esse intento,
estudei com os alunos a estrutura desse gênero com biografias de pessoas
famosas do mundo, do Brasil, do estado, do município e do distrito. O enfoque
principal foi na biografia das pessoas do distrito, pois foram os alunos que
pesquisaram sobre a vida dessas pessoas, fizeram as entrevistas, editaram e
redigiram o texto. Finalmente, escreveram a sua própria biografia.
Os debates sobre as contradições sociais e sobre a necessidade de se
construir a sua própria biografia continuaram durante o ano letivo e, ao que tudo
indica, os alunos tomaram consciência da importância da educação em suas vidas:
a maioria afirma que estarão matriculados no Ensino Médio no próximo ano.
Portanto, parece que este trabalho surtiu o efeito desejado: resgatar a vontade de
continuar estudando. As pretensões deste trabalho eram as mais humildes
possíveis, pois não se pretendeu inédito e nem mesmo revolucionário. Pretendia
mostrar aos alunos as possibilidades de construir a sua biografia a partir do estudo
desse gênero textual e que nessa construção a escola poderia ajudá-los
imensamente. Este trabalho conseguiu mostrar aos alunos as condições de
contradição a que são submetidos, porém, também mostrou que é possível superá-
las através da cultura escolar.
Certamente que o trabalho pedagógico é importantíssimo na vida de um
professor e o resultado dele é colhido em longo prazo. No caso desta Sequência
Didática, posso afirmar que já é possível começar a vislumbrar uma colheita em
curto prazo, pois só o fato de os alunos envolvidos afirmarem que desejam
continuar estudando, é uma vitória: para os alunos, para sociedade, para o Distrito,
para as famílias e para a professora. Ainda há muito a se fazer pela Educação e a
consciência é um caminho sem volta. Sei que a educação sozinha não mudará o
mundo, porém também sei que sem ela o mundo também não mudará,
corroborando o que diz Paulo Freire.
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