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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
1 Professor de História da Rede Estadual de Ensino do Paraná, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/2013. Especialista em Historia Social na Historiografia Contemporânea. E-mail: [email protected]. 2 Professor Orientador da UFPR - Pós-Doutor em Economia pela Université de Picardie Jules Verne, Amiens, França (2008). Doutor em História Econômica pela Université de Paris III (Sorbonne Nouvelle, 1997). E-mail: [email protected].
O TEATRO COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO DA HISTÓRIA E
CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO ENSINO MÉDIO
Roberlei Batista de Souza1
Armando João Dalla Costa2
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar estudo e resultados sobre o trabalho com a
temática Cultura Afro-Brasileira e o racismo, tendo o teatro como estratégia no Ensino de História. O
desenvolvimento da proposta se deu a partir de estratégias que constroem um conjunto de conteúdos
para a elaboração de um roteiro teatral. A utilização de textos, música e cinema foram elementos
presentes na composição do estudo sobre o tema trabalhado para culminar numa peça de teatro.
A metodologia de trabalhar com teatro no estudo sobre as questões da História da África e Cultura
Afro-Brasileira foram discutidas no Grupo de Trabalho em Rede com professores de História. A
aplicação da proposta se deu com estudantes do segundo ano do Ensino Médio do Colégio Estadual
Presidente Lamenha Lins em Curitiba, momento em que a temática foi posta em discussão com o
público alvo, utilizando-se das várias estratégias, sobretudo o teatro.
Palavras-chave: Ensino de História. Teatro. Afro-brasileiro. Racismo.
INTRODUÇÃO
Na perspectiva de avançar na prática com aquilo que já tem suas garantias na
legislação, quanto ao trabalho com a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos
currículos das instituições de ensino do Brasil, o teatro pode ser uma significativa
estratégia para visibilizar e envolver todo o ambiente escolar e comunidade nas
relações étnico-raciais.
Além de toda a sociedade é principalmente nossa, a tarefa de encarar o
desafio de uma prática pedagógica que venha ao encontro das perspectivas e
avanços teóricos já alcançados, uma vez que, não é tarefa apenas do negro ou da
negra e movimentos negros específicos, lutar pela superação do racismo e da
discriminação racial. Todo educador, tem a tarefa de refletir sobre essas questões
visando contribuir para tal superação, independentemente do seu posicionamento na
sociedade quanto a sua religião, pensamento político e seu pertencimento étnico-
racial. (BRASIL, 2004).
Nesse sentido, utilizamos o teatro como estratégia pedagógica para dinamizar
a reflexão e o debate sobre a temática proposta, pelo caráter provocativo e criativo
no seu processo de elaboração e apresentação.
O teatro tem o poder de provocar e despertar o monstro adormecido no interior de quem pratica e de quem assiste, de abrir horizontes reflexivos, de dar alegria e tristeza, de desinibir o tímido, de dinamizar o apático. O teatro é forte porque explica o mundo que está em nossa volta através do divertimento, da análise e da crítica. (CARTAXO, 2001, p.64).
Dessa forma, o teatro não só pode trabalhar os conteúdos específicos, como
também o desenvolvimento pessoal, enquanto expressão do indivíduo seja ele
tímido ou desinibido. Trata-se de uma importante estratégia para discussão sobre
diversidade, que no nosso caso centrou-se nas questões étnico-raciais, mais
especificamente sobre o negro no Brasil.
O enfrentamento ao racismo é uma tarefa de toda a sociedade e de forma
muito significativa, para nós professores e toda a comunidade escolar. A escola é um
espaço onde está presente uma grande diversidade, inclusive a étnico-racial. A
complexidade dessas relações faz emergir o constante conflito, onde devemos atuar
de forma dialética na sua compreensão e mediação, diante de nossas funções
enquanto sujeitos históricos.
Nessa perspectiva, o trabalho de implementação na Escola como continuação
do projeto PDE 2013, se desenvolveu como uma prática que parte dos referencias
teóricos estudados, o diálogo com os professores de História com o Grupo de
Trabalho em Rede (GTR) e a relação com o público-alvo, que no caso são
estudantes do segundo ano do Ensino Médio.
1. RACISMO NO BRASIL
Refletir e buscar meios de valorização da cultura Afrodescendentes no Brasil
em todos os seus âmbitos é uma forma permanente e necessária de resistência que
vem desde o período escravocrata e suas decorrências até nossos dias. Mesmo
passando mais de um século ainda não conseguimos eliminar as ideias racistas e
excludentes que perpassam em nossa sociedade fundada em critérios étnicos da
cor.
Nesse ponto, se faz necessário uma conceituação do racismo e como se
apresenta a sua forma no Brasil, muito bem exposta no livro Racismo à Brasileira:
Raízes Históricas de Martiniano José da Silva “(...) o vocábulo racismo está
dicionarizado e conceituado, exprimindo variadas conotações, mas mostrando
sempre a inegável existência de um grupo racial superior segregando e dominando
um outro segmento social, considerado inferior.” (SILVA, 2009, p.55)
E mais adiante:
De tão estranho, o racismo brasileiro assume características embaraçosas de ambiguidade, debilidade, dubiedade e até de incerteza, sem deixar, porém, de ser concreto, justamente por ser subjacente, subliminar e incrivelmente coonestável, fato revelador de que se processa dentro de certa dúvida moral, pois nasce de uma formação histórico-religiosa também dúbia e paradoxal, deixando, por isso, a impressão de não ter convicções profundas (...) (SILVA, 2009, p. 61)
Essas características apresentadas sobre o racismo brasileiro nos colocam
numa situação de desafio na sua compreensão, no seu estudo e no seu
enfrentamento, pois ainda que seja velado, subliminar não deixa de ser concreto e
com as consequências violentas em um amplo sentido do termo.
Com isso, entendemos que a tarefa do combate às discriminações raciais é
uma questão que está na sociedade, e inclusive em setores organizados. Passa
também, e de maneira muito significativa na escola, uma vez que: “A sala de aula
não é apenas o espaço onde se transmitem informações, mas o espaço onde se
estabelece uma relação em que interlocutores constroem significações e sentidos”.
(SCHMIDT, 2004, p. 31).
Sendo a sala de aula um espaço rico na sua diversidade, e da mesma forma
lugar de conflitos, dada toda a complexidade por várias razões e, sobretudo pela
faixa etária geralmente trabalhada (período muito significativo na formação pessoal
como um todo), constitui-se em um terreno fundamental para uma ação constante,
buscando todas as estratégias possíveis para a humanização na relação com o
outro.
É necessária a promoção do respeito mútuo, o respeito ao outro, o reconhecimento das diferenças, a possibilidade de se falar sobre as diferenças sem medo, receio ou preconceito. Nesse ponto, deparamo-nos com a obrigação do Ministério da Educação de implementar medidas que visem o combate ao racismo e à estruturação de projeto pedagógico que valorize o pertencimento racial dos(as) negros(as)”. BRASIL/MEC/SECAD, 2006, p. 21.
A História é dinâmica, pois as mudanças na sociedade são constantes,
portanto, nós professores devemos sempre nos preocupar com o modo que
ensinamos a disciplina de História e como utilizamos as diferentes linguagens que
estão ao nosso alcance. Nesse sentido, falar das diferenças sem medo significa
estabelecer com o estudante um diálogo sério, aberto e fundamentado na busca do
reconhecimento e valorização do outro respeitando sua identidade.
1.1 INVESTIGAÇÃO DA PERCEPÇÃO DO ESTUDANTE
A implementação do projeto na escola se iniciou com uma investigação a
respeito do conhecimento e posicionamento da turma (público alvo) sobre o tema
proposto. Foi aplicado um questionário diagnóstico, com algumas questões
pertinentes a fim de, obtermos um pequeno panorama com as respostas obtidas e
desenvolver os estudos e atividades do projeto. Abaixo, serão demonstrados os
resultados encontrados:
Questionário diagnóstico - 2ª série do Ensino Médio Dados do público-alvo:
Total: 25 alunos
Faixa etária: 15 a 18 anos
Gênero: masculino = 12 / Feminino= 13
1- Como se declara em relação à raça/etnia?
Gráfico 1: Questão 1 Fonte: dados do autor
2- Você já presenciou algum ato de racismo nos meios em que já frequentou ou
conviveu?
Gráfico2: Questão 2 Fonte: dados do autor
3- Nos estabelecimentos de ensino que você estudou ou estuda, alguma vez sentiu
ou percebeu discriminação pela cor da pele, por parte de qualquer pessoa desse
ambiente?
Gráfico3: Questão 3
Fonte: dados do autor
4- Você considera que a escola é um local importante para se discutir sobre as
diferenças entre as pessoas e de modo especial o combate ao racismo?
Gráfico4: Questão 4 Fonte: dados do autor
5- Você sabe o que é o sistema de cotas para negros no ingresso à Universidade e
concursos públicos?
Gráfico5: Questão 5 Fonte: dados do autor
6- Quanto ao sistema de cotas para negros no ingresso à Universidade e concursos
públicos, você considera isso importante, sendo favorável a esse procedimento?
Gráfico6: Questão 6 Fonte: dados do autor
7- Na sociedade brasileira de um modo geral você considera que as oportunidades
são iguais para brancos e negros ( ex; no trabalho, estudo, moradia, saúde e outros
serviços e riquezas)?
Gráfico7: Questão 7 Fonte: dados do autor
8- Você considera que o conhecimento contribui para uma sociedade menos racista
e menos preconceituosa?
Gráfico8: Questão 1
Fonte: dados do autor
Ao analisar algumas respostas dadas pelos alunos, já tivemos um conteúdo
para reflexão. Primeiro constatamos que conforme declarados, a grande maioria são
brancos, ficando parcelas bem menores para negros, pardos e asiáticos, não
havendo declaração como indígena. Então se pode pensar porque o trabalho com
essa temática se quase não há negro no estabelecimento. A segunda resposta vem
exatamente nos mostrar que o problema é percebido, mesmo que não seja apenas
no ambiente escolar, quando 76% afirmaram já ter presenciado algum ato de
racismo nos meios de convivência. Em seguida, as declarações nos mostraram que
esse grupo entrevistado percebe o problema mais fora do que dentro do meio
escolar e que, no entanto, 88% consideram a escola como local importante para se
discutir sobre as diferenças entre as pessoas e de modo especial o combate ao
racismo.
Quanto ao sistema de cotas verificamos que a maioria tem conhecimento do
que seja tal política e se posiciona de forma contrária. Esse assunto sempre acaba
surgindo nos debates e atividades posteriores.
Embora a maioria não entenda a questão de cotas para negros como uma
política pertinente ou “correta”, considera que as oportunidades de modo geral na
sociedade não são iguais para brancos e negros. Por fim 92% dos entrevistados
acreditam que o conhecimento contribui para uma sociedade menos racista e menos
preconceituosa. É interessante nesse momento, pensar que tipo de conhecimento é
levado em consideração nessa resposta, mas tão importante também é observarmos
a valorização do conhecimento nesse caso. Vale lembrar que nas questões 7 e 8, foi
pedido para justificar as respostas dadas. Torna-se significativo também analisar
uma resposta negativa quanto a contribuição do conhecimento em que apresentou a
seguinte justificativa: “..esse tema sempre foi muito falado na escola...” Isso pode
nos levar a pensar pelo menos em duas coisas: primeiro – esse aluno considerou o
conhecimento apenas enquanto escola e segundo – não é apenas na escola que se
pode resolver o problema, está além da mesma .
Nesse sentido de entender a escola e especificamente o ensino de História
como um espaço de discussão e reflexão sobre os diversos temas da sociedade, a
pesquisadora Ana Heloísa Molina corrobora com a seguinte reflexão:
As mudanças no ensino de história são estratégicas não só na luta pelo rompimento com práticas homogeneizadoras e acríticas, mas também na criação de novas práticas escolares e inserção de novos conceitos. Por assim dizer, esses novos debates levaram a uma busca pelo respeito à diferença, à diversidade, ao espírito democrático, à tolerância, sem, contudo, perder de vista as referências universais da cultura e aos problemas e à história dos homens. ( MOLINA, 2012,p.107)
Fica muito bem exposta nessa colocação a relação que devemos ter entre as
rupturas, a criação de novas práticas escolares e o aprendizado da cultura universal,
produzida pela humanidade. Trazer um debate de temas muitas vezes ainda
deixados de lado em nossos currículos como a busca pelo respeito ao outro na sua
diversidade e questões específicas, torna-se algo importante.
2. UTILIZANDO-SE DE VÁRIAS ESTRATÉGIAS PARA ESTIMULAR O DEBATE.
No decorrer da implementação, foram trabalhados textos, música e filme a fim
de, aguçar um debate que trouxesse informações e reflexões a respeito da questão
étnico-racial, especificamente sobre o afro-brasileiro. Foram realizados trabalhos em
grupo com a leitura, discussão das atividades nos grupos e posteriormente foram
apresentados painéis com respostas, gráficos, frases ou desenhos. A aceitação da
turma sobre a proposta e a participação foi muito boa. Nas apresentações
procuramos, como professor, fazer uma mediação da melhor maneira possível,
deixando-os bem a vontade para se expressarem a respeito do tema e também
interferir para esclarecer alguns pontos.
No debate tivemos o objetivo, com base nos textos e outras leituras, entender
um pouco mais o que é o racismo brasileiro, suas raízes, suas transformações e o
mais importante ver o negro como identidade positiva e não numa visão apenas de
escravizado. Nesse momento, ressaltamos que as questões étnico-raciais são mais
abrangentes que a questão do negro, entendendo o racismo em uma definição mais
geral. No entanto, foi necessário problematizar o porquê no Brasil, nos atemos mais
ao racismo contra o negro fundamentando-nos na própria História.
Ao trabalhar com uma música para continuidade e fundamentação da
temática, foi preciso uma boa introdução sobre a escolha da composição
apresentada, a fim de justificar o uso de uma produção que não é de momento, mas
considerada significativa no contexto. Explicamos para a turma que não se tratava
apenas de um gosto musical ou opção por um estilo, pois para isso não precisam da
escola, uma vez que podem acessar suas preferências com facilidade nos dias
atuais. Outra questão importante de se destacar, é que uma boa obra se torna a-
temporal, podendo ser ouvida, interpretada e reinterpretada sempre.
No caso da música utilizada “Canto das Três Raças”, começamos a discutir
pelo próprio título, na conceituação da palavra “raça” e “etnia”. A letra possibilita uma
reflexão a respeito do trabalho e da exploração ou escravidão, relacionando o
indígena, o negro e o branco ao falar da dor sentida por todos e o mais interessante
é o grito contra a opressão. Esse grito revela a não aceitação natural da submissão
escrava ou semiescrava por qualquer etnia. Com as justificativas sobre a atividade, a
turma aceitou bem, não subestimando ou desprezando a música apresentada,
inclusive foi pedido que sugerissem outras letras que conhecem sobre o tema em
questão. Já de momento vários estudantes mencionaram canções que conhecem e
consideram pertinente nesse trabalho. E ainda foram encaminhadas outras
atividades em forma de pesquisa para enriquecer o conteúdo discutido.
Da mesma forma, o filme “Um Grito de Liberdade” foi apresentado de maneira
parcial com um recorte, pela dificuldade com o tempo de duração da obra completa.
Sua exibição seguida de análise e contextualização com o conteúdo foi oportuno nos
trabalhos em grupos e discussão com toda a turma. Com isso, foi possível trabalhar
as dimensões do visual, do texto, da linguagem, do emotivo e, sobretudo da
interpretação da realidade, uma vez que se trata de uma obra produzida por alguém
com suas abordagens e não um simples retrato do real. No teatro há uma
compreensão que podemos utilizar todas as atividades das várias estratégias já
mencionadas, para a sua composição. O texto, a música e o filme são elementos de
fundamental importância na apropriação e adaptação para uma linguagem teatral.
As estratégias e materiais utilizados nos trabalhos com os estudantes do
segundo ano do Ensino Médio, que tratam sobre as questões étnico-raciais, na
temática da cultura afrodescendente e do negro no Brasil, foram apresentados e
apreciados pelos professores de História da Rede Estadual de Ensino que
participaram do Grupo de Trabalho em Rede – GTR – inscritos especificamente
nesse trabalho. Consideraram como viáveis e de fácil compreensão pelos
estudantes do Ensino Médio. As demais atividades também foram consideradas
como aplicáveis nas suas escolas de atuações, ressalvando-se alguma diferença no
grau de dificuldade entre uma turma e outra e o turno de atuação.
3. TEATRO
A proposta de trabalhar com o teatro, nesse caso com conteúdo específico,
tem a preocupação de discutir a temática para construir um roteiro e uma
apresentação não como algo pronto e o ato de decorar um texto. O objetivo é o
estudante saber o que está falando, porque a construção daquela cena, da música
utilizada, dos adereços, figurinos e cenários. Dessa forma, é fundamental trabalhar
o conteúdo anteriormente, também com outras estratégias, discutir e levar em
consideração as sugestões, observações, críticas e posicionamentos apresentados
pelos estudantes.
O teatro desde a antiguidade se caracteriza principalmente na forma de
representar o outro, ou seja, nos colocar no papel de outra pessoa tentando
aproximar o máximo possível de suas reais características, sentimentos, atuações
enquanto ser humano presente no mundo. Dessa forma, dramatizar uma situação,
um momento da nossa história é uma oportunidade rica para demonstrarmos o que
pensamos sobre determinado assunto, o que sabemos sobre ele e também de certo
modo como vemos o mundo, a sociedade e as pessoas que convivemos.
Sendo assim, o teatro pode nos ajudar de forma bem dinâmica a estudar
toda essa temática sobre relações étnico-raciais e o racismo contra o negro no
Brasil. Um bom exemplo disso foi a criação, nos anos quarenta, do Teatro
Experimental do Negro (TEN), que tinha uma proposta que ia além da própria
dramaturgia buscando a valorização do negro. Conforme a colocação de Abdias do
Nascimento, um de seus principais criadores, “(...) resgatar no Brasil os valores da
cultura negro- africana degredados e negados pela violência da cultura branco-
europeia; propunha-se à valorização social do negro através da educação, da
cultura e da arte(...)” (MENDES, 1993, p.48; apud Nascimento, 1968, p. 199).
A escola, a sala de aula são espaços onde podemos dramatizar as mais
diversas situações e temas de estudo, buscando a pesquisa, utilizando a criatividade
e o conhecimento para também construir ou resgatar valores.
Temos um grande desafio em construir com nossos estudantes uma
metodologia que consiga estabelecer o debate nas temáticas estudadas, visando
uma compreensão de forma relacional, saindo do senso comum para uma visão
mais dialética da História, assim como, do ser humano, da sociedade e do mundo.
Ao propor uma metodologia em que o teatro é tomado como estratégia no
ensino de História, sabemos que teremos além de muito trabalho para sua
organização dentro do espaço físico da escola e o tempo limitado, a necessidade de
um estudo mais aprofundado de cada temática. Para levar os estudantes a
construírem uma apresentação que exige um mínimo de organização de roteiro,
produção de texto, articulação de ideias, coerência de argumentos, precisamos
buscar uma fundamentação de estudos que garantam uma condição para a
realização de tal trabalho. Nesse ponto é importante para nós professores algumas
breves noções e referências sobre dramaturgia como explica Renata Pallotini
Quando se fala, na epígrafe, de um drama, não quer, naturalmente, falar de peça de teatro com final infeliz, de tom sério, ou que leve a um desfecho pessimista; drama seria simplesmente uma peça de teatro, um texto para ser encenado, oriundo, outra vez, do grego drama, que significa ação ...podemos dizer que o ponto de partida para a feitura de um bom texto dramático é a existência de um conteúdo a ser expressado, veiculado. (PALLOTTINI, 2005. p.15).
Dessa forma, essas colocações vêm exatamente ao encontro do que
objetivamos, ou seja, despertar e estimular uma ação em nossos estudantes,
visando de maneira participativa o aprendizado de um conteúdo.
Por ocasião da implementação do projeto na escola, após estudar o conteúdo
de nossa temática com várias estratégias já mencionadas, foi o momento de
trabalhar a apresentação teatral. Os trabalhos ocorreram a partir dos grupos de
estudos para uma apresentação em sala de aula sobre um item escolhido pelos
estudantes dentro das questões das relações étinico-racias, na História e Cultura
Afro- Brasileira e Africana. Nessa parte do trabalho, embora existam as dificuldades
pela própria dinâmica, pode-se considerar de maior viabilidade sua realização, uma
vez que fica no âmbito do espaço da sala de aula, contando assim, o que podemos
dizer, de uma organização interna da turma.
Em função das dificuldades encontradas para construirmos um roteiro com a
turma inteira e apresentá-lo para escola, tivemos que optar pelo estudo no contra
turno, contando com a presença de um grupo de alunos da turma, conforme suas
disponibilidades. As dificuldades em realizar a atividade proposta, que era a de fazer
uma apresentação com a turma inteira para a comunidade escolar, se deram por
conta do tempo espaço físico no mesmo turno de frequência da turma em questão. A
matriz curricular para a disciplina de História conta com duas horas/aula semanais
para o Ensino Médio, o que aumenta muito o nosso desafio em uma atividade que
exige maior dinâmica.
Com o trabalho no contra turno, foi possível realizar importantes reflexões
sobre a temática proposta e construir juntos um roteiro para uma apresentação
teatral. Tal roteiro se consolidou com a seguinte estrutura: Partiu-se de uma
referência sobre a África, com algumas reflexões sobre nossas origens afro
brasileira, justificando assim o título dado para peça como “Filhos da África”. Em
seguida retrata-se um Brasil fortemente marcado pela grande influência da cultura
africana. A história se desenrola com a presença de um grupo de estudantes que
sob a coordenação de um líder precisam pensar em alguns temas para
apresentarem sobre as questões afro brasileiras. O grupo discute, onde cada um
dos estudantes apresentam sugestões de temas a serem pesquisados e
apresentados:
-Mito da democracia racial no Brasil: uma fala que apresenta um pequeno
texto sobre o que se entende por mito da democracia racial no Brasil, que em um
tom irônico questiona a realidade da posição do negro em nossa sociedade hoje.
-Escravidão e pós-abolição: Uma fala que tenta aprofundar a questão da
escravidão no Brasil amarrando o questionamento de como ficou a situação do
negro no período após a chamada “abolição”.
-Personalidades negras brasileiras na construção de nossa História: texto que
busca desconstruir uma visão equivocada do negro como naturalmente inclinado
para o trabalho braçal, instinto ao lúdico, corporal. Objetiva-se mostrar contribuições
do negro em diversas áreas do conhecimento intelectual, ciência, literatura, política e
outros mais.
-Irmãos Rebouças: o texto trás informações sobre personalidades negras que
tiveram contribuições históricas no campo da engenharia principalmente. Nesse
caso valorizou os nomes dos irmãos Rebouças pelo fato também do nome dado ao
Bairro onde se situa o estabelecimento de ensino de aplicação do projeto. (Bairro
Rebouças, onde há também a Rua Engenheiros Rebouças).
-Líderes nacionais e internacionais na luta contra o racismo. A ideia central é
apresentar grandes nomes no Brasil e no mundo que lutaram ou lutam contra o
racismo e ainda apontar para a importância dessa luta por todos, mesmo o mais
anônimo e comum cidadão. Ter um desfecho da apresentação com essas
amarrações do texto.
Na sequência, esses temas são apresentados transformados em cenas com
adequações de textos ilustrados com músicas, adereços, figurinos e ambientação do
espaço. Nessa construção é fundamental ressaltar como foi a participação dos
estudantes que se dispuseram a reunir no contra turno. A proposta foi levada como
um esqueleto a ser preenchido, modificado e complementado com as discussões do
grupo. O desenrolar do trabalho se deu realmente como era o objetivo, ou seja, que
todos dessem opinião, sugestões de como elaborar toda a apresentação. Dessa
forma, foi possível contar com várias contribuições dos estudantes na articulação
das cenas, escolha de músicas mais adequadas para a cada situação. Tudo isso
com a preocupação central de saber sobre o que está falando e porque utilizar cada
recurso em dado momento.
A proposta de implementação apresentada no projeto seguiu alguns passos
de acordo com a realidade encontrada na escola, principalmente referente ao
espaço e o tempo disponibilizado para esse trabalho. Foi necessário articular a
utilização de aulas de outros professores como as disciplinas de Sociologia, Arte e
História. Tínhamos um cronograma que propunha estudar o conteúdo com várias
estratégias já mencionadas anteriormente e apresentação de dramatizações desse
conteúdo com grupos na sala de aula. Posterior a todas as apresentações dos
grupos para a turma em sala de aula, a proposta era construir um roteiro geral e
apresentar com a turma toda para um número maior de pessoas na escola.
O período para apresentação de toda a implementação foi o primeiro
semestre de 2014, incluindo os estudos e as apresentações finais. Esse período foi
peculiar no calendário letivo da escola, com os recessos em função dos jogos
mundiais serem sediados em nosso país e na cidade onde se localiza a escola de
implementação. E ainda contamos com um período de greve dos professores da
Rede Estadual do Paraná na ocasião do referido semestre letivo. Com essas
considerações colocamos o que foi possível realizar de acordo com a realidade
encontrada, pois nesse contexto ficou difícil a cedência de aulas de outros
professores, até mesmo pela necessidade de reposições de aulas e aceleração do
planejamento de conteúdos e avaliações. Dessa forma, os próprios estudantes
declararam-se bastante sobrecarregados. Contudo, foram realizadas as atividades
no âmbito da sala de aula, com as apresentações de dramatização do conteúdo
estudado para as duas turmas em que foi trabalhado, com cerca de trinta pessoas
cada.
Nas apresentações muitos aspectos puderam ser observados, pois quando se
exterioriza um tema que está presente na sociedade, faz com que o estudante
revele um posicionamento a respeito das questões afro-brasileiras e do racismo, os
estereótipos e compreensões ficam mais evidentes. Como já havíamos discutido a
temática foi possível identificar um aprendizado mesmo em termos de conceitos
assim como em relação histórica para desconstruir “mitos” estabelecidos. Sabemos
que não se trata de uma mudança repentina nas ideias carregadas de determinados
preconceitos, por parte de uma parcela do público envolvido. Mesmo assim,
avançamos na abertura para uma compreensão da necessidade de respeito ao
outro, à diversidade. Trazer a temática a tona para discussão, inclusive em um
momento em que casos específicos foram apresentados nos meios de comunicação,
foi muito significativo para nossos objetivos do trabalho proposto.
O grupo que teve a possibilidade de fazer um estudo no contra turno, com
certeza obteve um resultado melhor, pois houve tempo para aprofundar um pouco
mais a temática, e as discussões fluíram com mais espontaneidade, o que permitiu
uma exposição maior do pensamento dos participantes, a troca de ideias, e
colocações do professor gerando um maior aprendizado. Foi construído um roteiro
de apresentação teatral com o título de “Filhos da África”, que infelizmente pelas
considerações já apresentadas acima, não foi possível ensaiar e apresentar para a
escola inteira. Contudo, entendemos que é significativo ter proposto um trabalho que
não se encerra com um período de implementação do programa e sim, deixa a
possibilidade de retomada por parte dos mesmos estudantes que participaram do
projeto (por isso a escolha de segundo ano) assim como, outros que virão. Da
mesma forma, outros professores poderão trabalhar o projeto em diversas
disciplinas em momentos que considerarem pertinentes.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ponto de partida do projeto de intervenção pedagógica teve como elemento
importante o trabalho com a Lei 10.639/03, que se coloca ainda como um grande
desafio enfrentado na prática da escola. Certamente não se garante o respeito ao
outro, as inclusões dos sujeitos, a diversidade com igualdade de direitos, apenas
com a publicação de uma lei, ainda que isso seja um avanço nessa luta. Precisamos
de formação, aprofundar nossos conhecimentos da temática e buscar sempre as
estratégias metodológicas que nos possibilitam um trabalho dinâmico a fim de
estabelecer um diálogo com estudante no debate fundamentado, esclarecedor que
resulta no conhecimento e tomada de posição.
Dessa forma, buscamos nas várias fases do programa trazer para a leitura
alguns autores que fundamentam e orientam nossa prática tanto na temática das
relações étnico-raciais enquanto cultura afro-brasileira, assim como o teatro utilizado
nas estratégias de ensino de História. Com o trabalho desenvolvido percebemos que
esses dois elementos são perfeitamente compatíveis, pois através do teatro
podemos colocar uma reflexão, fazer abordagem, contextualizar momentos da nossa
História, colocar-se no papel do outro e tantas mais possibilidades que nos permitem
discutir a temática proposta. Moacyr Flores, no seu livro “O Negro Na Dramaturgia
Brasileira” nos aponta como o historiador pode aproveitar essas fontes para
interpretações históricas de diferentes contextos.
O historiador pode buscar o mundo das ideias no relato literário que, com sua dimensão fictícia e imaginária dos fatos, mantém um aparato conceitual relacionado à uma realidade. A análise dos códigos e das convenções retóricas do discurso, como formas submersas de pensamento não só do autor como de sua época, permite o entendimento de uma realidade
histórica. Em cada época, grupos sociais selecionam símbolos e signos que perpassam pelas dimensões social e política. (FLORES, 1995, p.8).
Seja no drama ou na comédia, assim como os dramaturgos, nossos
estudantes certamente colocam em suas expressões teatrais, muitos conceitos,
visões de mundo, elementos que trazem da vida cotidiana em uma relação com o
conteúdo estudado. Isso tudo pode nos dar um parâmetro sobre os objetivos e
resultados de nosso trabalho.
Não tivemos a pretensão de discutir ou aprofundar em nossas aulas de
História sobre o que é dramaturgia ou estudar teatro em si mesmo, até porque sem
formação específica não daremos conta dessa tarefa. O que almejamos então com
essa proposta foi fundamentalmente estudar o conteúdo selecionado e a partir do
embasamento sobre o tema, nossos estudantes tenham uma condição mínima de
reelaborar o aprendido, sintetizar e organizar as ideias para expressarem de forma
teatral as suas compreensões a respeito da temática apresentada. Esse momento
pode ser também, além de processo de conhecimento, ser um processo avaliativo.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 10639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF 9 jan. 2003.
BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para a Educação das relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- brasileira e africana. Brasília, 2004. BRASIL, Ministério da Educação/Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização
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CARTAXO, Carlos. O Ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média.
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MENDES, Miriam Garcia. O Negro e o Teatro Brasileiro (entre 1889 e 1982), São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Instituto de Arte e Cultura; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 1993.
MOLINA, Ana Heloísa e outros (organizadores). Ensino de História e Educação:
olhares em convergência. Ponta Grossa, Editora UEPG, 2012. MOSTAÇO, Edélcio (org.). Para uma história cultural do teatro.
Florianópolis/Jaraguá do Sul, design Editora, 2010. PALLOTINI, Renata. O que é Dramaturgia, São Paulo, Brasiliense, 2005, (Coleção
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