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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A GEOGRAFIA PARA ESTUDANTES CEGOS E COM BAIXA VISÃO NA REDE ESTADUAL DE ENSINO REGULAR
Silvana Regina Bordim Fachin Carmo1 Edmilson César Paglia 2
RESUMO
No presente artigo estão sintetizadas as principais atividades da intervenção
realizada dentro da disciplina de Geografia, junto a estudantes do 6º ano do Colégio Estadual Professor Daniel Rocha – Ensino Fundamental e Médio, no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) - edição 2013/2014, da Secretaria de Estado
da Educação do Paraná (SEED-PR). A proposta foi desenvolvida na perspectiva do favorecimento à aprendizagem dos conteúdos geográficos para estudantes cegos e
com baixa visão na rede estadual de ensino regular, com o objetivo de criar materiais pedagógicos diferenciados para propiciar aos estudantes incluídos melhores condições de acompanhar os estudos e construir conhecimentos
geográficos específicos, com ênfase na utilização de mapas táteis, A metodologia adotada para a realização desse estudo compreendeu a pesquisa bibliográfica feita em fontes primárias e secundárias, assim como a elaboração e a aplicação de um conjunto de atividades apresentada na forma de uma sequência didática que tem
como ponto de partida a sensibilização do tato, que é incrementada gradativamente e visa ajudar esses estudantes na abstração de conceitos geográficos mais
complexos, que - sem esse recurso – lhes seria mais difícil de compreender. Os resultados dessa intervenção mostram que os avanços educacionais no campo da inclusão decorrem de estratégias pontuais, voltadas às necessidades específicas
dos estudantes observadas pelo professor em sua prática diária, e que essas dificuldades podem ser equacionadas ante a crença de que a partir das diferenças
pode-se construir um universo mais rico de aprendizagem para todos os estudantes. Palavras-chave: Geografia. Estudantes cegos. Mapas táteis.
1 INTRODUÇÃO
Analisando as dificuldades de estudantes deficientes visuais, chamou a
atenção do trabalho do médico neurologista Oliver Sacks, “O olhar da mente”, que
acompanha pacientes cegos e seus jeitos de “ver” o mundo. E essa reflexão permitiu
considerar as brechas ainda existentes no novo modelo educacional que tem na
inclusão um dos seus princípios fundamentais. Notadamente porque embora uma
1 Professora de Geografia do Colégio Estadual Professor Daniel Rocha – Ensino Fundamental e
Médio, da Secretaria de Estado do Paraná (SEED-PR). 2014.
2 Prof., da Universidade Federal do Paraná, setor Litoral, orientador do Programa de Desenvolvimento
da Educação (PDE), da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED-PR). 2014.
das exigências do MEC seja a de que todos os livros didáticos devem ser acessíveis
aos estudantes cegos e, portanto, disponibilizados em áudio e em braile, as
descrições das imagens nesses materiais continuam pobres, limitadas, até porque é
difícil estabelecer comparações com outras imagens, objetos ou qualquer modelo,
pois, na maioria das vezes, o estudante cego ou com baixa visão nunca teve contato
com esses referenciais.
Mas, os estudantes com deficiência visual já estão nas salas de aula e é
preciso proporcionar a eles reais condições de acesso às informações constantes
dos conteúdos. E, especificamente no ensino da Geografia, torna-se necessário
adaptar os recursos para que esses possam conhecer e compreender as
representações cartográficas.
Partindo desse problema real e do ideal de produzir material didático
específico para o ensino de Geografia a estudantes com limitações visuais, no início
de 2013 apresentei o arcabouço de um projeto de intervenção ao Programa de
Desenvolvimento Educacional – PDE, da Secretaria de Estado de Educação e, sob
a orientação do Prof. Edmilson César Paglia, passei a desenvolver o tema com
ênfase na confecção de mapas táteis e a elaborar a proposta de intervenção. Uma
vez aprovado esse documento, no segundo semestre de 2013 deu-se a produção
didático-pedagógica, com base em pesquisas realizadas nesse campo pela UNESP
- Universidade do Estado de São Paulo, e, em especial no trabalho das Prof.
Luciana C. Almeida e Ruth E. Nogueira Loch, pesquisadoras da UFSC –
Universidade Federal de Santa Catarina.
Assim, esse material didático, apresentado na forma de Unidade Didática
(UD), foi produzido para o ensino de conteúdos de Geografia para estudantes a
partir do 6° ano, e direcionado para estudantes cegos ou com dificuldades de visão,
e sua ênfase é o trabalho com mapas táteis.
A implementação do projeto se deu no primeiro semestre de 2014 junto a
estudantes do 6º ano do Colégio Estadual Professor Daniel Rocha – Ensino
Fundamental e Médio, de Pinhais -PR, buscando propiciar aos estudantes com
pouca visão e cegos inseridos no ensino regular, condições de um maior
entendimento sobre imagens, mapas e outros; favorecendo, dessa forma, a
apropriação dos conteúdos, a aprendizagem e a construção de conhecimentos
geográficos específicos.
Os resultados obtidos mostram que cabe à escola, a partir do trabalho de
seus professores, criar condições para sustentar a inclusão de estudantes; que as
soluções nem sempre exigem grandes recursos e que podem ser construídas a
partir de materiais que a escola e a comunidade dispõem; e que o desenvolvimento
educacional que tanto se deseja e defende, passa obrigatoriamente pela pesquisa e
depende fundamentalmente de criatividade e de boa vontade.
2 METODOLOGIA
A metodologia de trabalho adotada para a intervenção pedagógica na
disciplina de Geografia junto a estudantes com cegueira e baixa visão
incluídos no Colégio Estadual Professor Daniel Rocha – Ensino Fundamental
e Médio, de Pinhais -PR, compreendeu uma pesquisa de campo feita com
esse público alvo especial, matriculados a partir do 6° ano na referida colégio,
estratégia necessária para conhecer a dinâmica das aulas de Geografia, o
potencial de cada estudante e o seu nível de aproveitamento em sala de aula
devido às suas limitações.
A base teórica do estudo foi construída a partir de pesquisa bibliográfica feita
em fontes primárias e secundárias (MARCONI, LAKATOS, 2009). As buscas foram
realizadas em bibliotecas físicas e virtuais, especialmente no Google Acadêmico,
SciELO e Labtate (UFSC), tendo como descritores as seguintes palavras:
“Geografia”; “estudantes cegos”; “mapas táteis”; presentes no título e/ou no corpo do
texto de livros, artigos científicos e/ou matérias publicadas em revistas técnicas,
dentre outros. Nesse processo foram identificadas 23 obras de autores como Oliver
Sacks; Luciana C. Almeida e Ruth E. Nogueira Loch; R. D Almeida e E. Y. Passini;
Maria Lúcia Batezat Duarte; Herminia Prado Godoy; Fabiana C.R. Harlos, Danieli C.
Cassuli, Jair A. Rafaelli; Renata Vieira de Melo, dentre outros tomados como
referência, além de leis e documentos oficiais que regulam o ensino de Geografia e
a inclusão educacional de estudantes com deficiência no ensino regular.
Depois de passarem por leitura seletiva, essas publicações tiveram seus
conteúdos, conceitos e/ou informações incorporados ao texto do projeto e da PDP,
na forma de citações diretas e paráfrases. Todas as obras utilizadas foram
referenciadas em observância às recomendações da Coordenação do PDE quanto à
garantia aos direitos autorais e para conferir o caráter científico ao trabalho.
No que concerne aos aspectos práticos do estudo, o projeto de intervenção
foi elaborado no primeiro semestre de 2013, assim como sua respectiva produção
didático-pedagógica (PDP); já a implementação teve lugar no primeiro semestre
deste ano de 2014. As atividades foram selecionadas, organizadas e realizadas
observando níveis crescentes de sensibilização do tato dos estudantes, dentro de
uma lógica de sequência didática, de forma que cada atividade se mostrasse um
pré-requisito para a realização das seguintes, de forma a propiciar aos estudantes o
alcance da compreensão de determinados conceitos vistos em etapas
subsequentes.
A proposta se pauta pela realização de um trabalho de interação social, que
contempla a utilização de técnicas de trabalho coletivo e de experimentação de
situações que permitiram o desenvolvimento do estudante pela utilização de
representações de formas, abordagem essa que visa contribuir para a mudança na
maneira de ensinar e aprender.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO: MAPAS TATEIS NO ENSINO DE GEOGRAFIA
PARA ESTUDANTES CEGOS E COM BAIXA VISÃO NA REDE ESTADUAL DE
ENSINO REGULAR
Atendendo às determinações do Programa de Desenvolvimento Educacional
(PDE), o tema de estudo e a proposta de intervenção foram submetidos à análise da
equipe pedagógica da instituição escolhida para a implementação - no caso o
Colégio Estadual Professor Daniel Rocha, Ensino Fundamental e Médio, de Pinhais
-PR - que se deu durante o Encontro Pedagógico de início do ano letivo deste ano
de 2014, e aos colegas professores de Geografia que integraram o Grupo de
Trabalho em Rede (GTR) na edição 2013/2014.
A aceitação à proposta foi grande, assim como foram animadores os
comentários de apoio. Foi possível perceber, nessas interações, que as dificuldades
e anseios são comuns àqueles professores que têm em suas turmas, estudantes
com cegueira ou baixa visão em sala de aula e se preocupam com a falta de
materiais apropriados para proporcionar a esses estudantes reais possibilidades de
aprendizagem, pois sem tais recursos a inclusão inexiste e a iniciativa de trazer
esses estudantes para a sala de aula nas condições de que dispõem os colégios,
acaba por materializar uma forma ainda mais cruel de exclusão – ante a promessa
de uma mudança que necessita muito mais do que apenas o texto de uma lei para
se concretizar.
Muitos professores se manifestaram acerca da falta de recursos por parte do
Governo Federal, tanto em relação à capacitação dos professores para trabalhar na
inclusão quanto na disponibilização de recursos específicos para o ensino de
conceitos de maior complexidade, como é o caso de muitos conteúdos de Geografia,
em que aspectos como distância, área, relevo - apenas para citar alguns - são de
difícil compreensão por estudantes que possuem algum tipo de deficiência visual.
Em resumo, os professores acolheram positivamente a iniciativa,
apresentando sugestões de atividades utilizando os materiais propostos e
discorrendo sobre a importância do material proposto, especialmente pela
possibilidade de confeccioná-lo com materiais comuns de papelaria, fáceis de
encontrar e que estão à disposição em muitos colégios.
No que concerne às atividades propostas aos estudantes, é preciso explicar
que essas, em linhas gerais, observaram cinco aspectos básicos que orientaram sua
seleção, elaboração e aplicação:
1) Mediação – pelo professor, responsável por descrever a figura, dentre
outras informações necessárias à compreensão do objeto de estudo;
2) Sensibilização tátil – por meio de exercícios de sensibilização dos
estudantes com deficiência visual, para a percepção dos objetos em si;
3) Alto relevo ou textura – mediante a utilização de diferentes materiais
(como barbantes, palito, massas de modelas, dentre outro) e formas
diversificadas, como maquetes e mapas em relevo, para os estudantes
tatearem sobre as reproduções de mapas e figuras e aprenderem a
perceber formas, relevos e limites, dentre outras informações relevantes
para a apreensão dos conteúdos cartográficos e construção de
conhecimentos geográficos específicos;
4) Objetividade - atividades organizadas de forma extremamente prática,
sem muitos detalhes para facilitar a percepção do cego; e
5) Interação e Colaboração - diálogo entre estudantes para facilitar a
compreensão acerca do objeto citado, como, por exemplo, a escala
utilizada.
Como cada atividade proposta possui objetivos distintos, torna-se necessário
detalhar esses resultados, discorrendo sobre as atividades que se mostraram mais
difíceis de executar, os pontos positivos e acerca do que ainda precisa ser
aprimorado para tornar a proposta facilmente realizável e possível de ser replicada
por outros professores em seus colégios.
3.1 PESQUISA DE CAMPO: APLICAÇÃO DE QUESTIONÁRIO E INÍCIO DO
PROCESSO DE SENSIBILIZAÇÃO DO TOQUE
Essa estratégia buscou conhecer o público-alvo do projeto de intervenção e
suas principais dificuldades, assim como iniciar os trabalhos de desenvolvimento da
sensibilidade do toque a partir do uso do geoplano e formas geométricas. No dia 12
de fevereiro de 2013 foi aplicado aos estudantes com deficiência visual, um
questionário semiestruturado, conforme modelo mostrado abaixo.
QUADRO 1: MODELO DE QUESTIONÁRIO APLICADO AOS ESTUDANTES
1) Nome 2) Idade
3) Nas aulas de Geografia, seu professor faz explanações que lhes permitem compreender características da regiçao ou fenômeno explicado?
( ) Sim ( ) Não ( ) Algumas vezes
4) Seu professor o auxilia na compreensão dos limites dos mapas?
( ) Sim ( ) Não ( ) Algumas vezes
5) Você já trabalhou com maquetes em sala de aula para estudar conteúdos de Geografia?
( ) Sim ( ) Não ( ) Algumas vezes
6) Qual o seu nível de conhecimento e habilidades no uso de recursos informatizados?
( ) Baixo ( ) Médio ( ) Bom ( ) Muito bom
7) No que se refere às suas limitações visuais, você pode afirmar, sobre si mesmo que possui
( ) Baixa visão/BV: consegue enxergar com auxílio de lentes e tecnologia assistiva
( ) Deficiência visual/DV: cegueira
8) Para as alternativas abaixo, indique BV ou DV, de acordo com seu caso, acerca dos recursos utilizados em sala de aula e a frequência de sua utilização
9) Recursos utilizados:
( )Lentes ( )Braile ( )Mapas em braile
( )Sites especializados ( )Outros
10) Frequência:
( ) sempre ( ) raramente ( ) nunca
FONTE: CARMO (2013)
As respostas obtidas por meio desse questionário relevam que os
estudantes possuem, na verdade , baixa visão decorrentes de acidentes e infecções
ocorridas durante o início da infância, o que causa um certo desconforto em aceitar
o ocorrido, o uso de lente foi de 100%.
Quanto às atividades iniciais com geoplano e formas geométricas, logo no
início da primeira aula sobre o assunto, os estudantes receberam geoplanos e
elásticos; assim como modelos desmontáveis, em papelão e em diferentes
tamanhos, de formas geométricas como quadrado, paralelepípedo, triângulo, dentre
outros. Em seguida foram orientados para, primeiramente, montar, desmontar,
manusear e remontar diversas vezes, de maneira a compreender as diferentes
dimensões visuais de um elemento, necessário para apreender noções espaciais, de
distância, altura, largura e profundidade, dentre outros conceitos implícitos nos
conteúdos de Geografia e que permitem estabelecer comparações sobre relevo, por
exemplo.
Depois, foi pedido aos estudantes que identificassem as figuras definidas no
geoplano e nominassem as figuras planas presentes nas caixas desmontadas,
recompondo-as; assim como identificassem as partes do sólido geométrico utilizado,
estabelecendo a diferença entre sólidos geométricos e figuras geométricas planas.
A Figura 1, abaixo, mostra o material de trabalho dos estudantes para essa
atividade.
FIGURA 1: MATERIAL DIDÁTICO - FIGURAS GEOMÉTRICAS
FONTE: CARMO (2014)
O desempenho dos estudantes permitiu perceber que os mesmos, apesar
de suas dificuldades, conseguiram ter uma boa percepção dos objetos.
Esses resultados vêm corroborar a teoria defendida por Fonseca da Silva e
Bornelli (2007) quanto à necessidade de produção de materiais pedagógicos para
ampliar as possibilidades de inclusão nos colégios regulares, assim como atividades
para estimular a aprendizagem e o entendimento. Para os autores, cada ação pode
proporcionar aos estudantes momentos de reflexão que colaboram para a
autonomia do grupo, resultando naturalmente na inclusão.
3.2 TRABALHANDO CONCEITOS DE ESCALA COM MASSA DE MODELAR E/OU
ARGILA
Nos dia 19 e 26 de fevereiro de 2014, os estudantes puderam trabalhar de
forma prática com conceitos relacionados à escala, utilizando-se, para tanto, de
materiais das aulas de Arte.
Com respeito a essa atividade, os estudantes foram orientados a trabalhar
com massa de modelar ou com argila, e reproduzir em escala aproximada os
planetas do Sistema Solar. E embora os estudantes contassem coma mediação do
professor e o auxílio de estudantes do ensino regular, houve alguma dificuldade no
desenvolvimento das formas, ante a necessidade de compreender o conceito de
escala e sua reprodução. Mas, mesmo assim, pode-se considerar que a experiência
foi produtiva porque serviu para colocar os estudantes de frente com dificuldades
que eles encontram no seu dia a dia e que se fazem presentes no processo de
construção do conhecimento. Na medida em que as tentativas foram se repetindo, a
percepção dos estudantes foi aumentando, tornando mais fácil a compreensão e a
aprendizagem do conteúdo.
Foi explicado aos estudantes que o mesmo conceito de colégio pode ser
aplicado para trabalhar aprender as diferentes em termos de altura e depressões
geográficas presentes no revelo (montes, morros, montanhas, planícies), dentre
outros elementos que constituem objeto de estudo da Geografia.
Em linhas gerais, pode-se dizer que a atividade foi bem satisfatória e essa
teve uma boa aceitação entre os estudantes.
3.3 TRABALHANDO COM O CONCEITO DE ESPAÇO E LOCALIZAÇÃO
Com o auxílio de geoplanos, nas aulas dos dias 05, 12, 19 e 26 de março de
2014, os estudantes receberam mapas produzidos pelo professor em EVA,
representando a conformação do quarteirão do colégio, seus arruamentos e
diferentes dimensões nas áreas ali existentes.
Com o suporte desses materiais, sob a mediação do professor e com o
auxílio de estudantes do ensino regular, foi possível aos estudantes com deficiência
visual perceber como é o arruamento do entorno de seu colégio, desenvolvendo
habilidades para trabalhar com o mapa tátil. Nesta atividade diferentes orientações
foram passadas aos estudantes, especialmente sobre como considerar
quadras/quarteirões contadas a partir da localização (pontos cardeais) e indicar sua
casa, ou um ponto de ônibus, banco, dentre outros elementos ou logradouros das
proximidades.
Também foi trabalhada a representação das edificações presentes no
entorno do colégio, a partir de maquetes que possibilitaram aos estudantes com
deficiência visual conhecer esses elementos, sua disposição e forma, e dessa
maneira construir um cenário imaginário, representativo das características do
entorno do local onde estudam e vivem - importante referencial para analogias
semelhantes acerca dos conteúdos estudados, habilidade essa bastante exigida na
compreensão de conceitos geográficos por estudantes com limitações visuais.
Os estudantes demonstraram grande admiração com as descobertas feitas a
partir dessa atividade, no que se refere à distância entre alguns pontos localizados
mais adiante ao colégio e sobre o qual tinham poucas informações. Merecem
destaque, aqui, as observações de alguns desses estudantes acerca dos sons e
cheiros característicos de determinados pontos, como a Panificadora, reconhecida
por esses estudantes pelo seu pastel de carne delicioso; o ponto de ônibus,
marcado pelo ruídos dos motores e pelas conversas e reclamações dos usuários
sobre o dia frio/quente ou sobre o horário dos ônibus; enfim, visto que os estudantes
( de baixa visão ) estavam vendados durante a atividade, tiveram uma nova
percepção do entorno do Colégio.
Destacam-se aqui comentários como: “então, o colégio está localizado entre
a igreja e a creche , a qual fica bem em frente a banca de doce , na mesma rua da
colégio municipal que é ao lado do Colégio.” . Percebe-se, enfim, no estudante o
interesse em identificar pontos de referência e conferir a esses um número maior de
detalhes, como sua localização e altitude desse ponto, por exemplo, e relacionar
esse conhecimento à realidade que conhece; como a reflexão sobre a velocidade
dos carros quando descem a rua e o risco que isso impõe a quem circula pela região
e a necessidade de lombadas nessa altura da rua, dentre tantas outras correlações
que o Estudante passa a reunir condições de realizar.
3.4 TRABALHANDO COM TEXTURAS E SALIÊNCIAS: DIFERENTES MATERIAIS,
DIFERENTES PERCEPÇÕES
Nas aulas dos dias 02 e 09 de abril de 2014, os estudantes começaram a
trabalhar com mapas feitos em papelão ondulado e fio colorido. Sob a orientação do
professor e o auxílio dos colegas, os estudantes foram orientados a reconhecer em
mapas - feitos de materiais simples como papelão reciclado, barbante, lã de tricô ou
tapeçaria e cola - aspectos da geografia brasileira.
FIGURA 2: MAPAS DO BRASIL E SUA DIVISÃO REGIONAL, FEITO COM PAPELÃO E LINHA
FONTE: CARMO (2014)
A atividade foi importante porque ao mesmo tempo em que trabalharam com
o material ondulado e a linha, percebendo sua textura diferente e a demarcação
proposta (Fotos 2), os estudantes aprenderam a reconhecer a área do território
brasileiro, sua divisão regional, os limites geográficos e os diferentes contornos ali
presentes. Essas informações, trabalhadas de forma articulada com o conceito de
escala, possibilitam aos estudantes com deficiência visual compreender as
dimensões territoriais do lugar onde vivem, da distância real existente entre um
ponto e outro, dentre tantas informações que podem ser agregadas nesse cenário
que vai sendo composto aos poucos. Nessas abordagens, aspectos relacionados à
economia das regiões e condições de vida – como é o caso do Nordeste, cuja
realidade de pobreza e penúria do povo está sempre na mídia – foram questionados
pelos estudantes em face do interesse (e o espanto) frente às dimensões da área
nordestina em relação ao sul e sudeste, que são, reconhecidamente, o destino mais
comum dos retirantes que vêm em busca de oportunidade para uma vida melhor.
Vieira, Silva (2013) explica que os exercícios com formas geométricas são
importantes para que os estudantes com deficiência visual possam vivenciar o
universo que os cerca em suas formas e consistências, habilitando-se, dessa
maneira, a fazer associações, transferências, adquirindo mecanismos interpretativos
e formadores de conceitos e imagens mentais.
Mas, para que o processo de ensino e aprendizagem alcance os objetivos
da inclusão educaional, o professor precisa “intensificar o uso de materiais
concretos, para ajudar na abstração dos conceitos”, pois, quanto mais os estudantes
trabalham com situações concretas de aprendizagem, mais facilmente conseguirão
realizar abstrações (VIEIRA, SILVA, 2013, p. 8).
E de fato, a introdução de um referencial a mais – a imagem, ou sua
representação – compreendida numa perspectiva geográfica, permitiu aos
estudanteas uma gama de reflexões, inferências e novos questionamentos,
ampliando sobremaneira as possibilidades de compreensão sobre a realidade em
que vivem, ou com as quais interagem, incrementando o conhecimento já construído
e tornando cada vez mais consistente a base para a acomodação de novas
informações, percepções e saberes.
3.5 TRABALHANDO COM MAPAS CONFECCIONADOS EM ALUMÍNIO
Durante as aulas dos dias 16, 18/04/2014 e 7, 9/05/2014, os estudantes
trabalharam com mapas confeccionados em folhas de alumínio (Foto 3)
FOTO 3: MAPAS FEITOS EM ALUMÍNIO
FONTE: CARMO (2014)
Para a realização dessas atividades, os estudantes receberam mapas
produzidos pela professora, mostrando diferentes desenhos - como uma planta
baixa de uma casa, o arruamento do entorno do colégio já trabalhado nas atividades
anteriores, o mapa do Brasil, mapa Mundi e, ainda, mapas demonstrando os
diferentes climas e relevos das regiões brasileiras.
Os estudantes puderam compreender a finalidade dos mapas, sua aplicação
e as diferentes possibilidades de representações; mas, principalmente, reconhecer
sua utilidade para a apreensão de conteúdos geográficos.
3.6 TRABALHANDO COM MAPAS FEITOS EM EVA
Para essa atividade, realizada no dia 14 de maio de 2014, os estudantes
receberam mapas confeccionados em material emborrachados representando a
dinâmica da deriva continental que originou a atual formação dos continentes.
Depois, utilizando-se desse mesmo mecanismo de encaixe de peças, proposto pela
teoria da deriva continental, os estudantes passaram a trabalhar com mapas que
demonstram a divisão regional do Brasil (Figura 4).
FIGURA 4: MAPA FEITO EM EVA MOSTRANDO A DIVISÃO REGIONAL DO BRASIL
FONTE: CARMO (2014)
Com a introdução gradativa dos conceitos e de atividades, e a utilização de
diferentes recursos didáticos (Figura 5), tornou-se mais fácil para os estudantes
compreender as representações geográficas e cartográficas.
FOTO 5: ESTUDANTES DEFICIENTES VISUAIS RECONHECENDO OS CONTORNOS DOS LIMITES TERRITORIAIS DO BRASIL E DE SUAS REGIÕES A PARTIR DE MAPAS FEITOS EM DIFERENTES MATERIAIS
FONTE: CARMO (2014)
Os resultados positivos decorrentes dessa atividade se alinham aos
preceitos defendidos por Barborsa (2003), para quem, no trabalho educaional de
estudantes cegos e com baixa visão, o professor precisa lançar mão de
metodologias para preparar o estudante para o trabalho com conceitos e conteúdos
que exigem maiores habilidades dos sentidos para compensar a deficiência visual.
Nessa mesma linha de pensamento, Almeida, Passini (1989, p. 24) ressalta
que os mapas táteis possibilitam aos estudantes construir pré-aprendizagens que
facilitaram a leitura de mapas, como orientação, pontos de referência, localização
com a utilização de coordenadas, proporcionalidade, forma, tamanho e
comprimento; assim como decodificar aspectos de seu cotidiano, adentrando as
funções simbólicas no mapeamento e à leitura propriamente dita, que engloba
decodificar, ligando o significante e o significado para melhor compreensão.
De fato, foi possível perceber que a partir dessas atividades os estudantes
com deficiência visual se mostraram mais confiantes em relação aos conteúdos
geográficos trabalhados durante o desenvolvimento da sequência didática, condição
essa que abriu, efetivamente, o leque das possibilidades para o trabalho com
material concreto; ampliando as possibilidades de ensino e aprendizagem, de uma
inclusão efetiva.
3.7 CONHECENDO SÍMBOLOS E CONVENÇÕES PARA LER E INTERPRETAR
MAPAS TÁTEIS
Finalizando o conjunto de atividades da sequência didática, nos dias 21 e 28
de maio de 2014 os estudantes estudaram o conceito de escala e a simbologia
utilizada nos mapas. Os padrões estabelecidos para a cartografia foram
reproduzidos em lâminas de alumínio com as quais os estudantes realizaram
atividades de fixação, familiarizando-se com as convenções e o significado dos
símbolos, habilidade essa que possibilita aos estudantes construir referenciais para
reconhecer as informações presentes nos mapas táteis.
Essa atividade apresentou alguma dificuldade porque os estudantes cegos
ou com baixa visão não tinham maiores conhecimentos sobre os conceitos
trabalhados e precisaram construir esse conhecimento em termos reconhecimento e
leitura dos símbolos para então aprender a utilizá-los nas leituras cartográficas. Mas,
essa era uma situação esperada, por isso cada estudante recebeu uma cartela
própria de símbolos, para consulta, e passaram por inúmeros e diferentes exercícios
de fixação; e os resultados mostraram que a estratégia foi acertada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Comecei a apresentação dos resultados de minha intervenção pedagógica,
realizada dentro do Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria de
Estado da Educação do Paraná (PDE – SEED-PR) edição 2013/2014 - na área de
Geografia, afirmando que numa sala de aula com estudantes com deficiência visual,
a primeira impressão que o professor tem é que lhe falta o apoio das imagens para
possibilitar uma explanação mais rica e detalhada, momento em que ele percebe
que o único recurso que lhe resta é a própria voz. E concluo minhas considerações
reafirmando esse preceito, porém, com a ressalva de que além da voz, o professor
possui criatividade e vontade de promover mudanças; e, por isso, considerando as
dificuldades enfrentadas pela educação nos país, torna-se necessário que esses
professores lancem mão dos recursos que a própria colégio dispõe, para transformar
o ensino e a realidade da inclusão educacional.
Os fatores que asseveram essa percepção decorrem dos seguintes
aspectos: os estudantes cegos ou com baixa visão não precisam ficar limitados à
voz do professor, àquilo que ele diz e explica, mas devem receber o suporte
necessário para poder comparar, perceber, analisar e compreender os conteúdos
trabalhados, incluindo-se no processo educacional; esse suporte pode ser efetivado
por meio de intervenções pedagógicas transformadoras, como a produção na
própria colégio de materiais didáticos – como mapas táteis - para atender as
necessidades específicas desses estudantes.
Partindo dessa definição, foi apresentado o projeto de intervenção e a
respectiva produção didático-pedagógica, cujo objetivo de estudo compreende
apresentar uma colaboração para o processo de ensino de geografia para
estudantes cegos ou com baixa visão, porque, como regra geral, as colégios
possuem uma cultura visual e, nesse contexto, os estudantes com deficiência visual
se encontram com dificuldade de adaptação, o que confere à iniciativa de inclusão
uma forma mal disfarçada de exclusão, pois os objetivos educacionais não são
atingidos.
A instituição de ensino escolhida para a intervenção foi o Colégio Estadual
Professor Daniel Rocha– Ensino Fundamental e Médio, de Pinhais, e o público-alvo
para o qual a estratégia de ensino foi direcionada foram estudantes incluídos a partir
da 6ª série da educação básica. A metodologia adotada compreendeu a
estruturação da proposta de intervenção e sua implementação, sendo que a
pesquisa bibliográfica foi utilizada para a construção do referencial teórico em todo
esse processo, a partir de conteúdos, conceitos e informações levantadas em fontes
primárias e secundárias. Também foi utilizada a pesquisa de campo para conhecer a
realidade da dinâmica do processo de ensino e aprendizagem na colégio onde a
referida intervenção teve lugar, por meio de aulas semanais, realizadas entre os
meses de fevereiro e maio de 2014, totalizando 64 horas de trabalho, conforme
estabelecido pela Coordenação do PDE, da Secretaria de Estado da Educação do
Paraná.
Os resultados dessa implementação mostraram que o trabalho com mapas
táteis é uma estratégia viável, de fácil implementação e que, naturalmente, exige do
professor a confecção dos materiais antes de introduzi-los em suas aulas. Mas, o
tempo despendido nessas atividades deve ser compreendido como um investimento
na inclusão, capaz de tirá-la do campo dos discursos e da teoria e trazê-la para a
realidade da sala de aula.
É preciso compreender, contudo, que a mera introdução dos mapas nas
aulas de Geografia, por si só, não é capaz de promover a inclusão educacional, mas
reconhecer que essa estratégia possibilita aos estudantes a aproximação necessária
com conteúdos geográficos específicos, e traz para perto dos estudantes cegos ou
com baixa visão, as informações de que eles necessitam para conhecer, refletir,
analisar e compreender a Geografia do local onde vivem, sua região e país;
ampliando, as condições de leitura de mundo que o conhecimento geográfico
possibilita. E isso representa um bom caminho a ser trilhado. Isso é incluir.
Além de comprovar a viabilidade da metodologia de ensino adotada, os
resultados positivos à proposta experimentada no Colégio Estadual Professor Daniel
Rocha vêm demonstrar que a cegueira e a baixa visão não podem ser vistas como
elementos limitadores à aprendizagem e à construção do conhecimento; e, se existe
uma deficiência que impede a esses estudantes de aprender, essa é uma condição
que deve ser imputada às escolas que se rendem ante a falta de materiais didáticos
específicos para proporcionar as condições especiais de ensino que esses
estudantes necessitam.
Mais ainda, é importante que a escola, por meio de seus professores e
educadores, comece a repensar os “preconceitos” relacionados aos deficientes,
principalmente no que concerne à sua inserção no espaço educacional, e direcionar
o conhecimento e as habilidades que possuem para a elaboração de recursos que
tornem o ensino e a aprendizagem um processo viável para todos os estudantes,
numa perspectiva de inclusão sócio educacional.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, R. D. e PASSINI, E.Y. O espaço geográfico: ensino e representação.
São Paulo: Contexto, 1989.
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