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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · prática embasada no ensino excessivamente formal e estanque da gramática, para que se privilegie o texto, com um trabalho pedagógico

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GÊNEROS TEXTUAIS COMO INSTRUMENTOS PARA PRODUÇÃO E A COMPREENSÃO ESCRITA EM LÍNGUA PORTUGUESA

Autora: Profª Aparecida Leila Matera Bolonhez 1

Orientadora: Profª Drª. Aparecida de Fatima Peres2

Resumo. Este artigo apresenta um trabalho desenvolvido como resultado de pesquisa do curso de Formação para Professores do Plano de Desenvolvimento Educacional – PDE, no ano de 2014, especificamente no sexto ano do Ensino Fundamental da Escola “Honório Fagan”. Tal proposta justifica-se pela necessidade de o aluno adquirir mais proficiência em leitura e escrita e refletir sobre hábitos alimentícios. Portanto, nosso objetivo foi desenvolver habilidades de produção e compreensão da linguagem escrita, a partir de gêneros textuais da esfera nutricional, como as receitas culinárias, os rótulos de alimentos e artigos de opinião, uma vez que esses gêneros estão inseridos em situações reais de uso das línguas. Para tanto, elaboramos uma “sequência didática”, contemplando os três gêneros textuais, no intuito de desenvolver nos alunos capacidades de ação, discursiva e linguístico-discursiva, tendo como apoio teórico a vertente enunciativa discursiva de Bakhtin (2006) e a proposta do interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999; DOLZ; SCHNEUWLY, 1999, 2004) e de seus seguidores no Brasil (CRISTOVÃO, 2006; NASCIMENTO, 2011; MACHADO, 2004). Pudemos comprovar que os objetivos do trabalho foram alcançados, pois observamos que durante a realização das atividades houve muito interesse e dinamismo por parte dos alunos e, consequentemente, o aprimoramento da leitura e da escrita.Palavras-chave: Gênero Textual. Leitura. Escrita.

Introdução

A problemática da aprendizagem da Língua Portuguesa nas escolas públicas

tem sido o centro das discussões voltadas à busca da melhoria do ensino no país.

Tal fato se deve principalmente aos resultados obtidos pelas avaliações

institucionais no que tange ao domínio da leitura e da escrita associados às taxas de

evasão e de repetência.

Os dados oficiais divulgados no Portal Dia a Dia Educação referentes aos

resultados obtidos pela Escola Estadual Honório Fagan – Ensino Fundamental, na

qual esse projeto foi desenvolvido, têm demonstrado que as habilidades de leitura e

de escrita dos alunos do 6º ano não são percebidas durante o trabalho na sala de

aula, pois ao final do ano letivo de 2012, a taxa de reprovação do 6º ano foi de

16,98% e a de evasão escolar foi de 7,55%. Porém, em análise realizada

posteriormente na escola, constatamos que o número de alunos aprovados pelo

Conselho de Classe foi de 12,50% nesse mesmo ano. Considerando que esses

alunos já estavam reprovados em uma ou mais disciplinas, e que os alunos que 1 Profª da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná (e-mail: [email protected]).

2 Professora do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade Estadual de Maringá desde 2002. Doutora em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (2007). [email protected]

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evadem também o fazem, na maioria das vezes, por se considerarem reprovados;

concluímos que o total de alunos da sala que verdadeiramente não alcançaram os

requisitos mínimos para avançarem para a série seguinte seria de 37,03%, e que

somente 62,97% dos aprovados atingiram esses requisitos mínimos.

Diante das dificuldades encontradas por esses alunos, poderíamos pensar que

trata-se de crianças com histórico de reprovação ou com problemas de

aprendizagem. Todavia, é importante destacar que, ao contrário disso, são alunos

cujo desempenho escolar é considerado satisfatório, pois todos já concluíram os

cinco primeiros anos do ensino fundamental. Também, segundo os dados do Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) no ano de 2011, o desempenho

alcançado por esses educandos no 5º ano foi de 207,2, que de acordo com a

descrição dos níveis da escala de desempenho de Língua Portuguesa, os alunos

conseguem demonstrar habilidade na interpretação de textos de vários gêneros

(INEP).

Esse fato suscita algumas perguntas: Por que as habilidades de leitura e de

escrita dos alunos do 6º ano não são percebidas durante o trabalho na sala de aula?

Por que o aluno tem dificuldade para compreender textos mesmo aqueles

caracterizados como gêneros primários?

O caso da Escola Estadual Honório Fagan não é um fato isolado. Os dados

do SAEB do ano de 2011 indicam que a leitura e escrita trabalhadas em Língua

Portuguesa ainda não são consideradas eficazes no aprimoramento da competência

linguístico-textual do aluno (INEP). Tais dados demonstram que os alunos saem do

ensino fundamental sem alcançar o percentual mínimo do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que é de 6,0.

No que tange à produção de textos a situação se agrava, uma vez que o

aluno precisa colocar-se no papel de sujeito ativo de seu dizer, o que requer níveis

de operações de linguagem mais sofisticados se comparados às operações mentais

realizadas na compreensão de textos. Tal quadro despertou preocupação e

interesse em propor um trabalho que buscasse mudanças nos resultados

alcançados e que também fizesse com que os alunos aperfeiçoassem os

conhecimentos básicos de leitura e escrita.

Considerando que as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná orientam as

ações do professor para um trabalho em sala de aula que situe a língua como dialógica,

viva, reflexiva e produtiva, e que nas práticas letradas deve-se fazer uma relação entre

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o escolar e o social, consideramos que o trabalho com os gêneros textuais que

emergem nas situações reais de uso passam a ser considerados instrumentos a partir

do qual se deve fundar o trabalho docente (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004).

Se, segundo Bakhtin (2006, p. 36), “a palavra está presente em todo ato de

comunicação e interpretação” não há como desvincular as ações didáticas dos textos

reais em que tais palavras se concretizam, ganhando vida e produzindo sentidos de

acordo com as situações em que elas emergem. O contato com diferentes gêneros

textuais conduz o aprendiz ao desenvolvimento de capacidades para a leitura, a escrita

e a oralidade. Observa-se, portanto, que as orientações oficiais valorizam o trabalho

com textos que se concretizam em práticas reais de uso da língua portuguesa e, por

isso frente aos índices de evasão e de reprovação dos alunos do 6º ano de 2012 da

Escola Estadual Honório Fagan, respaldamo-nos nos gêneros da esfera nutricional para

levar o aluno à aprendizagem da língua por meio de textos que fazem parte de sua

realidade, com os quais ele poderá observar o vínculo entre o ensino e a vida.

Na pesquisa de um tema que funcionasse como elo entre o ensino escolar e a

vida do aluno, defrontamo-nos com o resultado da avaliação nutricional de escolares

realizada pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná, através da Coordenação

Estadual da Alimentação e Nutrição Escolar, cujos resultados em 2010 e 2011

revelaram que a soma dos índices de sobrepeso e de obesidade dos estudantes está

acima de 25%, o que significa que um a cada quatro alunos está acima do peso.

Na Escola Estadual Honório Fagan, os dados indicaram que 20,2% dos

alunos apresentavam sobrepeso e 9,7% obesidade em 2011. Se somarmos os

resultados, quase 30% dos alunos da escola apresentaram-se dentro do grupo de

risco das doenças crônicas não transmissíveis, tratando-se de um indicador

preocupante, considerando que a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulga

que cerca de 2,8 milhões de pessoas morrem a cada ano em decorrência do

excesso de peso ou obesidade. Como tais doenças estão relacionadas aos hábitos

alimentares, a mudança nesses hábitos pode ter significativa influência na qualidade

de vida desses estudantes. Durante a divulgação desses dados aos estudantes,

observamos muito interesse com relação a esse assunto, fator que foi relevante na

escolha do tema do projeto. Ao trabalharmos com textos na escola, entendemos que

é necessário que esses sejam motivadores, uma vez que é comum presenciarmos o

desinteresse de alunos em situações em que os professores apresentam os textos

para a realização de atividades de leitura.

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A motivação, aliada ao prazer de aprender um assunto de seu interesse, é um

importante fator para o sucesso de qualquer atividade escolar que vise à

aprendizagem. De acordo com Krashen (1987) apud Cardoso e Lima (2004, p. 5),

“[...] determinadas variáveis afetivas do indivíduo podem funcionar como uma

espécie de filtro ou barreira que facilita ou bloqueia a aquisição da língua”. Essas

variáveis afetivas incluem: motivação, autoconfiança e ansiedade. Aprendizes

motivados, confiantes e com baixa ansiedade tendem a ser bem sucedidos no

processo de ensino e aprendizagem e, por isso justificamos a escolha dos gêneros

textuais ligados à esfera nutricional, uma vez que os assuntos presentes nesses

gêneros são interessantes para os alunos por tratar-se de aspectos relacionados

com algo presente e relevante para sua vida social, promovendo assim uma relação

positiva com o ensino/ aprendizagem.

Portanto, o projeto objetivou realizar um trabalho com gêneros da esfera

nutricional, como receitas culinárias, rótulos de alimentos e artigos de opinião, uma

vez que entendemos que esses gêneros estão inseridos em situações reais de uso

da língua, com uma função social, podendo contribuir para o letramento e para o

exercício da cidadania.

Fundamentação teórica

A escola é considerada como um autêntico lugar de comunicação, onde os

aprendizes devem entrar em contato direto com múltiplas situações de leitura e

escrita, não só na disciplina de Língua Portuguesa, mas em todas as áreas do

conhecimento, permitindo-lhes o acesso ao mundo letrado.

As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008) assumem como

conteúdo estruturante na disciplina de Língua Portuguesa a concepção de

linguagem como prática que se efetiva nas diferentes instâncias sociais, na

perspectiva de discurso como prática social.

[...] No processo de ensino e aprendizagem, é importante ter claro, que quanto maior o contato com a linguagem nas diferentes esferas sociais, mais possibilidades se tem de entender o texto, seus sentidos, suas visões de mundo. A ação pedagógica referente à linguagem, portanto, precisa pautar-se na interlocução e atividades que possibilitem ao aluno a leitura e a produção oral e escrita, bem como a reflexão e o uso da linguagem em diferentes situações. Desse modo, sugere-se um trabalho pedagógico que priorize as práticas sociais (PARANÁ, 2008, p. 55).

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De acordo com essas prescrições oficiais, torna-se explícita a relação que

deve haver entre o ensino e a vida social. Isso porque é na vida social que as

relações de interlocução se manifestam e os sujeitos precisam saber refletir para

poder interagir e atuar por meio da língua. Por essa razão, urge um ensino em que o

aprendiz consiga associar língua e vida social.

A partir dessa perspectiva de ensino, o enfoque incide na superação daquela

prática embasada no ensino excessivamente formal e estanque da gramática, para

que se privilegie o texto, com um trabalho pedagógico em que estejam articuladas

as três práticas: a leitura crítica, reflexiva, a produção oral/escrita como sujeitos

enunciadores de textos, além da análise linguística com base em fatos reais de uso

da língua. Esse enfoque demonstra um avanço com relação às práticas de ensino

no início dos anos 80, uma vez que é a partir dessa década que, segundo os PCNs,

“[...] as pesquisas produzidas por uma linguística independente da tradição

normativa e filológica e os estudos desenvolvidos em variação linguística e

psicolinguística, entre outras, possibilitaram avanços nas áreas de educação [...]”

(BRASIL, 1998, p.17). A divulgação dos resultados dessas pesquisas proporcionou

uma revisão das práticas de ensino da língua, orientando para uma valorização do

aluno como sujeito de seu dizer, que deve passar a ser considerado como

enunciador de seus textos, sejam textos orais ou escritos, deixando de lado a noção

de receptor, cujo papel era totalmente passivo.

Nas Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (2008), as orientações para

a prática pedagógica do ensino de Língua Materna assumem a concepção de

linguagem como prática que se efetiva nas diferentes instâncias. Nessa perspectiva,

o Conteúdo Estruturante3 está relacionado com as necessidades de aprendizagem

dos alunos que determinam o material e as consignas4 de trabalho a serem

realizadas nesse contexto. Desse modo, se pensamos em análise linguística

baseada em fatos reais da língua, valorizamos a interação verbal que ocorre nas

diferentes instâncias de enunciação. Para tanto, o docente visará a produção de

consignas que levem o aluno a estabelecer uma relação entre as práticas de

3 O Conteúdo Estruturante (DCE, 2008) se refere ao conjunto de saberes e conhecimentos de grande dimensão, a partir dos quais se selecionam os conteúdos a serem trabalhados na rotina de sala de aula. 4 Segundo Dora Riestra (2004), as consignas de trabalho levam o aluno a fazer algo, são portanto, diretivas de trabalho.

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linguagem e a aprendizagem da língua e essas consignas terão assim, o objetivo de

promover o desenvolvimento das capacidades de linguagem nos alunos.

Se “[...] a interação verbal constitui a realidade fundamental da língua e o

aprendizado envolve sempre a interação com outros indivíduos e a interferência

direta ou indireta deles” (BAKHTIN, 1999 apud PARANÁ, 2008, p. 47), nada mais

coerente que situar entre as práticas de ensino do 6º ano, as práticas linguageiras

da esfera midiática, da esfera escolar, da esfera da saúde, demonstrando assim que

há diferentes apreciações valorativas dos enunciadores de textos gastronômicos e

apreciações que se refletem nos modelos de uso da língua.

Esperamos que, dessa maneira, a aprendizagem ocorra diferentemente da

prática embasada no ensino estrutural de língua , privilegiando o texto verbal e não

verbal como instrumento de ensino e o trabalho do professor com ações didáticas

em que a leitura, a produção oral/escrita e a análise linguística estejam articuladas.

A partir desse contexto, de acordo com os PCNs “[...] o objeto de ensino e,

portanto, de aprendizagem, é o conhecimento textual, linguístico e discursivo com o

qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem”

(BRASIL, 1998, p. 22). Neste sentido, o ensino de Língua portuguesa passa a ser

um desafio para o professor, pois cabe a ele planejar e dirigir atividades didáticas

para uma real inserção e participação do seu aluno como cidadão crítico e reflexivo,

a partir do saber dos usos sociais da linguagem escrita.

A partir de Bronckart (1999), Pasquier e Dolz (1996), Dolz e Schneuwly (2004) e

Machado (2004), surgiram reflexões a respeito de ações didáticas que concebem o

ensino como trabalho mediado por instrumentos, ideia advinda do materialismo histórico.

Para Dolz e Schneuwly (2004), os gêneros textuais passam a ser instrumentos

de ensino/aprendizagem; e o grupo de Genebra, constituído pelos autores acima

mencionados apresentou modelos de trabalhos com as línguas em sala de aula que

visam o ensino contextualizado por meio de textos autênticos, o que trouxe mudanças

significativas nas concepções de trabalho do professor, provocando um despertar de

interesse pelos seus gestos de ensino/profissionais em sala de aula.

Nascimento (2011) publicou um artigo sobre os gestos didáticos, em que

realiza uma análise de uma situação de ensino, a partir da qual são apontados

gestos/ações realizadas por uma professora observada em situação de

ensino/aprendizagem. De acordo com Sensevy (2005), os gestos têm por objetivo

construir, em sala de aula, certos saberes disciplinares e levar à aprendizagem dos

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alunos. Assim, pensar sobre os nossos gestos didáticos nessa esteira de

ensino/aprendizagem também é relevante, visto que a figura do professor tem

importância fundamental nesse processo, pois pela sua intervenção ele direciona as

operações mentais realizadas pelos alunos ao realizarem as tarefas, na tentativa de

produzir efeitos que levem o aprendiz ao desenvolvimento de capacidades de agir

pela língua eficientemente.

Ao refletirmos ainda sobre afirmação de Bakhtin (2006, p. 43) de que “[...] não se

pode separar as formas da comunicação de suas bases materiais”, torna-se imperativo

para a instituição escolar promover no ensino de línguas a reflexão sobre o contexto

sócio-histórico dos gêneros textuais por meio dos quais ensina a língua. Sob esse

aspecto, o ensino de Língua Portuguesa deve proporcionar práticas que considerem os

aspectos sociais e históricos em que o sujeito está inserido, por meio de atividades que

aperfeiçoem os seus conhecimentos. Assim, além de a escola focar o conhecimento

sistematizado por meio do trabalho com os gêneros, ela também atentará os alunos aos

fatores culturais inerentes aos textos que lê e escreve.

Para que o aluno se torne participante crítico e reflexivo na comunidade em

que vive, é preciso que a escola crie situações do cotidiano, explorando as

possibilidades de ensino que visem ao desenvolvimento do aluno para atuar com

eficiência em sua própria língua. Nesse sentido, nos apoiamos no trabalho como o

gênero textual, uma vez que a comunicação se faz presente por meio deles.

Somando-se a isso, as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná

consideram que “é função da escola oferecer um espaço que oportunize, por meio

de uma gama de textos com diferentes funções sociais, o letramento do aluno,

envolvendo-o assim nas práticas de uso da língua – sejam da leitura, oralidade e

escrita”(PARANÁ, 2008, p.50).

Diante disso, nosso objetivo com este trabalho foi fazer que o conhecimento

se tornasse acessível para o aluno. Para tanto, seguimos as orientações de

Schneuwly (2000, apud Nascimento, 2011), realizando uma sequência didática (SD)

destinada ao ensino de gêneros textuais da esfera da nutrição. Essa SD foi

trabalhada com alunos do 6.º ano.

Discussão e análise dos dados

A Intervenção pedagógica foi realizada nos meses de fevereiro, março, abril e

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maio de 2014, com os alunos do 6º ano, do período vespertino, da Escola Estadual

Honório Fagan- Ensino Fundamental, de Floraí, PR.

No dia 12 de fevereiro de 2014, iniciamos com os alunos o projeto “Gêneros

textuais como instrumentos para produção e a compreensão escrita em Língua

Portuguesa”, com a apresentação do objetivo e da justificativa do trabalho,

mostrando-lhes a importância da leitura e da escrita para a sua formação como

cidadão integrante da sociedade, bem como atitudes relacionadas à nutrição.

Explicamos que o trabalho seria desenvolvido por meio de uma Sequência

Didática baseada em fatos reais da língua, com textos verbais e não verbais, por

meio de gêneros que pertencem à esfera nutricional, como artigo de opinião, rótulos

e receitas culinárias, os quais seriam estudados em um total mínimo de 32 aulas.

Percebemos que os alunos ficaram motivados para o trabalho principalmente pelo

fato de que a sequência didática estabeleceria uma relação da aprendizagem da

língua por meio de textos que fazem parte de sua realidade.

Na primeira parte da SD, apresentamos a situação em diferentes mídias e

suportes por meio de leitura de imagens com o objetivo de motivar o aluno para o

tema do projeto. Usamos a própria revista e a TV pendrive para explorar a capa da

revista Época, 780, de 6 de maio de 2013, com a manchete “Pai gordo, filho

obeso...neto acima do peso” e a imagem “A família engorda unida”. Também usamos

a TV pendrive para apresentação do vídeo do Globo Repórter “Crianças aprendem na

escola os segredos da alimentação saudável” relacionando a correspondência entre o

verbal e o não verbal com indagações orais e escritas.

Quanto à capa da revista questionamos: Quais informações da capa são postas

em destaque na revista? Em que cores são formatadas as informações? Que funções

essas cores exercem na capa? As características do pai e do filho condizem com o

texto? Em que revista estão publicadas estas informações? Por quê? Com que objetivo?

Com respeito à cena “A família engorda unida”, questionamos: O que esta

cena tem de semelhante com a capa da revista? O que motivou a escolha desta foto

pela revista para comentar sobre o tema obesidade? Quais são os alimentos que a

família está comendo? Vocês também comem este tipo de alimento? Quantas

vezes por semana? Será que eles fazem bem para a saúde? Por quê? O que eles

podem causar? Em sua opinião, todos os pais têm consciência dos riscos do

consumo destes alimentos? Como vocês podem contribuir em sua casa para que as

atitudes alimentícias sejam sempre saudáveis?

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Em seguida, dissemos que iríamos aprender um pouco mais sobre o tema

assistindo ao vídeo com a reportagem “Crianças aprendem na escola os segredos

da alimentação saudável”, a qual nos revelaria o quanto é importante uma

alimentação saudável para evitarmos problemas de sobrepeso e obesidade tão

prejudicial a nossa saúde. Após o vídeo perguntamos: Que informações importantes

a reportagem nos apresentou?

Instigamos os educandos a refletirem se os alunos da nossa escola também

apresentavam os mesmos problemas de sobrepeso das escolas citadas na

reportagem. Neste momento, informamos que de acordo com a avaliação nutricional

realizada pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná, o resultado de 2011

demonstrou que quase 30% dos alunos da Escola Honório Fagan apresentaram

índices de sobrepeso e de obesidade. E, em seguida, perguntamos: Esse resultado

é preocupante ou não? Por quê?

Os três momentos foram de grande impacto e abriram espaço para muitas

discussões. Foi impressionante a reação dos alunos ao trabalhar com textos

autênticos. Preocupados com a questão da genética e dos hábitos alimentícios

muitas perguntas surgiram, como: “Professora, meu pai é meio gordinho, será que

quando eu crescer vou ser gordo também”? “Se eu comer um X salada uma vez por

semana, vou ficar gordo”? “Então, eu não posso mais comer cheeps e lanches”?

Essas e outras questões levaram-nos a uma longa discussão do assunto e

mostramos por meio do artigo “A família engorda unida” estatísticas preocupantes

com a questão do sobrepeso e da obesidade e suas causas.

Em aulas subsequentes, fizemos a mobilização para a uma sondagem dos

conhecimentos prévios dos alunos do gênero Receita Culinária. Partimos da leitura

de vários gêneros da esfera nutricional e colocamos, dessa maneira, o aluno diante

de uma situação variada de comunicação.

Os gêneros cardápio (cedido pela lanchonete da cidade), receita culinária (de

minha autoria), artigo de opinião (“Carboidratos devem ser a base de qualquer

dieta”, da Folha de São Paulo) e rótulo de alimento foram fotocopiados e entregues

aos alunos para que pudessem reconhecê-los e identificar a intenção de cada texto

por meio de questões objetivas. Os alunos conseguiram reconhecer três dos quatro

gêneros apresentados, pois, até então, não conheciam o gênero artigo de opinião.

Assim sendo, pedimos que os alunos voltassem a ler novamente o artigo de

opinião, que observassem onde o texto foi publicado, que identificassem o autor e sua

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opinião sobre o tema. Explicamos que o artigo de opinião, como o próprio nome diz, é

um texto em que o autor expõe sua opinião, seu posicionamento diante de algum

tema atual e de interesse de muitos. Aproveitamos também para explorar a ortografia

e a origem da palavra muçarela, a qual apareceu escrita no cardápio e na receita.

Como estava previsto, combinamos com os alunos que trouxessem para a

aula seguinte frutas variadas, pois iríamos para a cozinha da escola e lá faríamos

uma deliciosa vitamina com as frutas. Chegado o momento, acolhemos os alunos e

pedimos que colocassem as frutas na mesa. Primeiramente, conversamos sobre a

importância das frutas para o bom funcionamento do nosso organismo. Todos

partilharam dizendo quais frutas costumavam comer diariamente e as de que mais

gostavam.

Em seguida, sugerimos aos alunos que em grupo selecionassem as frutas com

as quais desejassem fazer a vitamina. Então questionamos: Vocês já fizeram alguma

vitamina de frutas em casa? Com quais frutas vocês fizeram? Como fizeram? Os alunos

animadamente responderam que sempre fizeram vitamina de frutas em casa com a

ajuda da mãe e que gostavam muito. Propusemos, então, que fizéssemos juntos uma

vitamina de frutas para saborearmos logo em seguida. Foi um momento inesquecível, os

alunos descascaram as frutas, picaram-nas, colocaram-nas no liquidificador,

acrescentaram o leite, o açúcar e o gelo. Pronta a vitamina, fizemos a degustação com

muito gosto, e os alunos até perguntaram quando faríamos outra.

Voltamos à sala de aula e explicamos aos alunos que a preparação de muitos

alimentos exige a leitura da receita para o preparo. Foi então que os questionamos:

Alguém em sua casa lê receitas para cozinhar? Você já leu e/ou fez alguma

receita? Com que objetivo alguém escreve uma receita? Qual a importância da

receita na sua vida? E na sociedade? Quem escreve receitas? Para quem se

escreve uma receita? Onde podemos encontrar receitas? Qual a finalidade da

receita? Que tipo de receita você considera saudável? Há em sua casa algum

caderno pessoal de receitas manuscritas? Você sabe escrever uma receita? Como

se escreve uma receita? Estabelecemos esse diálogo com os alunos com a

intenção de explorar a função social da receita culinária, o objetivo, a intenção, os

possíveis locutores e interlocutores e o suporte no qual esse gênero circula. Só

então, após toda essa motivação, os alunos escreveram a primeira produção: a

receita da vitamina que acabamos de preparar e degustar.

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Fig. 1: Preparação da vitamina. Fig. 2: Produção inicial. Fonte: A autora. Fonte: A autora.

A partir dessa primeira produção, pudemos observar as capacidades já

existentes dos alunos quanto ao gênero e seus principais problemas de escrita.

Atividade esta, não com a finalidade de dar nota, porém, de acordo com os autores

Dolz; Noverraz e Schneuwly (2010), propicia ao professor a observação, permitindo

adaptar a sequência de maneira mais precisa de acordo com as necessidades da

turma a ser trabalhada. Foi uma experiência marcante, pois os próprios alunos

“puseram a mão na massa” participando ativamente da proposta, trocando ideia e

experiência com os demais colegas. Dessa maneira, ficaram motivados para

escrever sem medo.

Para concretizar a aprendizagem, propusemos, como tarefa de casa, que os

alunos em grupo fizessem pesquisa em livros ou pela Internet sobre alimentação

saudável e não saudável e confeccionassem cartazes para serem afixados no pátio

da escola socializando, dessa maneira, o conhecimento adquirido.

Deixamos para ser trabalhado mais tarde o gênero receita culinária e

continuamos nosso trabalho com o gênero artigo de opinião com o texto “Pratos

equilibrados”. Mais uma vez o aluno foi colocado diante de uma situação pouco

conhecida por ele. Desde o início, foi um trabalho rico, desenvolvido por meio de

estratégias de leitura e levantamento de hipóteses, o que favoreceu que os

aprendizes observassem o conteúdo explícito e implícito do texto, bem como a voz do

articulista e outras vozes presentes no texto. A estratégia utilizada desencadeou a

curiosidade dos alunos fazendo surgir muitas questões, como: “O leite tem gordura”?

“Qual a diferença entre alimento light e diet”? “O que é carboidrato”? “Quais os

alimentos que contêm carboidratos”? Ficaram sabendo a diferença entre leite integral

e desnatado, entre alimento light e diet, a importância dos carboidratos, das vitaminas

e proteínas para o bom funcionamento do nosso organismo e a origem da palavra

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fast-food. Várias aulas, muita leitura foi necessária para que os alunos tomassem

posse de tanto conhecimento num só texto. Aproveitamos o momento e estimulamos

os alunos a realizarem uma leitura significativa, favorecendo o desenvolvimento de

atitude crítica, responsiva por meio do diálogo com os argumentos apresentados no

texto e levando-os a se posicionarem como sujeitos leitores.

Fazendo a intertextualidade com o texto anteriormente estudado, utilizamos a

imagem da revista Veja, ed. 2286, “Basta comer menos” por meio da própria revista

e da TV pendrive. Após discussões, os alunos perceberam que nossos avós

estavam certos: o segredo de uma boa alimentação está em comer menos.

Como o previsto nas ações da implementação do projeto, os alunos fariam

uma pesquisa no laboratório de informática: “Países que apresentam maior número

de pessoas obesas e seus hábitos alimentícios”. Apenas três computadores

estavam funcionando, o que acabou prejudicando a aula. Para contornar a situação

foi necessário levar a pesquisa impressa para a sala de aula.

Para a aula seguinte, pedimos aos alunos que trouxessem rótulos de

alimentos que costumavam comer, como chocolate, salgadinho, bolachas

recheadas, balas, enlatados, chips, entre outros. Para essa aula, contamos com a

participação de um profissional da área da saúde, uma nutricionista. Ela nos auxiliou

na exploração de outra situação de comunicação, o gênero rótulo de alimentos. Os

alunos tiveram informações fundamentais para o consumo consciente dos produtos

industrializados e informações relevantes para a saúde do consumidor.

Para consolidar o conhecimento adquirido, dividimos a sala em grupos de 5 e

6 alunos. Cada equipe recebeu uma sugestão de trabalho para pesquisa e produção

de cartazes. As sugestões foram as seguintes:

1) Dicas para se ter uma alimentação mais saudável.

2) Confecção da pirâmide alimentar.

3) A quantidade de açúcar, gordura e sódio em guloseimas infantis.

4) Curiosidade: países com maior número de obesos e seus hábitos alimentícios.

Marcamos dia e horário no contraturno para cada equipe, a fim de auxiliá-los

em suas pesquisas e confecção dos cartazes.

Os alunos participaram ativamente da atividade fazendo pesquisas no

laboratório de informática, escrevendo, recortando figuras e montando os cartazes.

Esse trabalho proporcionou enriquecimento do conhecimento, atenção, respeito e

troca de experiência entre os alunos.

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Prontos os cartazes, cada equipe se preparou e apresentou o seu trabalho para

os demais grupos. Em seguida, os cartazes foram afixados no pátio da escola com o

intuito de que todo conhecimento apreendido fosse coletivizado a toda comunidade

escolar, para que também pudessem melhorar de seus hábitos alimentícios.

Dando andamento à SD, voltamos às receitas culinárias, agora, com a

primeira produção avaliada que nos revelou as capacidades que os alunos já

dispunham do gênero em questão e, assim, pudemos ajustar a sequência de

atividades para intervir melhor no desenvolvimento dessas capacidade ampliando o

conhecimento sobre o gênero.

Primeiramente, vimos um pouco sobre a história da nossa cultura

gastronômica e algumas curiosidades. Exploramo também algumas dicas de

segurança na cozinha e, em seguida, para ampliação do vocabulário, os alunos

fizeram uma busca no dicionário do significado de alguns termos utilizados nas

receitas. Iniciamos, dessa maneira, uma sequência de atividades com o intuito de

aprimorar a prática da leitura e da escrita, com o objetivo de focar o contexto de

produção: finalidade, autor, leitor, momento social e suporte nos quais circulam as

receitas.

Combinamos com os alunos que coletassem e trouxessem para a aula

seguinte as receitas preferidas de sua mãe, avós ou tias, para estudo em sala de

aula. Das receitas coletadas, selecionamos três, para que junto com os alunos e

com a ajuda do data show, pudéssemos comparar e analisar a estrutura de cada

receita: as partes que a compõe, sua forma de organização, marcas linguísticas e

enunciativas características. Para tanto, valemo-nos das seguintes questões: Estas

receitas possuem algo em comum? O quê? Há alguma diferença entre elas? O que

esses textos possuem de diferente? Além do título, quantas partes têm uma receita?

Que partes são essas? Que outro nome essas partes recebem? Por que o Título da

receita é composto desta forma? Existe uma ordem para escrever os Ingredientes?

Por que será que, em uma receita, a listagem de ingredientes vem separada do

restante da receita e é listada em forma de itens? Existe alguma ordem para

escrever os itens do Modo de fazer de uma receita? Por quê?

Após a análise e comparação das receitas, pedimos que os alunos

conversassem com seus colegas de grupo, definissem o gênero receita culinária e que

fizessem a partilha com os demais colegas de sala. Mesmo sendo um gênero fácil de

ser explorado, percebemos que os alunos não tinham domínio de todas as suas marcas

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linguísticas, principalmente o emprego dos verbos, pontuação e concordância nominal.

Dando sequência, comentamos que em todas as receitas aparecem algumas

ações como “misture”, “junte” e pedimos que circulassem em duas das receitas já

trabalhadas as palavras que indicassem ações. Neste momento, percebemos que os

alunos não sabiam o significado da palavra ação, pois um deles perguntou: “O que é

ação”? Explicamos que ação é tudo aquilo que se faz, dando instrução de como fazer um

alimento, para que a receita seja realizada com sucesso. Explicamos também que a

maior parte das palavras da Língua Portuguesa enquadra-se em categorias gramaticais

que funcionam como caixinhas organizadoras das palavras pelo que elas têm de

semelhantes. Uma das categorias que você conheceu nas receitas culinárias, como as

palavras destacadas acima “misture”, “junte”, é a dos verbos.

A partir daí, circularam as ações das receitas com facilidade. Pedimos que

separassem em colunas as ações da receita “A” e “B”, pois em uma das receitas as

ações estavam no imperativo e a outra no infinitivo. Solicitamos também que

descobrissem o que essas palavras tinham em comum e o que tinham de diferente.

Depois, iniciamos um registro sobre as descobertas observando que, quem escreve

a receita escolhe uma possibilidade, ou seja, quem começa com o imperativo usa

essa forma do começo ao fim; da mesma forma quem usa o infinitivo, coloca todos

os verbos no infinitivo.

Para trabalharmos a pontuação, entregamos aos alunos um fragmento de uma

receita escrita por um aluno que não conhecia muito sobre o uso da pontuação, mas

sem identificação. Após fazerem a leitura, lançamos a seguintes questões: “Você

concorda com a pontuação? O que você mudaria? As questões foram discutidas e,

em seguida, perguntamos: Os pontos são necessários? O que indicam os pontos no

“Modo de fazer” da receita? Só então, pedimos que os alunos copiassem a receita de

maneira que a pontuação ficasse correta, facilitando o preparo do prato.

Para sistematizar o estudo da concordância entre o numeral e o substantivo que

apresentam as receitas, trouxemos para a sala de aula um bolo de casca de banana

para ser saboreado. Após a degustação, perguntamos aos alunos: “Do que vocês

acham que foi feito esse bolo”? Muitos alunos acertaram; outros não gostaram quando

ficaram sabendo que foi feito com cascas de banana. Entregamos um texto para que

fossem informados sobre a importância das fibras na nossa alimentação e que essas

fibras são encontradas nas cascas de muitas frutas e legumes que muitas vezes

jogamos na lata de lixo. Em seguida, entregamos aos alunos a receita do bolo escrita de

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maneira que não foi observada a concordância entre o numeral e o substantivo e

laçamos a seguinte questão: Você concorda como foi escrita a receita? Por quê?

Explicamos aos alunos que quem escreveu a receita não fez a concordância

entre os numerais e os substantivos, usando uma linguagem popular, informal, que

não está de acordo com a gramática normativa da Língua Portuguesa. Aproveitamos

o momento para explicar sobre a linguagem formal e informal. Em seguida, pedimos

aos alunos que escrevessem o texto utilizando a linguagem formal culta,

obedecendo às normas gramaticais. Outra atividade sugerida foi que escrevessem

receitas trocando desenhos por palavras.

Finalizadas as atividades, os alunos foram motivados à produção de um

caderno de “Receitas Saudáveis” em colaboração com a família, o qual foi entregue

às mães. Para tanto, os alunos fizeram com suas mães, avós ou tias, uma coletânea

de receitas consideradas saudáveis. As receitas coletadas foram lidas e analisadas

pelos colegas de grupo, para ver se realmente eram saudáveis e, ao mesmo tempo,

assinalaram possíveis erros de ortografia, de estrutura e dos elementos

composicionais do gênero, a partir do seguinte roteiro de avaliação: A receita

combina com o título do caderno no qual será publicada? O título foi colocado? O

título é típico de uma receita? (Lembre-se de que muitos títulos devem ser

compostos pelo nome do principal ingrediente da comida que ela ensina a fazer). Os

ingredientes estão separados por itens? As quantidades de todos os ingredientes

estão indicadas? O Modo de fazer está escrito de forma clara e que qualquer um

que venha a ler a receita possa fazê-la? As ações que instruem como deve ser feita

a receita estão escritas na forma típica de uma receita? (Exemplo: “corte”, “adicione”).

Aparecem palavras que explicam as ações necessárias? (Exemplo: “corte bem”,

“misture levemente”). As instruções foram separadas com a pontuação adequada? A

concordância entre as quantidades e os ingredientes está correta? As palavras estão

escritas ortograficamente corretas? Após a análise, os alunos receberam de volta

suas produções para reescrita. E, por fim, fizemos uma revisão e, se necessário, o

aluno realizou a reescrita final.

Na produção final, os alunos transpuseram as capacidades desenvolvidas nas

atividades realizadas, o que permitiu-nos fazer uma avaliação do desenvolvimento

real de cada um por meio da comparação com a primeira produção realizada no

início da SD (a receita de vitamina).

O encerramento do projeto foi realizado à noite, para que pudéssemos contar

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com os familiares e com a equipe pedagógica da escola, com uma festa de

confraternização. A maioria das mães compareceu com pratos oriundos das receitas

coletadas no decorrer do desenvolvimento do projeto. Os alunos aproveitaram o

momento e fizeram algumas apresentações com cantos, dramatização e

declamação de poemas e também expuseram textos de opinião produzidos por eles

sobre a importância de uma alimentação saudável. Após as apresentações, cada

aluno presenteou sua mãe com sua produção Caderno de Receitas Saudáveis e, em

seguida, procedemos à degustação dos pratos.

Fig.3: Produção final. Fig..4: Encerramento do projeto. Fonte: A autora. Fonte: A autora.

Por meio do desenvolvimento do projeto, pudemos aproximar a família da

escola, abrir espaço para pais e filhos dialogar o conteúdo que estava sendo

vivenciado, criando oportunidades de participarem das atividades e dos resultados

obtidos. Tal ação contou com o interesse e envolvimento dos pais, que perguntaram

se íamos desenvolver outros projetos semelhantes a esse.

Podemos afirmar que os objetivos do trabalho foram alcançados, pois

observamos que durante a realização das atividades houve muito interesse e

dinamismo por parte dos alunos. Quando começamos o bimestre seguinte alguns

alunos falaram: “Ah professora, é mais gostoso trabalhar com as receitas!” “Estou

com saudade de quando trabalhávamos com as receitas!” Essas manifestações não

se relacionam diretamente com o processo de aprendizagem, mas são motivadoras

para que esse processo se efetive.

A aprendizagem da leitura e da escrita se fez notar durante o Conselho de

Classe quando pudemos comparar os resultados com as outras disciplinas. Poucos

alunos não conseguiram alcançar a média na disciplina de Língua Portuguesa, o que

não aconteceu com as demais disciplinas. Quanto à reflexão sobre os hábitos

nutricionais, acreditamos que a educação nutricional quando realizada na escola

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fornece conhecimento e promove bons hábitos alimentares, alcançando também os

familiares, porém sabemos que essas atitudes se efetivarão com o tempo com a

ajuda dos pais e da sociedade.

Considerações Finais

O projeto propôs fazer um vínculo entre o ensino e a vida social do educando.

Para tanto, procurou superar a prática embasada no ensino excessivamente formal

e estanque da gramática privilegiando o trabalho com gêneros textuais da esfera

nutricional, como receita culinária, artigo de opinião e rótulos de alimentos, com o

intuito de desenvolver nos alunos capacidades de produção e compreensão da

linguagem escrita. Durante todo o seu desenvolvimento configurou-se como um

trabalho de comprometimento com os alunos do sexto ano, uma vez que permitiu

que os aprendizes analisassem aspectos contextuais da gastronomia que embasam

as ações de linguagem relacionadas com a alimentação, refletindo, assim, sobre a

língua e suas próprias ações quanto à alimentação.

Para tanto, promovemos estratégias de ensino a partir de sequências didáticas

que proporcionaram a reflexão sobre o contexto sócio-histórico dos gêneros textuais,

promovendo, dessa maneira, o desenvolvimento de capacidades para a leitura, a

escrita e a oralidade. Sob essa perspectiva, proporcionamos práticas que

consideraram os aspectos sociais e históricos em que o sujeito está inserido por meio

de atividades que aperfeiçoaram os seus conhecimentos. Assim, além de focarmos o

conhecimento sistematizado por meio do trabalho com os gêneros, também

atentamos o aluno aos fatores culturais inerentes aos textos que lê e escreve.

Após a análise dos dados, pudemos constatar que frente aos desafios do

atual contexto educacional para o ensino em Língua Portuguesa relacionados às

dificuldades de leitura compreensiva e produção de textos, urge novos

posicionamentos em relação às práticas de ensino, uma vez que ficou claro ser

preciso uma teoria que sustente a prática pedagógica.

Acreditamos que o trabalho docente, à luz das pesquisas intensas do grupo

da Universidade de Genebra, faz-se consistente e coerente para a apropriação de

práticas de linguagem, com ênfase à língua viva, dialógica, colocando o educando

em constante reflexão e dando-lhe condições para atuar com eficiência em sua

própria língua.

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Referências

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