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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
A MEDIAÇÃO DO LETRAMENTO LITERÁRIO NO DESENVOLVIMENTO DE
CAPACIDADES LEITORAS
Professora PDE: Luzia Ramos Nogueira
Orientadora: Eliane Merlin Deganutti de Barros
1 Introdução
De acordo com o objetivo do Programa de Desenvolvimento Educacional
(PDE), busca-se “proporcionar aos professores da rede pública estadual
subsídios teórico-metodológicos para o desenvolvimento de ações
educacionais sistematizadas, e que resultem em redimensionamento de sua
prática” (PARANÁ, 2012). O Projeto de Intervenção e a Produção Didático-
Pedagógica são, então, uma resposta teoria e prática aos objetivos do
programa.
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná
(DCE – PARANÁ, 2008, p. 14) – Língua Portuguesa – apontam que nossos
alunos “devem ter acesso ao conhecimento produzido pela humanidade que,
na escola, é veiculado pelos conteúdos das disciplinas escolares”, mas tal
acesso é amplamente impedido, pois a leitura, ferramenta de acesso a tais
conhecimentos, é um entrave na vida desses alunos que não conseguem
desenvolver capacidades de compreensão da linguagem em suas inúmeras
configurações textuais: gêneros jornalísticos, publicitários, escolares, literários,
etc.
Como já mencionado no Projeto de Intervenção, respondendo a seu
objetivo e ao estudo do referencial teórico, definiu-se a elaboração de uma
Sequência Básica, procedimento proposto por Rildo Cosson (2011), como
instrumento mediador do desenvolvimento de capacidades leitoras.
De acordo com Cosson (2011, p.23), “o letramento literário é uma prática
social e, como tal, responsabilidade da escola”. Essa forma de letramento
busca proporcionar ao aluno uma experiência de leitura a ser compartilhada.
“De todas as competências culturais, ler é, talvez, a mais valorizada entre nós.
Tudo que somos, fazemos e compartilhamos passa necessariamente pela
escrita” (SOUZA; COSSON, 2013).
O trabalho desenvolvido na Unidade Didática elaborada foi uma
Sequência Básica que objetivou direcionar a leitura da obra Esmeralda: por que
não dancei, de Esmeralda do Carmo Ortiz (2011); obra componente do acervo
do PNBE.
O presente trabalho busca apresentar como se deu a implementação do
projeto com os alunos do 9º ano da Escola Estadual Paulo Freire. Alunos que
apresentam ao longo de sua vida escolar um histórico de fracassos, visto que a
média de idade da turma é de 18 anos. São alunos trabalhadores que, pela sua
idade, já deveriam estar terminando o Ensino Médio.
A Sequência Básica foi apresentada aos professores da Escola Paulo
Freire na Semana Pedagógica de 2014 objetivando que o projeto não fosse
apenas uma atividade da disciplina Língua Portuguesa, mas uma ação
desenvolvida pela escola. No ano anterior, a proposta já havia sido discutida
com a equipe pedagógica e considerada compatível com a realidade e a
necessidade dos alunos. Era intuito colocar nas mãos dos alunos não só uma
obra literária, mas também uma proposta diferenciada de leitura, por isso
seguir os passos da Sequência Básica apresentou-se como um caminho a ser
seguido, justamente porque preza e se inicia pela motivação (1ª etapa). Foram,
então, buscadas ações que motivassem o aluno a querer ler e também interagir
com a obra, o que seria conseguido com os intervalos, momentos para que o
professor pudesse não só acompanhar a leitura em uma simples verificação de
que o processo estava acontecendo, mas também poder ampliar o horizonte
dos alunos em relação a entendimento e interação, no sentido de trazer para a
leitura o conhecimento de mundo dos alunos (2ª e 3ª etapas). Tudo isso seria
verificado com a última etapa: a interpretação, momento em que mais do que
registro de respostas em um teste escrito ou oral, os alunos apresentariam todo
o seu percurso de leitura, por meio de seus registros escritos e também
apresentando à comunidade o seu crescimento como leitores, visto que teriam
um produto final a ser apresentado, em nosso caso específico, um rap.
2. Fundamentação teórica
2.1 Leitura
Marcuschi (2008) afirma que “ler é um ato de produção e apropriação de
sentido que nunca é definitivo e completo”. Produção e apropriação que não
podem ser confundidas com uma simples extração de conteúdos ou
identificação de sentidos, ou seja, ler, compreender, não é apenas decodificar.
O autor também analisa que a leitura é uma experiência que está ligada
a “esquemas cognitivos internalizados, mas não individuais e únicos”
(MARCUSCHI, 2008, p. 228). A percepção está ligada a nosso sistema
sociocultural que é construído ao longo de nossa existência. Marcuschi (2008)
exemplifica esse pensamento utilizando-se da imagem da cadeira: se uma
pessoa nunca viu uma cadeira, ao vê-la, irá percebê-la como um objeto, com
seus detalhes físicos, mas não saberá, pelo menos de imediato, de seu uso,
pois isso se trata de um dado cultural, social.
Citando Vygotsky, Marcuschi (2008) escreve que “conhecer é um ato
social e não uma ação interior do indivíduo isolado”. Por isso nem todos veem
do mesmo modo o mesmo texto lido.
Ainda discorrendo sobre a leitura, o autor nos propõe algumas questões
que seguem apresentadas (MARCUSCHI, 2008, p. 229-260):
a) leitura e compreensão como trabalho social e não atividade individual;
b) compreensão e atividade inferencial;
c) a língua como trabalho social, histórico e cognitivo;
d) a texto como evento comunicativo;
e) o contexto no processo de compreensão;
f) noção de inferência;
g) compreensão como processo.
2.1.1 Leitura e compreensão como trabalho social e não atividade
individual
“Compreender exige habilidade, interação e trabalho” (MARCUSCHI,
2008, p. 230). O pesquisador explora a oposição entre trabalho social e
atividade individual, expondo que a compreensão de um texto não é resultado
de uma herança genética pessoal e nem é algo tão natural e individual, mas é
resultado de um trabalho social, uma forma de inserção na sociedade e de
interação com o outro cultural e socialmente.
Citando a pesquisa de Kleiman (2004), Marcuschi (2008) informa que a
autora identifica dois modelos de leitura nas últimas quatro décadas: de 1970 a
1990, a leitura é dominada pelas teorias da psicologia cognitiva e pela
linguística de texto que via o texto como um continente; após esse período,
desloca-se o polo de interesse da ação do indivíduo sobre o texto para a
inserção do sujeito na sociedade e no contexto de interpretação ligado à
realidade sociocultural.
Marcuschi (2008) diz que as atividades marcadas pela linguagem
seguidamente operam como “fontes de mal-entendidos”, pois a compreensão é
uma construção de sentidos com base em atividades inferenciais e não uma
simples identificação de informações. “Para se compreender bem um texto,
tem-se que sair dele, pois o texto sempre monitora o seu leitor para além de si
próprio” (MARCUSCHI, 2008, p. 233).
O autor afirma que esse quadro aponta consequências que serão
exploradas ao longo de seu texto e que também devem ser levadas em conta
por aqueles que estudam sobre tal assunto:
1) entender um texto não equivale a entender palavras ou frases; 2) entender as frases ou as palavras é vê-las em um contexto maior; 3) entender é produzir sentidos e não extrair conteúdos prontos; 4) entender o texto é inferir numa relação de vários conhecimentos. A isso subjazem algumas suposições bastante centrais, como: 1) os textos são em geral lidos com motivações muito diversas; 2) diferentes indivíduos produzem sentidos diversos com o mesmo texto; 3) um texto não tem uma compreensão ideal, definitiva e única; 4) mesmo que variadas, as compreensões de um texto devem ser compatíveis; 5) em condições socioculturais diversas, temos compreensões diversas do mesmo texto (MARCUSCHI, 2008, p. 233).
O autor expõe que, para uma análise dos processos de compreensão,
deve se levar em conta a noção de inferência.
2.1.2 Compreensão e atividade inferencial
Marcuschi (2008) informa que os modelos teóricos que tratam da leitura
são distribuídos em dois grandes paradigmas que apresentam as seguintes
hipóteses: compreender é decodificar (metáfora do conduto); compreender é
inferir (hipótese da planta baixa).
Ou seja, de um lado, encontram-se as teorias da compreensão como
decodificação e, de outro, as baseadas na noção de língua como atividade, que
tomam a compreensão como inferência ou pelo menos como processo de
construção baseada numa atividade mais ampla e de base sociointerativa
(MARCUSCHI, 2008, p. 237):
De um lado, está a perspectiva de uma semântica lexicalista, uma noção de referência extensionalista na relação linguagem–mundo e uma concepção de texto como continente. De outro lado, está uma noção de língua como atividade sociointerativa e cognitiva, com uma noção de referência e coerência produzidas interativamente e uma noção de texto como evento construído na relação situacional, sendo o sentido sempre situado.
Essas duas perspectivas não são necessariamente contrárias, mas cada
uma traz consigo definições e consequências diferentes na noção de língua e
de texto e funções da linguagem. A primeira concebe a língua como veículo de
construção de sentido, envolvendo um sujeito isolado, centra-se no código e,
assim, prevalece a função informacional; a noção de compreensão envolve
uma ação objetiva de apreender ou decodificar o que foi codificado. Já a
segunda concebe a língua como atividade interativa e conta com uma ação
colaborativa e decisiva do leitor. É importante mencionar que há várias teorias
inferenciais que exploram essa última concepção. A proposta do letramento
literário de Rildo Cosson trabalha em sintonia com essas ideias.
O letramento literário enquanto construção literária dos sentidos se faz indagando ao texto quem e quando diz, o que diz, como diz, para que diz e para quem diz. Respostas que só podem ser obtidas quando se examinam os detalhes do texto,
configura-se um contexto e se insere a obra em um diálogo com outros tantos textos (COSSON; SOUZA, 2011, p. 103).
Rildo Cosson define o bom leitor como “aquele que agencia com os
textos os sentidos do mundo, compreendendo que a leitura é um concerto de
muitas vozes e nunca um monólogo” (COSSON, 2011, p. 27). Essas muitas
vozes contribuem para a formação do contexto da leitura e são fontes de
inferência, pois, ainda como afirma o autor, os sentidos do texto são o
resultado de compartilhamentos de visões do mundo entre escritor, leitor e
sociedade, em diversos tempo e espaço.
6.1.3 A língua como trabalho social, histórico e cognitivo
O autor apresenta que “a língua é um fenômeno cultural, histórico, social
e cognitivo que varia ao longo do tempo e de acordo com os falantes: ela se
manifesta no seu funcionamento e é sensível ao contexto” (MARCUSCHI,
2008, p. 240). Dessa forma, a produção textual não é uma mera codificação
nem a leitura um simples processo de decodificação.
Nessa visão, as significações e os sentidos do texto e do discurso não
podem ficar aprisionados pelas estruturas linguísticas no interior do texto, ou
seja, “a língua é semanticamente opaca, e os textos podem produzir mais de
um sentido. A língua permite a pluralidade de significações e as pessoas
podem entender o que não foi pretendido pelo falante ou o autor do texto”
(MARCUSCHI, 2008, p. 241). Nesse sentido, o texto torna-se “armadilha”, pois
além de poder apresentar mais de um significado nunca poderá apresentar
tudo o que o autor quis dizer.
2.1.4. O texto como evento comunicativo
Segundo Marcuschi (2008), o texto não é “um produto acabado e
objetivo nem um depósito de informações, mas um evento ou um ato
enunciativo, o texto acha-se em permanente elaboração ao longo de sua
história e das diversas recepções pelos diversos leitores” (p. 242). No entanto,
há limites para sua compreensão, metaforiza o autor que ele não é uma
“caixinha de surpresas” nem uma “caixa preta”, senão não haveria nenhum tipo
de entendimento. Continua o autor, informando que “a coerência de um texto é
uma perspectiva interpretativa do leitor e não se acha inscrita de forma
completa e unívoca no texto” (p.242).
Como a língua é atividade interativa e não apenas uma forma, o texto
também não é um produto, mas um evento comunicativo, ou seja, as
compreensões são fruto do trabalho conjunto entre produtores e receptores, “o
sentido não está no leitor, nem no texto, nem no autor, mas se dá como um
efeito das relações entre eles e das atividades desenvolvidas” (MARCUSCHI,
2008, p. 242). Interessante também registrar que cada gênero textual tem suas
peculiaridades, sendo um indicador importante para ser compreendido.
2.1.5 O contexto no processo de compreensão
Marcuschi (2008) apresenta algumas ideias de M. Dascal e Weizman,
publicadas em 1987. Eles afirmam, de acordo com Marcuschi, que o leitor,
sendo exposto a uma base, os materiais linguísticos, e usando o cotexto e o
contexto, chega à compreensão. O problema está na relação entre o cotexto e
o contexto e nos fatores que neles intervêm. Em relação ao cotexto, parece
não operar como fator invariante, já que vários questionamentos podem ser
levantados.
Os autores também analisam a influência de informações contextuais
extralinguísticas (conhecimento de mundo) e metalinguísticas (conhecimento
de convenções e estruturas linguísticas). Também sugerem fontes de pistas
contextuais: contexto extralinguístico específico e contexto metalinguístico
específico; contexto extralinguístico superficial e contexto metalinguístico
superficial; conhecimento extralinguístico de fundo, conhecimentos
metalinguísticos de fundo. Conjuntos que não se excluem e podem se
combinar em várias ordens. É importante salientar que os diversos tipos de
contexto de um texto contribuem para que o leitor o interprete, mas é preciso
que o esse domine esses contextos, caso contrário não chegará a sua
interpretação.
2.1.6 Noção de inferência
Marcuschi (2008) aponta que “todas as teorias de compreensão se
situam num destes dois paradigmas: (1) compreender é decodificar ou (2)
compreender é inferir” (p. 248).
No caso de decodificação, a língua é um sistema que representa ideias
e o texto é um conjunto de informações. De acordo com o autor, essa visão é
adotada pelos livros didáticos, que propõem atividades de mera decodificação,
sem admitir respostas alternativas.
No caso da inferência, as teorias pregam que a compreensão se dá em
atividades cooperativas e inferenciais, sendo o trabalho: construtivo, criativo e
sociointerativo. Afirma Marcuschi que “o sentido não está nem no texto nem no
leitor nem no autor, e sim numa complexa relação interativa entre os três e
surge como efeito de uma negociação” (p.248). O autor diz que as inferências
“são processos cognitivos nos quais os falantes ou ouvintes, partindo da
informação textual e considerando o respectivo contexto, constroem uma nova
representação semântica” (MARCUSCHI, 2008, p.249), isto é, as inferências
propõem contextos integradores para as informações, dando-lhes coerência.
Também funcionam como “hipóteses coesivas” de leitura. As inferências
trabalham com as relações entre os fenômenos linguísticos, antropológicos,
psicológicos e factuais que permeiam o texto.
2.1.7 Compreensão como processo
Marcuschi (2008) identifica quatro aspectos na forma de
operacionalização do processo de compreensão. Segundo o autor, o processo
pode ser estratégico, flexível, interativo e inferencial.
Sendo a compreensão processo, não é uma atividade de cálculo, mas
também não quer dizer que seja imprecisa ou de adivinhação. O autor coloca
que ela se dá na relação com o outro, com seu caráter dialógico. Mas também
é importante notar que o texto, segundo o autor, permite muitas leituras, mas
não em número infinito.
A compreensão não pode contradizer a verdade do texto. Para tanto, é
preciso perceber que podemos ler um texto de diversas maneiras, ou, melhor
dizendo, com horizontes e perspectivas diversas. Marcuschi (2008) apresenta a
questão dos horizontes que mostram o que acontece no processo da
compreensão.
1. Falta de horizonte: a leitura se reduz a mera atividade de repetição,
copiar as informações do texto.
2. Horizonte mínimo: tem-se aqui a leitura parafrástica, quando se repete
com outras palavras; a leitura ainda fica na atividade de identificação de
informações objetivas.
3. Horizonte máximo: consideram-se as inferências, a leitura busca o que
está nas entrelinhas, não se contenta com a repetição nem com a
paráfrase. É o horizonte máximo da produção de sentido.
4. Horizonte problemático: ele vai além das informações do texto; tendo
caráter pessoal, traz problema quando se instala quase que um “vale-
tudo” no processo de compreensão.
5. Horizonte indevido: é a área da leitura errada, ou seja, a compreensão é
contrária ao texto.
Diante do que foi explorado por Marcuschi e da constatação de que o
processo de leitura deve ser dialógico e que o leitor não é passivo, dizem as
DCE (PARANÁ, 2008) que “a leitura em diferentes contextos requer que se
compreendam as esferas discursivas em que os textos são produzidos e
circulam, bem como se reconheçam as intenções e os interlocutores do
discurso” (p. 57).
Carvalho (2008) discorre sobre a importância de observar os elementos
textuais dos vários mundos que a literatura nos proporciona. Isso é
imprescindível no Ensino Fundamental, pois o aluno, que se familiariza com a
estrutura narrativa, “começa a perceber as diferenças entre os textos, a
construir sentidos e estabelecer pontes para o diálogo incessante que a
literatura mantém” (p. 102).
As DCE (PARANÁ, 2008) também afirmam que o leitor tem um papel
ativo no processo de leitura para se efetivar como “co-produtor”, ele “procura
pistas formais, formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões, usa
estratégias baseadas no seu conhecimento linguístico, nas suas experiências e
na sua vivência sócio-cultural” (p.71).
As DCE compreendem a leitura como “um ato dialógico, interlocutivo,
que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas
e ideológicas de determinado momento” (p.56). O leitor traz consigo várias
vozes: a da sua experiência, dos seus conhecimentos, da sua formação
familiar, da sua religiosidade, da sua cultura e todas elas dialogam com a voz
(ou vozes) do texto.
Essa forma de conceber a leitura vai ao encontro da concepção de
cunho interacionista apresentada por Koch e Elias (2006), a partir da qual o
sentido de um texto é “construído na interação texto-sujeitos”. Os sujeitos são
como atores ou construtores sociais que, dialogicamente, e constroem e são
construídos no texto. Para as autoras,
A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo (KOCH; ELIAS, 2006, p. 11, grifo das autoras).
Esse conjunto de saberes citado pelas autoras reúne o conhecimento
linguístico, o conhecimento enciclopédico ou de mundo e o conhecimento
interacional.
O conhecimento linguístico possibilita compreender a “organização do
material linguístico na superfície textual; o uso dos meios coesivos para efetuar
a remissão ou sequenciação textual; a seleção adequada ao tema ou aos
modelos cognitivos adequados” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 12). Esse saber se
vale do conhecimento lexical e gramático da língua.
O conhecimento enciclopédico ou de mundo se refere ao conhecimento
em geral, à vivência do leitor, a suas experiências.
O conhecimento interacional se refere às formas de interação por meio
da linguagem e engloba os conhecimentos ilocucional, superestrutural,
metacomunicativo e comunicacional.
Pode-se afirmar que, para ser realizada, a leitura leva em conta as
experiências e os conhecimentos do leitor e deste é exigido bem mais que o
domínio do código linguístico. O leitor (receptor) não é, de forma alguma,
passivo. Pelo contrário, seu conjunto de saberes ativará o processo de
compreensão.
2.2 Ensino da Leitura
De maneira simplista, mas não errônea, pode-se afirmar que o
professor, a escola, enfim, a sociedade, espera que o aluno aprenda, em sua
trajetória escolar, a ler e escrever com proficiência, a fim de conseguir viver
bem em sociedade. No caso específico da leitura, as DCE (PARANÁ, 2008, p.
57) afirmam que a prática da leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o
leitor cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são
suas obrigações e também pode defender seus direitos, além de ficar aberto às
conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade justa,
democrática e feliz. A leitura é colocada como garantia de acesso ao saber
sistematizado, aos conteúdos do conhecimento que a escola tem de tornar
disponível aos estudantes (p.73).
É importante que se atente para esses apontamentos a fim de que se
organizem de forma eficiente as ações de ensino de leitura propostas aos
alunos. Só assim eles terão condições de se posicionar criticamente diante do
que leem.
O professor deve adotar uma atitude mediadora que provoque os
alunos, a fim que de realizem leituras significativas. É o professor aquele que
deve dar condições, através de sua prática docente, para que o aluno atribua
sentidos à leitura, tornando-se “um sujeito crítico e atuante nas práticas do
letramento da sociedade” (PARANÁ, 2008, p. 71). O professor precisa
oportunizar aos alunos uma leitura aprofundada, em que sejam capazes de
enxergar seus implícitos e depreender as reais intenções trazidas pelo texto.
Antunes (2003) apresenta que o professor também deve considerar o
texto que se quer trabalhar, deve atentar-se para os gêneros, para a finalidade
pretendida com a leitura e a variação do suporte, todos esses elementos
contribuem para usos de diferentes estratégias, pois não se lê uma crônica
como uma história em quadrinhos, nem uma crônica divulgada em jornal como
uma publicada em um livro.
Silva (2005, apud PARANÁ, 2008) assinala que “a escola deve se
apresentar como um ambiente rico em textos e suportes de textos para que o
aluno experimente, de forma concreta e ativa, as múltiplas possibilidades de
interlocução com os textos” (p. 73). Para a avaliação, devem ser considerados
os conhecimentos de mundo que o aluno traz, o conhecimento da situação
comunicativa, dos interlocutores, dos gêneros e suas esferas, do suporte, de
outros textos. Antunes (2003) apresenta que “é preciso ter em mente, ainda,
que o grau de familiaridade do leitor com o conteúdo veiculado pelo texto
interfere, também, no modo de realizar a leitura” (p. 77).
As atividades oferecidas pelo professor a seus alunos devem propiciar a
reflexão e a discussão, mas tudo isso requer um professor que “entenda
realmente a complexidade do ato de ler” (SILVA, 2002, apud PARANÁ, 2008,
p. 74).
É preciso que o docente tenha em mente o que considera Marcuschi
(2008, p. 229): “compreender bem um texto não é uma atividade natural nem
uma herança genética; nem uma ação individual isolada do meio e da
sociedade em que se vive”. Isso quer dizer que a leitura pode ser ensinada e
que ela pode ser aprendida. Cabe ao professor desenvolver atividades de
trabalho de leitura que mobilizem o conjunto de saberes do aluno, que o levem
a se posicionar criticamente frente ao texto, atribuindo sentido a sua leitura.
2.3 Letramento
Faz-se necessário, primeiramente, conceituar-se o termo “letramento”.
Cosson (2011, p.11) diz que “a palavra letramento tem suscitado
controvérsias”.
Trata-se não da aquisição da habilidade de ler e escrever, como concebemos usualmente a alfabetização, mas sim da apropriação da escrita e das práticas sociais que estão a ela relacionadas. Há, portanto, vários níveis e diferentes tipos de letramento. Em uma sociedade essencialmente letrada como a nossa, mesmo um analfabeto tem participação ainda que de modo precário, em algum processo de letramento. Do mesmo modo, um indivíduo pode ter um grau sofisticado de letramento em uma área e possuir um conhecimento superficial em outra, dependendo de suas necessidades pessoais e do que a sociedade lhe oferece ou demanda. (COSSON, 2011, p. 11)
O termo “letramento” vem sendo usado, então, tanto para indicar o
processo inicial de alfabetização, de apresentação do mundo das letras ao
aluno, como para o processo que mune o indivíduo de subsídios para o
processo de compreensão literária, por isso diz Cosson (2011) sobre as
controvérsias, ou seja, o termo é empregado na literatura com diferentes
significados e pode trazer equívocos de compreensão.
Também Kleiman (2005, p. 05) apresenta letramento como um “conceito
criado para referir-se aos usos da língua escrita não somente na escola, mas
em todo lugar. Porque a escrita está por todos os lados, fazendo parte da
paisagem cotidiana”. A pesquisadora afirma que letramento não é um método,
não é alfabetização (embora a inclua), não é uma habilidade. Na verdade, ele é
complexo, envolve muito mais que uma habilidade ou uma competência do
sujeito que lê (KLEIMAN, 2005, p. 18). O termo extrapola a esfera de
identificação e traçado de letras, sílabas e palavras.
A autora informa que “Paulo Freire utilizou o termo alfabetização com um
sentido próximo ao que hoje tem o termo letramento, para designar uma prática
sociocultural de uso da língua escrita” (KLEIMAN, 2005, p. 19). É interessante
o alerta feito por ela (2005, p. 20):
Assim como os usos da língua escrita foram mudando na família, no trabalho, nas relações comerciais, na ciência, ao longo da história, também mudou, na escola, a concepção do que seria ‘ser alfabetizado’ e do que é necessário saber para poder usar a escrita ao longo da vida.
A autora, no seu livro Preciso ensinar o letramento? faz um
questionamento bem sugestivo já no parágrafo inicial: “Basta ensinar a ler e a
escrever? Basta, sim!” (KLEIMAN, 2005, p. 05). O desafio é muito maior.
O letramento abrange o processo de desenvolvimento e o uso dos sistemas da escrita nas sociedades, ou seja, o desenvolvimento histórico da escrita refletindo outras mudanças sociais e tecnológicas, como a alfabetização universal, a democratização do ensino, o acesso a fontes aparentemente ilimitadas de papel, o surgimento da Internet. (KLEIMAN, 2005, p. 21).
Rojo (2002) afirma que a escolarização não leva à formação de leitores
e produtores de texto proficientes, chega, às vezes, até mesmo a impedi-la.
Isso porque as práticas didáticas de leitura no letramento escolar são
ineficientes. Trata-se de práticas de leitura lineares e literais, focando-se
apenas na localização de informação e em sua cópia para complemento de
atividades. Segundo a autora:
[...] ser letrado e ler na vida e na cidadania é muito mais que isso: é escapar da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com outros textos e discursos, de maneira situada na realidade social; é discutir com os textos, replicando e avaliando proposições e ideologias que constituem seus sentidos; é, enfim, trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela. Mais que isso, as práticas de leitura na vida são muito variadas e dependentes de contexto, cada um deles exigindo certas capacidades leitoras e não outras (ROJO, 2002, p. 01).
O texto de Rojo (2002, p. 07) ainda nos aponta que “a escola e a
educação básica são lugares sociais de ensino-aprendizagem de
conhecimento acumulado pela humanidade [...] e de formação do sujeito social,
de construção da ética e da moral”. Por isso, formar leitores cidadãos “é
permitir a nossos alunos a confiança na possibilidade e as capacidades
necessárias ao exercício pleno da compreensão”. Portanto, é necessário
[...] nos acercarmos da palavra não de maneira autoritária (grifo do autor), colada ao discurso do autor, para repetí-lo (sic) “de cór” (sic); mas de maneira internamente persuasiva, isto é, podendo penetrar plasticamente, flexivelmente as palavras do autor, mesclar-nos a elas, fazendo de suas palavras nossas palavras, para adotá-las, contrariá-las, criticá-las, em permanente revisão e réplica.”
A figura que aponta o leitor como um devorador cabe bem aqui. É
preciso mastigar as ideias, capturar os sentidos, “penetrar” no que está escrito
e no que não está escrito, levando consigo seu conjunto de saberes para que a
leitura seja efetivada.
2.4 Letramento literário: uma proposta didática para o ensino da leitura
literária
Foi criado o termo “letramento” para designar os usos que fazemos da
escrita em nossa sociedade. Segundo Souza e Cosson (2011), o termo
“letramento” responde pelos conhecimentos que veiculamos pela escrita, pelos
modos como a usamos para nos comunicar e nos relacionar com as outras
pessoas. Dessa forma, ser letrado é muito mais que saber ler e escrever. E o
letramento literário, proposta deste projeto, adotando sua sequência básica,
busca levar aos alunos uma experiência de dar sentido ao mundo por meio de
palavras que falam de palavras, transcendendo os limites de tempo e espaço.
A literatura é importante na escola por se tratar de um direito inalienável, possibilitando ao leitor do texto literário conhecer diferentes mundos e culturas; apresentar uma existência melhor; aguçar os sentidos para a vida; experimentar diferentes sentimentos; compreender a si mesmo e transformar-se; transformar a realidade num mundo mais humano, solidário e democrático (FERNANDES, 2011).
A intervenção didática, objeto deste projeto, baseia-se na proposta de
Rildo Cosson (2011) sobre o letramento literário, assentando-se principalmente
no que é exposto na obra Letramento literário: teoria e prática (COSSON,
2011). A obra se apresenta como uma proposta de atividades significativas,
tanto para professores como para os alunos, fortalecendo e ampliando o
estímulo à leitura para além das práticas usuais. O livro “trata do letramento
literário no que se refere a processo de escolarização da literatura” (COSSON,
2011, p. 12).
Define-se também, na obra, que “aprender a ler é mais do que adquirir
uma habilidade, e ser leitor vai além de possuir um hábito ou atividade regular.
Aprender a ler e ser leitor são práticas sociais que medeiam e transformam as
relações humanas” (COSSON, 2011, p. 40).
Diante do exposto, a proposta apresentada por Cosson (2011, p. 12)
busca ser uma resposta “no que se refere a processo de escolarização da
literatura”. O autor expõe que o letramento literário possui uma configuração
especial: “o processo de letramento que se faz via textos literários compreende
não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas também,
e, sobretudo, uma forma de assegurar seu efetivo domínio” (COSSON, 2011, p.
12).
O autor propõe que a escola, mais do que conhecimentos históricos de
literatura, deve levar o aluno a uma experiência de leitura a ser compartilhada.
No entanto, não basta a mera leitura de qualquer texto, mas “essa experiência
poderá e deverá ser ampliada com informações específicas do campo literário
e até fora dele. [...] O letramento literário é uma prática social e, como tal,
responsabilidade da escola” (COSSON, 2011, p. 23).
É preciso que se busquem práticas que façam com que os alunos
consigam ir além da simples leitura, por isso o letramento literário
[...] tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas sim, e sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem (COSSON, 2011, p. 30).
Cosson (2011) apresenta duas propostas de trabalho para o letramento
literário, a sequência básica, direcionada ao Ensino Fundamental e, a
sequência expandida, destinada ao Ensino Médio. Como a proposta deste
projeto é o trabalho com o Ensino Fundamental, abordamos apenas os passos
da sequência básica: motivação, introdução, leitura e interpretação. De acordo
com o autor, percebe-se que “ao seguir as etapas, o professor sistematiza seu
trabalho e oferece ao aluno um processo coerente de letramento literário”
(COSSON, 2011, p. 69).
2.4.1 Motivação
Cosson (2011, p. 53) alerta que todos as pessoas, independentemente
da idade, sejam, crianças, adolescentes ou adultos aderem melhor às
propostas de leitura quando há “uma moldura, uma situação que lhes permite
interagir de modo criativo com as palavras”.
O papel do professor está em preparar o aluno para “entrar no texto”.
Reafirma Cosson (2011, p. 54) que “o sucesso inicial do encontro do leitor com
a obra depende de boa motivação” e também que “a leitura demanda uma
preparação, uma antecipação. [...] Na escola, essa preparação requer que o
professor a conduza de maneira a favorecer o processo da leitura com um
todo”.
É preciso, no entanto, levar em conta a advertência do autor que nos
avisa que a motivação, primeiro passo da sequência básica, não pode levar
mais que uma aula, pois se ela necessita mais do que isso, não está cumprindo
seu papel.
2.4.2 Introdução
O que Rildo Cosson chama de introdução é a apresentação do autor e
da obra. No entanto, não deve se tornar em uma aula expositiva com detalhes
da biografia e bibliografia do autor. Não se pode perder de vista que esse
passo da sequência básica está introduzindo, no caso, a adolescentes, o
processo de leitura de uma obra literária e não uma mera exposição a quem
pretende saber algo mais aprofundado sobre aquele autor e sua obra.
Também não é momento para se fazer uma síntese da obra, mas
despertar no leitor a curiosidade ou sobre o fato em si, ou sobre como
aconteceu aquele fato, dependendo da obra ser trabalhada (COSSON, 2011, p.
60).
Outra indicação do autor é que a introdução é o momento em que o
professor deve apresentar a obra fisicamente aos alunos. Assim, pode-se
planejar uma visita à biblioteca da escola, ou organizar uma pequena cerimônia
de entrega dessas obras, caso seja adquirido um livro para cada aluno. Se os
alunos forem receber uma reprodução do livro, é importante que tomem
contato pelo menos com o original do professor ou da biblioteca.
Tendo o livro em mãos, ou pelo menos aos olhos, o professor deve
chamar a atenção para a leitura de elementos paratextuais, como: a capa, a
orelha, a contracapa, a ilustrações, principalmente a da capa. Se houver várias
edições, é também interessante o confronto desses elementos. Dessa forma,
acontece uma leitura coletiva do livro, mediada pelo professor. São levantadas
hipóteses sobre o desenvolvimento da leitura que podem ser registradas e
confrontadas ao final da leitura da obra.
É necessário, novamente, que o professor não deixe com que esse
passo da sequência básica se estenda muito, já que sua função é apenas
facilitar o encontro do aluno com a obra escolhida, ou seja, que o aluno receba
a obra literária de forma positiva. Diz o pesquisador:
[...] a seleção criteriosa dos elementos que serão explorados, a ênfase em determinados aspectos dos paratextos e a necessidade de deixar que o aluno faça por si próprio, até como uma possível demanda da leitura, outras incursões na materialidade da obra, são as características de uma boa introdução. (COSSON, 2011, p. 61)
2.4.3 Leitura
De acompanhamento se faz a leitura. “A leitura escolar precisa de
acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir, e esse
objetivo não deve ser perdido de vista” (COSSON, 2011, p. 62). Entretanto, o
acompanhamento não é policiamento, explicita Cosson, mas uma presença do
professor para auxiliar o aluno em suas dificuldades, inclusive no que tange ao
ritmo da leitura.
Nessa etapa da leitura, que, sendo mais longa, pode ser realizada em
casa ou na biblioteca ou sala de leitura por período determinado, o autor
propõe que o professor planeje momentos de intervalo. Eles podem se
constituir de uma simples conversa sobre o andamento da leitura da obra
literária ou se constituir de atividades específicas, como, por exemplo, a leitura
de outros textos menores que se ligam ao tema da leitura proposta. Também
pode ser a leitura conjunta de um capítulo.
É importante, também, que desde o início da leitura, o professor
combine com a turma o período necessário para a conclusão deste passo e
marque com ela os intervalos. É evidente que nem a leitura nem os intervalos
devem ter um período muito longo.
As atividades de intervalo são importantíssimas para o êxito da
sequência básica, pois coloca o professor ao lado do aluno. O professor será
capaz de perceber as dificuldades de leitura e tentar minimizá-las. Poderá
intervir em dificuldades ligadas ao vocabulário ou à estrutura composicional do
texto. Também se constitui em momento de auxílio ao aluno em questões que
vão desde o desajuste das expectativas em relação à obra até seu ritmo de
leitura, ambas situações que, se não forem trabalhadas, podem levar ao
abandono da atividade leitora.
Cosson (2011, p. 64) afirma que “a observação de dificuldades
específicas enfrentadas por um aluno no intervalo é o início de uma
intervenção eficiente na formação de leitor daquele aluno”.
2.4.4 Interpretação É sabido que a construção de sentido de um texto envolve um diálogo
entre autor, leitor e comunidade e cada um destes traz consigo um cabedal
enorme de informações que se entrelaçam. Neste quarto passo da sequência
básica, diz o autor que não se pode ignorar a complexidade da interpretação,
mas também não se pode constituí-la em obstáculo intransponível, por isso
propõe dois momentos para ela: um interior e outro exterior (COSSON, 2011,
p. 65).
Momento interior: é o encontro do leitor com a obra. Acompanha a
decifração das palavras, páginas e capítulos e se torna pleno na apreensão
global da obra ao término da leitura.
Mas o autor também ressalta que embora esse encontro leitor/obra seja
pessoal, ele não é individual, pois sua história, suas relações familiares e tudo
mais que constituiu o contexto da leitura são vozes que participam do processo
de interpretação; até mesmo a motivação, a introdução e a leitura são
elementos de interferência da escola no letramento literário. Então não pode
perder de vista que o momento interior é também um ato social (COSSON,
2011, p. 65).
Momento externo, de acordo com Cosson (2011, p.65), é “a
concretização, a materialização da interpretação como ato de construção de
sentido em uma determinada comunidade”. O pesquisador também informa de
que é nesse momento que se distingue o letramento literário feito na escola da
leitura literária que se faz independente dela. “Na escola, entretanto, é preciso
compartilhar a interpretação e ampliar os sentidos construídos individualmente”
(COSSON, 2011, p. 66).
O momento externo possibilita o compartilhamento das interpretações e
os alunos se veem como membros de uma comunidade leitora que fortalece e
amplia os horizontes de leitura.
Mais uma vez, depara-se com a figura do professor mediador que deve
conduzir este momento de forma organizada. Cosson (2011) orienta que se
tenha em mente que não existe uma única interpretação, mas também nem
todas as visões são possíveis.
As atividades desse momento de interpretação devem levar à
externalização da leitura e também a seu registro, o qual variará conforme o
tipo de texto, a idade do aluno, os objetivos pretendidos e outros elementos de
acordo com a análise do professor. Podem ser organizadas atividades
envolvendo expressões de desenho, da música, da escrita, das artes plásticas,
de expressão corporal. O importante é que o registro seja feito e também
explorado.
3. Sequência básica desenvolvida na escola Paulo Freire
A seguir, apresenta-se um quadro com o cronograma das ações
desenvolvidas de acordo com as partes da SB.
Quadro 1 – Cronograma das ações didáticas
Período Carga horária Ações
Semana Pedagógica (fevereiro de 2014)
Apresentação do Projeto aos demais professores da
Escola Estadual Paulo Freire
19 e 26 de fevereiro 04 horas-aula divididas em 02 Encontros – 03
Atividades
1ª parte da SB – MOTIVAÇÃO
10 a 26 de março 08 horas-aula divididas em 04 Encontros – 08
Atividades
2ª parte da SB – INTRODUÇÃO
02 de abril a 28 de maio 14 horas-aula divididas em 07 Encontros com 07
Intervalos – 21 atividades
3ª parte da SB – LEITURA E INTERVALOS
02 a 09 de junho 06 horas-aula divididas em 03 Encontros – 07
atividades
4ª parte da SB - INTERPRETAÇÃO
A escola em questão possui poucos alunos e neste ano de 2014
também teve sua oferta de turmas diminuída. A escola atende a partir do início
do ano letivo somente o oitavo e o nono ano. Isso também fez com que o
quadro de professores diminuísse. No entanto, a proposta foi apresentada e
bem acolhida. Alguns professores se dispuseram também a fazer a leitura da
obra para poder acompanhar no processo de leitura dos alunos.
MOTIVAÇÃO
Para essa parte foram propostas 03 atividades. A primeira atividade
programada foi o encontro com um repórter da cidade que organiza um site de
notícias policiais. O objetivo era conversar um pouco sobre a realidade de
nossa cidade, mostrando aos alunos o que acontece com crianças e
adolescentes em situação de risco. Num primeiro momento, houve um pouco
de receio do repórter e foi preciso estabelecer previamente o que seria
perguntado. No entanto, no dia do encontro, houve uma grande interação entre
o repórter e os alunos, tanto do nono como do oitavo ano, convidados para
acompanhar a atividade. A discussão foi produtiva e chegou-se ao que foi
proposto: perceber que em nossa cidade existem muitas crianças,
adolescentes e jovens em situação de risco; mas muitas conseguem sair dessa
situação e, na idade adulta, se firmam como cidadãos que desempenham seu
papel na sociedade como profissionais.
A segunda e a terceira atividades aconteceram no Laboratório de
Informática, complementando a entrevista. Os alunos acessaram textos pré-
selecionados que mostravam depoimentos de menores infratores os quais
conseguiram ou não modificar seu estilo de vida. A partir, então, da entrevista e
também da pesquisa no laboratório, houve um momento de “contar histórias”,
pois muitos ali são muito próximos a adolescentes envolvidos nessas
situações.
O objetivo dessa primeira parte era despertar, “aquecer” os alunos,
motivá-los com o assunto da obra a ser lida e parece que isso foi atingido. Não
foi mencionado que eles leriam uma obra literária, mas pode-se perceber que
eles estavam, nesse momento, curiosos e queriam saber mais sobre o assunto.
INTRODUÇÃO
Para essa parte foram propostos 06 encontros. Aqui houve um
problema: o livro, que seria entregue a cada aluno, teve a sua edição esgotada,
por isso optou-se por fotocopiar seus capítulos e ir entregando-os conforme as
atividades de leitura. Por isso, o encontro em que haveria a distribuição dos
livros foi substituído por uma apresentação do trabalho à comunidade escolar.
Na oportunidade foram entregues aos alunos os Diários de Leitura.
Nos demais encontros, todos realizados na biblioteca, os alunos
puderam manusear a obra, verificar seus elementos estruturais e compará-la a
outras obras. Foi feita a leitura das orelhas da obra de trabalho e também de
outras, analisou-se a capa, suas ilustrações (fotos). Foi interessante perceber
que os alunos pareciam querer ler e ficaram ansiosos.
A atividade 10 (escrita de sua cronologia), que se constituía numa tarefa
a ser realizada em casa, não teve seu objetivo alcançado, pois a maioria da
turma não a fez, pelo menos não por escrito. Isso nos apontou a necessidade
de realizar a maioria das atividades em horário de aula.
A atividade que encerrou essa parte da SB foi um passeio pelo bairro
tirando fotografias. No entanto, percebeu-se o receio dos alunos em escolher
lugares e serem fotografados. Parece que isso os comprometeria de alguma
forma, por isso o resultado final não foi bom. Acredita-se que isso se deva
porque a maioria não teve sua infância no bairro. As fotos não ficaram boas,
ficaram escuras (pois foram tiradas à noite). Em sua maioria, só focaram os
locais e não os alunos. Também se percebeu que os locais foram escolhidos
aleatoriamente, mas que não havia um vínculo com a vida dos alunos. O que
se registra de bom foi o teor das conversas durante o passeio que trouxe à
tona outros assuntos da vida dos alunos e do bairro.
LEITURA E INTERVALOS
Essa é a parte mais longa, pois aborda a leitura propriamente dita.
Antes, porém, foi passado um vídeo que mostra uma entrevista de Esmeralda
quando lança o livro. É a própria autora motivando seus leitores. Logo em
seguida, foi feita pela professora a leitura do primeiro capítulo. Sua discussão
demorou um pouco mais do planejado e foi preciso retomá-la num outro
momento que não havia sido previsto. O registro escrito também acabou
tomando um pouco mais de tempo. Mas é preciso destacar que os alunos se
apresentavam muito motivados, pelo menos curiosos em ler o restante da obra.
O segundo capítulo foi entregue e a maioria dos alunos o leu, apenas
um aluno não o fez, mas pediu que outro lhe contasse antes da aula marcada
como Intervalo. Interessante que foi ele mesmo a relatar tal fato e se
comprometeu a ler os próximos capítulos.
No primeiro intervalo, assistiu-se a clipes das músicas Família – Titãs e
Pais e Filhos – Legião Urbana. A atividade proposta foi realizada
coletivamente, montando um painel com o tema Família. Sempre uma atividade
motivando para a outra e possibilitando o trabalho em grupo e a troca de
experiências de leitura.
Foi então proposta para casa a leitura de três capítulos e, pela
participação no debate, julga-se que todos leram – e com atenção. Apesar de
ser algo mais extenso, os alunos ficaram curiosos com o que iria acontecer
com Esmeralda, inclusive, pode-se perceber que dias antes da aula marcada
como Intervalo, os alunos já estavam comentando sobre o que tinham lido.
Depois a proposta da leitura de mais três capítulos e aconteceu o
mesmo: alunos interessados em saber o que havia acontecido.
Chegou-se a uma parte interessante do projeto: ler sobre instituições
que trabalham com pessoas que vivem como viveu Esmeralda. Os alunos
fizeram pesquisas no Laboratório de Informática e também relataram o que
vivem, pois muitos participam de Projetos Sociais de nossa cidade, como Pró-
jovem, Salvando Vidas e outros. Então foram montadas as perguntas a serem
utilizadas nas entrevistas, primeiramente de forma individual, e, depois,
coletivamente. Após o retorno das entrevistas, continuou-se o debate tanto
sobre o gênero “entrevista”, quanto sobre o assunto do livro.
Exemplos de algumas perguntas elaboradas pelos alunos:
1) Como esse projeto foi formado?
2) Por quem o projeto foi fundado? O que essa pessoa ou pessoas
queriam fazer?
3) Quantos adolescentes são atendidos hoje? Quantos mais teriam de ser
atendidos?
4) Qual droga é mais usada pelos jovens de nossa cidade?
5) Existem jovens que são obrigados a vir aqui? Eles dão trabalho?
6) Quem participa deste projeto consegue emprego com maior facilidade?
7) Como as outras pessoas veem que participa do projeto?
8) Ganha-se bastante para trabalhar no projeto?
Com as respostas na mão, foi analisada se estavam foram adequadas
às perguntas; se todas as dúvidas foram respondidas e de forma clara.
Após o debate, os alunos produziram cartazes incentivando o não uso
de drogas lícitas e ilícitas.
Foram entregues, em seguida, os capítulos 09 e 10 para leitura em casa,
que teve o prazo de uma semana.
O intervalo 04 aconteceu em conjunto com o professor de Geografia que
explanou sobre a questão da moradia através do tempo e também mostrou
figuras de moradia hoje. Foi bastante divertido assistir ao clipe da música A
casa de Vinicius de Moraes e foi questionado o que seria “morar na rua dos
bobos”.
A entrega do último capítulo do livro trouxe duas sensações: de alegria,
pela quase conclusão, mas também de tristeza; como disse um aluno: é a
despedida da Esmeralda.
INTERPRETAÇÃO
Assistir ao vídeo da entrevista de Esmeralda, dez anos após o
lançamento do livro e também da entrevista que assistimos logo no início de
nosso trabalho, foi bem interessante, pois os alunos puderam ver uma
Esmeralda mais velha e vivendo outros desafios.
Mais do que as respostas anotações no caderno, pode-se observar a
interação dos alunos com a obra, uma cumplicidade entre escritor e leitor.
Os alunos também assistiram ao vídeo da música A vida é desafio, de
Racionais MC’S, e discutiram sobre a intertextualidade com o livro. Foi
proposto que fizessem um rap sobre a vida de Esmeralda a ser apresentado
para a comunidade escolar. Abaixo o texto produzido pelos alunos:
Esmeralda, Esmeralda,
Você foi desprezada.
Esmeralda, Esmeralda,
Pela vida julgada:
Culpada, culpada, culpada!
Mas você não se abateu,
Mesmo vendo quanta gente que morreu.
Esmeralda, Esmeralda,
Cabeça levantada.
Esmeralda, Esmeralda,
Você foi uma drogada,
Esmeralda, estuprada, foi na rua jogada.
Esmeralda, Esmeralda,
Você pensou que ia dançar.
Esmeralda, Esmeralda,
Eu pensei que ia dançar.
Esmeralda, Esmeralda,
Responda aí, minha irmã:
Por que não dançou com essa vida ferrada?
Porque, mano, fé na vida, rapaziada.
Falei.
5 Considerações finais O projeto A mediação do Letramento Literário na mediação de
capacidade de leitoras apresentou objetivos que foram atingidos. Houve a
construção de uma proposta de trabalho, ou seja, a aplicação da Sequência
Básica, procedimento proposto por Rildo Cosson, e pode-se observar que o
envolvimento dos alunos com a leitura da obra escolhida foi algo inédito na
escola e na vida de cada um dos alunos.
Foi levantada no projeto a seguinte problemática:
Como a sequência básica do letramento literário proposta por
Cosson (2011) pode desenvolver capacidades leitoras nos alunos
com baixo rendimento escolar?
De que forma a execução de atividades diferenciadas de leitura pode
contribuir para que os alunos da Escola Paulo Freire e professores
experenciem mais a prática da leitura literária?
Pode-se responder, hoje, após o desenvolvimento do projeto, que a
Sequência Básica estabeleceu, primeiramente, como seu próprio nome sugere,
uma sequência que foi levando os alunos, devagar, mas com organização, ao
encontro com a leitura. É um grande erro simplesmente entregar um livro para
que o aluno leia, pois geralmente o resultado será negativo. Percebeu-se na
prática a necessidade de sempre haver atividades diferenciadas que venham
contribuir com o processo de leitura durante sua execução.
Algo muito importante durante a aplicação do projeto e também em
conversas com os professores do GTR (Grupo de Trabalho em Rede) e com os
professores da Escola Paulo Freire foi firmar-se a conclusão de que o professor
precisa se alicerçar em um referencial teórico e acompanhar o processo de
leitura. Neste projeto foi escolhido o Letramento Literário com sua proposta de
Sequência Básica, em outros momentos podem ser escolhidas outras
metodologias, mas sempre é importante colocar os projetos debruçados em um
plano, pelo menos quando se trata da aplicabilidade de tais projetos a alunos
como os da Escola Paulo Freire que não possuem tantas habilidades de leitura.
A proposta de Cosson trouxe inúmeras contribuições aos alunos não só
de leitura, mas também de escrita, motivada pelos registros das atividades;
também desenvolvimento com a oralidade, pois os alunos estavam sempre em
constante comunicação seja nas rodas de conversa ou de forma sistematizada
em debates e apresentações.
Outra proposta atingida foi o envolvimento dos professores, todos, de
alguma maneira, conheceram Esmeralda e alguns contribuíram de forma direta
com o trabalho, como professor de Geografia que teve um papel fundamental
na realização de algumas atividades de Intervalo.
Voltando os olhos à produção final, na etapa de Interpretação, é
evidente dizer que se avalia a compreensão dos alunos quanto à leitura que
fizeram, pois, mais que ler, conseguiram apresentar por meio do texto coletivo
o que refletiram com a obra. Então se pode afirmar que com uma proposta
clara e bem definida, alunos, mesmo sem experiência como leitores,
conseguem ler (no seu sentido pleno) uma obra literária.
Todo processo possibilitou mostrar à comunidade escolar e,
principalmente aos professores de Língua Portuguesa, de modo geral, que é
possível realizar a leitura de uma obra literária com os alunos, utilizando para
isso uma organização, tendo um embasamento teórico. No caso da Escola
Paulo Freire, a mediação do Letramento Literário elaborado por Cosson foi
decisiva para que os alunos desenvolvessem suas capacidades leitoras e abriu
a possibilidade da continuidade, ou seja, que outras obras sejam lidas
utilizando a Sequência Básica do Letramento Literário ou outra proposta de
leitura.
O Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) possibilita ao
professor um tempo de formação e planejamento, ações essenciais para que
os processos de ensino e de aprendizagem aconteçam. O que marca o
presente projeto e o estudo realizado para que ele acontecesse é que não se
pode querer atingir uma meta sem uma linha teórica e sem um planejamento
claro das ações propostas. Com essa experiência, se conclui que os objetivos
só são alcançados quando o professor estuda, planeja e acompanha as ações
e estas ainda ocorrem com mais sucesso quando abraçadas pela comunidade
escolar, extrapolando as paredes da sala de aula. Que venha outro ano letivo.
Que venha mais e mais leitura.
Referências
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