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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
NARRATIVAS DE TERROR: UM ARREPIO A CADA PONTO
Lucinéia COSTA1
Flávio Brandão SILVA2
Resumo:Este artigo objetiva discutir, a partir do relato da proposta intervenção pedagógica, do curso on-line GTR e da aplicação do material didático “NARRATIVAS DE TERROR: UM ARREPIO A CADA PONTO’’, aspectos relacionados ao ensino e aprendizagem da leitura. As reflexões teórico-metodológicas foram construídas por meio do diálogo com os autores TRAVAGLIA, MENEGASSI, SOLÉ e KLEIMAN entre outros que reafirmam que a linguagem é um instrumento de interação e, o ensino da leitura e da escrita é a principal função da escola.
Palavras-chave: Narrativas de terror; leitura; medo.
1.Introdução
O artigo aqui apresentado tem por objetivo sistematizar as reflexões
feitas durante o Programa de Formação Continuada (PDE), cuja formatação
pauta-se na teoria crítico-reflexiva.
O curso tem duração de dois anos e durante esse processo de
ensino/aprendizagem/produção/aplicação, o professor PDE conta com cursos
gerais e específicos de metodologias e técnicas de pesquisas, leituras diversas
sobre o tema, encontros de orientação que direcionam a produção do Projeto
de Intervenção Pedagógica na escola, elaboração da unidade didática, de
forma a cumprir cada uma das etapas de formação.
Iniciamos nossos estudos a partir dos seguintes questionamentos: é
possível as narrativas de terror despertar o interesse pela leitura? E mais, o
gênero em estudo incentivará a produção escrita? As atitudes percebidas no
cenário de terror servirão como exemplo de boa conduta?
1
2 Orientador. Docente do curso de Letras da Unespar, campus de Paranavaí. Mestre em Linguística e Língua Portuguesa pela Unesp-Araraquara. Graduado em Letras pela UEM.
Para compreender melhor as questões relacionadas à ineficiência da
escola pública no ensino da leitura e as ações pedagógicas esvaziadas de
sentidos acadêmicos científicos que não são capazes de tornar o aluno um
leitor com senso crítico capaz de compreender os objetivos e finalidades da
leitura, fomos levados a pensar no cotidiano escolar e nas concepções de
linguagem e leitura que direcionam o fazer pedagógico dos professores da
escola básica. Nossos conceitos foram reconstruídos a partir da leitura dos
autores: TRAVAGLIA, MENEGASSI, SOLÉ e KLEIMAN entre outros que
reafirmam que a linguagem é um instrumento de interação e, o ensino da
leitura e da escrita é a principal função da escola.
Objetivávamos, por meio desse estudo, identificar se através das
narrativas de terror é possível o professor de Língua Portuguesa desenvolver o
gosto pela leitura e ampliar os recursos linguísticos para a produção textual dos
alunos do Ensino Fundamental fase II.
A práxis objetivada durante a formação é aqui apresentada nos itens
‘’Relato’’ e ‘’Análise dos resultados’’. Aquele descreve, de modo sintetizado, a
implementação - momento em que o professor PDE testa o material, por ele
produzido, durante o curso de formação. Este procura identificar os avanços
que foram alcançados a partir da proposta de ensino construída.
2. Aspectos teóricos
O ensino da leitura e da escrita é umas das principais funções da
escola, já que se configura como importante ferramenta pela qual os indivíduos
exercem seus direitos perante a sociedade. No contexto escolar, a leitura e a
escrita são fundamentais em todas as disciplinas, dessa forma, de um ano
escolar para outro, o aluno deve aprimorar a leitura e a escrita.
De acordo com as DCEs, compreende-se a leitura como:
Um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação
familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem (PARANÁ, 2008, p.56).
As práticas discursivas de oralidade, de escrita e de leitura, focando-se
na última, devem possibilitar o contato do aluno com a linguagem nas
diferentes esferas sociais para o desenvolvimento da capacidade de
compreensão dos sentidos do texto, suas intenções e visão de mundo. Há,
assim, a preocupação em propor um trabalho pedagógico que priorize as
práticas sociais de linguagem.
Realmente é preciso um olhar especial para as escolas localizadas no campo. Mas enquanto isso não ocorre vamos fazendo nossa parte, garantindo uma aprendizagem mais significativa. Este projeto vem trazer ao aluno, entre outras coisas, uma oportunidade de resgatar histórias de terror que a família conta. Podendo, assim, reconhecer e valorizar seu ambiente, as pessoas com quem convive e o trabalho ali existente. Nossa persistência é o que move a educação no Brasil (PARANÁ, 2008, p. 1).
Nesse sentido, as DCEs (Paraná, 2008) sugerem que os gêneros
discursivos apresentados no cotidiano do aluno sejam legitimados na escola, e
assim relacionar as práticas de letramentos sociais às práticas de letramento
escolar. Para as Diretrizes, é necessário que, no processo de ensino e
aprendizagem, fique evidente que, quanto maior é o contato com a linguagem,
mais possibilidades há de se entender o texto, seus sentidos, suas intenções e
visões de mundo. Dessa forma, a ação pedagógica deve pautar-se na
interlocução, em atividades planejadas que possibilitem ao estudante a leitura e
a produção oral e escrita.
Porém ao planejar suas ações o professor deve ter bem claro as
Concepções da Linguagem/ leitura e suas diferentes formas de manifestação,
faz parte das relações humanas, revela opções políticas e ideológicas, e em
sala de aula, no que se refere ao ensino da Língua Portuguesa, norteia as
opções teóricas e metodológicas do professor.
Para Cardoso (1999), a língua é o instrumento responsável pela
interação entre os seres humanos, ela é um fator social, sua existência se
fundamenta nas necessidades de comunicação. No entanto, cada momento
social e histórico demanda uma percepção de língua, de mundo, de sujeito,
comprovando o caráter dinâmico da linguagem no meio social em que atua o
indivíduo.
Assim, conhecer as concepções de linguagem/leitura que permeiam a
história da Língua Portuguesa proporciona um transitar entre elas,
aproveitando, em relação ao ensino de língua, as contribuições relevantes e
significativas de cada uma.
Para cada concepção de linguagem, há uma abordagem metodológica e
uma relação com o processo de ensino e aprendizagem. Nesse contexto,
Geraldi (1997) apresenta três formas de conceber a linguagem: Como
expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma
de interação.
Na concepção da linguagem como expressão do pensamento o ensino de língua enfatiza a gramática teórico-normativa: conceituar, classificar, para, sobretudo, entender e seguir as prescrições, em relação à concordância, à regência, à acentuação, à pontuação, ao uso ortográfico. O eixo da progressão curricular e dos manuais didáticos são os itens gramaticais (PERFEITO, 2005, p. 29).
Nessa concepção, o ensino da língua é fundamentado em bases
gramaticais, de forma que o interlocutor use adequadamente a norma culta
ditada pela gramática normativa. Intrinsecamente a concepção de leitura,
nesse contexto pode ser entendida como processo de decifração da escrita.
Ler é identificar sinais gráficos, o som e o sentido. Nesta concepção, a
leitura é a decifração da escrita, “como um gesto mecânico de decifrar sinais”.
(MARTINS, 1982, p. 9)
No entanto, Geraldi (1997) afirma que a sequência em que são
trabalhados os conteúdos gramaticais dificilmente permitirá um melhor
desempenho linguístico.
Quanto à concepção da língua como instrumento de comunicação, a
língua é vista como um código, cuja finalidade é “transmitir uma mensagem,
informações de um emissor a um receptor” (TRAVAGLIA, 1997, p. 24).
Referendando o ensino da leitura tendo a língua como instrumento de
comunicação, entende-se que concepção de leitura é o ato de ensinar a
mesma como processo de compreensão, adotando aspectos cognitivos pelos
quais se extraí o sentido do texto. A leitura deixa de ser um objeto mecânico.
Nesta concepção, o processo de leitura extrapola o processo de decifrar
explorando também a cognição do que está explícito no texto, sem basear-se
nos conhecimentos prévios dos alunos e sua transformação social.
A terceira concepção, que apresenta a linguagem como forma de
interação, contraria as duas anteriores, já que a função do indivíduo deixa de
ser a de traduzir um pensamento e a de transmitir informações e passa a ser a
forma de interação humana para que os interlocutores “interajam como sujeitos
que ocupam lugares sociais e falam” (TRAVAGLIA, 1997, p. 23).
Nessa concepção, a leitura é vista como um processo de interpretação.
É um fenômeno social. Ler é interpretar com os próprios olhos, a partir de uma
perspectiva e da experiência pessoal.
No entanto, Kleiman (1997) apresenta como concepção de leitura um
conjunto de processamento de três níveis de conhecimento: o conhecimento
linguístico (quando o leitor compreende e atribui significados ao texto),
conhecimento textual (quando percebemos se o texto é coerente ou não) e o
conhecimento prévio (é o que o leitor tem sobre o mundo em geral). Esses três
níveis são ativados de forma interligada para que haja a compreensão global
do texto. Essas concepções descritas esclarecem que a leitura é uma atividade
interativa do ponto de vista que se utilizam diferentes conhecimentos e sentidos
para realizá-la (SCHUTZ, 2009, p.57).
Portanto o objeto de ensino passa a ser os gêneros discursivos, que
permitem ao aluno uma ampla visão em relação aos aspectos sociais, culturais
e históricos. Segundo Fregonezzi (1997), o professor, ao escolher essa
concepção, passa a entender que dominar a linguagem significa produzir e
compreender textos de modo funcional e ter consciência do funcionamento da
linguagem.
Assim, o professor deve desenvolver o ensino de leitura baseado nos
três níveis de conhecimentos mencionados acima. Não se detendo apenas no
conhecimento textual, aprofundando-se à gramática, nem apenas ao
conhecimento linguístico ou de mundo, mas num elo entre os três.
A verdadeira escola é formada por seus professores, gestores, funcionários e estudantes. Ao professor cabe a intermediação entre os saberes e a aprendizagem dos alunos. É ele que, sabendo algo, preocupase em levar outras pessoas a adquirir este saber, ou seja, ele conduz outras pessoas no caminho da aprendizagem. Se quisermos mudar o grave quadro educacional, o professor é a peça chave– nós somos a peça chave. Mesmo enfrentando estas dificuldades, muitos de nós, com um enorme esforço pessoal, realizamos boas experiências, trabalhamos em equipe, buscamos atualização constante e, principalmente, somos capazes de promover a verdadeira aprendizagem, criando em nossos alunos o gosto pelo estudo e pelo saber. Por tudo isso, nós professores, principais atores deste processo de mudança, precisamos, antes de tudo, assumir de peito aberto este papel e nossa responsabilidade com o sucesso da aprendizagem de nossos alunos. Isso implica uma série de competências. Na hora da leitura, os alunos precisam ser capazes de tomar uma posição frente ao que leem, perceber não só o que está explícito, mas o que está subentendido, e compreender as intenções do autor e suas motivações para apresentar a informação de determinado modo. Na hora de redigir, têm de saber definir quem será o destinatário, qual o propósito da escrita e como fazer isso de um jeito eficiente. Aí está incluído definir o gênero mais adequado e seguir as normas e os padrões socialmente aceitos. Infelizmente, poucos conseguem (PARANÁ, 2008, p. 2).
É fato que ensinar e aprender a ler são tarefas complexas (Solé, 1998),
contudo, é papel dos professores tornar possível a aprendizagem da leitura
(Smith, 1999), visto que são esses os responsáveis pelo aprendizado dos
pequenos leitores. São deles (os responsáveis) os primeiros modelos de
enunciados a serem seguidos pelos estudantes.
Segundo Solé (1998), as estratégias de leitura são as ferramentas
necessárias para o desenvolvimento da leitura proficiente. Sua utilização
permite compreender e interpretar de forma autônoma os textos lidos e
pretende despertar o professor para a importância em desenvolver um trabalho
efetivo no sentido da formação do leitor independente, crítico e reflexivo.
É papel da escola fornecer aos estudantes, por meio da leitura, os
instrumentos necessários para que eles consigam buscar, analisar, selecionar,
relacionar, organizar as informações complexas do mundo contemporâneo e
exercer a cidadania.
No entanto, a maioria dos alunos não gosta de ler ou não entende o
que leram, ou ainda, que apenas conseguem indicar informações presentes no
texto, não é este o letramento necessário para o exercício da cidadania e para
o combate aos desafios da vida.
Para Valle (2008), a leitura é um processo que vai do movimento ao
reconhecimento nos textos e se apropria dele, mostrando dinamismo nas
estratégias de produção de sentidos. Essa produção oferece as diversas
condições de interação entre linguagem e sujeito e denota uma habilidade
fundamental do ser humano em sua prática social.
Essa interação parte da hipótese de que o texto é passível de
interpretações diferentes. E é papel do professor interceder entre as
informações provenientes do texto com a esfera social do aluno, para
possibilitar um elo entre ambos.
A decodificação, compreensão, interpretação e retenção são
apresentadas por Cabral (1986) para melhor compreender o processo de
leitura. O reconhecimento dos símbolos escritos e da sua relação com os
significados tem como resultado a decodificação. "As práticas de leitura como
decodificação não modificam em nada a visão de mundo do leitor, pois se trata
apenas de automatismos de identificação e pareamento das palavras do texto
com as palavras idênticas em uma pergunta ou comentário”. (KLEIMAN, 1993
apud Menegassi; Calciolari, 2002, p.82)
Já a compreensão ocorre quando o leitor capta do texto a temática e as
ideias principais. Deve saber do que trata o texto, qual a tipologia usada,
compreender o que o autor pretendeu passar e ser capaz de resumir em duas
ou três frases a essência do texto. “Ler é interagir com o texto, considerando-se
o papel do leitor, o papel do texto e a interação entre leitor e texto”. (LEFFA
apud Menegassi; Calciolari, 2002, p. 85)
A respeito disso, Menegassi e Calciolari (2002) complementam que
“nesse caso, a compreensão só ocorre se houver afinidade entre o leitor e o
texto; se houver uma intenção de ler, a fim de atingir um determinado objetivo”.
(MENEGASSI; CALCIOLARI, 2002, p.?)
Em um primeiro momento, o aluno tem a compreensão do texto para
que depois siga para a próxima etapa que é a interpretação. Nesse instante o
leitor julga o que lê, a partir da sua capacidade critica. Como o aluno (leitor)
traz vários conteúdos e que são diferentes dos demais, a interpretação também
é passível de diferentes visões. Ou seja, a interpretação é o momento em que
o leitor se utiliza de sua capacidade critica.
A quarta etapa é a retenção, a qual pode ser dividida em dois tempos.
Na retenção, as informações do texto podem ser armazenadas na memória de
longo prazo, a partir da compreensão, a temática do texto é captada. Além
disso, também é possível que se faça a retenção após a interpretação, visto
que essa, como observado anteriormente, procede à compreensão.
A retenção é feita após a interpretação, que é o segundo momento,
torna-se mais profunda, pois o leitor teve a possibilidade de alterar, rever ou
melhorar seus conhecimentos prévios, adquirindo mais elementos que
contribuem para uma interpretação efetiva e não somente um compreensão.
Nesse momento o leitor pega as ideias do texto e compara-as com esses
novos conhecimentos.
A última etapa no processo de leitura (...) é a retenção, que diz respeito ao armazenamento das informações mais importantes na memória de longo prazo. Essa etapa pode concretizar-se em dois níveis: após a compreensão do texto, com o armazenamento da sua temática e de seus tópicos principais; ou após a interpretação, em um nível mais elaborado (MENEGASSI, apud MenegassiI; Calciolari, 2002 p. 83).
Vale ressaltar que a importância da leitura deve passar sempre pela
percepção crítica, interpretação e “re-escrita” do que foi lido, o que não
acontece numa primeira e única leitura, é necessário que se façam várias
leituras. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica
a percepção das relações entre o texto e contexto de produção.
Ao mencionar a necessidade da aquisição de leitura na esfera escolar,
as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná enfatizam
a leitura, o posicionamento de cada leitor diante dos textos e, ainda, a busca
dos sentidos que eles encobrem:
Ler é familiarizar-se com diferentes textos produzidos em diversas esferas sociais: jornalística, artística, científica, didático-pedagógica, cotidiana, midiática, literária, publicitária, etc. No processo de leitura, também é preciso considerar as
linguagens não verbais como: imagens, fotos, cartazes, propagandas, imagens digitais e virtuais, figuras que povoam com intensidade crescente nosso universo cotidiano, que se denomina multiletramentos e que possibilita a interação com outras formas de linguagem. Trata-se de propiciar o desenvolvimento de uma atitude crítica que leva o aluno a perceber o sujeito presente nos textos e, ainda, tomar uma atitude responsiva diante deles. Somente uma leitura aprofundada, em que o aluno é capaz de enxergar os implícitos, permite que ele depreenda as reais intenções que cada texto traz (PARANÁ, 2008, p.71).
A realidade vivenciada pelos alunos atualmente não propicia esse tempo
para uma análise mais aprofundada dos acontecimentos, e principalmente da
leitura que fazem, e isto se deve à quantidade de informações que estão
disponíveis nos meios tecnológicos, que fornecem conteúdo de modo
superficial, incompleto e variável, onde não há a preocupação em verificar a
autenticidade ou confiabilidade da fonte consultada.
No entanto, todo ser humano em sua vivência cotidiana se depara com
situações que nem sempre são fáceis de entender ou resolver, pois as mesmas
requerem uma reflexão e diversas alternativas através de caminhos diferentes
para solucionar o problema. Assim também ocorre com a leitura. Kleiman
(2004) afirma que:
a característica mais saliente do leitor proficiente é a sua flexibilidade na leitura. Ele não tem apenas um procedimento para chegar aonde ele quer, ele tem vários possíveis, e se um não der certo, outros serão ensaiados. Por isso, o ensino e modelagem de estratégias de leitura não consistem em modelar um ou dois procedimentos, mas em tentar reproduzir as condições que dão a esse leitor proficiente essa flexibilidade e independência, indicativas de uma riqueza de recursos disponíveis. O leitor experiente tem duas características básicas que tornam a sua leitura uma atividade consciente, reflexiva e intencional: primeiro, ele lê porque tem um objetivo em mente,isto é, sua leitura é realizada sabendo para que está lendo, e, segundo, ele compreende o que lê, o que seus olhos percebem seletivamente é interpretado, recorrendo a diversos procedimentos para tornar o texto inteligível quando não consegue compreender. (KLEIMAM, 2004, p. 51)
Ainda de acordo com a autora, todo programa de leitura deve ter “um
componente livre, em que o aluno vai até a biblioteca da escola e lê o que
quiser, sem cobrança de nenhuma espécie”, motivando assim o aluno a ler,
pois fez sua própria escolha e se a fez teve um objetivo em mente, talvez até
de modo inconsciente (figuras, conteúdo, autor ou espessura do livro), e isso
também permite ao aluno entrar em contato com um universo textual amplo e
diversificado. A mesma autora reconhece, ainda, que a tarefa de realizar o
projeto de leitura escapa da responsabilidade única do professor de Língua
Portuguesa:
Quando os professores das demais matérias se envolvem com o ensino de leitura, como deveriam fazê-lo, as oportunidades de criar objetivos significativos para a leitura de diversos textos se multiplicam. As oportunidades de diversificação e ampliação do universo textual do aluno são ilimitadas, desde que a atividade de leitura seja deslocada de uma atividade meramente escolar, sem outra justificativa a não ser cumprir programa, até uma atividade para cujo desenvolvimento e realização a leitura sirva como instrumento importante (KLEIMAN, 2004, p. 51).
É preciso que cada vez mais professores e pessoas de modo geral se
apercebam da importância da leitura na vida, é necessária uma mudança de
hábitos e uma tomada de consciência, pois a herança cultual existente não
valoriza a aquisição e consumo de livros, considerando que a atual geração
valoriza sobremaneira o bem supérfluo e a aparência.
Minha escola é uma escola de periferia, os alunos não tem muito acesso à leitura. As oportunidades e incentivo à leitura, se resumem apenas ao âmbito escolar. Não vêem a leitura, como fonte de conhecimento ou como fonte de prazer. diante desse contexto, precisamos incentivar e criar estratégias para que nossos alunos, se tornem leitores assíduos e conscientes da importância disso em suas vidas (PARANÁ, 2008, p. 3).
De acordo com Bordini e Aguiar (1993): “ler é imergir num universo
imaginário, gratuito, mas organizado, carregado de pistas as quais o leitor vai
assumir o compromisso de seguir, se quiser levar sua leitura, isto é, seu jogo
literário a termo”. (BORDINI E AGUIAR, 1993, p.27)
O aluno ao entrar nesse universo imaginário como leitor, poderá usar
sua imaginação e criatividade, fantasiando livremente para seu próprio deleite
nesse todo organizado, procurando decifrar as pistas deixadas pelo autor, para
assim entender o conteúdo do texto.
Para desenvolver o hábito de leitura como primeiro passo deve-se
propiciar aos alunos livros que se aproximem de sua realidade e vivência, que
lhes tragam significados ou alguma identificação com o texto, provocando
assim uma predisposição para a leitura e o desabrochar do ato de ler, o que
motiva a leitura.
Por sua vez ler e escrever devem ser considerados como produto
cultural e não como apenas uma atividade escolar.
Vigotski (1988) afirma que a leitura e a escrita tem um espaço muito
restrito na prática escolar ao considerar o papel fundamental que elas exercem
no desenvolvimento cultural da criança. Pois não se ensina a linguagem
apenas codificando signos e/ou traçar letras e construir palavras.
Dá-se muita importância à mecanização do que está escrito, deixando
de lado a linguagem enquanto produto discursivo/dialógico/social e histórico.
Portanto, ultrapassar a mecanização do ler e escrever
(codificação/decodificação) é o que se pode identificar como alfabetização. Ou
seja, algo que envolva as práticas culturais de uso e a natureza da linguagem
passando por um processo histórico-cultural multifacetado.
3. Metodologia
O Projeto de Intervenção foi organizado no formato de sequência
didática com carga horária de 32 horas aulas que correram entre os meses de
fevereiro a abril de 2014, tendo como público alvo alunos do 9º do Ensino
Fundamental séries finais do Colégio Estadual Sílvio Vidal.
O material didático foi produzido nos moldes da Sequência Didática
(Dolz & Scheneuwly, 2004). A Sequência Didática é constituída a partir das
seguintes etapas: o primeiro e o segundo foram destinados a apresentar o
conceito de leitura, de modo a compreendê-la como um processo dialógico e
significativo para o alcance da autonomia e a genealogia do gênero narrativas
de terror. O terceiro foi voltado à leitura e análise dos textos selecionados. O
quarto e último. produção final, teve como objetivo a reescrita, leitura e
apresentação.
As estratégias de leitura utilizadas foram; antecipação, inferência,
compreensão, interpretação e retenção.
Procurou-se, por meio das leituras compartilhadas, dinâmicas,
estratégias de leitura e das ações pedagógicas permitir aos leitores trabalhar
com três movimentos de consciência: constatar, refletir e transformar.
Lembrando que no processo de interação com um texto, o leitor executa um
trabalho de atribuição de significados, a partir de suas experiências. Como
cada leitor tem sua própria vivencia é impossível que dois leitores façam uma
leitura semelhante de um mesmo texto. Com isso desenvolve o gosto pela
leitura e amplia os recursos linguísticos para a produção textual.
4. Relato da Implementação
A implementação ocorreu no início do mês de fevereiro de 2014.
Primeiramente, nosso intuito foi aguçar o interesse dos alunos pelo projeto.
Assim, intitulamos esse momento de ARREPIO INICIAL. Todo mundo tem
medo de alguma coisa, não é? Você sabia que o medo é uma reação natural
do ser humano? E você, qual é o seu maior medo? Depois apresentamos a
finalidade do projeto, tema e o cronograma das ações/tempo para aplicação do
mesmo.
O objetivo central dessa sequência didática é desenvolver o gosto pela
leitura e ampliar os recursos linguísticos para a produção textual. Para isso, foi
utilizada a leitura de narrativas de terror e as estratégias centraram-se na
própria estrutura da narrativa, procurando, durante todas as atividades
propostas, mexer com os medos de cada um, fazendo com que sentissem um
“friozinho na barriga”.
O gênero escolhido fala sobre o desconhecido, o sobrenatural, assuntos
que a ciência não consegue explicar. Seus personagens são seres
desconhecidos como fantasmas, vampiros, mortos-vivos e outros criados pela
imaginação do homem.
No início das atividades desenvolvidas, utilizamos do levantamento dos
conhecimentos prévios dos alunos sobre o tema, leitura de imagens,
compreensão e estudo do gênero, a construção de personagens. Também
foram realizadas pesquisas, questionamentos, vídeos, interação, diálogos,
leituras com estratégias de seleção das idéias, antecipação, inferência e
verificação através de questionamentos, produção textual oral e escrita,
sempre com uma dose de ARREPIO e SUSPENSE a cada atividade proposta.
Nossa proposta didático-pedagógica embasou-se na concepção da
linguagem como forma de interação e uma das primeiras atividades
desenvolvidas, nesse sentido, foi a parte final da análise do texto Devolva
minha Aliança, em que o aluno precisava de um conhecimento prévio sobre o
assunto para que pudesse desenvolver as atividades propostas.
Para que ocorresse o ensino e a aprendizagem, de acordo com a
linguagem como forma de interação, foi preciso um questionamento mais
aprofundado por parte da professora. Tal procedimento contribuiu para que
viessem à tona os conhecimentos prévios dos alunos.
Com isso observou-se que quase na sua totalidade os alunos não
conseguem relacionar o seu conhecimento com o texto. As perguntas dos
alunos eram: “De onde tiro as respostas? Onde está escrito no texto?”
Após a mediação do professor os alunos percebiam que eles tinham
esse conhecimento de outras experiências de interação social.
Acredita-se que, ao tratar a língua de forma natural, sem artificialidade e
os textos como unidades de significação, o professor porpõe o aluno com uma
proposta de ensino contextualizada e com significados para a realidade em que
está inserido. “Não há um sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um
sujeito se completando e se construindo nas suas falas” (GERALDI, 1997, p.
6), ou seja, um sujeito histórico, social e ideologicamente constituído.
Segundo Menegassi (2010), a interação entre o texto e o leitor faz com
que este alcance a leitura. Isso qual se refere ao momento em que o aluno, por
exemplo, compara o texto com suas experiências e conhecimentos prévios,
promovendo então a hierarquia de informações, porque demonstra domínio
delas. A partir deste momento o leitor, nesse caso o aluno, revê seus
conhecimentos prévios, o gênero utilizado, as formas de organização textual
entre outros elementos.
Na aplicação do Projeto de Intervenção Pedagógica e na elaboração do
material didático observou-se que é preciso instigar, aguçar a curiosidade e,
assim, despertar o interesse para a leitura do texto. O trabalho com o gênero
narrativas de terror proporcionou diversos momentos de interesse pela leitura.
Mesmo os textos sendo longos os alunos queriam saber os detalhes de
onde se passava a história, o que iria acontecer com os personagens, qual
seria a progressão dos fatos narrados e como terminaria a história. Muitas
vezes os alunos desejavam ler os textos mais de uma vez.
Comprovamos, assim, que utilizar textos de acordo com o perfil dos
alunos, o interesse e a idade é possível despertar e aprofundar o gosto pela
leitura.
Desta forma, observa-se que a leitura é resultado da interação entre o
leitor e o texto, o que permite ao primeiro uma construção dos significados e,
por consequência, um pensamento crítico, dando então sentido ao texto.
As etapas de leitura puderam ser desenvolvidas ao longo de todo o
desenvolvimento do Projeto de Intervenção Pedagógica. Neste momento,
percebeu-se que, apesar dos alunos terem apresentado uma grande
receptividade e interesse em relação ao gênero estudado, houve dificuldade de
efetuar leituras compreensivas e críticas. Nesse sentido, foi necessária a
intervenção por parte do professor, a fim de contribuir para que cada etapa de
leitura fosse seja realizada, de forma a transformar os próprios horizontes de
expectativas dos alunos, professor e comunidade escolar, conforme relatos:
Aluno 4 “Tem livro que tem outros textos iguais a esses para eu ler?”Aluno 5 “ Quando nós vamos assistir outros filmes?”Aluno 6 “ Podia ser o ano inteiro esse assunto.”Professor 1 “Lucinéia você me empresta seu projeto para eu ler? Os alunos falam tanto dele.”
Equipe Pedagógica “Você poderia apresentar seu projeto na Semana de Integração Comunidade Escola.”Responsável 1 “Ele não está bem, mas quis perder a aula de português porque vai ler um texto novo.”
Diante do exposto, conclui-se que, para um indivíduo poder ampliar seus
horizontes de conhecimentos, é preciso que ele tenha um vasto e variado
campo de leitura, e em níveis diferentes de dificuldades. Possibilitando um
poder de percepção e transformação, que nem sempre deve seguir a ideologia
apresentada como a certa.
Cada ser pensante tem capacidades intrínsecas que só aflorarão diante
de novas experiências ou algo inusitado.
E então, cabe ao professor fazer uso de estratégias que possibilitem ao
aluno um constante enriquecimento cultural.
Na busca por uma formação de alunos leitores, durante a realização do
trabalho, constatou-se que a organização de dinâmicas pedagógicas surte um
efeito positivo, pois, ao se desenvolverem as ações a partir do gênero
narrativas de terror, os alunos demonstraram grande interesse:
Aluno “Quero levar o texto para ler na minha casa.”Aluno “ Que texto vamos ler na próxima aula?”Aluno “Li esse texto pra minha mãe, ela adorou.”
Assim sendo, o professor ainda é o principal instrumento para iniciar e
conduzir o aluno pelo longo caminho da leitura. E, para obter êxito neste árduo
trabalho, é necessário que o professor faça uso de sua imaginação criadora,
sensibilidade, perspicácia e que tenha tempo/condições para preparar projetos
de Intervenção Pedagógica que possam, realmente, formar alunos leitores.
As propostas de produção e reescrita contempladas no material
didático do nosso Projeto de Intervenção Pedagógica NARRATIVAS DE
TERROR: UM ARREPIO A CADA PONTO foram bem aceitas pelos alunos.
Eles tinham consciência de que o seu texto não seria lido somente pelo
professor e engavetado. Sabiam que cada texto teria a possibilidade de ser
escolhido e apresentado à comunidade escolar, gerando questionamentos
como:
Aluno “ Como eu melhoro a descrição do ambiente?”Aluno “Esse meu personagem pode ter mais atitudes de terror?”Aluno “A história pode acontecer numa escola assombrada?”
Quando se sabe que a escrita é importante, e que a mesma é
vivenciada no dia a dia, comunica, dá suporte à memória, é retomada pela
prática da leitura para obter informação e entreter, chega-se à conclusão de
que esse é o momento para escrever e deixar escrever. Dessa forma,
proporcionam-se aos alunos condições no espaço escolar para uma escrita
dinâmica, que explore ideias, emoções, inquietações (KRAMER, 2000).
Há, ainda, a necessidade de superar a ideia de que a escrita é linear,
fragmentada, descontextualizada e trazer para a sala de aula um processo
dinamizado, construtor social, alicerçado nas diversas praticas culturais de uso
da escrita. Assim, a escola será o espaço onde se ensina a ler e escrever
efetivamente.
5. Considerações finais
Em nossos estudos e produções durante o curso de formação
continuada/ PDE reafirmamos que é papel da escola ensinar a ler e escrever.
Assim, cabe aos professores, ações que disponibilizem aos estudantes, por
meio da leitura e da escrita, os instrumentos necessários para que eles
consigam buscar, analisar, selecionar, relacionar, organizar as informações
complexas do mundo contemporâneo e exercer a cidadania.
Devemos superar os modelos que apenas reproduzem, mecanicamente,
o que já está escrito e priorizar o ensino da linguagem enquanto produto
discursivo/dialógico/social e histórico.
Assim, ensinar a ler, a escrever e a desenvolver o hábito de leitura é
uma busca constante que deve ser pensada e planejada, por meio de
propostas possíveis de se realizar nas nossas escolas, tendo como foco: Para
quem? Por quê? Como?
É necessário despertar o interesse pela leitura, proporcionando aos
alunos livros/leituras que se aproximem de sua realidade e vivência, que lhes
tragam significados ou alguma identificação com o texto, provocando assim
uma predisposição para a leitura e o desabrochar do ato de ler.
Por fim, sabemos que ensinar é algo complexo, é um ato de
convencimento. Convencer o outro de que ler e escrever bem os torna pessoas
mais donas de seu destino é o grande desafio aos professores. Mas, por mais
que as adversidades teimam em atravessar o caminho de um educador, haverá
sempre aqueles que resistirão e animarão os outros com seus projetos e
experiências bem sucedidos.
6. Referências
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