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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO Débora Thayane de Oliveira Lapa Gadret OS ENQUADRAMENTOS DE DILMA ROUSSEFF NO JORNAL NACIONAL: Suspeição, Humanização e Competência Porto Alegre 2011

Os enquadramentos de Dilma Rousseff no Jornal Nacional

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Esta pesquisa está inserida em uma linha de estudos que se preocupa com a construção de significados nas notícias sobre os participantes do campo político. Acredita-se que é através do conteúdo produzido pelos jornalistas, percebidos como uma comunidade interpretativa que partilha saberes específicos e mapas culturais, que se dá a construção da realidade social. O objetivo é compreender os enquadramentos construídos sobre Dilma Rousseff nas notícias do Jornal Nacional em seu último ano como ministra da Casa Civil. Foram analisadas 47 matérias do telejornal, exibidas entre abril de 2009 e março de 2010. O referencial teórico está baseado nos estudos sobre visibilidade dos atores políticos, nas noções sobre enquadramento e nas teorias construcionistas da notícia. Como método de investigação, utilizou-se a análise de conteúdo de cunho qualitativo de forma a completar os três objetivos específicos propostos: mapear as temáticas e os acontecimentos em que Dilma Rousseff aparece como figura central das notícias; identificar os quadros de significado e interpretação construídos sobre a ministra e relacionar a formação dos enquadramentos jornalísticos às funções do campo e ao saberes específicos de seus profissionais. Concluiu-se que três ideias organizadoras centrais são construídas sobre esta figura política nos notícias do Jornal Nacional: a suspeição, a humanização e a competência.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO E INFORMAO

    Dbora Thayane de Oliveira Lapa Gadret

    OS ENQUADRAMENTOS DE DILMA ROUSSEFF NO JORNAL NACIONAL:

    Suspeio, Humanizao e Competncia

    Porto Alegre

    2011

  • Dbora Thayane de Oliveira Lapa Gadret

    OS ENQUADRAMENTOS DE DILMA ROUSSEFF NO JORNAL NACIONAL:

    Suspeio, Humanizao e Competncia

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Comunicao e Informao da

    Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul como

    requisito parcial para a obteno do ttulo de

    mestre em Comunicao e Informao.

    Orientador: Prof. Dr. Flvio Antonio Camargo

    Porcello

    Porto Alegre

    2011

  • CIP - Catalogao na Publicao

    Elaborada pelo Sistema de Gerao Automtica de Ficha Catalogrfica da UFRGS com osdados fornecidos pelo(a) autor(a).

    Gadret, Dbora Thayane de Oliveira Lapa Os enquadramentos de Dilma Rousseff no JornalNacional: Suspeio, Humanizao e Competncia /Dbora Thayane de Oliveira Lapa Gadret. -- 2011. 157 f.

    Orientador: Flvio Antonio Camargo Porcello.

    Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal doRio Grande do Sul, Faculdade de Biblioteconomia eComunicao, Programa de Ps-Graduao em Comunicao eInformao, Porto Alegre, BR-RS, 2011.

    1. Comunicao. 2. Jornalismo. 3. Poltica. 4.Enquadramento. I. Porcello, Flvio Antonio Camargo,orient. II. Ttulo.

  • Dbora Thayane de Oliveira Lapa Gadret

    OS ENQUADRAMENTOS DE DILMA ROUSSEFF NO JORNAL NACIONAL:

    Suspeio, Humanizao e Competncia

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Comunicao e Informao da

    Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul como

    requisito parcial para a obteno do ttulo de

    mestre em Comunicao e Informao.

    Aprovado em 29 de maro de 2011.

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr. Flvio Antonio Camargo Porcello (orientador) PPGCOM/UFRGS

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr. Alfredo Eurico Vizeu Pereira Jnior PPGCOM/UFPE

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr. Marcia Benetti Machado PPGCOM/UFRGS

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr.Virginia Pradelina da Silveira Fonseca PPGCOM/UFRGS

  • Para Jane, minha me e primeira mestre, pelos ensinamentos sobre cidadania,

    por sua constante dedicao minha formao e pelo incentivo incansvel que

    me motiva a enfrentar novos desafios e perseguir sonhos.

    Para Marcelo, meu amor, pela pacincia, compreenso e segurana nos

    momentos de dvida, pelos questionamentos nos momentos de certeza e pelos

    debates estimulantes sobre jornalismo e poltica.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPQ), pelo

    investimento em minha formao, com o desejo de que esta dissertao colabore para a

    construo do conhecimento na rea da comunicao e informao no pas. Universidade

    Federal do Rio Grande do Sul, que me oportunizou, da graduao ao mestrado, o privilegiado

    acesso ao ensino pblico, gratuito e de qualidade. Mais do que isso, possibilitou o encontro

    com excelentes mestres e colegas inquietos, que me motivaram em todas as etapas a pensar

    criticamente a atividade jornalstica. Em especial, ao Programa de Ps-Graduao em

    Comunicao e Informao da UFRGS, seus professores, funcionrios e alunos.

    Ao meu orientador, Prof. Dr. Flvio Antonio Camargo Porcello, que me acompanha

    desde a conquista do ttulo de Bacharel em Jornalismo. Pelos ensinamentos sobre

    telejornalismo, pela curiosidade e olhar crtico sobre a produo de notcias para a televiso,

    pela acolhida na vida acadmica e pelas oportunidades proporcionadas durante a graduao e

    o mestrado. Prof. Dr. Marcia Benetti Machado, professora apaixonada e pesquisadora

    diligente, pelos caminhos apontados, as observaes na disciplina de metodologia, a

    apresentao de instigantes leituras nas aulas de teorias do jornalismo e o olhar apurado no

    exame de qualificao. Agradeo ainda a Prof. Dr. Maria Helena Weber pela contribuio na

    qualificao. Prof. Dr. Virginia Fonseca, pelos ensinamentos sobre comunicao e

    jornalismo. Ao Prof. Dr. Alfredo Vizeu, pelas leituras e conversas sobre telejornalismo.

    A todos da turma de 2010 do PPGCOM, cuja amizade ajudou a dar leveza ao

    desafiante processo de construir e escrever a dissertao. Aos amigos Ana Laura Colombo,

    Basilio Sartor, Ivan Bomfim, Karine Moura Vieira, Laura Storch, Sabrina Franzoni, Silvia

    Lisboa e Thas Furtado. Mrcia Veiga e Angelo Adami, amigos jornalistas que fazem parte

    da minha histria na UFRGS, pelos conselhos, leituras e conversas, pela ajuda e o incentivo

    desde o processo de seleo para o mestrado at o depsito da dissertao.

    Agradeo ao Marcelo Allgayer, jornalista perspicaz que me desafia a pensar o mundo

    em minha volta, companheiro que me d o carinho e o incentivo necessrios para atingir meus

    objetivos. Jane, minha me, por todos os dias e noites de trabalho para que eu pudesse ter a

    melhor educao possvel, por me ensinar o valor e o respeito devidos aos nossos professores.

    Ao Paulinho, meu segundo pai, artista sensvel que tomou para si a tarefa de cuidar de mim

    mesmo depois de grande. Ao meu pai Mima, meu anjo da guarda.

    A todos os professores que me fazem uma apaixonada pela construo conhecimento e

    pela docncia.

  • Cada um de ns uma sociedade inteira.

    (Bernardo Soares, Livro do Desassossego)

  • RESUMO

    Esta pesquisa est inserida em uma linha de estudos que se preocupa com a construo

    de significados nas notcias sobre os participantes do campo poltico. Acredita-se que

    atravs do contedo produzido pelos jornalistas, percebidos como uma comunidade

    interpretativa que partilha saberes especficos e mapas culturais, que se d a construo da

    realidade social. O objetivo compreender os enquadramentos construdos sobre Dilma

    Rousseff nas notcias do Jornal Nacional em seu ltimo ano como ministra da Casa Civil.

    Foram analisadas 47 matrias do telejornal, exibidas entre abril de 2009 e maro de 2010. O

    referencial terico est baseado nos estudos sobre visibilidade dos atores polticos, nas noes

    sobre enquadramento e nas teorias construcionistas da notcia. Como mtodo de investigao,

    utilizou-se a anlise de contedo de cunho qualitativo de forma a completar os trs objetivos

    especficos propostos: mapear as temticas e os acontecimentos em que Dilma Rousseff

    aparece como figura central das notcias; identificar os quadros de significado e interpretao

    construdos sobre a ministra e relacionar a formao dos enquadramentos jornalsticos s

    funes do campo e ao saberes especficos de seus profissionais. Concluiu-se que trs ideias

    organizadoras centrais so construdas sobre esta figura poltica nos notcias do Jornal

    Nacional: a suspeio, a humanizao e a competncia.

    Palavras-chave: Comunicao. Jornalismo. Poltica. Enquadramento. Jornal Nacional. Dilma

    Rousseff.

  • ABSTRACT

    This research is located in a line of studies which is concerned with the construction of

    meanings in news related to participants of the political field. We perceive that it is through

    the content written by journalists, seen as an interpretative community that shares specific

    knowledge as well as cultural maps, that construction of social reality takes place. The

    objective is to comprehend frames constructed about Dilma Rousseff in the news of Jornal

    Nacional during her last year as Brazils Chief of Staff. We analyzed 47 news pieces

    produced by the TV news program, aired between April 2009 and March 2010. We present as

    theoretical reference studies on the visibility of political actors, notions about framework and

    the constructivism theories of news. As research method, a qualitative content analysis was

    conducted in order to attain the specific objectives outlined: to map the themes and events in

    which Dilma Rousseff is presented as central character, to identify in the news meanings and

    interpretations about the chief of staff and to relate the arrangement of journalistic frames to

    the fields social functions and to the specific knowledge of those professionals. We

    concluded that three central organizing ideas are constructed about this political actor in the

    news of Jornal Nacional: suspicion, humanization and competence.

    Keywords: Communication. Journalism. Politics. Frame analysis. Jornal Nacional. Dilma

    Rousseff.

  • LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1 Cid Moreira e Hilton Gomes na primeira transmisso do Jornal Nacional...... 49

    FIGURA 2 Edio do debate de 1989 transmitida pelo Jornal Nacional............................ 53

    FIGURA 3 Dilma (em p) entre o irmo Igor e Zana, e os pais Dilma Jane e Pedro......... 56

    FIGURA 4 Foto de identificao feita pelo Dops............................................................... 58

    FIGURA 5 Dilma quando tomou posse da Casa Civil, no lugar de Jos Dirceu................ 60

    FIGURA 6 Lina Vieira afirma ao JN que houve o encontro............................................... 85

    FIGURA 7 Dilma Rousseff nega o encontro em coletiva de imprensa............................... 85

    FIGURA 8 Lula desafia Lina a provar o encontro com Dilma........................................ 94

    FIGURA 9 Dilma Rousseff assiste a defesa do presidente................................................. 94

    FIGURA 10 JN solicita prova auxiliares ao GSI................................................................ 96

    FIGURA 11 JN obtm contrato de compra de equipamentos............................................. 96

    FIGURA 12 Texto escrito sugere vitimizao de Lina Vieira............................................ 99

    FIGURA 13 Dilma d declarao autorizada em programada da EBC............................. 103

    FIGURA 14 Dilma explica o que quis dizer anteriormente............................................... 103

    FIGURA 15 Dilma na divulgao das obras de transposio do rio So Francisco.......... 104

    FIGURA 16 Dilma mostra a localizao do linfoma......................................................... 114

    FIGURA 17 Dilma mantm os compromissos.................................................................. 114

    FIGURA 18 Dilma fala sobre a peruca.............................................................................. 116

    FIGURA 19 Boletim mdico indica normalidade do estado de sade de Dilma.............. 116

    FIGURA 20 Dilma Rousseff est recuperada do cncer................................................... 118

    FIGURA 21 Funo Pedaggica (1).................................................................................. 122

    FIGURA 22 Funo Pedaggica (2).................................................................................. 122

    FIGURA 23 Dilma voz autorizada para dar declaraes sobre o PAC.......................... 127

    FIGURA 24 Carlos Minc e Dilma Rousseff em coletiva de imprensa em Copenhague... 131

    FIGURA 25 Dilma identificada como pr-candidata presidncia................................ 133

  • LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Exemplo de Transcrio do Material............................................................... 69

    TABELA 2 Temas e Acontecimentos................................................................................. 72

    TABELA 3 Frequncia Inconfiabilidade sobre Dilma e o Governo (Denncia Lina)........ 84

    TABELA 4 Frequncia das sonoras (Denncia Lina)......................................................... 87

    TABELA 5 Frequncia Inconfiabilidade sobre Lina e a oposio (Denncia Lina).......... 89

    TABELA 6 Frequncia nomeao (Denncia Lina)........................................................... 91

    TABELA 7 Frequncia da Fiabilidade sobre Dilma e o Governo (Denncia Lina)........... 91

    TABELA 8 Frequncia da Fiabilidade sobre Lina e a Oposio (Denncia Lina)............. 92

    TABELA 9 Significados Denncia Lina (Escalada, Chamada e Cabea).......................... 97

    TABELA 10 Significados Denncia Lina (Off, Passagem)................................................ 98

    TABELA 11 Significados Denncia Lina (Sonoras Favorveis)...................................... 100

    TABELA 12 Significados Denncia Lina (Sonoras em Oposio)................................... 100

    TABELA 13 Frequncia do quadro de significados Fora................................................ 111

    TABELA 14 Frequncia do quadro de significados Fragilidade....................................... 113

    TABELA 15 Frequncia do quadro de significados Franqueza........................................ 113

    TABELA 16 Frequncia das sonoras (Linfoma)............................................................... 119

    TABELA 17 Frequncia nomeao (Linfoma)................................................................. 119

    TABELA 18 Significados do Linfoma (Escalada, Chamada e Cabea)............................ 121

    TABELA 19 Significados do Linfoma (Passagem, Off) .................................................. 121

    TABELA 20 Significados do Linfoma (Sonoras).............................................................. 121

  • LISTA DE SIGLAS

    Abin Agncia Brasileira de Inteligncia

    AC Anlise de Contedo

    BH Belo Horizonte

    CCJ Comisso de Constituio e Justia

    Colina Comando de Libertao Nacional

    CPI Comisso Parlamentar de Inqurito

    DEM Democratas

    DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes

    Dops Departamento de Ordem e Poltica Social

    FEE Fundao de Economia e Estatstica

    FHC Fernando Henrique Cardoso

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    JN Jornal Nacional

    Oban Operao Bandeirantes

    PAC Programa de Acelerao do Crescimento

    PCB Partido Comunista Brasileiro

    PDT Partido Democrtico Trabalhista

    PF Polcia Federal

    PMDB Partido do Movimento Democrtico Brasileiro

    Polop Poltica Democrtica

    PPS Partido Popular Socialista

    PRN Partido da Reconstruo Nacional

    PDS Partido Democrtico Social

    PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

    PT Partido dos Trabalhadores

    PTB Partido Trabalhista Brasileiro

    Serpro Servio Federal de Processamento de Dados

    STF Superior Tribunal Federal

    TSE Tribunal Superior Eleitoral

    Var-Palmares Vanguarda Armada Revolucionria Palmares

    VPR Vanguarda Popular Revolucionria

  • SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................... 12

    1 REFERENCIAL TERICO................................................................................... 19

    1.1 A televiso e a visibilidade poltica....................................................................... 20

    1.2 Enquadramento e jornalismo................................................................................ 25

    1.3 Os jornalistas e suas rotinas sociais e profissionais............................................. 33

    2 O JORNAL NACIONAL E DILMA ROUSSEFF................................................. 46

    2.1 Jornal Nacional: poltica e histria....................................................................... 47

    2.2 Dilma Rousseff: de Minas Gerais ao Palcio do Planalto................................... 56

    3 METODOLOGIA................................................................................................... 63

    3.1 Anlise de Contedo............................................................................................ 63

    3.2 A consolidao e a descrio do corpus............................................................. 66

    3.3 A explorao do material..................................................................................... 73

    4 SUSPEIO, O ENQUADRAMENTO PREDOMINANTE............................ 82

    4.1 Denncia Lina...................................................................................................... 83

    4.2 Apago e Campanha Antecipada....................................................................... 102

    5 HUMANIZAO E COMPETNCIA, DOIS FRAMES RELEVANTES..... 109

    5.1 Humanizao........................................................................................................ 109

    5.2 Competncia......................................................................................................... 123

    CONSIDERAES FINAIS.................................................................................... 136

    REFERNCIAS........................................................................................................ 141

    APNDICE................................................................................................................. 149

    APNDICE I Tabela descritiva do corpus consolidado....................................... 150

    APNDICE II Ficha de Classificao: Questes Pessoais................................... 151

    APNDICE III Ficha de Classificao: Questes de Governo e Eleitorais....... 153

    ANEXO DVD: Matrias do corpus consolidado

  • 12

    INTRODUO

    No dia 31 de outubro de 2010, os cidados brasileiros foram s urnas e elegeram, em

    segundo turno, a petista Dilma Rousseff presidncia da Repblica. A ex-ministra da Casa

    Civil recebeu 56,05% dos votos vlidos, contra 43,95% do tucano Jos Serra. Os nmeros

    podem no parecer muito expressivos quando se calcula a diferena de votos recebidos por

    cada candidato. Porm, essa foi uma eleio significativa, marcada pelo ineditismo. Dilma

    tomou posse no dia 1 de janeiro de 2011 como a primeira mulher presidente do Brasil.

    Quando se considera outra percentagem, essa eleio parece ainda mais importante,

    principalmente no que diz respeito mdia e aos meios de comunicao. Em maro de 2009,

    Dilma Rousseff era desconhecida por 47% da populao, segundo pesquisa Datafolha (20

    mar. 2009). Apenas 53% dos entrevistados afirmavam saber quem ela era. Um ano depois, em

    maro de 2010, a mesma pesquisa informou que 87% dos entrevistados conheciam Dilma

    Rousseff (29 mar. 2010b). neste perodo, entre o desconhecimento e a apresentao da

    ministra da Casa Civil populao, que se concentra esta pesquisa.

    Defende-se que sem a mdia esse rpido conhecimento de Dilma por grande parte da

    sociedade brasileira seria improvvel. Nas sociedades democrticas de massa, atravs dos

    meios de comunicao que os representantes polticos so apresentados aos cidados. O

    contato face a face com possveis eleitores, apesar de prtica rotineira no campo poltico,

    localiza a comunicao no espao e no tempo, tornando o acesso aos atores restrito a um

    pequeno grupo de pessoas. preciso que essas aes sejam promovidas ao contexto no

    localizado da comunicao de massa para que eles se dem a conhecer por um grande nmero

    de cidados (THOMPSOM, 2009). a forma em que se d esta visibilidade proporcionada

    pela mdia que interessa a esta pesquisa.

    No entanto, os termos mdia e comunicao de massa so imprecisos para o que

    pretende este estudo, pois abrangem mensagens das mais variadas disciplinas e esto atrelados

    a diversos suportes. O foco est na visibilidade proporcionada pelos contedos produzidos

    pelo jornalismo, pois neste mbito do processo de comunicao que os atores do campo

    poltico perdem o controle das aes que sero reportadas ao pblico, bem como dos

    significados construdos sobre estas atravs do texto noticioso (WEBER, 2009).

    Isso porque tarefa do campo jornalstico fornecer aos cidados as informaes

    necessrias para o desempenho das suas responsabilidades cvicas, alm de vigiar o poder

    poltico e proteger os cidados dos eventuais abusos dos governantes (TRAQUINA, 2002, p.

  • 13

    35). Essas funes, construdas ao longo da formao e consolidao das sociedades

    democrticas, tornam a atividade de administrao das imagens pblicas dos atores polticos

    tarefa complexa. Mas tambm do legitimidade ao campo e credibilidade aos contedos

    produzidos por ele.

    Com o intuito de tentar administrar sua prpria visibilidade dentro desses espaos que

    gozam de credibilidade junto aos cidados, os atores polticos visam permanentemente s

    notcias produzidas pelo jornalismo. preciso controlar e tentar impor s notcias significados

    favorveis formao de suas imagens pblicas, atravs de estratgias que permitam

    programar e suscitar eventos que provoquem interesse dos jornalistas. No Brasil, h um

    espao dentro do jornalismo que especialmente disputado pelos representantes polticos por

    seu alcance social: a televiso.

    A tev, alm de ser capaz de atingir uma audincia expressiva, conquistou uma

    posio hegemnica que s agora comea a ser desafiada pela internet, mas que ainda est

    longe de ser suplantada. Em uma sociedade na qual h mais televises do que geladeiras1,

    natural que este seja o veculo de comunicao ao qual a maior parte da populao tem acesso

    e ao qual as pessoas se voltam para obter informaes sobre os acontecimentos polticos.

    De acordo com pesquisa encomendada pelo Tribunal Superior Eleitoral (SENSUS,

    2010), 81% dos indivduos declararam que a televiso um meio de comunicao ao qual

    sempre tm acesso, seguido em um distante segundo lugar pelo rdio (57,7%). Alm disso, a

    tev o meio mais utilizado para se informar sobre poltica e eleies para 56,6% dos

    entrevistados. Depois, em segundo e terceiro lugares, esto a conversa com amigos e parentes

    (18,4%) e a internet (9,9%).

    Neste contexto de centralidade social da televiso, a Rede Globo lidera os ndices de

    audincia, apesar do crescimento da concorrncia nos ltimos anos. apresentada como

    emissora preferida de 69,8% dos entrevistados da pesquisa sobre hbitos de informao e

    formao de opinio encomendada pelo Governo Federal (META, 2010). O mesmo estudo

    aponta que o Jornal Nacional (JN) o telejornal mais assistido no Brasil (56,4%) e o seu casal

    de apresentadores so indicados como os jornalistas mais confiveis do pas. William Bonner

    ficou em primeiro lugar (33,7%) e Ftima Bernardes em segundo (18,1%) 2.

    1 De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio do IBGE (2009), 95,1% das residncias

    possuem aparelho de televiso, enquanto 92,1% possuem geladeira. Esse nmero fica atrs apenas da iluminao

    eltrica (98,6%) e do fogo (98,2%). 2 Sobre a fidelizao do telespectador ao Jornal Nacional, a tese de Sean Hagen (2009) aponta como estratgia

    do telejornal a criao de um lao emocional entre a imagem mtica da perfeio do casal de apresentadores e a

    audincia.

  • 14

    reconhecido que o JN no desfruta nas ltimas dcadas dos 70% de audincia que

    costumava alcanar at os anos 1980. Com o advento da televiso a cabo e da internet e o

    crescimento das emissoras concorrentes em canais abertos, atingiu em 2009, ano de seu

    quadragsimo aniversrio, o pior ndice da sua histria: sua mdia anual ficou em 31 pontos,

    quase 20% a menos do que o telejornal registrava em 20003. Porm, apesar da constante

    queda de audincia, no perdeu a liderana no seu segmento. Nenhum outro telejornal

    consegue sequer a metade de sua pontuao no Ibope (FELTRIN, 2009).

    Portanto, pelo alcance expressivo da televiso no Brasil atrelado ao papel de

    legitimidade do jornalismo em contextos democrticos que se optou por estudar a forma que o

    telejornalismo confere visibilidade aos atores polticos atravs das notcias, neste caso

    Dilma Rousseff. No jornalismo produzido para a tev, os contedos noticiosos do Jornal

    Nacional foram escolhidos pela sua importncia na sociedade brasileira ao longo de mais de

    quarenta anos de histria.

    preciso nesta introduo elaborar de forma mais clara a maneira que se compreende

    o jornalismo e as notcias produzidas pelos profissionais deste campo. Esta pesquisa filia-se s

    teorias construcionistas, que apreendem a notcia como uma construo da realidade social

    por uma comunidade interpretativa (ZELIZER, 2000) que possui saberes especializados

    (ERICSON; BARANEK; CHAN, 1987). Os jornalistas so, sob este paradigma, participantes

    ativos desta construo. Isso porque se entende que a linguagem no transmissora direta de

    significados inerentes aos acontecimentos (TRAQUINA, 2005). As notcias estruturam uma

    representao destes acontecimentos e tambm dos atores polticos envolvidos neles

    atravs de processos de seleo e salincia de significados sobre eles (ENTMAN, 1993).

    Mas essa perspectiva vai alm. Percebe tambm que, ao mesmo tempo em as notcias

    constroem a realidade social, so tambm construdas por essa. Ou seja, valores e normas

    supostamente consensuais de uma cultura so reproduzidos e reforados no texto jornalstico.

    Estes conhecimentos compartilhados por uma sociedade Hall et al. (1993) chamam de mapas

    culturais. Acredita-se que so nesses mapas que se fundam os enquadramentos jornalsticos,

    entendidos aqui como a ideia organizadora central que permeia as notcias. Composta pela

    imbricao de quadros de significados e interpretao sobre os acontecimentos reportados e

    os atores envolvidos neles, o enquadramento jornalstico reconstri e reafirma esses mapas

    culturais.

    3 Parte dessa queda tambm se deve mudana de metodologia na medio de audincia do Ibope. Antes de

    2005, cada ponto de audincia equivalia a aproximadamente 50.000 residncias na Grande So Paulo

    (BARTOLOMEI, abr. 2005). Em 2010, cada ponto j equivalia a cerca de 60.000 residncias (MATTOS, jun.

    2010).

  • 15

    Tendo em vista que a visibilidade dos atores polticos e que a formao de suas

    imagens pblicas esto atreladas aos enquadramentos jornalsticos presentes sobre eles nas

    notcias, particularmente na televiso, este estudo apresenta o seguinte problema de pesquisa:

    de que forma so construdos os enquadramentos sobre Dilma Rousseff nas notcias do Jornal

    Nacional em seu ltimo ano como ministra da Casa Civil? Para responder essa pergunta,

    propem-se os objetivos abaixo:

    OBJETIVO GERAL: Compreender os enquadramentos construdos sobre Dilma

    Rousseff nas notcias do Jornal Nacional em seu ltimo ano como ministra da

    Casa Civil.

    OBJETIVOS ESPECFICOS:

    a) Mapear as temticas e os acontecimentos em que Dilma Rousseff aparece

    como figura central das notcias;

    b) Estabelecer quais so os enquadramentos jornalsticos construdos sobre a

    ministra atravs da definio da situao no texto noticioso e da seleo e

    salincia dos quadros de significado presentes sobre ela;

    c) Relacionar a formao dos enquadramentos jornalsticos s funes do

    jornalismo e aos saberes dos jornalistas enquanto comunidade interpretativa.

    Para entender a localizao deste estudo, ser apresentado um breve panorama da

    anlise de enquadramento no Brasil, no que tange as investigaes em nvel de mestrado e

    doutorado. Esta reviso resultado de pesquisa no banco de teses e dissertaes da Capes. O

    primeiro passo foi localizar as pesquisas sobre enquadramento e comunicao. O sistema de

    busca dessas duas palavras resultou em 208 trabalhos, muitos relacionados a contedos de

    entretenimento e publicidade ou a temas que fugiam do foco dessa dissertao, como

    economia, meio ambiente, infncia, formao do self, entre outros.

    Quando se inseriu a palavra poltica junto aos termos comunicao e

    enquadramento, 55 teses e dissertaes foram localizadas. Em geral, estes trabalhos

    costumam referir-se ao estudo da mdia, mesmo quando os contedos pesquisados so

    estritamente jornalsticos. Percebeu-se, desta forma, que grande parte ignora as

    especificidades das teorias das notcias e foca-se na rea da comunicao, em especial da

    comunicao poltica. Os estudos veem o enquadramento apenas como um suporte para a

  • 16

    conduo de pesquisas de agendamento, principalmente sobre as relaes entre agenda

    poltica e agenda miditica.

    A tese de Paulo Fernando Liedtke (2006), desenvolvida no Programa de Sociologia

    Poltica, da Universidade Federal de Santa Catarina, uma exceo, pois apresenta um

    referencial terico extenso sobre as teorias construcionistas do jornalismo. Porm, o interesse

    principal a analise a influncia do Estado na mdia e a ao da prpria mdia na constituio

    da agenda poltica brasileira. Esse e outros estudos similares, apesar de servirem como

    premissa para este trabalho, no dialogam diretamente com os objetivos apresentados aqui.

    Outras pesquisas se focam em acontecimentos que se tornaram escndalos polticos,

    vendo na visibilidade proporcionada pela mdia um espao de disputa por construo de

    imagens de eventos polticos. o caso da dissertao de Fbio Souza Vasconcellos (2007),

    realizada no Programa de Comunicao da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Apesar

    de compartilhar um referencial terico similar, baseado no enquadramento e na visibilidade, o

    foco daquela pesquisa na maneira em que as notcias construram o escndalo poltico,

    enquanto o objetivo desta est relacionado forma como as notcias construram significados

    sobre determinado ator poltico.

    Estes dois trabalhos, bem como os prximos que sero apresentados aqui, foram

    escolhidos como exemplo, pois tm como objeto de estudo as notcias do Jornal Nacional.

    Outros tantos foram omitidos de nomeao por no dialogarem diretamente com o suporte e

    telejornal de nosso interesse, ao focarem-se nos estudos de enquadramento sobre contedos da

    mdia impressa ou do rdio. H ainda aqueles que fogem totalmente dos objetivos dessa

    pesquisa ao centrarem-se em estudos de recepo, que buscam entender como os indivduos

    resignificam os contedos produzidos pelo jornalismo. Apesar de considerar esta perspectiva

    extremamente relevante para o entendimento do processo de formao da opinio pblica a

    partir das notcias, a objetivo aqui se relaciona compreenso da construo do

    enquadramento pelos jornalistas no texto noticioso.

    As dissertaes de Vitor Fraga (2005), do Programa de Comunicao, Imagem e

    Informao da Universidade Federal Fluminense, e de Karenine Rocha da Cunha (2005),

    desenvolvida no programa de Comunicao da Universidade Estadual Paulista, dialogam em

    certa medida com esta pesquisa ao focarem-se nos enquadramentos presentes nas notcias do

    Jornal Nacional sobre o governo de Lula. Ambos chegam a concluses similares a deste

    estudo no que se refere a uma parte das notcias analisadas. Porm, partem de um conceito de

    enquadramento bastante diverso (e talvez conflitante) daquele desenvolvido aqui. O primeiro

    est baseado na hegemonia gramsciana e o segundo trabalha com noes de parcialidade.

  • 17

    Esta reviso das teses e dissertaes sobre o tema do enquadramento das notcias sobre

    poltica chega s mesmas concluses de Mauro Porto (2004), em um artigo que busca fazer

    um estado da arte das pesquisas em enquadramento sobre mdia e poltica no Brasil e no

    exterior. O enquadramento sofre de um forte indeterminismo conceitual e muitas pesquisas

    utilizam a palavra sem especificar o nvel de anlise com o qual esto trabalhando. Algumas

    veem o enquadramento como um referencial terico, outros como um mtodo de pesquisa. H

    aquelas que trabalham com enquadramentos positivos/negativos, outras relacionam a noo

    de frame a ideologias partidrias, outras ainda buscam um enquadramento cognitivo (e

    talvez a essa viso que esta pesquisa aproxime-se mais).

    natural na atividade acadmica que uma mesma palavra seja utilizada para designar

    diversos conceitos. A reviso de Scheufele (1999) sobre os estudos de enquadramento

    produzidos em lngua inglesa tambm revela essa multiplicidade. Robert Entman (1993)

    chama o enquadramento de paradigma fraturado. O essencial, que se busca fazer no primeiro

    captulo desta dissertao, especificar a forma com que o termo enquadramento est sendo

    utilizado.

    Dado esse breve panorama sobre a anlise de enquadramento e delineados o problema

    e os objetivos da pesquisa, parte-se para a apresentao da estrutura da dissertao. No

    primeiro captulo, ser desenvolvido o referencial terico deste estudo, que se desdobra em

    trs eixos. Inicialmente, trata-se das alteraes da visibilidade poltica com o advento dos

    meios de comunicao de massa e, em especial, da televiso. Articula-se s caractersticas

    dessa visibilidade a formao das imagens pblicas dos atores polticos, principalmente no

    que tange a construo da reputao dos representantes associada a um regime de confiana

    estabelecido atravs da mdia, mais especificamente do jornalismo. Esta seo, alm de

    apresentar as premissas com que a pesquisa trabalha ser fundamental para formar as

    categorias de anlise.

    Na segunda parte do referencial terico, ser trabalhado o conceito do enquadramento

    a partir de seu surgimento dentro das teorias construcionistas e da hiptese do agendamento.

    Ser retomado o conceito inaugural de frame desenvolvido por Erving Goffman (1986) para

    ento associ-lo s contribuies feitas pelos pesquisadores em jornalismo, como Todd Gitlin

    (1980), Gaye Tuchmam (1983), Hall et al. (1993), Robert Entman (1993) e Dietram Scheufele

    (1999). Na terceira e ltima parte, sero associados os preceitos do enquadramento aos

    saberes articulados pelos jornalistas na produo das notcias (ERICSON; BARANEK;

    CHAN, 1987) enquanto comunidade interpretativa (ZELIZER, 2000).

  • 18

    O segundo captulo trata do objeto de pesquisa e divide-se em duas sees. Na

    primeira, o foco a apresentao de um breve histrico do Jornal Nacional, o modelo de

    telejornalismo desenvolvido por ele e as mudanas na cobertura poltica realizada pelo

    programa. Servem de base pesquisas anteriores que tiveram a Rede Globo, o JN e a poltica

    como tema (BORELLI; PRIOLLI, 2000; BUCCI, 2004; NEVES, 2008; HERZ, 2009;

    PORTO, 2010). Na segunda seo, debrua-se sobre uma breve biografia de Dilma Rousseff,

    desde sua infncia em Minas Gerais, passando por sua participao em movimentos de

    resistncia Ditadura e pelo estabelecimento de sua carreira poltica no Rio Grande do Sul,

    at o perodo em que exerceu os cargos de ministra de Minas e Energia e ministra-chefe da

    Casa Civil no primeiro e segundo mandatos de Lula, respectivamente.

    O terceiro captulo concentra-se na metodologia utilizada para conduzir este estudo.

    Apresenta-se a Anlise de Contedo (AC) como mtodo de investigao que possibilita

    atingir os objetivos delineados nesta introduo. Elucida-se de que forma foi definido o

    corpus da pesquisa, como se deu o processo de recolha e seleo das notcias e apresenta-se

    uma descrio geral do material estudado, resultado das primeiras exploraes das unidades

    de anlise. Por ltimo, explica-se como foi aplicada a anlise categorial atravs de fichas de

    classificao que permitissem a observao do material no apenas de um ponto de vista

    quantitativo, mas principalmente de forma qualitativa.

    Os captulos quatro e cinco apresentam o tratamento dos resultados e a inferncia

    controlada que levaram identificao da formao de trs enquadramentos jornalsticos

    sobre Dilma Rousseff: a suspeio, a humanizao e a competncia. Definem-se cada um dos

    enquadramentos, apresentam-se as situaes e quadros de significado que resultaram nestes

    enquadramentos atravs de exemplos que se manifestam no texto, discute-se de que forma

    esses enquadramentos fundam-se em mapas culturais supostamente consensuais e quais so as

    funes e os sabes dos jornalistas que podem ter auxiliado na seleo e na salincia desses

    significados.

    Por ltimo, apresentam-se as consideraes finais do trabalho articulando os trs

    enquadramentos resultantes da anlise e trazendo avaliaes da cobertura jornalstica sobre

    Dilma Rousseff no Jornal Nacional, bem como inferncias sobre as estratgias narrativas

    acionadas pelos jornalistas na construo dessas notcias.

  • 19

    1 REFERENCIAL TERICO

    A fim de atingir o objetivo de pesquisa proposto na introduo, procura-se, neste

    captulo, apresentar um rpido panorama da visibilidade proporcionada pela televiso e, em

    especial, pelo telejornalismo aos atores polticos e o papel dessa visibilidade para a construo

    de suas imagens pblicas e suas reputaes. A partir disso, busca-se relacionar o paradigma

    do enquadramento aos aspectos de construo da notcia atravs de trabalhos de socilogos e

    pesquisadores da comunicao e do jornalismo que entendem a realidade como uma

    construo social e o jornalismo como atividade que, ao mesmo tempo em que produz

    esquemas que orientam a compreenso do mundo atravs de seus textos, tambm constri

    notcias com base neste mundo dado a priori.

    Na primeira parte, sero destacados aspectos relevantes acerca da transformao da

    visibilidade dos atores polticos com o advento da mdia de massa, em especial da televiso e

    de seus contedos jornalsticos. O aporte terico encontra-se fundamentalmente em

    Thompson (2002, 2009) e em suas consideraes acerca dos regimes de visibilidade poltica

    na contemporaneidade. A forma como estes atores se comunicam com os cidados atravs da

    televiso e do jornalismo ser relacionada formao de imagem pblica desses

    representantes polticos (GOMES, 2004; WEBER, 2006, 2009), incluindo situaes em que

    os contedos noticiosos podem ser prejudiciais para suas reputaes.

    Na segunda parte, ser apresentado o enquadramento enquanto perspectiva terica

    inserida dentro dos estudos relacionados ao jornalismo a saber, ao agenda-setting e s

    teorias construcionistas. Uma reviso terica acerca da origem deste conceito (GOFFMAN,

    1986) relacionada ao seu desenvolvimento dentro das pesquisas em jornalismo (TUCHMAN,

    1983; HALL et al., 1993; GITLIN, 1980; GAMSON et al., 1992; ENTMAN, 1993;

    SCHEUFELE, 1999; PORTO, 2004) ser elaborada para, ao final, apresentar a definio de

    enquadramento jornalstico a ser operada neste estudo conectada muito mais a esquemas de

    significado e interpretao fundados em mapas culturais do que a orientaes polticas

    presentes no texto.

    Por ltimo, defende-se que a formao de frames est relacionada viso dos

    jornalistas enquanto comunidade interpretativa (ZELIZER, 2000) que compartilha padres de

    avaliao sobre acontecimentos relevantes, e que os processos de seleo e salincia

    (ENTMAN, 1993) que originam os enquadramentos jornalsticos esto ligados,

    essencialmente, a dois saberes acionados na atividade de produzir a notcia: o saber de

  • 20

    procedimento e o saber de narrao (ERICSON, BARANEK, CHAN, 1987). Buscar-se-

    explicitar algumas das operaes realizadas de forma consciente ou inconsciente pelos

    jornalistas nesse processo de construo da notcia tendo como referncia autores como

    Galtung e Ruge (1965), Molotoch e Lester (1974), Gaye Tuchman (1993), entre outros que

    revisaram e atualizaram seus conceitos.

    1.1 A televiso e a visibilidade poltica

    Para entender a visibilidade dos atores polticos na atualidade, preciso partir da

    transformao da natureza do que se pode chamar de publicidade, ligada s maneiras como

    as pessoas e acontecimentos so tornados visveis a outros (THOMPSON, 2002). A distino

    entre pblico e privado tem origens na Grcia Clssica e no incio do desenvolvimento do

    direito romano, porm o importante entender como essa dicotomia assumiu novos contornos

    na sociedade ocidental contempornea.

    O que pblico, no sentido tomado aqui, o que visvel ou observvel, o

    que desempenhado diante de espectadores, o que aberto para que todos, ou

    muitos, possam ver, ouvir, ou ouvir falar a respeito. O que privado, em

    contraste, o que escondido da vista, o que dito ou feito em segredo ou

    entre um crculo restrito de pessoas. Nesse sentido, a dicotomia pblico-

    privado tem a ver com publicidade versus privacidade, com abertura versus

    sigilo, com visibilidade versus invisibilidade (THOMPSON, 2002, p. 64-65).

    As transformaes sociais que moldaram a sociedade moderna, principalmente o que

    diz respeito aos meios de comunicao, redefiniram as relaes entre vida pblica e privada e

    criaram novos regimes de visibilidade, inexistentes anteriormente. Para entender as mudanas

    na publicidade dos atores polticos preciso voltar-se aos desenvolvimentos ligados

    inveno e explorao dos meios de comunicao e de difuso da informao.

    Considerado um marco para a era moderna, o desenvolvimento dos tipos mveis em

    metal fundido e da prensa por Johannes Gutenberg em torno de 1440 permitiram no apenas o

    crescimento do mercado de livros no sculo XIV, mas tambm o surgimento dos primeiros

    jornais regulares de notcias (ou corantos, como eram chamados) no sculo XVII. A

    circulao destas formas primitivas de jornal ajudou a criar a percepo de um mundo de

    acontecimentos muito distantes do ambiente imediato dos indivduos, mas que tinha alguma

  • 21

    relevncia potencial para suas vidas (THOMPSON, 2009, p. 65).

    O advento da imprensa, portanto, alterou a noo de publicidade de um indivduo ou

    de um evento. Antes, este conceito estava ligado partilha de um local comum. Tornava-se

    pblico aquilo que acontecia diante de uma pluralidade de indivduos fisicamente presentes

    no momento de sua ocorrncia. A essa publicidade tradicional de co-presena, relacionada

    interao face a face, somou-se a publicidade miditica, no mais conectada a um lugar e

    tempo comuns compartilhados por um determinado nmero de indivduos (THOMPSON,

    2002, 2009).

    Surge, ento, um novo tipo de relao entre representantes polticos e os cidados, a

    quase-interao mediada. Inicialmente, alm de possibilitar a separao dos contextos

    espaciais e temporais entre produo e recepo, uma de suas caractersticas a limitao das

    possibilidades de deixas simblicas, visto que aqueles que produzem a mensagem no

    conseguem aferir as reaes daqueles que as recebem. Entretanto, o seu carter monolgico

    (que impossibilita o dilogo entre produtor e receptor) e a sua orientao para uma gama

    indefinida de receptores em potencial que a distinguem da interao mediada realizada atravs

    da troca de cartas e das chamadas telefnicos, por exemplo.

    Esse novo regime de publicidade, possibilitado pelo desenvolvimento dos jornais e

    que descolado do olhar (no sentido de ver alguma coisa em um tempo e lugar partilhados),

    altera tambm a noo de formao de imagem pblica dos atores polticos. Entende-se a

    imagem pblica como uma representao cognitiva universalizada acerca de um sujeito,

    construda de forma ametdica (GOMES, 2004). De acordo com Wilson Gomes, ela seria um

    complexo de informaes, noes e conceitos, partilhados por uma coletividade qualquer que

    caracterizam o ator poltico por sua identidade moral e personalidade.

    Os governantes, que at o advento dos meios de comunicao de massa eram visveis

    apenas para aqueles com quem interagiam rotineiramente em um contexto face a face e que

    ocasionalmente apareciam para seus sditos em cerimnias nas quais era reservada certa

    distncia, puderam construir uma auto-imagem que poderia ser levada a outros em locais

    distantes (THOMPSON, 2002, p. 67). Os desenvolvimentos do telgrafo e do telefone

    representaram um grande avano tecnolgico e deram maior velocidade rede de informao

    numa perspectiva transnacional. Porm, foi o advento do rdio e da televiso na primeira

    metade do sculo XX em escala comercial que levou a publicidade dos atores polticos a

    novos patamares.

    A pouca ou nenhuma demora com que esses meios eletrnicos transmitiam

  • 22

    informao criou o que Thompson (2002) chamou de simultaneidade desespacializada, onde

    eventos distantes podiam ser reportados ao mesmo tempo em que ocorriam. Mas talvez a

    maior riqueza do rdio e da televiso seja sua possibilidade de inspiraes simblicas, que

    permitem a reproduo de algumas caractersticas da interao face a face. O rdio, por

    exemplo, possibilitou que a sonoridade da voz humana fosse transmitida a contextos

    longnquos.

    Foi a tev, no entanto, com a sua combinao de profuso visual e deixas auditivas,

    que estabeleceu uma nova e distinta relao entre publicidade e visibilidade. Na era da

    televiso, publicidade miditica crescentemente definida pela visibilidade no sentido restrito

    de viso (a capacidade de algo ser visto com os olhos), embora esse novo campo de viso seja

    completamente diferente do campo de viso que as pessoas tm em seus encontros cotidianos

    com os outros (THOMPSON, 2002, p. 68).

    No regime de publicidade permitido pela televiso, as aes so visveis a um grande

    nmero de indivduos, situados em diferentes e distantes contextos, alterando as condies

    sob as quais os atores polticos se apresentam e administram sua visibilidade. Ao mesmo

    tempo em que o lder se dirige a essa audincia sem lugar, cria-se um novo tipo de

    intimidade na esfera pblica, um local onde ele pode se comunicar com diferentes sujeitos

    como se fossem pessoas da famlia ou amigos, como descreve Thompson (2002). Os

    telespectadores, apesar de no poderem escolher o ngulo de viso, podem observar os gestos

    e falas de seus lderes, o que antes era reservado s relaes ntimas dos atores polticos.

    Esta sociedade, que tornou cada vez mais comum aos lderes polticos revelarem

    aspectos de si mesmos ou de sua vida pessoal, Thompson (2002) chamou de sociedade da

    automanifestao. Tal intimidade possibilitada pelas novas tecnologias miditicas permite (e

    at exige) que os atores polticos se mostrem no apenas como lderes e representantes de uma

    nao, mas tambm como seres humanos, pessoas comuns que revelam seletivamente o que

    antes era considerado privado.

    O que se perdeu nesse processo foi algo da aura, da majestade, que circundava

    no passado os lderes polticos e as instituies, uma aura que era garantida em

    parte pelo isolamento dos lderes e a distncia que mantinham das pessoas que

    governavam. O que se ganhou foi a capacidade de falar diretamente s

    pessoas, de aparecer diante delas como seres humanos em carne e osso, com

    quem os polticos pudessem desenvolver uma empatia, ou mesmo uma

    simpatia, de dirigir-se a elas no como a um sdito, mas como a um amigo.

    Em sntese, os lderes polticos adquiriram a capacidade de se apresentarem

    como um de ns (THOMPSON, 2002, p. 69).

  • 23

    Na verdade, nessa sociedade da automanifestao, a administrao da imagem pblica

    poltica tornou-se cada vez mais complexa. Visto que na visibilidade da comunicao de

    massa que os argumentos podero adquirir maior repercusso e credibilidade (WEBER,

    2006, p. 120), a produo e o controle da imagem pblica nos meios de comunicao tarefa

    vital para a prtica poltica.

    [...] o desejo de visibilidade de uma instituio e a obteno/manuteno de

    uma imagem slida, favorvel e em longo prazo, depende da compreenso e

    do equilbrio da equao entre a identidade de quem quer se tornar

    publicamente visvel (nvel aproximado de verdade e realidade), e a

    visibilidade (diferentes mediaes e dependente dos media) e a credibilidade

    (nvel suficiente para manter disputas na mdia e na poltica) (WEBER, 2006,

    p. 131).

    Sabe-se que os pactos e disputas polticas da visibilidade no dependem apenas do

    jornalismo e da comunicao miditica e esto em jogo tambm na comunicao poltico-

    partidria e na comunicao pblica (WEBER, 2009). Porm, como se mencionou na

    introduo, na primeira instncia de visibilidade mencionada que no h deciso fechada

    sobre quais fatos, sujeitos ou instituies sero expostos. O jornalismo tem a capacidade de

    reforar a imagem pblica produzida e administrada pelo campo poltico, mas tambm tem o

    poder de constru-la de maneira totalmente dissociada ao que pretendiam o poltico e sua

    equipe. possvel ainda silenciar e omitir, o que torna rdua (mas no impossvel) a tarefa de

    se relacionar com os eleitores, objetivo final daqueles que buscam apoio e votos (GOMES,

    2004). Enfim, o jornalismo:

    . o espao que vigia, critica e expe aes e informaes geradas por

    polticos, partidos e instituies do campo poltico. Mesmo estabelecendo

    pactos econmicos e ideolgicos com determinadas instituies e sujeitos

    polticos, nesse ambiente que prevalece a credibilidade. A instncia que

    julga e tem o poder de propiciar visibilidade (WEBER, 2009, p. 87).

    atravs da vigilncia dos espaos miditicos, em particular do jornalismo, que as

    atitudes dos atores polticos so avaliadas e interpretadas e chegam ao conhecimento dos

    cidados. Qualquer ato de violao do que considerado moralmente aceito em termos de

    conduta nos mbitos econmico, sexual ou poltico pode tornar-se um escndalo, com

    potencial de prejudicar a reputao dos membros do campo.

    A reputao um aspecto do capital simblico dos atores polticos, formado pela

    acumulao de prestgio, reconhecimento e respeito atribudos a ele. Segundo Thompson

  • 24

    (2002), a relativa apreciao e estima concedida a um indivduo ou instituio por outros.

    Pode ser especfica da competncia dos atores polticos ou relativas ao seu carter. No

    primeiro caso, consideram-se a demonstrao de habilidades no exerccio do cargo. J no

    segundo caso, avalia-se o representante por suas caractersticas de fidedignidade e

    confiabilidade, probidade e integridade. No necessrio demonstrar nenhuma competncia

    especfica a fim de conseguir uma reputao de bom carter, mas voc deve demonstrar um

    padro de comportamento atravs do tempo que os outros possam julgar ser digno de estima

    (THOMPSON, 2002, p. 297).

    A questo da reputao fundamental devido a um fortalecimento da poltica de

    confiana, onde os representantes polticos no so avaliados somente pelos partidos aos quais

    fazem parte, mas tambm pelo seu grau confiabilidade individual. A visibilidade

    proporcionada pelo campo jornalstico e a funo deste de agir como co de guarda da

    democracia colocam os atores polticos em testes de credibilidade com vistas a garantir que

    suas promessas polticas sero cumpridas (THOMPSOM, 2002). Escndalos polticos, por

    exemplo, podem ser esvaziadores de reputao e, por conseqncia, de confiana.

    Como j se argumentou, em grande parte atravs das notcias que os cidados iro

    tomar conhecimento das atitudes de seus representantes, iro julg-los confiveis ou no. O

    texto noticioso capaz de produzir interpretaes e construir significados sobre os atores

    polticos que, em ltima instncia, sero relevantes para a construo da reputao dos

    membros do campo poltico, do grau de credibilidade atribudo a eles e do estabelecimento de

    uma relao de confiana ou no.

    Tendo isso em vista, interessa a partir de agora compreender como o jornalismo define

    nas notcias as circunstncias dos acontecimentos reportados e de que forma so produzidos

    significados sobre determinado ator poltico. Ou seja, de que maneira as aes dos atores

    polticos so interpretadas luz dos saberes dos jornalistas enquanto comunidade

    interpretativa, produzindo significados de (in)confiabilidade sobre eles no texto noticioso.

    Interessam saber como so construdos os enquadramentos jornalsticos e de que forma eles se

    apresentam nas notcias.

  • 25

    1.2 Enquadramento e jornalismo

    A perspectiva terica do enquadramento1 nos estudos relacionados ao jornalismo surge

    da imbricao de duas transformaes ocorridas no final do sculo XX: a redescoberta do

    poder do jornalismo atravs da hiptese do agendamento; e o entendimento da notcia no

    mais como um espelho da realidade, mas como uma construo (TRAQUINA, 2005, 2008).

    Compreender essas duas mudanas essencial para trabalhar sob a tica do enquadramento

    jornalstico, entendido aqui como uma ideia organizadora central formada por quadros de

    significado e interpretao presentes no texto noticioso que se funda em mapas culturais

    supostamente consensuais.

    A hiptese inicial do agendamento baseada na influncia do jornalismo2 na opinio

    pblica, ou seja, na transferncia de temas abordados com destaque e frequncia pelos

    veculos noticiosos para aqueles tpicos que os cidados consideram importantes

    (McCOMBS, 2009) representou uma virada nas teorias dos efeitos limitados dominantes

    entre as dcadas de 1940 e 1960. Conforme Traquina (2000), redescobre-se o poder do

    jornalismo atravs de pesquisas empricas que buscavam examinar o papel de jornais, revistas

    e telejornais na formao e na mudana de cognies. De acordo com a hiptese inicial do

    agenda-setting, o jornalismo no diz s pessoas o que pensar, mas diz sobre o que pensar

    (COHEN, 1963 apud McCOMBS; SHAW, 2000).

    Segundo as revises sobre os estudos em agendamento conduzidas por Traquina

    (2000) e McCombs (2009), entre os anos 1970 e 1980, esta hiptese foi expandida ao

    iniciarem investigaes sobre a maneira de apresentao das notcias e a sua relao com a

    formao da opinio pblica acerca de atributos de candidatos ou temas. Assim, concluiu-se

    atravs de novas pesquisas que o enquadramento jornalstico sobre temas ou pessoas tem

    reflexos na maneira pela qual o pblico ir compreend-los e formar imagens sobre eles.

    Portanto, as notcias, sob essa perspectiva, no nos diriam apenas sobre o que pensar, mas

    tambm como pensar. Essa hiptese sustenta-se principalmente em um contexto de

    1 No Brasil, muitas vezes, os autores utilizam os termos frame, framework, framing e frame analysis sem fazer

    distino entre essas expresses em portugus. Entende-se, neste trabalho, frame e framework como sinnimos

    de enquadramento, e framing como o processo de construo do enquadramento. Considera-se frame analysis a

    pesquisa sobre frames ou a anlise de frames. 2 Os primeiros autores do agenda-setting, Maxwell McCombs e Donald Shaw, bem como a maioria dos

    pesquisadores norte-americanos, utilizam o termo mdia e agenda miditica em seus estudos. Porm, suas

    pesquisas debruam-se sobre os contedos produzidos pelo jornalismo. Assim, seguindo o exemplo de Nelson

    Traquina (2000), este trabalho ir se referir ao jornalismo e agenda jornalstica e sua relao com as agendas

    polticas e a agenda pblica.

  • 26

    democracia em uma sociedade de massas, na qual a maior parte do nosso conhecimento sobre

    os atributos dos candidatos polticos, desde sua ideologia poltica at sua personalidade, vem

    das matrias noticiosas, conforme se explorou na seo anterior.

    Esses enquadramentos jornalsticos que esto presentes nas notcias e que

    influenciam a forma como os indivduos compreendem a realidade no esto inseridos

    dentro de uma tica de efeitos imediatos e ilimitados como se pensava nas primeiras teorias

    dos efeitos. O paradigma do enquadramento caracterizado pelas ideias construcionistas, que

    conferem ao jornalismo um forte poder, porm restrito (SCHEUFELE, 1999). Forte porque

    tem a capacidade de construir a realidade social atravs da forma como as notcias apresentam

    os acontecimentos. Mas restrito devido capacidade cognitiva dos indivduos frente ao texto

    noticioso e mtua interferncia entre esta realidade socialmente construda e a notcia. Ao

    mesmo tempo em que a notcia constri significados sobre a realidade, os significados que

    circulam na sociedade interferem na produo da notcia3.

    Apesar do reconhecimento de que o pblico no passivo e de tomar como hiptese

    de trabalho a influncia dos contedos noticiosos na formao da agenda pblica, a pesquisa a

    ser conduzida acerca dos enquadramentos construdos sobre atores polticos nas notcias do

    telejornalismo no est inserida no campo da psicologia social e tampouco pretende fazer uma

    anlise de agendamento. A preocupao est em entender os enquadramentos que permeiam

    as notcias sobre determinado ator poltico atravs de uma anlise que busca os quadros de

    significado e interpretao sobre esta figura pblica no texto noticioso e caminha para a

    relao entre a idia organizadora central apresentada no texto e os processos de construo

    da notcia.

    Devido aos diferentes propsitos das anlises de enquadramento que ultrapassam o

    mbito do jornalismo e da mdia e se originam em uma perspectiva relacional, que busca

    compreender de que maneira os indivduos organizam suas experincias cotidianas e atribuem

    sentido a elas um desafio operar uma pesquisa com este referencial. Muitos pesquisadores

    da rea de comunicao chamam ateno para esta dificuldade, referindo-se ao

    enquadramento como um paradigma fraturado (ENTMAN, 1993), apontando sua impreciso

    terica e emprica (SCHEUFELE, 1999) e alertando para a necessidade de especificar o nvel

    de anlise do conceito (PORTO, 2004). Com a finalidade de consolidar uma definio de

    enquadramento e o nvel de anlise adequado aos objetivos de pesquisa delineados

    3 Essa perspectiva est assentada, em grande parte, nas ideias de Berger e Luckmann (2009). Para os autores, o

    que socialmente entendido como realidade produto de uma construo objetivada do mundo da vida

    cotidiana. Nesse contexto, as instituies sociais como o jornalismo tm o papel de reforar ou readequar esta realidade.

  • 27

    anteriormente, apresentar-se- abaixo uma articulao entre o trabalho fundador da frame

    analysis, suas primeiras aplicaes dentro dos estudos em jornalismo e os avanos

    apresentados por revises tericas recentes na rea.

    A anlise de enquadramento surge a partir de uma perspectiva situacional que procura

    entender como as pessoas percebem o mundo e o que real; ou seja, est preocupada em

    desvendar como elas organizam suas experincias cotidianas. Erving Goffman, socilogo que

    primeiro desenvolve o conceito, em 1973, defende que, quando um sujeito depara-se com

    qualquer situao, ele se pergunta O que est acontecendo aqui? (1986). O que auxilia este

    sujeito na interpretao daquele evento do qual ele toma parte so os enquadramentos.

    Eu compreendo que definies de uma situao so construdas de acordo com

    princpios de organizao que governam eventos pelo menos os sociais e com nosso envolvimento subjetivo neles; enquadramento a palavra que

    utilizo para me referir a esses elementos bsicos que consigo identificar. Essa

    a minha definio de frame. Minha frase anlise de frame uma expresso que se refere ao exame da organizao da experincia nestes termos

    (GOFFMAN, 1986, p. 10-11, traduo nossa4).

    Na perspectiva inaugural do conceito, Goffman enfatiza uma compreenso de frames

    em nvel microssociolgico, na qual eles so entendidos como padres que organizam a

    cognio da realidade, acionados e negociados em processos de interao face a face. Porm,

    conforme observa Berger (1986), seu trabalho consegue conectar-se com a macrossociologia

    na medida em que reconhece que as interpretaes no dependem somente de indivduos, mas

    de um grupo social especfico no qual eles esto inscritos (GOFFMAN, 1986, p. 27).

    Portanto, apesar de Goffman estar interessado na organizao social da experincia cotidiana

    e na maneira como os enquadramentos so negociados em situaes de vulnerabilidade

    (jogos, teatro, enganos), suas ideias so possveis de serem relacionadas com a teoria de

    Berger e Luckmann (2009) sobre a construo social da realidade na medida em que partem

    dos mesmos autores Alfred Schutz e George Herbert Mead para explicar como os

    indivduos compreendem o mundo a sua volta5.

    atravs da conexo entre essas duas perspectivas que Gaye Tuchman (1983) traz

    uma relevante aproximao do conceito de enquadramento atividade de construo da

    4 Texto original: I assume that definitions of a situation are built up in accordance with principles of organization which govern events at least social ones and our subjective involvement in them; frame is the word I use to refer to such of these basic elements as I am able to identify. That is my definition of frame. My

    phrase frame analysis is a slogan to refer to the examination in these terms of organization of experience. 5 A grande diferena entre autores se d na compreenso de Berger e Luckmann (2009) de que o mundo da vida

    cotidiana se estabelece como a realidade por excelncia e, no entendimento de Goffman (1986), mltiplas

    realidades se traduzem de um mundo para outro sem haver uma supremacia entre eles (TUCHMAN, 1983).

  • 28

    notcia. Ela articula a perspectiva de Goffman, sobre enquadramento como princpio de

    organizao que impe ordem sobre a experincia direta dos atores sociais, com o as noes

    de Berger e Luckmann referentes ao estabelecimento de instituies sociais e o seu papel na

    ordenao do mundo da vida cotidiana. A autora afirma que a notcia uma janela para este

    mundo. Atravs de seu enquadramento, de sua moldura, o texto noticioso delineia este

    mundo, ou seja, constri a realidade social. Para ela, o enquadramento das notcias depende

    da atividade jornalstica, de suas restries organizacionais e do funcionamento do jornalismo

    enquanto instituio capaz de objetivar significados sociais. H, porm, limites na proposta de

    Tuchman. A autora, alm de no apresentar uma definio conceitual clara sobre

    enquadramento, revelou pouco sobre as relaes entre o jornalismo e a construo dos frames

    por sua viso ampla sobre a produo noticiosa, conforme observou Scheufele (1999).

    Hall et al. (1993), apesar de no citarem Goffman (1986), fazem uma importante

    contribuio para a operacionalizao do conceito de enquadramento dentro da pesquisa em

    jornalismo. Segundo os autores, a produo social das notcias envolve um processo de

    identificao e contextualizao que define os eventos relatados atravs de sua relao com

    outros acontecimentos e os colocam num quadro de significao e interpretao familiar ao

    pblico. Ou seja, os jornalistas utilizam quadros de referncia de fundo que constituem a

    base do nosso conhecimento cultural, no qual o mundo social j est traado (HALL et al.,

    1993, p. 226) para tornar o mundo sobre o qual eles produzem seus relatos inteligvel para o

    pblico. A estes quadros de referncia de fundo d-se o nome mapas culturais do mundo

    social, articulado pelos jornalistas em enquadramentos de significado e interpretao

    presentes nas notcias.

    Embora sua preocupao com a interao social face a face, Goffman (1986, p. 27)

    tambm apontou para a existncia de um sistema de crenas, que ele chama de framework of

    frameworks (enquadramento dos enquadramentos) recursos cognitivos compartilhados que

    constituem um elemento central da cultura de um grupo particular. Este sistema seria formado

    pelo conjunto dos enquadramentos primrios esquemas de interpretao de um evento em

    particular que parecem no depender de interpretaes anteriores para aqueles que os

    utilizam. Estes primary frameworks auxiliam os indivduos a localizar, perceber, identificar

    e rotular uma srie de ocorrncias.

  • 29

    Tomados em conjunto, os enquadramentos primrios de um grupo social

    especfico constituem um elemento central da sua cultura, especialmente na

    medida em que trazem tona entendimentos sobre as principais classes de

    esquemas, as relaes entre essas classes, e a soma total das foras e dos

    agentes que estes desenhos interpretativos reconhecem estar solta no mundo

    (GOFFMAN, 1986, P. 27, traduo nossa6).

    Pode-se afirmar, ento, que tanto Hall et al. (1993) quanto Goffman (1986) apontam

    para saberes compartilhados pelos membros de uma cultura, que sero utilizados para dar

    sentido quilo que acontece a sua volta. Ambos afirmam tambm que existem mapas

    culturais muito diferentes numa sociedade (p. 226) e que h um compartilhamento

    incompleto desses recursos cognitivos (p. 27), respectivamente. Ou seja, reconhecem que o

    dissenso est presente nos grupos sociais.

    No entanto, haveria um enquadramento concordante bsico e mais lato (HALL et

    al., 1993, p. 227) que est assentado em uma suposta natureza consensual de sociedade, onde

    aquilo que nos aproxima enquanto participes de uma mesma cultura seria maior do que aquilo

    que nos divide. As notcias, para os autores culturalistas, no apenas so construdas pelos

    jornalistas a partir destes consensos, mas tambm ajudam a difundi-los e a refor-los

    atravs de suas construes narrativas. As discordncias, segundo eles, tm espaos

    institucionalizados para serem abordadas. Ou seja, mesmo sendo admitidas pelos participantes

    do grupo, em sociedades capitalistas organizadas e democrticas, as divergncias devem estar

    em espaos legtimos que buscam reconcili-las. O jornalismo seria um destes espaos, no

    qual os dissensos so expostos de forma a serem discutidos e apaziguados.

    Ao apontar o anormal, o desvio e o dissenso; a notcia refora o que normal, o que

    regra, o que consenso. Desta maneira, o jornalismo enquanto instituio social legitimada

    encontra-se em um lugar privilegiado para a organizao do mundo social, ao mesmo tempo

    em que orientado por ele. Ao falar sobre seu objeto de pesquisa emprico recortes de

    jornal que se constituem em fait-divers, conforme definio de Roland Barthes7 Goffman

    (1986) ressalta que o entendimento do mundo precede essas estrias e determina quais sero

    contadas e de que forma.

    6 Texto original: Taken all together, the primary frameworks of a particular social group constitute a central element of its culture, especially insofar as understandings emerge concerning principal classes of schemata, the

    relations of these classes to one another, and the sum total of forces and agents that these interpretative design

    acknowledge to be loose in the world. 7 Informao imanente, classificada como variedades. Numa s palavra, seria uma informao monstruosa, anloga a todos os fatos excepcionais ou insignificantes, em suma inominveis, que se classifica em geral

    pudicamente sobre a rubrica dos Varia (BARTHES, 1982, p. 57).

  • 30

    O enredo desses eventos reportados responde plenamente a nossas demandas que no so por fatos, mas por tipificaes. A sua narrao demonstra o poder

    dos nossos entendimentos convencionais para lidar com os potenciais bizarros

    da vida social, com os mais distantes mbitos da experincia. O que aparenta,

    ento, ser uma ameaa nossa forma de compreender o mundo passa a ser

    uma defesa engenhosamente selecionada deste mundo. Ns lanamos essas

    estrias ao vento, elas impedem o mundo de nos perturbar (GOFFMAN, 1986,

    p. 14-15, traduo nossa8).

    Hall et al. (1993) extrapolam a anlise centrada nos fait-divers e comentam a

    capacidade do jornalismo em tornar compreensvel o que eles chamam de realidade

    problemtica. Esta seria a grande funo dos quadros de significado e interpretao

    apresentados nas notcias. Em uma sociedade na qual h uma expectativa de consenso, de

    rotina e de ordem, eventos problemticos so desestabilizadores se no forem delineados

    dentro de conhecimentos convencionais. O jornalismo exerce, ento, duas funes: define

    quais so os acontecimentos significativos e apresenta interpretaes sobre como

    compreend-los dentro dos mapas culturais consensuais. Implcitas nessas interpretaes

    esto as orientaes relativas aos acontecimentos e pessoas ou grupos nelas envolvidos

    (HALL et al., 1993, p. 228). So esses esquemas de significado e interpretao que conduzem

    o entendimento sobre determinado ator poltico que interessam a este trabalho.

    Apesar dos avanos oferecidos pelos trabalhos de Gaye Tuchman (1983) e Hall et al.

    (1993) sobre a formao dos enquadramentos pelas notcias que considera tanto os aspectos

    sociais quanto os aspectos organizacionais e profissionais no campo uma definio do termo

    nos estudos sobre comunicao no foi elaborada por estes pesquisadores. Esse avano

    proposto por Todd Gitlin (1980), que parte do pensamento dos autores mencionados

    anteriormente Goffman, Hall e Tuchman para elaborar um conceito de enquadramento.

    Frames miditicos, em grande medida no mencionados e no reconhecidos,

    organizam o mundo tanto para os jornalistas que os relatam quanto, e em um

    grau importante, para ns que contamos com seus relatos. Frames miditicos

    so padres persistentes de cognio, interpretao e apresentao, de

    seleo, nfase e excluso, no qual os manejadores de smbolos

    rotineiramente organizam o discurso, tanto verbal quanto visual (GITLIN,

    1980, p. 7, traduo nossa9).

    8 Texto original: The design of theses reported events is fully responsive to our demands which are not for facts but for typifications. Their telling demonstrates the power of our conventional understandings to cope with

    the bizarre potentials of social life, the furthest reaches of experience. What appears, then, to be a threat to our

    way of making sense of the world turns out to be an ingeniously selected defense of it. We press these stories to

    the wind; they keep the world from unsettling us. 9 Texto original: Media frames, largely unspoken and unacknowledged, organize the world both for journalists who report it and, in some important degree, for us who rely on their reports. Media frames are persistent

    patterns of cognition, interpretation, and presentation, of selection, emphasis, and exclusion, by which symbol-

    handlers routinely organize discourse, whether verbal or visual.

  • 31

    A definio de Gitlin relevante j que rene os principais aspectos do

    enquadramento trabalhados pelos autores que o antecedem. Ao ressaltar que os frames

    produzidos pelo jornalismo so em grande medida no mencionados e no reconhecidos

    aponta-se para a caracterstica de que os quadros primrios so operados facilmente pelos

    atores sociais, mesmo que estes no consigam identific-los (GOFFMAN, 1986). Ou seja, os

    frames construdos na atividade jornalstica no so necessariamente intencionais, podem ser

    inconscientes (SCHEUFELE, 1999) na medida em que eles fazem parte da cognio dos

    jornalistas. Esta observao fundamental, visto que neste trabalho busca-se apresentar uma

    viso complexa da construo da notcia, que foge da ideia que ela produto de uma simples

    manipulao dos fatos por parte dos jornalistas ou das empresas s quais pertencem.

    Alm da capacidade dos frames de organizao do mundo para os produtores da

    notcia e para o pblico, abordada anteriormente, Gitlin (1980) tambm destaca o papel dos

    jornalistas como manejadores de smbolos que organizam o discurso verbal e visual atravs

    de processos que obedecem a certos padres. Para ele, os enquadramentos permitem o

    processamento de grandes quantidades de informao rapidamente e de forma rotineira pelos

    os profissionais que trabalham com as notcias. As informaes so reconhecidas pelos

    jornalistas, designadas a categorias cognitivas e embaladas de forma a abastecerem a

    audincia. Esses procedimentos que auxiliam o jornalista a empacotar as notcias so

    chamados por Robert Entman (1993) de seleo e salincia.

    O processo de enquadramento envolve essencialmente seleo e salincia.

    Enquadrar selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e torn-

    los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover

    determinada definio de um problema, uma interpretao causal, uma

    avaliao moral e/ou uma recomendao de tratamento para o item descrito

    (ENTMAN, 1993, p. 52, traduo nossa10

    ).

    Em relao ao primeiro aspecto ressaltado pelo autor seleo e salincia , pode-se

    dizer que a construo do enquadramento depende de escolher e destacar alguns atributos dos

    eventos reportados de forma consciente ou inconsciente pelo jornalista. O processo de seleo

    pressupe incluso e excluso, visto que selecionar no somente incorporar determinados

    aspectos da realidade no texto noticioso, tambm omitir outros. J a salincia est

    relacionada ao destaque dado a certos atributos dos acontecimentos atravs da localizao de

    10 Texto original: Framing essentially involves selection and salience: To frame is to select some aspects of a perceived reality and make the more salient in a communicating text, in such way as to promote a particular

    problem definition, causal interpretation, moral evaluation, and/or treatment recommendation for the item

    described.

  • 32

    uma informao no texto, da sua repetio neste texto ou em um conjunto de textos e na

    associao desta informao destacada a smbolos e valores culturalmente familiares11

    .

    O segundo aspecto apontado por Entman (1993) centra-se na construo de um

    argumento atravs do estabelecimento de um problema e da apresentao de causas,

    avaliaes e solues para este. De acordo com o autor, os enquadramentos determinam o que

    um agente causal est fazendo e quais so os custos e os benefcios dessas aes, medidos de

    acordo com valores culturais compartilhados. O jornalista identifica um problema e suas

    causas, faz avaliaes morais sobre seus agentes e seus efeitos, e pode sugerir tratamentos

    para ele. Como foi dito anteriormente, acredita-se que estas definies estabelecidas no texto

    noticioso esto baseadas em um suposto consenso social sobre o que normal e regular, no

    que se pensa saber sobre a sociedade (HALL et al., 1993). Dessa maneira, a ruptura e o

    dissenso destacado nas notcias apontam na direo de um consenso. Neste sentido, o

    problema e as avaliaes feitas sobre ele, quando presentes de forma reiterada nas notcias,

    podem orientar a compreenso da audincia sobre determinado ator poltico.

    Gamson et al. (1992) identificam o enquadramento como um princpio organizador

    central que une e d coerncia e significado a um conjunto diverso de smbolos. Para os

    autores, tambm preciso especificar o que se entende por frame pela pluralidade do conceito

    aplicado nas pesquisas sobre mdia. Considera-se aqui que o enquadramento o princpio

    organizador central formado a partir de diversos quadros de significado e interpretao

    manifestos no texto. Esse enquadramento funda-se em mapas culturais supostamente

    consensuais que organizam o mundo tanto para os jornalistas que os produzem quanto para o

    pblico. Os manejadores de smbolos os constroem a partir de conhecimentos prvios sobre o

    grupo social no qual esto inseridos, de forma a fazer avaliaes sobre os acontecimentos que

    reportam; e de saberes profissionais que os auxiliam a selecionar e salientar determinados

    aspectos da realidade.

    Pelo que foi exposto at aqui sobre enquadramento, esta pesquisa est inserida no que

    Scheufele (1999), ao fazer uma classificao dos trabalhos com nfase nesta perspectiva

    terica, categorizou como media frames as a dependent variable, ou seja, frames miditicos

    como uma varivel dependente. A ideia de frame miditico centra-se na investigao de como

    11 A salincia no dada automaticamente na notcia, ela produto da interao do texto com a audincia. Ou

    seja, os indivduos, ao lerem as notcias, acionam uma cadeia de conhecimentos prvios para compreender e

    interpretar aquele acontecimento. Nem todos, porm, iro enquadrar os acontecimentos relatados da mesma

    forma. Como no iremos trabalhar com a formao dos enquadramentos individuais (ideias que guiam o

    processamento de informaes pelas pessoas), iremos procurar nas notcias do telejornal estruturas que orientem,

    de forma reiterada, a compreenso da audincia sobre o evento reportado na notcia atravs da apresentao de

    determinado enquadramento no texto.

  • 33

    os enquadramentos so incorporados ou se manifestam no texto. Como este trabalho est

    focado na notcia produzida por jornalistas e no em contedos produzidos pela mdia em

    geral, o termo a ser utilizado daqui em diante ser frame jornalstico.

    Nesta tipologia delineada pelo professor norte-americano, considera-se ainda que os

    frames presentes nas notcias dependem de alguns aspectos para a sua formao. Assim, os

    pesquisadores que atuam nesta linha esto preocupados em descobrir que fatores influenciam

    a maneira como os jornalistas enquadram determinados temas, em estabelecer como esse

    processo funciona e em determinar quais so os frames que os jornalistas utilizam.

    Para os propsitos aqui apresentados, buscar-se- determinar os enquadramentos

    construdos nas notcias sobre certo ator poltico e relacionar a forma como estes frames se

    manifestam no texto ao processo de construo da notcia. Como no ser conduzido um

    estudo etnogrfico sobre a produo noticiosa, utilizaremos os fatores que podem influenciar

    a formao de enquadramentos de acordo com o que j foi estabelecido por outros

    pesquisadores.

    Segundo a reviso de Scheufele (1999), para o exame de frames jornalsticos, os

    aspectos que resultam na formao dos enquadramentos podem ser divididos em dois: rotinas

    sociais e rotinas profissionais dos jornalistas. Acredita-se que essas rotinas sociais esto

    ligadas a noo de que os jornalistas so uma comunidade interpretativa que partilha padres

    de significao e interpretao baseados em supostos consensos sociais e que atravs das

    rotinas profissionais especialmente aquelas prticas acionadas como parte de seus saberes

    de procedimento e narrao que os processos de seleo e salincia essenciais ao framing

    atuam.

    1.3 Os jornalistas e suas rotinas sociais e profissionais

    Sobre as rotinas sociais, pode-se dizer que os jornalistas, no contexto ao qual se refere

    esta pesquisa, fazem parte de uma sociedade democrtica moderna de natureza supostamente

    consensual, que partilha mapas culturais acionados na significao e interpretao do que

    acontece a sua volta. Dividem valores e normas sociais com outros membros da cultura na

    qual esto inseridos. Porm, alm de integrarem este ambiente social maior, eles tambm

    participam de uma tribo jornalstica que possui uma forma especfica de ver o mundo

    (TRAQUINA, 2008), uma comunidade interpretativa unida por noes compartilhadas da

  • 34

    realidade (ZELIZER, 2000). Segundo a figura de linguagem proposta por Pierre Bourdieu

    (1997), os jornalistas possuem culos que os permitem ver certas coisas da maneira como

    as veem. Com estes culos, eles operam uma seleo daquilo que enxergam e uma construo

    do que selecionado. Sob essa perspectiva, o jornalismo no apenas uma profisso,

    tambm um conjunto de pessoas unidas por um saber partilhado e por interpretaes coletivas

    de acontecimentos pblicos relevantes.

    De acordo a viso desenvolvida por Barbie Zelizer (2000) sobre os jornalistas

    enquanto comunidade interpretativa, o grupo estabelece atravs de associaes informais

    convenes em grande medida tcitas e negociveis sobre quais so as prticas adequadas

    profisso. Por meio de interpretaes realizadas em um tempo duplo um modo

    interpretativo local e um modo interpretativo durativo , os jornalistas definem e redefinem a

    maneira como reconhecem os acontecimentos significativos; criam, experimentam e falam

    sobre as notcias. Comentar as coberturas jornalsticas de eventos atuais e reinterpretar a

    maneira que as notcias eram tratadas no passado luz de definies contemporneas so duas

    atividades que marcam a percepo dos jornalistas sobre os eventos considerados relevantes e

    sobre como relat-los no momento presente. atravs desse discurso sobre o modo de

    construir a notcia que se estabelece uma cultura jornalstica, dotada de valores e de saberes

    especficos mais ou menos institucionalizados em rotinas profissionais que, postos em

    relao, ajudam a determinar os enquadramentos jornalsticos.

    Ericson, Baranek e Chan (1987) j haviam apontado a importncia da troca de relatos

    entre jornalistas no processo de ensinar e lembrar os colegas sobre o que considerado certo e

    errado em determinadas circunstncias e quais so as provveis consequncias de

    determinadas aes. Atravs de uma articulao verbal contnua sobre o conhecimento

    exigido para alcanar um bom desempenho no trabalho formado um vocabulrio de

    precedentes. Este rene a sabedoria do ofcio, mobilizada para o produto final do jornalismo

    a notcia , e sistematizada pelos autores em trs tipos: saber de reconhecimento, saber de

    procedimento e saber de narrao.

    A aquisio desses saberes, para Ericson, Baranek e Chan (1987) se daria de forma

    tcita. Eles circulariam atravs desse processo de contao de estrias e no seriam

    formalmente expressos. Apesar de este trabalho estar de acordo com a viso de que muitos

    saberes so transmitidos de maneira informal nas relaes entre jornalistas, tambm se

    ressalta o crescimento de meios institucionalizados de circulao de prticas e valores do

    jornalismo desde que os autores canadenses fizeram sua investigao em redaes de jornais e

    emissoras de televiso no Canad. O prprio ensino universitrio, o aumento da pesquisa

  • 35

    acadmica, os cdigos de tica, bem como os manuais de redao, so indicadores de um

    processo de profissionalizao (TRAQUINA, 2005) e se configuram em meios formais de

    aquisio dos saberes de reconhecimento, procedimento e narrao. Compartilha-se, ento, da

    assero de Zelizer (2000, p. 34) sobre a rede informal de jornalistas produzir um discurso

    como forma de assimilar elementos dessa prtica negligenciados pelas interpretaes

    formalizadas da profisso.

    Esta comunidade interpretativa faz uso no apenas seus cdigos deontolgicos e seus

    saberes de construo da notcia, como tambm est sujeita aos valores da empresa na qual

    trabalha. Em relao poltica editorial, Breed (1993) afirma que, atravs de um regime de

    recompensa e punio, o jornalista socializado com as normas editoriais da empresa, por

    vezes em detrimento de valores pessoais ou profissionais que tenha trazido consigo. Ou seja,

    ele tende a conformar-se com a orientao poltica da instituio para a qual trabalha, por

    temer sanes, por experimentar um sentimento de obrigao com os superiores, por desejar

    promoes e ascenso profissional ou por no perceber resistncia dos outros jornalistas em

    relao a esta poltica. O prazer da atividade jornalstica e a notcia como um valor um

    objetivo a ser conquistado pode fazer com que o jornalista se adapte aos interesses da

    empresa e construa enquadramentos alinhados poltica editorial.

    Observa-se, entretanto, que junto complexidade da construo da notcia (pela

    interao entre as regras formalizadas da profisso e as noes tcitas que preenchem suas

    lacunas), h um espao de oposio autoridade hierrquica. Os jornalistas encontram

    brechas, baseadas em seus saberes compartilhados, que permitem desvios da poltica editorial.

    Vale destacar que as normas desta poltica editorial nem sempre so claras, permitindo

    margem de manobra ao jornalista; e que o profissional tem opes de seleo em muitas

    etapas pode escolher quem entrevistar, que perguntas fazer e que itens realar na notcia.

    Afirma-se, ento, que as rotinas sociais dos jornalistas podem ser divididas em trs

    fatores. O primeiro diz respeito a sua insero em uma sociedade que compartilha de mapas

    culturais supostamente consensuais. O segundo refere-se a sua participao em uma

    comunidade interpretativa que possui cdigos deontolgicos e saberes mais ou menos

    institucionalizados sobre o que notcia e como report-la. O terceiro est atrelado insero

    deste jornalista em uma organizao dotada de uma poltica editorial, que pode confrontar-se

    com os valores da comunidade ou limitar sua atuao. Esses trs fatores ajudam a construir os

    saberes de reconhecimento, de procedimento e de narrao dos jornalistas.

    O saber de reconhecimento diz respeito habilidade profissional de distinguir quais

    so os acontecimentos que tm potencial de virar notcia. Ele est relacionado a critrios de

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    noticiabilidade substantivos, que justificam a escolha de determinado evento em detrimento

    de outros por caractersticas que o prprio acontecimento apresenta. O saber de procedimento

    encontra-se na aptido do jornalista em pensar e operacionalizar tcnicas e condutas

    relacionadas recolha e verificao dos fatos. Esto includas neste quesito formas de lidar

    com restries organizacionais e mobilizar seus conhecimentos acerca das fontes. J o saber

    de narrao manifesta-se na capacidade de compilar todas as informaes recolhidas e

    transform-las em um relato noticioso coerente e em tempo hbil. Para isso, os jornalistas

    dispem de estruturas narrativas previamente estabelecidas.

    Visto que no interessa para este trabalho os fatores que levam os jornalistas a noticiar

    um evento e sim os esquemas de significado e interpretao presentes nas notcias, no sero

    exploradas as questes relacionadas ao saber de reconhecimento. O foco est nos saberes de

    procedimento e de narrao, nos quais se do os processos de seleo e salincia necessrios

    ao framing, respectivamente.

    Conforme se apontou anteriormente, selecionar incorporar determinados aspectos da

    realidade no texto noticioso