Os Espiritos em minha vida

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    OS ESPRITOSEM MINHA VIDAROBSON

    PINHEIRO

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    SUMRIO

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    VIVER A EXPERINCIA MEDINICA 16

    1

    ZEZINHO 22

    PETER PAN MINEIRO 28

    SER QUE ELE ? 31

    2

    TUPINAMB E OUTROS CABOCLOS 36O VENTO SOPRA ONDE QUER 42

    BANDEIRA VERMELHA, BANDEIRA BRANCA 50

    3

    PAI JOO 60

    PAI JOO, MENTOR DE EVERILDA BATISTA 64

    DE ALFRED RUSSELL A PAI JOO 68

    DE PAI JOO A PAI JOO 78

    MUDAR SABER, SABER MUDAR 92

    4EVERILDA BATISTA 100

    ESPRITO DO LADO DE C 102

    EDUCAR COM "SIM" E COM "NO" 111

    TRABALHAR PRECIS0115

    ESPRITO DO LADO DE L 128

    A MELHOR GUA-DE-COCO DO MUND0147

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    5JOSEPH GLEBER E ALEX ZARTH176

    PRONTO PARA NASCER 182

    AS VOZES DO SILNCI0186

    CANTAR COM ESPERANA 198

    MEDICINA DO CORPO E DA ALMA 223

    PS ICOG RAFAR PRECISO 241

    NEM S DE PAPEL VIVE O HOMEM 244

    6

    B256

    PEDRA BRUTA 260

    DA SUBJUGAO MEDIUNIDADE 265

    BRINCANDO COM FOGO 276

    7

    UMA CASA NO CAMINHO 312

    PASSES NA COZINHA 322ANTES DE PEGAR A ESTRADA, O MAPA 326

    CONTAGEM REGRESSIVA 332

    8

    O HIPNO 344

    BOFETO FRATERNO 350

    A MEDICINA DA ALMA 356

    O HIPNO ATACA DE NOVO 364

    O HIPNO REVELADO 373

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    A YVONNE PEREIRA,QUE ME INSPIROU

    AO ESCREVER

    AS MEMRIAS

    DE SUA VIVNCIA

    MEDINICA.

    A RODRIGO ALEIXO,QUE ME DISSE:

    "ESCREVA LOGO!".

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    VIVERAEXPERINCIAMEDINICA

    QUANDO SE FALA"EXPERINCIA MEDINICA"OU COISA PARECIDA,H QUEM A ASSOCIE AUM FENMENO QUE NOENVOLVE NENHUMA OUTRAPESSOA ALM DO MDIUM.NA VERDADE, "EXPERINCIA

    MEDINICA" SIGNIFICA MAISDO QUE FENMENO: O"RELACIONAMENTO" COM ADIMENSO EXTRAFSICAE SEUS HABITANTES - GENTECOMO A GENTE, AINDAQUE SEM CORPO CARNAL.

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    DAS MINHAS VIVNCIAS COM OS ESPRITOS

    que pretendo falar neste livro. O intuito rememo

    rar alguns eventos, desde a infncia, e refletir a res

    peito desses acontecimentos de cunho medinico.

    Quero convidar voc a reviver comigo certas experincias - algumas das quais so muito engraadas,

    por um lado; instigantes, por outro -, que aqui e ali

    demonstram o planejamento, o compromisso e a fi

    delidade dos espritos tarefa confiada ao mdium.

    Nesse aspecto, os episdios falam por si, voc ver.

    Quer dizer, preciso fazer a ressalva de que

    guardo pouca memria da infncia e da adolescn

    cia. Alguns episdios esparsos, que se encadeiam

    numa linha de tempo nem sempre clara para mim...

    e s. Relatos dos familiares ajudaram-me a recupe

    rar histrias que, talvez, tivessem se perdido nos dias

    (no to distantes...) de mocidade - especialmente

    no tocante aos fatos ocorridos durante o transe me-

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    dinico, que, no meu caso, se caracteriza pela inconscincia, conforme explicarei posteriormente.

    No obstante, os momentos de relacionamento

    com os espritos e, sobretudo, a impresso e a sensa

    o deixadas por eles, sem dvida, compem o que de

    mais vvido h em minha memria da fase infanto-

    juveni l. interessante observar , por exemplo, que, de

    modo absolutamente natural e espontneo, no pre

    meditado, tenho recordaes detalhadas dos ensinos

    do esprito Joo Cob acerca das propriedades tera

    puticas de ervas e plantas, assim como de suas ca

    ractersticas energticas, segundo a aplicao e o co

    nhecimento ancestral dos povos africano e indgena,xvi

    que envolvem cultivo, colheita, mtodo de preparo de

    xix mandingas, chs ou beberagens etc. Alis, grande par

    te do que sei a esse respeito me foi ensinado direta

    mente por esse esprito, incorporado em minha me,

    que era mdium de psicofonia e de efeitos fsicos dequalidades extraordinrias.

    Por outro lado, tenho enorme dificuldade em

    lembrar-me da quase totalidade dos assuntos ligado

    a qualquer das matrias bsicas: portugus, matem

    tica, histria ou geografia. Apesar de ter cursado at

    a 8a srie do que hoje chamado de ensino funda

    mental, olhar uma equao, para mim, como ver um

    texto em idioma desconhecido. A respeito dos repre

    sentantes ou dos estilos da literatura brasileira, pou-

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    qussimo ou nada sei. Nem ouso falar dos mistriosimpenetrveis - ao menos para mim - da gramtica e

    da abominvel anlise sinttica. Costumo brincar que

    predicado deve ser o marido da crase e dizer "subjun

    tivo do imperativo do gerndio", ou qualquer coisa do

    gnero, como um dos meus palavres prediletos. Pe

    rodos histricos, governantes do Brasil e do mundo,

    caractersticas de vegetao ou relevo, nome de capi

    tais... Deus me acuda! Para mim, Acaraj a capital de

    Salvador! No tenho vergonha de admitir: tudo isso me

    parece nebuloso e muito distante da minha realidade.

    Falta interesse, verdade, mas tambm falta o mnimo

    registro de que isso um dia tenha feito parte de meu

    repertrio de conhecimentos. E fez, sou forado a con

    cluir, pois que fui aprovado - e, pasme, com destaque

    acadmico e notas quase sempre prximas do total.

    Mais duas curiosidades sobre a poca escolar,

    para encerrar o assunto e ilustrar um pouco da aonada ortodoxa dos espritos junto de mim. Nas provas

    de matemtica, invariavelmente a diretora era chama

    da a intervir. Chegava aos resultados corretos, porm

    por meios ou raciocnios diferentes daqueles ensina

    dos pela professora, o que provocava sua indignao

    e, suponho, a suspeita de que tivesse colado nos exa

    mes. Estudava com bastante dedicao, mas a verdade

    que a preta-velha Vov Mariana me ajudava muito

    na hora das provas, conforme contarei mais adiante.

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    Entretanto, diferentemente do ocorrido com as demais

    matrias, eu era vidrado em cincias. Meus projetos de

    feira de cincias, por exemplo, eram destaque em to

    das as cidades da regio. Uma vez montei luz qumica,

    base de fsforo, e outra, um computador analgico,ento j com meus 16 anos, em 1977. Nesse segundo

    caso, recordo-me claramente de ter sido conduzido por

    algum, que jamais via, mas podia escutar. Como no

    fazia idia do que era mediunidade, imerso nos estu

    dos evanglicos que me encontrava, nem me dei con

    ta. De to natural, 0 fato no me chamava a ateno.

    Seja como for, 0 objetivo desta obra no to-so

    mente relatar vivncias que tive com os Imortais; maisXX

    que isso, contribuir para a melhor compreenso daxxi dinmica que rege 0 relacionamento entre os habi

    tantes dos dois lados da vida. E desse entendimento

    - quem sabe? - extrair alguma lio, algum proveito

    para todos ns, porque definitivamente no adianta

    travar contato com inteligncias extrafsicas se per

    manecemos os mesmos, se esse contato no promove

    nenhuma mudana que possa marcar, positivamente,

    nosso existir. E esse 0 maior objetivo.

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    1ZEZINHO" POSSVEL DISCORDARDA PESSOA E CONTINUARAMANDO-A. NO NECESSRIOFAZER GUERRA COM QUEM NOCONCORDAMOS.KARDEC FAZIA ASSIM:

    REPUDIAVA A OPINIO DOSCONTRADITORES, MASNUNCA RESVALAVA PARA ODESRESPEITO AO SERHUMANO."ZEZINHO

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    UM DOS PERSONAGENS CENTRAIS EM MINHA VIDA

    um esprito que eventualmente se manifesta dando

    orientaes, como porta-voz dos mentores em nossa

    casa esprita, a Sociedade Esprita Everilda Batista, na

    Grande Belo Horizonte. Trata-se do esprito Jos Ribeiro Fonseca. Na verdade, ele se apresenta assim, com

    esse nome, fora do transe medinico, de terno em

    tons de cinza claro e camisa branca. Embora seja um

    esprito adulto ou com aparncia de adulto, nas comu

    nicaes medinicas ele o menino Zezinho, como

    conhecido de todos.

    Zezinho sempre foi claro ao apontar sua ligao

    genuna com minha famlia consangunea ou, mais

    precisamente, com os espritos reencarnados no am

    biente domstico encabeado por Everilda Batista, j

    que ela adotou vrios filhos. Everilda Batista, minha

    me, d nome nossa instituio.

    Para entender a ao de Zezinho, que, como dis-

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    se, tem uma ligao muito estreita com minha famlia

    e a gente l de casa, precisamos estudar as definies

    de Kardec a respeito dos chamados espritos familiares.

    Conforme explica, so aqueles mais ou menos prxi

    mos do ncleo familiar, que formam grupos afins ao

    longo das reencarnaes, pertencentes ao que se con

    vencionou chamar de famlia espiritual - a verdadei

    ra famlia, segundo esclarecem Jesus 1 e, mais tarde, o

    espiritismo 2. Acredito honestamente que, em algum

    momento do passado, Zezinho esteve profundamente

    ligado, principalmente, a trs pessoas da famlia: mi

    nha me, a irm Marvione e a mim.

    Desde criana, percebo esse esprito prximo de24 mim. Ento se apresentava minha viso como um

    25 garoto cafuzo, ou seja, com traos dos povos negro e

    indgena; um caboclo ou mestio, poderia se dizer.

    Trajava sempre uma camiseta verde muito surrada,

    meio apertada, como acontece com as crianas quando crescem, mas precisam continuar usando as mes

    mas roupas. Um calo azul e a camiseta verde, ligei-

    1 Cf. Mt 12:46-50.

    2 KARDEC , A l lan . O Evangelho segundo 0 espiritismo. Rio de Janeiro, R J : F E B ,

    1944 .12 0a ed., 2002. Cap . 14: Honrai a voss o pai e a vossa me , itens 5:

    "Quem minha me e quem so meus irmos?" e seguintes. Traduo

    de Guill on Ribeir o da 3a. ed. francesa, revista, corrigid a e modif icada pelo

    autor em 1866.

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    ramente arrebitada na frente, com a barriga um poucode fora... assim, meio exagerada, como se tivesse al

    guma verminose ou barriga-d'gua, na linguagem po

    pular. Lembrava aqueles meninos nordestinos muito

    pobres, queimados de sol do serto, ou ainda de al

    guma favela cosmopolita. A camisa jamais escondia

    seu umbigo. Comumente se mostrava com um bico

    ou chupeta, mas no o usava da maneira convencio

    nal, com a ponta emborrachada dentro da boca. Alm

    dessa parte, colocava metade daquela rodela plstica

    da chupeta entre o lbio inferior e a gengiva, o que o

    obrigava a ficar com a boca um tanto aberta. Da ficar

    meio beiudo, com o lbio inferior saliente.

    Brincava muito com esse menino. Lgico que,

    na poca, nem suspeitava se tratar de um esprito...

    Mas como podia no perceber que era desencarna

    do? Na verdade, o que acontecia que era to natu

    ral pra mim, naquela ocasio, ver espritos - no todos, evidentemente, mas alguns espritos - que nem

    me ocorriam indagaes do tipo: "Afinal de contas, o

    que aquele sujeito que s eu vejo?". Achava que todo

    mundo via o tal menino. De to natural o fenmeno,

    para mim Zezinho era como qualquer criana. No

    racionalizava, por exemplo, como que, de repente,

    l estava ele no alto de uma rvore, j que no o tinha

    visto se aproximar ou subir nela. Eu era novo demais:

    cinco, seis anos. Nessa idade, voc acha que nor-

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    mal porque a nica realidade que conhece; acredita

    mesmo que todo mundo v espritos... Parece que so

    muito freqentes casos como esse, de espritos apa

    recerem para crianas, as quais encaram o fato com

    a mais absoluta naturalidade. Alis, elas nem imagi

    nam que sejam espritos; nem sequer conhecem esse

    conceito. Apenas convivem com tais entidades como

    pessoas comuns, encarnadas.s vezes, ocorria de estar conversando ou brin

    cando prximo a minha me e outras pessoas quan

    do Zezinho me fazia um sinal, chamando-me com a

    mo. Saa em sua direo, dizendo a ela:

    - Vou brincar com meu amiguinho...26

    Ela deixava. Inicialmente, apenas deixava. Depois ,

    27 comeou a perceber, tambm ela, a presena do esp

    rito. Algumas vezes, quando eu ia me deitar, falava:

    - Vai, meu filho, vai voar com seu amiguinho -

    numa referncia direta a Zezinho.

    E Zezinho brincava comigo, contava histrias

    e mais histrias, muitas das quais nem me lembro

    mais. Entretanto, recordo-me claramente de passar,

    com relativa freqncia, ao menos as tardes acompa

    nhado desse esprito. Muitas vezes, sentado diante de

    mim numa espcie de balano, debaixo de uma rvo

    re, ficava pra l e pra c conversando comigo. Eu, nasperipcias de infncia, envolvia-me cm aquilo a tal

    ponto que nem de longe imaginava que era um de-

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    sencarnado. Nem sabia o que era isto: encarnado ou

    desencarnado; a gente no tinha essa noo.

    At que um dia ele me contou - bem mais tar

    de, naturalmente - ter morrido numa situao com

    plicada. Disse que foi brincar numa chapada (at hoje

    no sei exatamente o que uma chapada) e ento caiu

    num poo perto de onde costumava apanhar frutas

    para lev-las famlia. Dentro do poo ele agonizou de

    fome e sede, durante trs a quatro dias, e veio a desen

    carnar ali mesmo, sem ningum o ter encontrado.

    Zezinho participou, mais tarde, de uma poca mui

    to importante para mim, quando comecei a conhecer o

    fenmeno da mediunidade, no fim da adolescncia, es

    pecialmente aps os 18 anos. Manifestava-se em mim,

    e eu j sabia que era um esprito, que era desencarnado.

    Tomei contato com o espiritismo em 1979. Aps isso,

    mais exatamente a partir de 1982, vez ou outra ele fazia

    uma ponte entre os ensinamentos espritas e aquelescom os quais minha famlia estava acostumada.

    Meu pai contava que Zezinho incorporava em

    mim - e meu pai 0 respeitava profundamente, ape

    sar de 0 esprito trazer um conhecimento diferente do

    que ele possua na poca, j que era evanglico. Era

    ele quem conversava com meu pai, minha me e mi

    nha irm, especificamente, trazendo noes a respeito

    da vida fora da matria. Foi uma poca particularmen

    te rica em fenmenos, em que esse esprito e outros

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    mais apareceram em nossa vida causando significativa mudana, porque foram eles - e o Zezinho de ma

    neira muito especial - os responsveis por meu pai e

    as irms Marvione e Maria (esta ltima, de criao)

    adquirirem noes de espiritualidade. Meu pai era, di

    gamos, um tanto descompromissado com a vida do

    mstica, e essa irm adotiva, que ajudou na criao

    de quase todos, por ter mais idade, vivia um processo

    obsessivo serissimo, que se estendeu por mais de 27

    anos - sobre 0 qual comentarei em diferentes momen

    tos desta obra. A presena de Zezinho como porta-voz

    de conceitos de grande valor colaborou de modo defi

    nitivo no ganho de qualidade da vida familiar. Embora28

    no acontecesse com tanta freqncia, nas vezes em

    29 que ocorria sua comunicao trazia bons resultados.

    PETER PAN MINEIROComo disse, esse foi um perodo rico na fenomeno

    logia e no contato com os espritos; minha mediuni-

    dade estava desabrochando e eu levava essa situao

    com a mxima naturalidade. Um bom exemplo que,

    nos desdobramentos que ocorriam comigo, ao sair do

    corpo - a chamada mediunidade sonamblica de Allan

    Kardec ou a viagem astral dos dias de hoje - eu no

    via exatamente o Zezinho, mas sabia que havia uma

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    criana a me guiar, que segurava meu brao. Em ge

    ral, meu brao esquerdo, por meio do qual me puxa

    va para fora do corpo. Jamais, em todo esse perodo,

    cheguei a perceber visualmente a tal criana durante

    os desdobramentos, porm, ao tocar-me no pulso, ela

    auxiliava-me na decolagem para fora do corpo. E eu sa

    bia que essa criana era o Zezinho.

    Inmeros foram os desdobramentos anteriores

    fase adolescente na igreja evanglica. Minha me

    pressentia que eu estava prestes a desdobrar e, ento,

    colocava uma cadeira ao lado da minha cama, tocava

    na minha testa e dizia:

    - Meu filho, pode seguir tranqilo com seu ami

    guinho, porque estou aqui vigiando seu corpo pra voc.

    Eu no entendia muito bem o que significava

    aquilo, mas me entregava completamente, porque eraum fenmeno agradvel, prazeroso mesmo de se vi-

    venciar. Ficava naquela situao, meio tonto, sem es

    tar dormindo, mas tampouco acordado e, da a pou

    co, comeava a girar dentro do prprio corpo para, em

    seguida, sentir aquela mo me tocar, a mo de uma

    criana que me puxava. Nesse perodo, ocorriam des

    dobramentos recorrentes. Durante muitos anos, a

    mesma rotina. Esse esprito me segurava pela mo,

    outras vezes pelo brao, conduzia-me, ia comigo levitando, voando sobre campos, pradarias, tudo florido,

    bem florido, principalmente com margaridas brancas

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    e algumas flores amarelas sempre presentes na paisagem. Ali e acol, montes de rvores, como se fossem

    ilhas naquele mar de flores, e eu sobrevoando essa

    paisagem, invariavelmente levado por aquela criana

    segurando a minha mo. Durante muitos anos Zezi-

    nho participou ativamente desses fenmenos.

    Os desdobramentos aconteciam toda vez que me

    encontrava muito agitado ou irritado. Quando me dei

    tava, nessas ocasies, via-me transportado para as paisa

    gens buclicas do plano extrafsico. Parecia um bosque

    de grandes propores, imenso mesmo. Aps a expe

    rincia, sentia-me mais calmo. Ao voltar para o corpo,

    Zezinho estava aos ps da minha cama, rindo, simples30

    mente, sem falar absolutamente nada. Sorria pra mim

    31 por um tempo, despedia-se e, finalmente, saa.

    Em mim, a faculdade da psicofonia - ou seja, a

    mediunidade falante, como a chamava Kardec - ca

    racteriza-se pela inconscincia, o que significa dizerque, ao voltar do transe, no me recordo do que foi

    dito atravs da minha boca, do que foi feito com meu

    corpo fsico durante a comunicao. Em contraparti

    da, e este um fenmeno freqentemente associado

    mediunidade sonamblica, guardo a recordao do

    que presenciei fora do corpo.

    Durante longo tempo da vida de estudante, ha

    via um horrio, quase que sagrado, em que eu saa do

    corpo. s 17 horas em ponto eu sentia uma espcie de

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    tonteira... j sabia. Deitava-me e falava:

    - Me, vou brincar com me u amiguinho - da a

    pouco eu decolava.

    Hoje, um aspecto curioso que, ao retornar de um

    transe mais prolongado ou uma comunicao em que

    houve desdobramento, comum que Zezinho surja ao

    final dos trabalhos e cumprimente a todos, falando do

    jeitinho infantil e brincalho que lhe prprio:

    - Nossa mezinha! - pe a lngua entre os dentesao pronunciar o som do esse, como se falasse errado

    ou estivesse aprendendo a falar. - Eu s vim pra trazer

    o cavalinho... - ele brinca, usando a terminologia bem

    brasileira para se referir ao medianeiro e marcando sua

    responsabilidade por me conduzir de volta ao corpo.

    SER QUE ELE ?Na nossa casa esprita, as atividades e o papel de Ze

    zinho so interessantes. Apesar de ter se manifesta

    do sempre com o aspecto ou a roupagem fludica de

    uma criana, em dado momento me informou que

    seu nome era Jos Ribeiro Fonseca. No o reconheci

    a primeira vez que o vi como um mulato alto e cor

    pulento, elegante. Apesar de ter algo familiar no sem

    blante, no descobri de onde conhecia aquele jovembem-apessoado. Foi a que me revelou seu nome e se

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    mostrou como Zezinho. Boquiaberto, lembro-me deter perguntado por que preferia apresentar-se como

    uma criana, ao que respondeu que dessa maneira

    conseguia tocar mais o corao e a sensibilidade das

    pessoas. Realmente, seu jeito tem um qu da alegria e

    da espontaneidade infantis, alm da doura e da sim

    plicidade verdadeiras. Ademais, o grande nmero de

    pessoas que j conversou com esse esprito incorpo

    rado ficou efetivamente encantado. Mesmo quando

    "puxa a orelha" de algum, o faz com sabedoria, le

    vantando o astral do interlocutor, enchendo-o de en

    tusiasmo e abastecendo-o de idias para promover as

    mudanas necessrias em sua vida 3.32

    Zezinho um dos espritos responsveis pelo cui

    33 dado com nossas crianas da Sociedade Esprita Eve-

    rilda Batista - e crianas de modo geral, inclusive da

    vizinhana, sobre as quais eventualmente traz recomen-

    3 A epgrafe deste captulo fala dessa maneira de agir. Um dos textos

    em que Kardec aborda o trato com os contraditores to inspirador que

    o repro duzi mos: "Quanto s rivalidades, s tentativas que faam por nos

    suplantarem, temos um meio infalvel de no as temer. Trabalhamos

    para compreender, por enriquecer a nossa inteligncia e o nosso cora

    o; lutamos com os outros, mas lutamos com caridade e abnegao. O

    amor do prximo inscrito em nosso estandarte a nossa divisa" (KARDEC,

    Allan.Obras pstumas.Rio de Janeiro,RJ: FE B . ia- ed. especial , 1944/ 200 5.

    1 parte, item "Os desertores", p. 307).

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    daes. Em segundo plano, muito ligado a questesdo dia-a-dia das reunies medinicas. Suspeito que,

    alm de notria afinidade com pais-velhos e caboclos,

    possua vasto saber ligado umbanda e magia, fato

    que ele faz questo de omitir, de no destacar em hip

    tese alguma. Manifesta-se segundo o arqutipo do er,

    que, na mitologia africana, corresponde alma infantil.

    Esmera-se sempre para disfarar sua posio entre os

    demais espritos que nos orientam. Nota-se seu traba

    lho nos resultados, mas ele no de tocar no assunto.

    Pelo contrrio, apenas diz: "Ah, eu no sei de nada...

    Sou s uma criana". De toda maneira, no mbito das

    reunies medinicas, atua principalmente quando li

    damos com espritos mais endurecidos e complicados.

    Nesses casos , Zezinho entra em cena e, com aquela do

    ura de criana, que lhe prpria, vai suavizando o di

    logo, o contato e as emoes desses espritos. Desem

    penha esse papel bem prximo de Pai Joo de Aruandaou Joo Cob e de Vov Mariana, espritos igualmente

    associados minha famlia, a quem aprendi a amar e

    respeitar desde novo. Portanto, Zezinho desempenha

    o papel de suavizar emoes, de tocar sentimentos, de

    despertar esse lado infantil que existe em cada espri

    to, em nossa prpria alma. No contato com os espri

    tos endurecidos, essa sua caracterstica ou habilidade

    tem um efeito muito grande. Eis uma das razes pela

    qual tenho profundo apreo por Zezinho, assim como

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    25/367

    o tm os demais voluntrios da instituio.

    Recentemente, desdobrado, tenho tido contato

    com determinado guardio no plano astral, e esse su

    jeito, vez ou outra, lembra o Zezinh o. No sei bem ao

    certo se so os traos da face, se a expresso, nem

    sequer se ele o prprio Zezinho, mas fato que esse

    esprito aparece como um africano de nome Watab,

    que personagem do livro Senhores da escurido, o se

    gundo volume da Trilogia 0 Reino das Sombras. Sor

    ridente ao extremo, alegre, apresenta-se como um ne

    gro alto de rosto grande, muito determinado em suas

    aes. Em meio ao largo sorriso desse guardio, per

    cebo alguma coisa em comum com Zezinho. Entre3 4

    tanto, toda vez que fao meno de pergunt-lo a res

    35 peito, d um jeito de se afastar e no confirma nada.

    Vejo-me assim na obrigao de respeitar seu desejo

    de no se expor.

    AO REFLETIR OU CONVERSAR A RESPEITO DE

    minhas experincias medinicas e do relacionamento

    com os espritos, impossvel deixar de enxergar o en

    cadeamento por trs de eventos aparentemente desco

    nexos, fortuitos e cotidianos.

    Muitos dos espritos presentes em minha infncia

    e juventude so importantes hoje, muito importantes.

    Cada qual desempenha um papel muito bem definido

    no trabalho da casa esprita que fundei e onde exero

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    minhas atividades, a qual integra a Universidade do

    Esprito de Minas Gerais. Essa instituio, cuja incum

    bncia de fundar me foi transmitida em orientaesque recebi de Chico Xavier e dos Imortais, hoje com

    preende a Sociedade Esprita Everilda Batista, a Casa

    dos Espritos Editora, a Clnica Holstica Joseph Gleber

    e a Aruanda de Pai Joo, mas abrigar ainda outras ins

    tituies e atividades.

    Na verdade, concluo que toda a experincia que

    vivi anteriormente ao espiritismo tinha determinada

    funo, fazia parte de um planejamento que os esp

    ritos detinham e que s se delineou pouco a pouco,com o passar do tempo. Mas a gente sabe que 30, 40,

    50 anos para os espritos um tempo curto, relativo.

    Desde as primeiras providncias a fim de articular mi

    nha reencarnao, desde o resgate no umbral, os esp

    ritos j tinham um plano desenhado.

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    2TUPINAMBE OUTROS CABOCLOS

    "QUANDO VOC DESENCARNAR,SEREI O LTIMO A ABANDONARSUA SEPULTURA."CABOCLO TUPINAMB

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    ESTA OBRA NO TEM POR OBJETIVO OBEDECER A

    uma cronologia, mas no h como deixar de lembrar de

    cada um dos espritos medida que apareceram e pas

    saram a fazer parte da minha vida. Um desses personagens muito presentes, principalmente em meus dias de

    juventude, o ndio Tupinamb. Mais tarde, nos anos

    em que me integrei ao movimento esprita, a partir de

    1979, ele se fazia visvel, mas jamais participava das ati

    vidades - nem sequer penetrava no recinto das institui

    es, at a fundao da Sociedade Esprita Everilda Ba

    tista, em 1992. Foi um perodo, de aproximadamente

    dez anos, de menos contato com ele. Isso mudou a par

    tir de 1996, se no me falha a memria. E a histria de

    como ele ingressou efetivamente na equipe espiritual

    da Casa de Everilda muito interessante, por si s.

    Quando eu era jovem, ele aparecia com muita fre

    qncia montado num cavalo branco, galopando. Vez

    ou outra eu me pegava, por algum motivo, mais quie-

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    to, com o olhar fixo numa garrafa d'gua - no inte

    rior, quela poca, era habitual manter cheias garrafas

    e mais garrafas com gua. De repente, surpreendia-

    me ao ver dentro do recipiente cristalino um cavalo

    galopando, montado em plo por um ndio que usa

    va uma espcie de capacete com um penacho muito

    grande; na verdade, um cocar chamativo e grande,que lhe descia at abaixo dos joelhos, quando estava

    de p. E eu falava com me:

    - Me, olha... Olha ali! - apontava. - um ndio,

    um ndio.

    Mas um ndio que demonstrava ter 50, 55 anos

    de idade, com 0 rosto grande e longo, de expresses38

    fundas e marcantes, lembrando certos caciques nor

    39 te-americanos. Sem dvida, tinha aparncia bastante

    distinta da que habitualmente se v entre os indgenasdas diversas tribos brasileiras.

    Lembro-me de uma histria interessante envol

    vendo esse personagem, esse esprito, de quando eu

    ainda era criana.

    Minha me tinha nove filhos adotivos e havia

    dado luz mais quatro. Morvamos todos em Gover

    nador Valadares, leste de Minas Gerais, com meu pai

    e minha av. Eu tinha 8 ou 9 anos de idade e viva

    mos, na famlia, 0 pice de um processo de obsesso

    complexa envolvendo uma das irms adotivas, a Maria

    ou B, como era apelidada entre ns. Me levou-a en-

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    to a uma casa esprita para solucionar o problema ou

    obter algum socorro, pois o caso era grave. Portado

    ra de enorme potencial fenomnico e medinico - o

    maior que j vi -, essa irm, desencarnada em 2007,

    era fruto da unio entre um sujeito meio feiticeiro, de

    ascendncia germnica, e uma bugra pegada no lao,

    como se dizia no interior, antigamente.

    O fenmeno obsessivo manifestava-se de forma

    violenta, com episdios de possesso mesmo, detalhesque contarei mais adiante, em outro captulo. Na casa

    esprita, logo de imediato, disseram: "Esse caso no

    pra ns" - matria frtil para anlise posterior - e indi

    caram minha me determinado terreiro de umbanda

    ou um misto de umbanda e candombl, que existia na

    cidade. Everilda Batista, minha me, conduziu B ao

    terreiro; junto com ela, foram meu pai, um irmo, mi

    nha av e duas outras pessoas que ela resolveu levar,

    alm de mim. Minha me sempre me carregava junto

    dela, para onde quer que fosse; em todos os momentos

    graves da vida dela, l estava eu. Dada a minha pouca

    idade, as memrias desse evento me foram favoreci

    das em conversas familiares anos mais tarde.

    Ao chegar casa de umbanda, foi-nos informado

    que a mdium ou me-de-santo atendia num cmodo

    separado. Ela recebia um ndio, um caboclo chama

    do Tupinamb. Minha me contava que a mdium,quando incorporada, usava uma coroa, na verdade um

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    cocar com penas nas cores vermelha, roxa e verde. Eraalgo comum na umbanda que ali se praticava. Naque

    la noite, assim que o caboclo se manifestou, ao invs

    de se dirigir minha me, como seria de se supor,

    ajoelhou-se diante de mim, tirou o penacho da cabea

    da mdium, assim como as guias e os colares do pei

    to, e os colocou todos sobre mim. Como eu era peque

    no, o penacho acabou escorregando e caindo sobre os

    ombros; os colares foram quase at o cho.

    Segundo minha me, o esprito ento disse:

    - Salve o velho Tupinamb! Eu te peo permisso

    para trabalhar.

    claro que no entendi o que era aquilo; no sabia40

    nada. Falou ainda que o pai dele, o cacique da aldeia,

    41 era tambm responsvel por minha conduo. Logo de

    pois, tirou de mim o cocar e as guias, para prosseguir aatividade. Continuei sem entender nada, claro. Crian

    a assim, nem poderia ser diferente.Transcorrido certo tempo, j envolvido com os es

    tudos espritas, passei a ver ocasionalmente uma luz

    que me seguia. Esse fenmeno ocorreu com maior in

    tensidade depois de 1980. Toda vez que eu estava num

    local em que no deveria estar, segundo 0 julgamento

    dos espritos, via esse foco de" luz, de um azul inten

    so, muito brilhante, que comeava a girar em torno de

    mim e do ambiente. No sei explicar 0 fenmeno em si;

    s sei que, em instantes, a luz azul parava num canto,

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    aumentava aos poucos, como uma bolha, e, de seu bojo,

    surgia esse ndio de braos cruzados e porte altivo, com

    o longo penacho colorido que pendia de cima da cabe

    a, sempre com a expresso absolutamente austera.

    Lembro-me bem da primeira vez em que avistei a

    tal luz azul. Havia sido convidado por meus colegas da

    Usiminas - onde trabalhei por cerca de sete anos, nacidade de Ipatinga, MG - para participar de uma festa.

    Assim que entrei no ambiente, deparei com um ponto

    azulado. De incio, era pequeno, a ponto de eu cogitar

    se porventura no era um efeito da iluminao local.

    Porm, dentro de instantes, cresceu at atingir a di

    menso de uma mo humana. Era de um azul muito

    intenso, reluzente como estrela. Com o eu no sasse do

    ambiente, essa luz aumentou at que divisei em seu in

    terior o Caboclo Tupinamb.

    Mais tarde, esclareceu-me que era um mtodo es

    colhido para chamar minha ateno e sinalizar sua pre

    sena no ambiente, emitindo uma espcie de alerta, na

    qualidade de guardio. Logo aprendi que, quando apa

    recia a luz azul, deveria deixar o local imediatamente.

    Nem esperava o ndio aparecer dentro dela, pois perce

    bi que isso ocorria apenas quando o lugar ou algum ali

    presente me pudesse prejudicar ou, simplesmente, no

    era um local adequado para freqentar. Se eu persistis

    se, a Tupinamb aparecia realmente. A luz se dilua e,

    em seu interior, ele se fazia notar. Para mim, significa-

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    va: Saia daqui agora, porque a situao perigosa. Ao

    longo de vrios anos, tive muito medo quando ele apa

    recia, pois era muito srio. Sua seriedade me provocava

    temor, e somente com o passar do tempo que aprendi

    a interpretar seu semblante adequadamente.

    Uma vez, dentro de um bar, l na cidade de Ipatin-

    ga, ele falou: "Saia daqui agora". No pensei duas ve

    zes. Deixei todos os amigos e sa, apavorado.

    - Falei assim com voc porque daqui a pouco vai

    ocorrer ali uma briga e, possivelmente, algum vai ser

    cortado com uma garrafa quebrada - disse-me depois.

    - Tem horas que no d tempo de explicar. Prefiro ser

    enftico para evitar problemas.42

    Nesses momentos, eu saa do ambiente, sem pes

    43 tanejar, pois no era to freqente a presena dele.

    Somente se manifestava em ambientes e situaes de

    perigo; no mais das vezes, nessas ocasies, no dava

    tempo de raciocinar; era preciso agir. Confesso quenunca me decepcionei com esse esprito, a quem devo

    muitssimo.

    O VENTO SOPRA ONDE QUEREm outras ocasies o esprito Tupinamb veio fazer

    parte de minhas experincias. Em vrias oportunida

    des, ao fazer palestras em casas de umbanda - convida-

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    doprincipalmente devido ao livroTambores de Angola4,

    lanado em 1998 - notava que os dirigentes das insti

    tuies me cumprimentavam de maneira ligeiramente

    reverente. Pude compreender que reverenciavam, na

    verdade, aquele ndio que percebiam prximo a mim.

    Como disse antes, Caboclo Tupinamb nunca

    entrava em nenhuma das casas espritas que eu fre

    qentava, ainda que me acompanhasse at a porta

    em determinados momentos, claramente ocupadocom minha segurana. Indagado por mim, afirmava

    no ter sintonia com o mtodo de trabalho que adota-

    vam ali. Algumas vezes, me aguardava junto ao por

    to. Disse-me certa vez que algum havia pedido que

    tomasse conta de mim, de tal modo que, quando eu

    desencarnasse, seria ele o ltimo a abandonar minha

    sepultura, pois faria jus sua incumbncia de defen

    der-me e acompanhar-me at o fim.

    Tenho carinho especial por esse ndio. Em dadomomento, descobri que ele era a reencarnao de um

    asteca e que trazia consigo no somente ndios tupi-

    4 Tambores de Angola um romance histrico que aborda diferenas

    entre umbanda e espiritismo co m respeito, valorizando ambas manifes

    taes culturais e religiosas. pioneiro na literatura esprita, em virtu

    de da abordagem despida de preconceito que prope (P I N H E I R O ,Robson.

    Pelo esprito ng el o Incio.Tambores de Angola.Con tagem,MG : Casa dos

    Espritos Editora, 1998 /2 00 6, 22a. ed.: 115 mil exemp lare s vendidos ).

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    nambs, mas numerosa falange de espritos que co

    ordenava, composta por puris e caiaras, entre outros,

    alm de um contingente de espritos astecas. Antes de

    sua reencarnao na tribo tupinamb, foi um inicia

    do, um sacerdote asteca. No Brasil, nasceu prximo ao

    recncavo baiano, provavelmente numa poca ainda

    anterior descoberta do Brasil.Quando fundamos a Sociedade Esprita Everilda

    Batista, no ano de 1992, eu vi, pela primeira vez, esse

    esprito dentro do centro esprita. Disse-me, na ocasio:

    - Agora, aqui eu entro. Aqui, trabalho. Sei que

    aqui no terei de desperdiar energia com 0 precon

    ceito das pessoas.44 Na verdade, mesmo em nossa casa havia precon

    45 ceito, claro. Isso muito humano. Tanto que imagi

    no ter sido esse um dos motivos para que somente a

    partir de 1996, como eu disse, ele tenha se integrado

    declarada e efetivamente ao trabalho.

    interessante observar que minha participao

    na fundao de casas espritas parece ter sido uma es

    pcie de preparao, um treino para 0 trabalho a ser

    desempenhado na fundao e administrao da So

    ciedade Esprita Everilda Batista e, mais tarde, nos de

    mais ncleos da Universidade do Esprito de Minas

    Gerais. A partir de ento, 0 Caboclo Tupinamb passa

    a fazer parte do colegiado de espritos que nos dirige

    at os dias atuais, da equipe que nos orienta, ligado

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    principalmente s reunies de desobsesso - ou evo

    cao, mode lo preferido por ns.

    CABE AQUI UMA PAUSA NA NARRATIVA PARA

    tratar da denominao escolhida para a atividade de

    :erapia espiritual que realizamos: reunio de evocao.

    Costuma provocar estranhamento em muitos esp

    ritas a metodologia empregada, ou seja, a evocao.

    Fico a imaginar a razo, j que Allan Kardec dedicou

    todo um captulo de seu O livro dos mdiuns s evoca

    es (cap. 25). Alis, no ttulo completo da obra, cuja

    segunda parte geralmente esquecida - O livro dos

    mdiuns ou guia dos mdiuns e dos evocadores -, divi

    diu os integrantes de uma reunio esprita em duas

    categorias bsicas: de um lado, mdiuns ostensivos;

    de outro, evocadores. No mnimo, isso denota a trivia

    lidade com que o codificador do espiritismo tratava o

    tema das evocaes - a ponto de assim se referir aosparticipantes ordinrios de uma reunio. Sem falar na

    regularidade com que evocava espritos, observada na

    obra citada, bem como no peridico que publicou por

    pouco mais de 11 anos, a Revista esprita5, e na obra

    5 KARDEC , Allan. Revista esprita: jornal de estudos psicolgicos. Obra em 12

    mes : ano 1 (1858) a ano xu (18 69). Rio de Janeiro,RJ: FE B , ia. ed., 200 4 a

    2006. Tradu o de Evandro Noleto Bezerra. H outras tradues dispon

    veis, ma s reco men dam os essa por ser a mais criteriosa e bem elaborada.

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    0 cu e o inferno6

    . Outro aspecto que salta aos olhos

    do leitor atento a preocupao constante do Codifi

    cador de assinalar, na Revista esprita, as comunica

    es recebidas de modo espontneo. Com isso, talvez

    seja seguro afirmar que a maior parte era obtida por

    meio da evocao direta, pois os sistemas de classifi

    cao geralmente buscam destacar o desigual, o que

    destoa, o que no predominante. parte as espe

    culaes, vejamos a clareza com que Kardec introduz,

    em O livro dos mdiuns, o captulo sobre as evocaes,

    prescrevendo-as. Apesar de extenso, vale reproduzir o

    primeiro pargrafo na ntegra:

    Os Espritos podem comunicar-se espontaneamente, ou46

    acudir ao nosso chamado, isto , vir por evocao. Pensam al

    47 gumas pessoas que todos devem abster-se de evocar tal ou tal

    Esprito e ser prefervel que se espere aquele que queira comu

    nicar-se. Fundam-se em que, chamando determinado Espri

    to, no podemos ter a certeza de ser ele quem se apresente, aopasso que aquele que vem espontaneamente, de seu moto pr

    prio, melhor prova a sua identidade, pois que manifesta assim

    o desejo que tem de se entreter conosco. Em nossa opinio, isso

    um erro: primeiramente, porque h sempre em torno de ns

    Espritos, as mais das vezes de condio inferior, que outra coi-

    6 K A R D E C , A l l an . O cu e o inferno ou a justia segundo o espiritismo. Rio de

    Janeiro, RJ: FEB, ia. ed. , 1944; 2004, ia. ed. especial. Traduo de Manuel

    Just iniano Quinto. (Diversas t radues e editoras.)

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    sa no querem seno comunicar-se; em segundo lugar e mes

    mo por esta ltima razo,no chamar a nenhum em parti

    cular abrir a porta a todos os que queiram entrar. Numa

    assemblia,no dar a palavra a ningum deix-la livre a

    toda a gente e sabe-se o que da resulta.A chamada dire

    ta de determinado Esprito constitui um lao entre ele e ns;

    chamamo-lo pelo nosso desejo e opomos assim uma espcie de

    barreira aos intrusos. Sem uma chamada direta, um Espritonenhum motivo ter muitas vezes para vir confabular conos

    co, a menos que seja o nosso Esprito familiar.7

    Numa reunio de evocao com finalidade tera

    putica, a diferena bsica em relao desobsesso

    convencional que se evocam diretamente os espri

    tos ligados a cada um daqueles que procuraram tra

    tamento na casa e tiveram seu nome indicado para a

    atividade, por orientao espiritual. A abordagem em

    relao ao plano extrafsico , portanto, ativa, incisiva,pois se convocam espritos especficos.

    O CABOCLO TUPINAMB DOTADO DE GRANDE

    fora moral. No plano astral, comanda uma legio de

    espritos protetores, que no s contribuem para a de-

    7 KARDEC , A l lan . O livro dos mdiuns ou guia dos mdiuns e dos evocadores.

    Rio de Janeiro,RJ: FE B,1944 . 71a. ed., 2003. Ca p. 25: "Das evoca e s",

    item 269, p. 404-405. Traduo de Guillon Ribeiro da 49a. ed. francesa

    - grifos nossos.

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    fesa espiritual de nosso trabalho como realizam captura de certas entidades, penetrando nas regies infe

    riores quando h permisso do Alto para atacar bases

    das sombras. So os caas, espritos muito primitivos

    em sua vibrao, primrios mesmo, cuja bravura te

    mida nos recnditos umbralinos.

    Outra caracterstica do chefe Tupinamb a maestria

    com que manipula a fora elemental, isto , as foras

    da natureza e os chamados elementais ou espritos

    da natureza, de que fala Kardec. 8 Destacadamente,

    aqueles ligados s matas, aos rios e s cachoeiras

    so por ele coordenados de maneira brilhante, pres

    tando grande contribuio ao dia-a-dia das reunies48

    medinicas.

    49 Se pretendemos lidar conscientemente com o as-

    8

    KARDEC , A l lan . O livro dos espritos. Rio de Janeiro, R J : F E B , 1944 (e di

    versas editoras). "Ao dos espritos nos fenmenos da natureza", itens536-540. Como se pode depreender da leitura indicada, Kardec congrega

    sob 0 nome espritos da natureza tanto aqueles que presidem os fen

    menos quanto os que os executam. Entretanto, esclarece tratarem-se os

    primeiros de espritos experientes, que no mais reencarnam sobre a

    Terra; os executores , por outro lado, comp ara a operri os, que aindasero

    humanos um dia (item 538). So estes os espritos elementais, que se

    encontram num estgio de evoluo pr-humno. Elemental um termo

    esotrico, que optamos por utilizar para distinguir entre os dois tipos

    apontados pelo Codificador.

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    pecto energtico em nossas reunies, principalmente com vibraes de natureza mais grosseira, no h

    como faz-lo sem empregar o trabalho daqueles que

    sabem "processar" tais vibraes. Sem uma relao

    mais estreita com as foras da natureza, inserindo o

    trabalho medinico nesse contexto, como dissipar as

    energias densas captadas pelos mdiuns e descritas

    fartamente na literatura esprita psicografada? Como

    lidar com a carga fludica de que so portadores os es

    pritos mais endurecidos?

    A energia densa no se dissipa s com o poder

    do pensamento; preciso canaliz-la para a natureza,

    capaz de transmut-la.9 O procedimento deve ser fei

    to sob a superviso de quem conhece o assunto e tem

    autoridade para tal, uma vez que sabemos ser arrisca

    do manipular recursos que no dominamos. Por isso,

    consideramos remota - para no dizer impossvel, ao

    menos na cultura brasileira - a hiptese de realizar

    9 Um de meus livros trata exclusivamente do aspecto energtico do ser

    humano e sua relao com a natureza. Julgo-o uma obra altamente re

    comendvel, dada a falta de familiaridade com o assunto que se verifica

    mes mo entre muitos estudiosos do espiri t ismo, que desconhec em mto

    dosde reabastecimento energtico, entre outras questes (P I N H E I R O , Rob

    son. Orientado pelos espritos Joseph Gleber, Andr Luiz e Jos Grosso.

    Energia: novas dimenses da bioenergtica humana. Contagem, MG : Altos

    PlanosEditora, 2008, 2a. ed).

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    esse tipo de trabalho sem a coordenao dos pais-ve-

    lhos e caboclos. So eles os grandes iniciados do pas

    sado, revestidos da aparncia espiritual simples de um

    indgena ou um ancio negro. Relembram uma poca

    de maior harmonia com a natureza e, de quebra, ainda

    mexem com nossos preconceitos de homem branco e

    civilizado, que considera sua cultura to superior. Es

    ses espritos utilizam o concurso dos elementais para

    realizar a parte mais material do trabalho. A ao que

    Tupinamb desencadeia frente dessas entidades no

    livro Amanda10, por exemplo, de impressionar. Con

    forme relatado pelo autor espiritual, ele coordena a re

    estruturao de um ambiente astral, recrutando para50

    isso as fadas, que so elementais de transio ligados

    51 terra e ao ar.

    BANDEIRA VERMELHA,BANDEIRA BRANCAAo falar desse ndio, no posso deixar de citar espri

    tos que o acompanham e compem sua falange. Em

    primeiro lugar, o Caboclo Pena Branca, ligado direta-

    I O P I N H E I R O , Robson. Pelo esprito n g e l o Incio. Amanda: magia negra,

    elementais, pretos-velhos e caboclos sob a tica esprita.Conta gem, MG : Casa

    dos Espritos Editora, 200 4/2 008 , na- ed., cap. 12, p. 197-224.

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    mente rea de cura de nossa casa esprita. um m

    dico do espao, um caboclo elegante, bonito, que se

    manifesta junto com Tupinamb, apesar de agir em

    rea distinta - mas" complementar. Alis, que aula nos

    do os espritos no que se refere a isso. Ns, seres hu

    manos, to dados a formar guetos e "tribos" que faze

    mos de tudo para nos relacionar somente com nossos

    iguais, assistimos ao trabalho dos Imortais, que rene

    toda e qualquer contribuio, dos mais diferentes ma

    tizes, para o xito do trabalho, sob a coordenao do

    Alto. Sem descaracterizar sua individualidade, todos

    cooperam juntos para um objetivo comum, conscien

    tes de que um complementa o trabalho do outro.

    Em segundo lugar, o Caboclo Roxo, por quem

    temos enorme gratido. Atua principalmente com

    plantas e ervas na rea de cura, sob as orientaes de

    Joseph Gleber, fsico nuclear e mdico alemo desen

    carnado no Holocausto, que um dos mentores e administradores do trabalho como um todo. Devo mui

    to do que sei sobre fitoterapia ao Caboclo Roxo. Dada

    sua especialidade com as plantas e sua autoridade so

    bre os elementais da terra - os gnomos em particu

    lar, que so responsveis pela extrao do bioplasma

    -, ele tido como um caboclojuremeiro, isto , ligado

    s foras da Jurema, figura que representa o princpio

    curativo das plantas. Costuma entoar seu cntico evi

    denciando sua ligao com a vibrao da natureza nas

  • 7/26/2019 Os Espiritos em minha vida

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    plantas, na mata, que denominada Oxssi.

    Caboclo Roxo

    Tem a pela morena

    Ele um oxssi

    caador l da Jurema.

    Vale lembrar que, para a mitologia africana, di

    fundida pelo Brasil nas roas de candombl de cabo

    clo, em suas diversas vertentes e denominaes, Deus

    no nico e imanente natureza. importante sa

    ber que a explicao de mundo ou cosmologia africana

    pantesta, ou seja, v o elemento divino na natureza.

    Sendo assim, Oxssi no o deus da mata, como se

    costuma pensar; sim a face de deusnamata. Quando52

    adentro na mata, penetro no reino de Oxssi, penetro

    53 em Oxssi. 0 orix vibrao; no h imagem - isso

    j produto do sincretismo brasileiro, ou seja, da as

    sociao com elementos do catolicismo e da sabedoria

    popular. Entretanto, diz-se de um esprito, de uma inteligncia extracorprea que representa a vibrao de

    determinado orix, que ele um oxssi, por exemplo,

    com letra minscula, como o caso do Caboclo Roxo.

    parte as consideraes filosficas, j que a viso

    pantesta diverge da compreenso esprita, uma coisa

    fato: as sociedades regidas por esse princpio, como

    foram os povos negro e indgena em sua maioria, fo

    ram capazes de desenvolver uma relao muito mais

    harmoniosa e saudvel com a natureza, provavelmen-

  • 7/26/2019 Os Espiritos em minha vida

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    te por emprestar a ela ostatusde divindade. Concordar

    ou no com sua concepo no vem ao caso. O que in

    teressa observar e aprender, reconhecendo que, em

    matria de ecologia, esto milnios frente da fonte

    greco-romana e judaico-crist da qual bebeu a socieda

    de ocidental contempornea.

    O Caboclo Tupinamb ainda trouxe at ns o Ca

    pito Sereno, um outro tipo de caboclo, que o espri

    to de um bandeirante. Um remanescente dos homensdestemidos que penetravam no desconhecido do Bra

    sil colonial e se embrenhavam na mata atlntica e nas

    selvas da Regio Sudeste, partindo do litoral paulista

    e fluminense, em busca de conhecimento e riquezas.

    Quanta coragem lhes deve ter sido necessria, espe

    cialmente sabendo que, alm da paisagem inspita, da

    completa inexistncia de mapas, estradas e qualquer

    infra-estrutura, topariam com diversas tribos indge

    nas hostis. Independentemente de julgar suas motivaes, preciso se curvar a seu destemor e sua bravura.

    Capito Sereno um caboclo quimbandeiro, cuja

    especialidade transformar e transmutar energias

    densas, geralmente voltadas maldade, no trabalho

    de antigocia ou "desmanche" da feitiaria e da magia

    negra. Sem os caboclos quimbandeiros, que dominam

    a arte de reverter tais processos, imprudente ousar a

    abordagem dos intricados desafios dessa ordem, que

    chegam s portas da casa esprita. Canta ele:

  • 7/26/2019 Os Espiritos em minha vida

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    L no campo de batalha

    Eu fui soldado, eu fui tenente

    Hoje na minha quimbanda

    Sou eu, Capito Sereno.

    H quem se apavore ao ouvir falar em quim

    banda, h quem a associe prtica da maldade e h

    mesmo aqueles que empregam o termo de modo in

    conseqente, referindo-se baixa feitiaria. Porm, a

    verdade que, assim como os mdicos precisam estu

    dar e entender o funcionamento de uma doena para

    poder cur-la, imperativo conhecer os mecanismos

    da magia negra e da feitiaria a fim de combat-las.

    Alm dos espritos que vieram com o Caboclo Tu5 4

    pinamb, h os que lhe so subordinados. Entre eles, h

    55 os puris-flecheiros, puris-guerreiros e puris-de-aldeia,

    todos muito determinados no enfrentamento dos mar

    ginais do plano astral. Tupinamb coordena esse grupo

    de entidades, direcionando suas energias no combateao mal. Contudo, os puris so guerreiros mesmo, cabo

    clos ndios bastante primitivos e at violentos em sua

    forma de agir, pois conservam muitas caractersticas

    de quando encarnados. Ainda de evoluo primria,

    tm pouca noo de bem e mal, por isso precisam da

    conduo de algum mais experiente e esclarecido. So

    educados pelo velho Tupinamb, que age como um pai

    para esses espritos, direcionando seu potencial. H

    tambm os astecas que coordena, porm esses j so

  • 7/26/2019 Os Espiritos em minha vida

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    mais maduros, especialistas em magia, tanto quanto oprprio Tupinamb. Portanto, so dois grupos distin

    tos sob sua superviso direta.

    Algumas vezes, entoa uma cano que faz aluso

    a ambos. uma exortao explcita a seus comanda

    dos, que faz com muita garra e determinao:

    Bandeira vermelha, espada roxa e terra

    Chegou Tupinamb, ele vencedor de guerra

    Vamos guerreiros, vamos guerrear

    Vamos salvar a bandeira do velho Tupinamb.

    Os espritos coordenados por ele respondem

    prontamente ao chamado do seu chefe, assumindo o

    posicionamento nas batalhas e confrontos espirituais

    - que muitos nem imaginam e outros julgam que no

    existem, mas que ocorrem no plano astral.11

    Cantigas, msicas ou mantras como esse ele en

    toa quando parte pelo umbral afora com seu batalho

    de choque, os puris, para capturar espritos vndalos.No entanto, certo dia, na Casa de Everilda Batista, per-

    11 Para quem qu iser explorar o controvers o assunto citado aqui, reco

    menda-se comear pelo livro Legio: um olhar sobre o reino das sombras

    ( P INHE IRO , Robson. Pelo esprito n g e l o Incio. Contagem, MG : Casados

    Espritos Editora, 2006/2008, 7a- ed., cap. 3, p. 143-147). Alm de encon

    trar o relato de uma batalha que se desenrola na dimenso extrafsica, o

    leitorpoder obter referncias na obra de Allan Kardec que co rrob oram a

    ocorrnciade eventos de sse tipo (op. cit., nota de rodap 17, p. 145).

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    cebi que Tupinamb estava totalmente diferente. Em

    vez de aparecer com aquela roupagem de cacique ou

    guerreiro indgena, apresentava-se com os cabelos

    longos, at as costas. Um cabelo muito liso, sem ne

    nhum penacho, sem absolutamente nada sobre a ca

    bea. Em lugar do traje tpico, trazia sobre os ombros

    um manto branco, muito alvo, assim como toda a sua

    indumentria, que era uma espcie de segunda-pele, porm no to justa. No havia qualquer adereo.

    Nessa ocasio, eu o ouvi cantar algo indito pra mim.

    Repetiu vrias vezes esta msica, que, acredito, seja o

    reflexo de uma mudana profunda tanto na sua forma

    de agir quanto em sua intimidade.56

    Eu sou um velho guerreiro

    57 Eu no vou guerrear mais

    Eu s quero bandeira branca

    Eu agora s quero paz.Segundo pude entender, fora promovido a tare

    fas mais representativas no plano em que se encontra.

    A partir de ento, mudou sensivelmente seu perfil de

    trabalho. Quem sabe tenha modificado o jeito de tra

    balhar, no contato com os benfeitores Joseph Gleber e

    Alex Zarth, alm de em outras experincias na esfera

    extrafsica? Sei que, de l para c, tem aparecido com

    a nova roupagem fludica, salvo nos momentos que

    exigem postura mais agressiva ou mesmo mais firme

    za na liderana que exerce perante os demais.

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    A melodia se assemelha mais a uma cantiga, que

    me desperta grande nostalgia. Ouvi-lo nesses mome n

    tos movimenta muita energia em meu corao. Algo

    parece despontar em meu interior e a emoo de con

    v i v e r com esse esprito me toma por completo, sus

    citando certo saudosismo... Saudade de algum lugar,

    que no sei exatamente qual . Nesses momentos,

    vejo-o encostado numa rvore frondosa, muito grande, cantando como se fosse para mim. Ao passo que

    emociona, incita tambm admirao e alegria saber

    que esse esprito continua prximo. Que, em alguma

    medida, cresceu e aprendeu a ponto de aprimorar seu

    mtodo de trabalho com base nos anos de convivncia

    com os mentores. No depende mais dos apetrechos

    de antes - o que no significa que no possa dispor

    deles, quando necessrio. Simplificou para ganhar

    qualidade, exatamente como ensina Zarth, o Indiano, um dos dirigentes espirituais de nosso trabalho.

    Demonstrando que crescer significa aperfeioar-

    se, e no passar uma borracha no que ficou para trs,

    ainda hoje, quando se faz necessria uma abordagem

    mais agressiva ou incisiva junto s comunidades de se

    res voltados para o mal, o velho Tupinamb assume a

    postura antiga, de modo a fazer frente a determinados

    espritos, que vo tem-lo e respeit-lo somente com

    aquele aspecto. Certa vez explicou-me que existem es

    pritos que simplesmente no respeitam - nem sequer

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    percebem - uma conformao perispiritual mais sutil,

    fludica. O que natural de se imaginar: entre espritos

    muito materializados, a aparncia deve ser um atribu

    to que conta muito, mais ou menos como se d na Ter

    ra. Diante desses casos, assume sem constrangimento

    a postura de guerreiro, do velho general guerreiro que,

    junto c om seus soldados, sabe se impor.

    0 contato desse ndio tupinamb com a doutrina

    esprita certamente foi algo proveitoso, e hoje temos

    um grande amigo, um esprito em quem confiamos

    plenamente, pois no h como no reconhecer suas

    habilidades ao lidar com questes espirituais intrica

    das e complexas, principalmente na rea da terapia58

    59

    desobsessiva.

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    3PAI JOO

    "UNIO SEM FUSO,DISTINO SEM SEPARAO."

    PAI JOO DE ARUANDA

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    LEMBRANDO DE ALGUNS PERSONAGENS, DE

    alguns espritos importantes em minha orientao es

    piritual, um dos que primeiro vm mente a perso

    nalidade forte e amorosa do esprito Joo Cob - ou Pai

    Joo de Aruanda. Certos espritos tm um papel especial ou, ao menos, fazem-se mais presentes que outros,

    e est a um esprito associado a todas as fases da minha

    vida. Todas mesmo, pois o conheci atravs de minha

    me: ele era seu mentor ou anjo guardio, conforme a

    terminologia kardequiana12 .

    Joo Cob escreveu os livros Sabedoria de preto-

    velho'3 e, mais tarde, Alforria, ambos psicografados por

    1 2 KARDEC , A l lan .O livro dos espritos. Rio de Janeiro, R J : F E B , 1944 (e di

    versas editoras). "Anjos de guarda; Espritos protetores, familiares ou

    simp tic os" (itens 489-522).

    1 3 P INHE IRO , Robson. Pelo esprito Pai Joo de Aruanda. Contagem, MG:

    Casa dos Espritos Editora, 2003/2008, 9a. ed., cap. 9, p. 56.

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    mim e publicados pela Casa dos Espritos Editora.

    Alm disso, personagem de Amanda e Legio: um

    olhar sobre o reino das sombras. Tive oportunidade de

    conhecer um pouco mais da histria dele durante a

    preparao de sua primeira obra, que contm mais

    detalhes sobre sua biografia. Em linhas gerais, soube

    que teve duas encarnaes no Brasil. Na primeira delas, nasceu na frica e veio para o Brasil a bordo dos

    navios negreiros. Viveu como escravo nas fazendas,

    nos coqueirais pernambucanos. Teve oportunidade

    de aprender muito nesta que, segundo ele, foi uma

    encarnao transformadora. Tanto assim que - lou

    cura aos nossos olhos encarnados - pediu para reen62

    carnar como escravo pela segunda vez.

    63 Era como um pai-de-santo, uma espcie de refe

    rncia espiritual da comunidade de Nazar, BA, ondea cultura dos candombls muito forte e enraizada.

    Cidade que ficou conhecida como Nazar das Fari

    nhas, vizinha Ilha de Itaparica e situa-se a cerca

    de20okmde Salvador por terra, contornando a Baa

    de Todos os Santos a partir da capital at a outra ex

    tremidade, perto da margem que lhe oposta.

    J como ancio, num momento avanado da

    vida, torna-se lder reverenciado na comunidade, al

    gum conhecido e respeitado por seus contempor

    neos. A frente do candombl da nao ketu que diri

    gia, aprende o manejo das ervas e suas propriedades

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    Teraputicas. Nas terras da Bahia, Joo Cob era Pai

    Joo de Aruanda.

    PAI JOO,

    MENTOR DE EVERILDA BATISTAPai Joo esteve sempre muito ligado a minha fam

    lia. Meus irmos e eu crescemos como se essa figura

    fizesse parte do crculo familiar; era um de ns, que

    nos visitava atravs da mediunidade de nossa me.

    Mdium de efeitos fsicos e de psicofonia, com carac

    terstica inconsciente, ela tinha em Pai Joo o esprito

    responsvel por sua encarnao.

    interessante que, conforme me recordo, embo

    ra utilizasse o nome de Pai Joo de Aruanda, ele noincorporava como um preto-velho tradicional. Ao con

    trrio, mantinha uma postura ereta, que deixava mi

    rilla me uns 20 a 30cm mais alta - ao menos essa a

    Impresso que nos causava, to empinada a deixava!...

    Olhos muito abertos, quase esbugalhados, mas vi

    vos, penetrantes, punha-se a andar normalmente pela

    casa, com desenvoltura e at rapidez quando incorpo

    rado em Everilda Batista, o que de modo algum lem

    bra a figura popular e quase folclrica do preto-velho.

    Voz muito firme e sonora, nada havia que denotasse

    qualquer dificuldade em falar, como freqente no-

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    tar em comunicaes de pretos-velhos, que muitas vezes se exprimem gaguejando, de modo arrastado. Pai

    Joo, no! Minha memria de sua atuao sobre mi

    nha me o oposto disso: muito direto, firme, gil e

    determinado, de tal maneira que alguns o temiam, at

    pelas circunstncias familiares crticas e bem graves

    em que costumava se apresentar.

    Everilda no percebia com antecipao que se en

    tregaria ao transe. Geralmente, ele ocorria aps sua

    deciso de repousar por alguns minutos, nos raros

    momentos em que se assumia exausta. Nos instan

    tes que precediam chegada do pai-velho, era mui

    to comum que recostasse numa determinada cadeira64

    de encosto, uma espcie de espreguiadeira, que nos

    65 acompanhou por dcadas. Questo de segundos, to

    logo se acomodava j voltava com a fisionomia total

    mente mudada, imponente. Era Pai Joo que a tinha

    assumido. Aps atuar durante o tempo que julgassenecessrio, tinha por hbito assentar-se novamente

    na cadeira antes de se afastar da mdium, a fim de

    que ela no percebesse, ao menos de imediato, que

    havia chegado e realizado alguma atividade por seu

    intermdio. Dessa forma, ele procurava deix-la na

    mesma posio de quando a envolvera. Tinha sua ra

    zo de ser esse expediente de que ele lanava mo.

    Minha me sentia-se irritada ao saber que algum es

    prito incorporou atravs dela. No era de seu agra-

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    do permitir, em casa, envolvimentos espirituais desse

    tipo, de cunho medinico. Achoque herdei dela essa

    irritao, talvez mais por saber que algum fez coisas

    de mim das quais no guardo lembrana, pro

    nunciou palavras que -os demais afirmam ter sido di

    tas por minha prpria boca. Cria-se uma lacuna, um

    lapsoincmodo na memria.

    erilda ento falava, nas raras vezes em que ou

    svamos relatar a ela o ocorrido:

    - No, isso no pode ter vindo de mim! No pos

    so ter falado isso, no posso...

    Realmente ficava inconformada com a situao,

    e matuto, a fim de evitar essa reao, Joo Cob des

    de muito cedo passou a assumir Everilda Batista nos

    momentos de relaxamento, seja sentada ou deitada.

    Levantava-se por meio de seu instrumento j em tran-

    :azia o que devia ser feito e s se afastava aps retorn-la posio anterior. Ela voltava a si como se es-

    - esse acordando, e ns, os filhos, logo aprendemos a

    discretos sobre o assunto. Ficvamos quietos, ain

    da que um pouco ressabiados.

    Evidentemente, isso no ocorria com tanta fre

    qncia. Momentos assim, geralmente, eram bem s

    rios, graves. Por exemplo, era comum que Pai Joo se

    apresentasse quando havia algum da famlia ou al

    gum hspede passando muito mal.Minha me lidava cotidianamente com gente

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    sem posses. Quer dizer, ela nunca recebeu mais queum salrio mnimo em seu emprego como merendei

    ra escolar - ou seja, ela mesma no detinha posses.

    Ocorre que, no sei muito bem como, assumira mui

    tos afazeres e atividades e tornara-se uma referncia

    na hora das doenas, das mortes e das agruras da vida.

    Era grande o nmero de pessoas de baixa renda que a

    procuravam l em casa a fim de que prestasse os mais

    diversos tipos de socorro.

    Talvez isso seja estranho para quem tem menos

    idade, acostumado s comodidades urbanas do mun

    do moderno. Porm, no interior de antigamente, as

    coisas eram bem diferentes. Se, diante das inegveis66

    melhorias das ltimas dcadas, a sade pblica ainda

    67 no consegue dispor de recursos para atender a toda

    a populao, imagine nos anos de 1960, 1970... A ex

    pectativa de vida era cerca de vinte anos menor que

    na atualidade, a mortalidade infantil, trs ou quatrovezes maior. Governador Valadares, historicamente,

    era a mais importante metrpole do leste de Minas,

    antes de Ipatinga e da instalao da Usiminas, prin

    cipalmente no pice da extrao de pedras preciosas.

    Minha me estava sempre pronta- a receber gente das

    cidadezinhas, alm da populao rural ligada aos fa

    miliares da regio de Atalia, MG, onde se criou, ou de

    Jequi, onde viviam os baianos da parte de meu pai.

    Afora todos da cidade, que a conheciam das escolas e

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    que por ela procuravam nas horas difceis.Assim sendo, quando chegava algum se sen

    tindo muito mal, com urgncia de atendimento ou

    na impossibilidade de ser atendido em algum hospi

    tal, Pai Joo de Aruanda assumia Everilda Batista e

    ministrava o tratamento espiritual pessoa. Minha

    me possua determinada caracterstica medinica

    que favorecia a ele transferir a enfermidade do aten

    dido para ela e, em seguida, expelir do corpo dela to

    dos os resqucios, liberando-a de qualquer sintoma

    ou vestgio do mal-estar. Vi coisas impressionantes

    atravs de suas possibilidades de cura, que relatarei

    mais adiante.

    Nesse contexto que se enquadra a msica que

    ouvi - e ouo, at hoje - Pai Joo cantar quando deter

    minado socorro precisa ser prestado. O que o preto-

    velho quer dizer que, a despeito das preferncias do

    mdium, sua vontade no prevalece, se que efetivamente fez um compromisso com o Alto de dispor de

    si e de suas potencialidades para uma tarefa superior.

    L vem vov

    Descendo a ladeira com sua sacola

    com seu rosrio, com seu patu

    Ele vem de Angola

    Eu quero ver, vov,

    Eu quero ver

    Eu quero ver se filho de Zmbi tem querer.

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    Definitivamente, no. Na hora que as determi

    naes do Alto vm, filho de Zmbi, ou seja, filho de

    Deus, no tem querer.

    DE ALFRED RUSSELL A PAI JOONa verdade, a manifestao como preto-velho, dispon-

    do-se a tratar das pessoas atravs de minha me, tinha

    a ver com o passado dele como negro alforriado, pois

    havia sido portador da mediunidade de cura, algo vital

    para a poca, porque a medicina, especialmente para

    a populao pobre em geral, simplesmente inexistia.68 Porm, havia outro componente psicolgico impor

    69 tante. Temos notcia de que, noutro tempo mais re

    cuado, fora um mdico: Dr. Alfred Russell, homem

    branco, de posses, que viveu no sul segregacionista e

    escravocrata dos Estados Unidos da Amrica, provavelmente antes da proclamao de independncia, em

    1776. E algumas caractersticas dessa personalidade

    mantinham-se como trao forte em seu temperamen

    to, evidentes pelo menos ao comunicar-se atravs de

    Everilda Batista e, esporadicamente, atravs de mim -

    0 que s ocorreu aps 0 desencarne dela, em 1988.

    Em sntese, atravs de Everilda Batista, Pai Joo

    apresentava a vocao para a medicina e a mediunidade

    de cura, mas sua manifestao trazia fortemente a pos-

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    tura de Alfred Russell, patriarca viril, destemido e empreendedor que fora no continente norte-americano.

    Reencarnou como escravo a seu prprio pedido,

    desde a primeira vez, justamente porque, tendo sido

    senhor de escravos no sul dos Estados Unidos, dese

    java viver o outro lado da mo eda - ou da chibata. E

    a transformao efetivamente ocorre, em terras per

    nambucanas. Na segunda encarnao como negro, na

    Bahia, d mais um passo e adquire status de lideran-

    oassando a cuidar da comunidade, que permanece

    sob sua responsabilidade.

    Inicialmente, ganha popularidade como curan

    deiro. O nmero de pessoas que o procurava era mui

    to grande, porque, como j foi dito, tanto apresenta

    va a mediunidade de cura quanto a oferta escassa de

    servio mdico na segunda metade do sculo xix fazia

    com que as pessoas que possussem conhecimento,

    como Pai Joo, fossem procuradas pelo povo. Comonegro, ex-escravo e adepto de um culto que valoriza

    sobremaneira a fora das ervas - era iniciado e babalo

    rix, na verdade -, ele detinha uma experincia muito

    vasta com fitoterapia. Empregava esse saber para as

    sistir a carente populao regional.

    Quem no era carente naquele lugar? Cidade

    pequena do interior da Bahia, negro no perodo de

    cadente da escravido, das leis abolicionistas para in

    gls ver... At a mais importante delas, a Lei urea de

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    1888, foi promulgada no pas sem qualquer poltica

    de insero do escravo recm-liberto na sociedade. Re

    sultado: muitos nem queriam deixar seus senhores,

    suas senzalas: para onde iriam? Sem falar na demora

    para chegar a notcia - imagino a prtica - da lei nos

    rinces deste Brasil. Canta ele, a esse propsito:

    Treze de maio

    Quando acabava o cativeiroNegro-velho sorria

    Negro-velho chorava

    E a Princesa Isabel

    J libertava os escravos.

    Entre suas atribuies como pai-de-santo de um70

    culto afro-brasileiro, Joo Cob conduziu toda a prtica

    71 candomblecista de modo que os seus pupilos pudessem

    ser tambm terapeutas. Ensinava a respeito das ervas

    para seus afilhados ou filhos-de-santo da poca, mas objetivando principalmente o atendimento teraputico s

    pessoas necessitadas. 0 curandeiro de Nazar das Fari

    nhas desencarnou em 1900, vtima da febre amarela.

    ALGUNS EPISDIOS FICARAM PARA SEMPRE

    gravados em minha memria, pois vrios deles mos

    tram a maneira vigorosa de Pai Joo de enfrentar as

    adversidades e injustias.

    Em Governador Valadares havia uma feiticeira - na

    verdade, outrora respeitvel me-de-santo, que se per-

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    deu nos caminhos do trabalho espiritual ao longo dos

    anos. Quando eu era criana, ela foi recomendada

    pelo centro esprita onde minha me procurou ajuda

    para minha irm Maria, a irm adotiva apelidada de

    B, e efetivamente encontrou auxlio, conforme rela

    tei no captulo referente ao chefe Tupinamb. Pouco

    a pouco, entretanto, essa mdium foi mudando a ati

    tude em relao ao trabalho espiritual. No acompa

    nhei sua trajetria de perto, pois jamais voltei ao tal

    terreiro, mas ouvi histrias contadas por minha me

    e observava o que ocorria em minhas visitas cidade,

    da qual me mudei aos 18 anos. At porque, em deter

    minada poca, a prpria B chegou a trabalhar como

    mdium no terreiro dessa senhora, antes de a situa

    o mudar. Alguns casos esto relatados no captulo

    6, que dedico a essa irm, mas aqui registro o derra

    deiro evento envolvendo a feiticeira, em que Pai Joo

    se envolveu mais diretamente.Chegou uma poca em que no s a tal mulher

    passou a viver dos trabalhos no barraco, mas tambm

    sua famlia. O marido inclusive deixou de trabalhar

    para dedicar-se matana de animais para sacrifcios e

    a aes vis de todo gnero. Ganhou repercusso na vizi

    nhana seu desencarne agonizante; atravessou anos de

    um processo grave de putrefao, que levou os tecidos

    de vrias partes do corpo ao completo apodrecimento,

    formando um quadro trgico e bizarro, que qualquer

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    um, naturalmente, no deixaria de relacionar s dcadas de feitos de maldade. Fato que, bem antes disso,

    as coisas no barraco de D. Lia 14foram degringolando a

    ponto de suas perversidades atingirem fama na regio.

    Pessoas de diversas localidades vinham em busca de

    seus prstimos lastimveis. (Certa vez, um amigo visi

    tou uma roa de candombl numa noite de celebrao

    aos caboclos marinheiros. Na ocasio, ouviu de um es

    prito chamado Martim Pescador a seguinte afirmativa,atravs da boca da me-de-santo: "Dizem que a gente

    ruim, mau. Mas ruim esse povo que vem atrs de

    ns pra pedir maldade, ou no ?". Apesar de tender

    a concordar com esse argumento, o estudo do espiritis72 mo mostra que no isento de responsabilidade quem

    73 se presta a atender pedidos indecorosos.)

    Determinada noite, talvez indignado com as mal

    dades de D. Lia, talvez motivado por algum fator que

    tenha desencadeado uma deciso abrupta - porm cer

    tamente com a autorizao do Alto -, Pai Joo assume

    minha me em nossa casa no Bairro Santa Helena.

    Sem muitas explicaes, dirige-se ao canto de um c

    modo mais vazio e anuncia:

    - Hoje termina o reinado de maldade de D. Lia.

    Ela extrapolou os limites e, depois de hoje, nunca mais

    reerguer seu gong.

    14 Alguns nomes foram trocados para evitar constrangimentos.

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    Pai Joo virou-se para a parede, incorporado em

    minha me, assentado no cho com as pernas de lado,

    como s ele sabe fazer. Antes , pediu-nos um giz, o qual

    chamou de pemba, que minha me tinha em casa por

    ter sempre trabalhado em escolas. Ningum em casa

    jamais ousaria negar o pedido de Pai Joo, tamanha era

    sua fora moral e o tom de autoridade, especialmen

    te se somado ao papel de liderana que minha me jexercia perante a famlia. Prontamente lhe entregamos

    o giz; ento, de cabea baixa, riscava algo no cho, num

    movimento repetitivo, enquanto se punha a cantar, a

    plenos pulmes, u ma msica bem cadenciada:

    Se na casca da brana tem demanda

    Eu quero ver a brana braunar

    Marcha, marcha meus soldados

    Soldados de confiana

    Esse machado minha funda meu ponto de vingana.

    Repetiu a msica ou o ponto cantado algumas

    vezes. Claramente, o ambiente foi tomado de cer

    to assombro, de certa gravidade. As irms Silvana e

    Marvione, nessas horas, tinham muito medo e, com

    freqncia, escondiam-se debaixo da cama. Hoje sei

    que o canto de Pai Joo era uma evocao podeross

    sima, aliada manipulao de ectoplasma, que minha

    me oferecia em grande quantidade, dada sua facul

    dade propcia para a realizao de fenmenos para-

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    normaispsi-kapaou de efeitos fsicos, na terminologia

    kardequiana. H quem pense ser coincidncia, mas

    em instantes comearam trovoadas e relampejos for

    tes, repentinos, acompanhados de tempestade, breve

    e inesperada. A percia e a autoridade sobre os fen

    menos da natureza, bem como no comando de seus

    agentes mais imediatos, os elementais, podem sem

    dvida explicar tal ocorrncia sem descambar para

    o domnio do mstico e do sobrenatural. 0 assunto

    controverso, indigesto maior parte dos espritas,

    mas a leitura atenta de 0 livro dos espritos no trecho

    anteriormente indicado (ver nota 8) d margem para

    admitir tal possibilidade. Sem considerar as incont74

    veis danas e rituais da chuva, presentes em inme

    75 ras culturas de sociedades chamadas primitivas. Ser

    que nenhuma delas tinha validade e era tudo crendi

    ce, pura e simples?

    - Est feito - informou Pai Joo, novamente ere-

    to, porm ainda no cho.

    Passados alguns minutos, ouvimos soar a sirene

    do Corpo de Bombeiros, que passou ao largo, em di

    reo casa de D. Lia. No dia seguinte, pudemos con

    firmar: de maneira inexplicvel, apurou-se que uma

    vela deixada no gong do barraco fora o estopim de

    um incndio avassalador. A vela tombou, no se sabe

    como, e a proteo de vidro que a envolvia se partiu.O fogo se espalhou pelos tecidos e consumiu tudo em

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    poucos minutos. O barraco foi reduzido a cinzas, e a

    construo anexa, que era a residncia da famlia da

    feiticeira, permaneceu absolutamente intacta. Nun

    ca mais, at o momento em que escrevo estas linhas,

    D. Lia conseguiu reerguer seu barraco, a despeito de

    inmeras tentativas. Ela continua encarnada, apesar

    de idosa. J se passaram mais de 25 anos do ocorrido.

    OUTRA HISTRIA DESSE PERODO, QUE ILUSTRA O

    jeito com que Pai Joo costumava agir em situaes

    extremas, envolve meu pai, Adelmrio. Em determi

    nada poca de sua existncia, tinha o hbito de embe-

    bedar-se, embora eu acredite que ele no tenha sido

    vtima do alcoolismo, como doena. Certo dia, estava

    to alterado que pretendeu agredir fisicamente sua es

    posa. Nesse momento, Pai Joo - que era o mentor

    responsvel pela encarnao de Everilda Batista - a as

    sume. Como ela era mdium de efeitos fsicos, tinhamuita facilidade para ceder ectoplasma, o que favore

    cia alguns fenmenos por seu intermdio. Diante de

    vrios filhos, o preto-velho pega o guarda-roupa cheio,

    com uma nica mo, a mo direita. Segura o arm

    rio por um dos ps, naturalmente usando ectoplasma

    para produzir o fenmeno, e o suspende, como se fos

    se uma almofada ou coisa assim, tamanha a facilidade

    com que o manuseia. Em seguida, declara, cheio de

    autoridade na voz, atravs da psicofonia:

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    - Segure aqui e honre as calas que voc veste, j

    que voc homem. Voc diz que homem e pensa

    que ser homem poder bater em mulher, portanto,

    honre as calas que voc veste!

    E soltou o guarda-roupa sobre ele.

    - Nunca mais voc bate em mulher na sua vida,

    mulher no se bate nem com uma flor, aprenda isso -

    pross eguiu o preto-velho.Voltando-se para ns, os filhos, que vamos o fen

    meno impassveis, sem compreend-lo, determinou, de

    forma a no deixar margem para questionamento:

    - E ai de vocs se o ajudarem a sair da debaixo!

    Vo ter comigo se o ajudarem. Ele tem que sair com76

    as prprias foras, j que ele homem a ponto de que

    77 rer bater numa mulher, tem que mostrar sua fora e

    sair da debaixo sozinho.

    A famlia toda ficou muito marcada com o episdio. Todos se apavoraram. A partir dessa ocasio, meu

    pai ficava atemorizado at com a suspeita de que Pai

    Joo iria se manifestar... Desencarnou no ano de 2003

    e at sua morte dizia:

    - Ah, esse nego desgraado! Enterraram 0 corpo,

    mas a lngua dele... Esqueceram sua lngua pra fora

    da sepultura.

    Meu pai realmente aprontava muito. Pai Joo de

    Aruanda falava com minha me, mostrava a ela as

    malandragens dele que afetassem os demais de algu-

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    ma maneira. Todos comentavam quanto era difcil es

    conder algo dela, muito difcil mesmo. natural que,

    devido sensibilidade de seu psiquismo, ela se abrisse

    mentalmente e percebesse certas questes com algu

    ma facilidade, o que levou meu pai a ficar com medo

    de Pai Joo, achando que era ele o responsvel por re

    latar todas as coisas a Everilda.

    Certa vez meu pai esteve, dois ou trs anos antes

    de desencarnar, em nossa casa esprita. Ele era evan

    glico, mas mesmo assim queria conhecer de perto a

    famlia espiritual que mantinha todo um trabalho ins

    pirado naquela mulher que, para ele, era apenas a es

    posa, uma mulher simples do interior. Quando se pre

    parava para sair em direo instituio, perguntou:

    - Se eu for l, vou encontrar aquele velho? - as

    sim ele se referia a Pai Joo, pelo medo que tinha de

    vido aos acontecimentos do passado. - Porque parece

    que ele est morto - repetia meu pai -, mas a lnguadele, pelo que sei, est solta at hoje.

    Costumo brincar que, como meu pai e Joo Cob

    eram baianos, deviam se entender... Por azar do meu

    pai, Pai Joo, muito carinhoso, foi um dos espritos

    que primeiro o recebeu no mundo extrafsico, quan

    do desencarnou. Ao chegar do outro lado, l estava o

    preto-velho aguardando-o:

    - Eu que vim tomar conta de voc, pra no dar

    ainda mais trabalho.

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    Imagino o que Adelmrio passou do outro lado

    da vida, ao topar com o esprito Joo Cob, de quem

    fugiu durante quase toda a existncia...

    DE PAI JOO A PAI JOOEverilda Batista, por meio de quem conheci o esprito

    Joo Cob, desencarnou em 1988. Quatro anos mais

    tarde, abre-se a casa esprita que leva seu nome e, des

    de 0 incio, 0 esprito Pai Joo de Aruanda se apresen

    ta para 0 trabalho. Nesses pouco mais de 15 anos, Pai

    Joo de Aruanda mudou bastante seu jeito de agir, se78

    comparado ao que vimos desde minha infncia. Anti

    79 gamente, era uma ligao de cunho familiar, que evo

    luiu em todo aspecto ao ingressar mais diretamentenas atividades da casa esprita.

    Essa mudana um aspecto bastante inspirador,

    porque tem gente que quer ver nos mentores sujeitos

    santos, sempre iguais, entidades acima do bem e do

    mal. S que isso os torna to distantes que a gente no

    capaz de se identificar com eles. O que altamen

    te admirvel justamente verificar 0 crescimento, a

    transformao, que nos possibilita criar identidade

    com eles. E Pai Joo teve de ouvir reprimendas at dos

    mentores que conduzem a atividade!

    0 pai-velho sempre manteve fidelidade ao traba-

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    lho. E sabe mostrar que apaziguar uma situao no fazer-se tolo. Um dos aspectos que evidencia isso de

    modo bem claro sua postura de defesa em relao s

    ameaas que surgem.

    Certa noite, logo depois da aquisio do lote onde

    se localiza a Casa de Everilda Batista, l pelo ano de

    1994, Pai Joo resolve me acordar no meio da noite:

    - Voc precisa levantar agora e ir Sociedade.

    Deviam ser umas 2h da madrugada. Ocorre que

    eu morava 2 ou 3 bairros distante da instituio, po

    rm no na direo do centro da cidade. O que quer

    dizer: no havia transporte coletivo que ligasse a re

    sidncia ao centro esprita. Apesar de que, de madru

    gada, de nada adiantaria haver, j que os nibus pra

    ticamente no trafegam nesse horrio. Tampouco eu

    tinha carro e muito menos dinheiro para tomar um

    txi - isso nem me passava pela cabea.

    - Pai Joo, voc enlouqueceu? So mais de 30 minutos de caminhada! Agora noite, est frio, perigo

    so. E, de mais a mais, eu tenho sono! - apelei. - Preci

    so dormir, amanh tenho de trabalhar.

    - Voc pode ir sozinho ou, se preferir, incorporo

    em voc e vamos - disse ele, sem afetao. - Acaba

    ram de fazer um despacho na porta da Sociedade e

    precisamos cortar o mal pela raiz.

    Na verdade, a segunda frase me motivou sobre

    maneira, e Pai Joo sabia que efeito essa informao

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    teria sobre mim. Sempre tive um forte instinto de pro

    teo instituio e sei que feitiaria e magia so coi

    sas srias, com o que no se deve brincar.

    Mais de 30 minutos de caminhada pelas solit

    rias ruas a partir de minha residncia, deparo com

    um alguidar de barro ao chegar entrada da casa es

    prita. Continha uma galinha inteira, com penas pre

    tas, e uma garrafa de cerveja. A rua onde se localiza a

    Casa de Everilda Batista sempre foi muito ecumnica:

    quela altura, dispunha de igrejas catlica e neopen-

    tecostal, casa esprita e, mais recentemente, de ma

    cumba. Nada do que vi me chamou tanto a ateno

    quanto 0 esprito que notei ao lado da oferenda, rindo,80

    curvando-se de tanto rir; parecia deliciar-se com tudo

    81 aquilo. Tinha um porte altivo e trajava um terno negro

    muito alinhado, com camisa vermelha - como manda

    0 figurino. Ostentava uma pequena capa, at a cintura, igualmente preta.

    - Quem voc? - perguntei reticente, achando

    que debochava de mim.

    - Sou 0 Exu Tranca-Ruas das Almas. Boa noite!

    - E 0 que faz aqui?

    - Estou aqui rindo do que essa peste de mulher

    fez... e ainda disse que entregava pra mim - ele dava

    gostosas gargalhadas. - Eu no quero essa porcaria.

    Ela fez tudo errado! E 0 que pior: a encomenda pra fechar 0 seu centro. S que eu ajudo a tomar con-

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    tadas ruas por aqui e estou do seu lado! Meu trabalho defender a ordem e a disciplina para esta casa conti

    nuar funcionando.

    - mesmo?

    - . Ela no sabe fazer nada. Baseou-se nu m livro

    que comprou, da editora Eco, que traz umas receiti-

    nhas toa. Alm do livro s trazer bobagens, mesmo

    que ela soubesse como, podia fazer quantos despa

    chos quisesse que no daria certo, pois ela no tem

    ax, no tem fora espiritual nenhuma.

    - E voc pode me explicar como que se faz, do

    jeito cer to?

    Prontamente o Tranca-Ruas das Almas se ps a

    explicar cada detalhe do feitio, o que podia, o que no

    podia e por qu. Alguns instantes depois, l estava eu

    na porta da autora do despacho, que o exu havia me

    indicado quem era, de frango em punho. Bati, bati in-

    entemente para acordar os donos da casa e, assimque se abriu a porta, l estava ela.

    - Est aqui! - arr emesse i o anim al nos peitos da

    vizinha.

    E sem dar tempo de ela reagir, continuei:

    - Voc uma feiticeira de meia-tigela! Chamou

    o Tranca-Ruas pra fechar o nosso centro, mas ele est

    aqui a meu lado dizendo que voc no sabe fazer nada.

    - Eu? Eu no fiz nada...

    - Fez sim. Ele me disse que tirou tudo de um li-

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    vro que est ali na sua cmoda - e informei o ttulo

    mulher. - No s ele no vai fechar o centro, como

    trabalha a nosso favor. Est aqui falando que, se voc

    quiser fazer certo, saiba que no se oferece a ele o

    frango inteiro; s as pernas, asas e o pescoo, alm

    das vsceras. 0 resto voc podia ter comido, sua besta!

    Alm disso, no cerveja a bebida correta, mas sim

    anis-estrelado com aguardente.Enquanto a mulher me olhava, atnita, ainda de

    camisola, arrematei:

    - E nunca mais se meta comigo nem