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OS EVENTOS VITAIS: ASPECTOS DE SEUS REGISTROS E INTER-RELA- ÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE COM AS ESTATÍSTICAS DE SAÚDE Maria Helena SILVEIRA * Ruy LAURENTI * RSPU-B/159 SILVEIRA, M. H. & LAURENTI, R. — Os eventos vitais: aspectos de seus regis- tros e inter-relação da legislação vigente com as estatísticas de saúde. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 7: 37-50, 1973. RESUMO: Foram estudados os registros civis desde as suas origens, salientando aspectos legislativos do Brasil, chamando a atenção para algu- mas implicações que a legislação a eles referente trazem às estatísticas vitais e suas repercussões em planejamento de saúde e epidemiologia. Re- lativamente ao nascimento foram abordados alguns tópicos, com ênfase no problema do registro por local de ocorrência, fato que influe enorme- mente em programações de saúde materno-infantil. Foram salientados também alguns aspectos do sub-registro de nascimento, citando dados pa- ra São Paulo. Quanto aos óbitos foram analisados o registro por local de ocorrência, o prazo para registro, o problema das causas de morte e o relativo ao sub-registro. Com referência aos nascidos mortos, foi apresen- tada a conceituação de nascido vivo e nascido morto da Organização Mun- dial da Saúde e indicado o fato de sua não aplicação prática repercutir nos campos do Direito e da Estatística Vital. Foram feitas algumas reco- mendações no sentido de um maior entrosamento entre os vários profis- sionais legisladores, médicos, oficiais de cartório, estaticistas de saúde que, de uma maneira ou de outra, têm relação com os eventos vitais. UNITERMOS: Estatística vital *; Registro civil *; Legislação (Brasil) *; Mortalidade; Natalidade. INTRODUÇÃO Sabe-se que historicamente os registros civis apareceram muito antes que os serviços de estatística. Caracterizam-se eles por servir como meio de prova ou atuar como um processo de conservação de um documento. No primeiro caso, sua essência reside na publicidade, cuja uti- lidade jurídico-social é inegável. Sua função no Direito consiste em tornar conhecidas certas situações jurídicas, principalmente quando se refletem nos interesses de terceiros. Assim, ao mesmo tempo que realiza uma defesa, serve como elemento de garantia 15 . O registro civil é uma instituição com finalidade social, cumprindo, portanto, uma tarefa essencial para a coletividade. * Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP. — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, S.P. Brasil.

OS EVENTOS VITAIS: ASPECTOS DE SEUS REGISTROS E INTER … · 2006. 9. 4. · da Lei dos Registros Públicos, a esse aspecto, é a que estabelece que os ofi-ciais de cartório remeterão

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OS EVENTOS VITAIS: ASPECTOS DE SEUS REGISTROS E INTER-RELA-ÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE COM AS ESTATÍSTICAS DE SAÚDE

Maria Helena SILVEIRA *Ruy LAURENTI *

RSPU-B/159

SILVEIRA, M. H. & LAURENTI, R. — Os eventos vitais: aspectos de seus regis-tros e inter-relação da legislação vigente com as estatísticas de saúde.Rev. Saúde públ., S. Paulo, 7: 37-50, 1973.

RESUMO: Foram estudados os registros civis desde as suas origens,salientando aspectos legislativos do Brasil, chamando a atenção para algu-mas implicações que a legislação a eles referente trazem às estatísticasvitais e suas repercussões em planejamento de saúde e epidemiologia. Re-lativamente ao nascimento foram abordados alguns tópicos, com ênfaseno problema do registro por local de ocorrência, fato que influe enorme-mente em programações de saúde materno-infantil. Foram salientadostambém alguns aspectos do sub-registro de nascimento, citando dados pa-ra São Paulo. Quanto aos óbitos foram analisados o registro por local deocorrência, o prazo para registro, o problema das causas de morte e orelativo ao sub-registro. Com referência aos nascidos mortos, foi apresen-tada a conceituação de nascido vivo e nascido morto da Organização Mun-dial da Saúde e indicado o fato de sua não aplicação prática repercutirnos campos do Direito e da Estatística Vital. Foram feitas algumas reco-mendações no sentido de um maior entrosamento entre os vários profis-sionais — legisladores, médicos, oficiais de cartório, estaticistas de saúde— que, de uma maneira ou de outra, têm relação com os eventos vitais.

UNITERMOS: Estatística vital *; Registro civil *; Legislação (Brasil) *;Mortalidade; Natalidade.

I N T R O D U Ç Ã O

Sabe-se que historicamente os registroscivis apareceram muito antes que osserviços de estatística. Caracterizam-seeles por servir como meio de prova ouatuar como um processo de conservaçãode um documento. No primeiro caso, suaessência reside na publicidade, cuja uti-lidade jurídico-social é inegável. Suafunção no Direito consiste em tornar

conhecidas certas situações jurídicas,principalmente quando se refletem nosinteresses de terceiros. Assim, ao mesmotempo que realiza uma defesa, servecomo elemento de garantia15.

O registro civil é uma instituição comfinalidade social, cumprindo, portanto,uma tarefa essencial para a coletividade.

* Do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP. — Av. Dr.Arnaldo, 715 — São Paulo, S.P. — Brasil.

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Sua função principal é, dessa forma, ade índole jurídica e consiste em regis-trar os fatos e atos que constituem asfontes do estado civil. Isto permite aorganização e o funcionamento dosistema jurídico que rege as relações dosindivíduos entre si — organização fami-liar — e suas vinculações com oEstado19. Ao lado desse objetivo, e nãomenos importante que o primeiro, estáa função estatística dos registros civís.É certo que a única referência, constanteda Lei dos Registros Públicos, a esseaspecto, é a que estabelece que os ofi-ciais de cartório remeterão aos Departa-mentos de Estatística os mapas de nasci-mentos, casamentos e óbitos que houve-rem registrado em seus cartórios. Não me-nos certo, entretanto, embora tal referên-cia tenha existido desde William Farr, naprimeira lei referente aos Registros Civisna Inglaterra33, é que cada profissionalque trabalha com registros — legisla-dores, oficiais de cartório, médicos eestaticistas de saúde — age ou atua demaneira estanque, cada qual dentro deseu campo, sem atentar para o fato deque os registros atendem a uma duplafinalidade.

Este trabalho tem por objetivo mos-trar as implicações existentes entre essesvários campos, as repercussões de cadaum dentro dos demais, apontando comoum pode influir sobre o outro.

Pretendeu-se aqui estudar somente osnascimentos e os óbitos, por constitui-rem, ambos, os registros que mais inte-ressam ao âmbito da Saúde Pública.

C O N C E I T O

Registro é todo o processo de obten-ção de dados cujo fundamento resideem anotar cada fato ou acontecimento:como, quando e onde ele se produziu.Exarado em registros especiais, poroficial público, em vista da apresentação

de títulos comuns ou em face das decla-rações escritas ou verbais das partesinteressadas, tem como função principala de tornar conhecidas certas situaçõesjurídicas.

Interessam aqui, especificamente, osregistros vitais, ou seja, o registro doestado civil de cada pessoa. O estadocivil, definido como o conjunto das qua-lidades constitutivas que distinguem oindivíduo na sociedade e na família7,tem início com o nascimento e se en-cerra com a morte, passando por todosos acontecimentos verificados nesseperíodo. Existe aí uma série não dimi-nuta de fatos e atos jurídicos, tais comoo casamento, a adoção, a legitimação, odesquite, o divórcio, a tutela, dos quaisresultam importantes e sensíveis modi-ficações na vida da pessoa humana.Esses fatos constituem os chamados "fa-tos vitais".

Depreende-se daí que as estatísticasvitais são aquelas que, trabalhando comos fatos vitais, proporcionam uma visãode determinada população, visão essarelativa ao número e à característicadesses fatos. Essas estatísticas ou regis-tros referem-se a pessoas e têm, por essarazão, história tão antiga quanto à dahumanidade.

ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Devido à simplicidade das estruturassociais e jurídicas das sociedades primi-tivas e à pouca importância que se atri-buia à prova dos fatos referentes aoestado civil, não se sentiu, nas primeirasépocas da história da humanidade, anecessidade de preconstituir a prova domesmo nem de promover a sua publi-cidade ¹.

Antes da Era Cristã, na Grécia, Romae nos antigos povos do Oriente, registra-vam-se apenas alguns fatos vitais, comfinalidades militares ou tributárias.

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A verdadeira origem dos registros érepresentada pelos registros eclesiásticos,feitos pela Igreja Católica. É fácil, entre-tanto, compreender que esses registroseram falhos, não só em qualidade, comotambém em quantidade. Os registroseram feitos pelos párocos das igrejas,cada qual com o seu critério, pois nãohavia para eles nenhum regulamentopré-estabelecido, ficando totalmente aoarbítrio de cada um a forma de sua ins-crição. Do ponto de vista de sua quanti-dade, a principal deficiência verificadaera a de que, feito pela igreja católica,não se estendiam os registros aos mem-bros de outras seitas religiosas. Outradificuldade era representada pelo paga-mento devido à inscrição, dado que aparticipação do clero era sempre remu-nerada. Assim, quando não era possívelàs pessoas efetuarem esse pagamento,tal registro não era feito. É importantesalientar que não se inscreviam nessesregistros os fatos vitais, mas sim, as ceri-mônias a eles correspondentes, anotandosempre a data desta e não a do evento.

Os registros eclesiásticos sistemáticosexistiram na Europa, por volta doséculo XV: tiveram início na Espanha,onde o Cardeal Jiménez de Cisneros,Arcebispo de Toledo, determinou que ospárocos devessem inscrever regular-mente os registros. Depois, na Inglaterra,em 1538, por ordem de Thomaz Cromwell,Vigário Geral de Henrique VIII, pas-sou-se também a inscrever regularmenteos batismos, matrimônios e enterros. NaFrança, em 1539, houve determinação deque o clero adotasse também estamedida. Outros países seguiram-se en-tão: Suécia em 1608, Canadá em 1610,Finlândia em 1628 e Dinamarca em 1646.

O primeiro registro civil, feito porordem não mais da Igreja, mas do

Estado, ocorreu entre os Incas, no Peru,e o segundo nas Colônias da Baía deMassachussets e New Plymouth em 1639.Os escreventes desses registros deixaramde ser os párocos e passaram a ser osfuncionários do governo. O fato maisimportante, entretanto, foi o de que pas-saram a ser inscritos os eventos propria-mente ditos e não mais a cerimônia dosmesmos.

Em 1804, na França, quando foi pro-mulgado o Código de Napoleão, passoua ter o registro civil disposições espe-ciais que vieram influir enormementenos sistemas de inscrição dos fatos vitaisem toda a Europa.

OS REGISTROS PÚBLICOS NO BRASIL

No Brasil, ao tempo do Império, dadasas relações entre Igreja e o Estado, osassentamentos paroquiais eram reves-tidos de todo o valor probante e não seconhecia outro registro que não o reli-gioso *

Em 1861 foi instituído o casamentoleigo para os acatólicos, fato que geroucomo conseqüência o registro dos atosdele decorrentes.

O decreto 9886 de 7 de março de 1888foi, entre nós, o primeiro ato a regula-mentar os registros das pessoas natu-rais: nascimentos, casamentos e óbitosque se verificassem no Império.

Com o advento da República foram,pelo novo governo, baixadas determina-ções no sentido da manutenção e obri-gatoriedade dos registros públicos.

O Código Civil Brasileiro de 1916, aindaem vigor, determina em seu artigo 12que "deverão ser inscritos em registrospúblicos os nascimentos, casamentos eóbitos...", competindo à União legislarsobre eles4.

* GUIMARÃES, O. L. & MILANESI, M. L. — Exposição sobre o serviço de registro civilna República dos Estados Unidos do Brasil e notadamente no Estado de São Paulo. —Dados inéditos.

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Somente vinte e três anos após a pro-mulgação desse Código, entretanto, foique, de modo mais definitivo, veio ogoverno disciplinar o instituto dos re-gistros públicos através do decreto 4851de 9 de novembro de 1939 5 que, emboracom algumas pequenas modificações,vigora até hoje.

Existindo esse regulamento há já apro-ximadamente trinta anos, e tendo emvista que muitos estatutos jurídicosforam modificados, elaborou o governoum projeto — Reorganização dos Regis-tros Públicos — que deu origem aodecreto-lei n.° 1000 de 21 de outubro de1969 6, ainda não em vigor, entretanto.

N A S C I M E N T O S

A principal finalidade do registro denascimento é a de fazer prova do estadodas pessoas. É usado para o estabeleci-mento da identidade do indivíduo: aoentrar para a escola, ao candidatar-se aoexercício do voto, para habilitação aocasamento. Estabelece as relações de fa-mília, como parentesco, legitimidade,ascendência. Para o Estado, é de grandeimportância, tanto do ponto de vistasanitário, quanto daquele social ou eco-nômico. Nos estudos de população, éutilizado para determinar o crescimentonatural ou vegetativo, traduzido peloexcesso de nascimentos sobre os óbtios.No campo da Saúde, o número de nasci-dos vivos em um determinado períodoé importante para qualquer planeja-mento materno infantil, pois serve parao cálculo de vários coeficientes, entre osquais o de mortalidade infantil, um dosmais sensíveis índices das condições desaúde de um povo *. Também os progra-mas de imunização contra as doenças dainfância têm nos registros de nasci-

mento "valiosos elementos de controlee orientação de seus trabalhos, pela pos-sibilidade de se verificar efetivamente seas crianças estão sendo, nas épocas pró-prias, devidamente protegidas contraaquelas doenças" ³.

Todo nascimento deve, por exigêncialegal, ser registrado, seja ou não umnascimento vivo.

Determina a lei dos Registros Pú-bicos 5 em seu artigo 63 que:

"Todo nascimento que ocorrer no ter-ritório nacional deverá ser dado aregistro no cartório do lugar em quetiver ocorrido o parto, dentro dequinze dias ampliando-se até trêsmeses para os lugares distantes dasede do cartório mais de trinta qui-lômetros e sem comunicações ferro-viárias".

Dois aspectos ressaltam, desde logo,nessa determinação, considerados ambosde importância capital no âmbito daestatística de saúde.

Refere-se o primeiro ao "lugar em quetiver ocorrido o parto". Este preceito,aparentemente sem conseqüências e parao qual não se encontrou razão outra quetivesse levado o legislador a determi-ná-lo que não a de política administra-tiva, traz conseqüências enormes nocampo do planejamento de saúde. Regis-trar uma criança no local onde tenhaocorrido o parto, vai gerar como conse-qüência um número muito grande denascimentos nos lugares onde houverconcentração de maternidades. No casoespecífico da cidade de São Paulo, poresse "local" se entende cada uma dasmenores unidades administrativas emque o município se divide (sub-dis-tritos).

* SILVEIRA, M. H. & SOBOLL, M. L. Sub-registrc de nascimento. Trabalho apresentado àDisciplina de Educação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública em 1971. Dadosinéditos.

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Este dado, apurado pelo Departamentode Estatística, tal qual o fornecem oscartórios, de pouco ou quase nadaadianta quando se pensa em termos deplanejamento de saúde. Em São Paulo,por exemplo, os sub-distritos de Liber-dade, Saúde, Cerqueira César e Belenzi-nho, que abrigam em sua área hospi-tais-maternidade de grande porte e mo-vimento como: Cruzada Pró Infância,Amparo Maternal, Maternidade SãoPaulo e Casa Maternal da Legião Brasi-leira de Assistência, vão apresentar osmais altos índices de natalidade domunicípio. A informação oficial, por-tanto, não reflete, senão em númerosglobais, o que está ocorrendo no muni-cípio. Evidentemente, se o dado de quese pudesse dispor fosse o número denascimentos por local de residência damãe, sempre que se pensasse em plane-jamento materno-infantil, mais fácil setornaria a instalação de serviços ondefosse maior a demanda. Como já foisalientado, o conhecimento da distribui-ção de eventos vitais por setores de re-sidência da Capital facilitaria a implan-tação de equipamentos adequados emlugares prioritários14.

Outro ponto que poderia ser lembrado,ainda com relação ao "lugar em quetiver ocorrido o parto" é o de que, pas-sando a mulher a maior parte dosprimeiros quinze dias após o parto(prazo oferecido para que o registroseja feito) em sua própria casa e nãomais no hospital (onde permanece, emmédia, três dias), mais difícil se tornaefetuar o registro no cartório fixadopela lei. Em São Paulo, pode-se com-provar que muitos nascimentos são re-gistrados nos cartórios dos subdistritosa que pertencem as residências das famí-lias, e quando não, naqueles dos locais

de trabalho de cada pai. Cartórios queaceitam registros como estes (de nasci-mentos não verificados em seu subdis-trito) a fim de não patentear seu erro,anotam como local de nascimento "emresidência" ou simplesmente "nestesubdistrito". Os mapas do Departamentode Estatística, elaborados através dosdados de cartórios, vão oferecer por-tanto um número irreal de partos domi-ciliares, elementos sem dúvida alguma decapital importância em programação desaúde materna. Assim, para o distrito deS. Paulo — período julho de 1968 a junhode 1970 — a "Investigação Interameri-cana de Mortalidade na Infância" 11,26

mostrou que esse percentual, através dosdados oficiais, foi de 35,95% enquantoque, na realidade, o número obtido atra-vés de amostragem probabilística dedomicílios foi 7,58% *.

O segundo aspecto que se considerouimportante é o relativo ao problema dosub-registro. A lei coloca o pai como oprimeiro obrigado a declarar o nasci-mento do filho, e tal fato é perfeitamentecompreensível quando se pensa em todasas questões relativas à determinação dapaternidade. No impedimento do pai éque deve a mãe procurar o cartório paratal ato, sendo então o prazo dilatadopara sessenta dias. Na impossibilidadedesta, estão também obrigados, naordem sucessiva, o parente mais pró-ximo, os administradores de hospitaisou os médicos e parteiras que tiveremassistido ao parto. Com esta enumera-ção imaginou o legislador não deixarsem registro nenhuma criança nascidano território nacional. Apesar disso,entretanto, sabe-se ser fato conhecido edebatido entre os cultores da estatísticaa existência de grandes lacunas no re-gistro de nascimento em nosso país29.

* SILVEIRA, M. H. — As perdas fetais no distrito de São Paulo: aspectos médico-esta-tísticos e jurídicos — Tese em andamento.

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SILVEIRA, M. H. & LAURENTI, R. — Os eventos vitais: aspectos de seus registros e inter-rela-ção da legislação vigente com as estatísticas de saúde. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 7 :37-50,1973.

O fim da década de 40 e o início da de50 marcaram uma época em que váriosestudos foram feitos sobre o problemado sub-registro em várias áreas doBrasil 20,28,29,31.

Mais recentemente MILANESI & SILVA 17

(1965) calcularam seu valor para o dis-trito de São Paulo, através de dados do"Estudo Retrospectivo sobre o Aborto",valor esse que estaria em torno de 4,5%.

Quando da realização da "InvestigaçãoInteramericana de Mortalidade na In-fância" pôde ser verificada novamente amagnitude do sub-registro para a mesmaárea, constatando-se não só existir aindacomo também estar relativamente umpouco maior 32.

No interior do Estado os índices seapresentam ainda mais elevados que nacapital. Para o município de Araraquarao sub-registro foi estimado em 8,5% para197118 e em recente pesquisa realizadana zona urbana de Presidente Venceslaupor grupo de alunos da Faculdade deSaúde Pública (1972), também por amos-tragem probabilística de domicílios,evidenciou-se um sub-registro da ordemde 10%.

Ainda através dos dados da "Investi-gação Interamericana de Mortalidade naInfância" pôde ser comprovado fato inte-ressante e que não se supunha existir.Trata-se do sub-registro de nascimentode crianças nascidas vivas que chega-ram a óbito antes de um ano de idade.Por determinação legal, ao promover oregistro de óbito de criança menor deum ano, deve o oficial do cartórioindagar se a criança foi registrada e emcaso negativo deverá, embora tardia-mente, promover o registro. Essa dispo-sição (parágrafo único do artigo 88 daLei dos Registros Públicos)5 levava a

pensar na total impossibilidade de umacriança, morta com menos de um anode idade, deixar de ter seu nascimentoregistrado, pois, caso isso não tivessesido feito por ocasião do nascimento, oseria na oportunidade do óbito.

A existência de casos como esse, entre-tanto, chamou a atenção durante a reali-zação dessa pesquisa. Na amostra de1803 crianças mortas com menos de umano constantou-se que 172, ou seja 9,5%tiveram registrado seu óbito sem o teremseu nascimento13. Com relação a esseaspecto, é interessante lembrar que omesmo trabalho comprovou que muitasdessas crianças nasceram em hospital,aí permanecendo até a morte, tendo sidoo enterramento promovido pelo própriohospital. Visando a diminuir o valordesse sub-registro pensou-se em motivaros administradores de hospitais paraque promovam, para esse grupo decrianças, rotineiramente, além do regis-tro de óbito, também o registro denascimento.

A importância do sub-registro nocampo da saúde pública é inegável, pois,dada a sua maior ou menor magnitude,de forma maior ou menor vão se alterartodos os coeficientes que trabalham como número de nascidos vivos, quer no nu-merador, quer no denominador. De umamaneira geral pode-se dizer que ficamaumentados os coeficientes de mortali-dade infantil, mortalidade neo-natal, mor-talidade perinatal e diminuídos os demortalidade geral e fertilidade. *

O ideal seria evidentemente a elimina-ção do subregistro, isto é, que ele deixas-se de existir. Conhecida entretanto suamagnitude podem esses coeficientes sercorrigidos, como aliás, já propunhaSAADE 29.

* SILVEIRA, M. H. — As perdas fetais no município de São Paulo: aspectos médico-estatísticos e jurídicos. Tese em andamento.

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Estudando os fatores que podem con-dicionar a ocorrência do sub-registro *foram propostas medidas visando à suadiminuição. Dentre essas, ressaltam co-mo as mais importantes as que objeti-vam algumas alterações legislativas e asque têm como meta um trabalho educa-tivo . Sabe-se que os registros são pagose embora seu valor possa não represen-tar um ônus muito grande para a famí-lia, se gratuitos, e pagas somente as có-pias de que a família viesse a precisar,tal fato representaria um incentivo, aomenos psicológico, para que o assentofosse promovido. Outra alteração legis-lativa foi proposta no sentido de que osregistros pudessem ser efetuados emqualquer cartório. No caso de São Pau-lo, nascida uma criança em um determi-nado subdistrito, poderia ela ser regis-trada neste ou em outro qualquer, im-portando apenas que o fosse. Ao De-partamento de Estatística competeria,recebidos os mapas com o movimen-to de cada cartório, apurar os da-dos segundo o local de residência damãe. Trabalho educativo nas maternida-des e serviços de pré-natal, onde se en-contrariam os grupos mais interessados,seria desenvolvido, aproveitando a pre-sença das mães, orientando as mesmasno sentido de uma melhor compreensãodo significado e importância do registrode nascimento.

Ó B I T O SA morte é entendida como o desapa-

recimento permanente de todo sinal devida em um momento qualquer posteriorao nascimento23. Rompe ela todos oslaços que unem o indivíduo à sociedade.Desaparece com a morte a categoria dosdireitos pessoais — inerentes à própriapessoa — continuando a existir, entre-tanto, os direitos materiais — existentes

em seu patrimônio — que vão passaragora aos seus sucessores legítimos outestamentarios10.

Por essa razão, o registro de óbito,paralelamente ao de nascimento, temcomo finalidade jurídica prevenir tercei-ros do desaparecimento dos direitospessoais do "de cujus" e da mudança detitular, no que toca aos direitos ma-teriais.

Dispõe o artigo 88 da Lei dos Regis-tros Públicos5 que:

"Nenhum enterramento será feitosem a certidão de registro do lugar dofalecimento, extraída após a lavraturado assento de óbito, em vista do ates-tado do médico, se houver no lugar,ou em caso contrário, de duas pessoasqualificadas, que tiverem presenciadoou verificado o óbito".

No assentamento do óbito não se con-tenta a lei com a simples afirmação dodeclarante: exige ela que o fato sedocumente com o atestado passado pelomédico ou por duas testemunhas quetenham presenciado o óbito.

O atestado de óbito tem assim a fina-lidade de assegurar a realidade da morte,esclarecer questões de ordem sanitária,além de satisfazer as exigências da deter-minação da causa jurídica da morte.Quanto à realidade, permite ele que nãosubsistam dúvidas quanto à possibilidadede estar a pessoa viva. É de grandevalia no que se relaciona a certas ques-tões de ordem sanitária, principalmentequanto à elaboração de estatísticas com aprecisão exata da causa da morte. Noque se refere à causa jurídica da morte,é importante que o médico, ao atestaro óbito, esteja certo de que se trata demorte natural e não de causa violenta.

* SILVEIRA, M. H. & SOBOLL, M. L. — Sub-registro de nascimento. Trabalho apresen-tado à Disciplina de Educação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública, em1971. — Dados inéditos.

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Até há algum tempo, os atestados deóbito eram, entre nós, preenchidos emvia única, no próprio receituário dosmédicos. Graças aos esforços de OscarFreire em 1919 9 e Geraldo Horacio dePaula Souza em 1934 ³, os atestadospassaram a ter novo caráter: forampreenchidos em folha dupla (uma fican-do no cartório e outra indo à Repartiçãode Estatística) e, o que é mais impor-tante, passaram a seguir o modelo ado-tado internacionalmente.

Na análise do óbito ressaltam comoquestões importantes para este estudoo registro por local de falecimento, oprazo para que este seja feito, o pro-blema das causas de morte e o relativoao sub-registro.

O óbito de acordo com a lei (artigo885) deve ser registrado no lugar emque tenha ocorrido, e da mesma formaque acontece com os nascimentos, taldeterminação deturpa enormemente asestatísticas de saúde. Assim, no caso deSão Paulo, se uma pessoa morre em umdeterminado hospital, deverá ter seuóbito registrado no subdistrito a que omesmo pertence. Dessa forma, dentroda mesma linha de raciocínio seguidapara os nascimentos, alguns subdistritos— Jardim América, por exemplo — vãoapresentar altos coeficientes de morta-lidade, apenas pelo fato de existirem emsua área hospitais como o Hospital dasClínicas da Faculdade de Medicina daUSP e o Hospital de Isolamento EmílioRibas. Cidades do interior há que, con-trariamente, apresentam baixíssimos ín-dices, não significando tal fato, boascondições de saúde, mas simplesmenteque seus habitantes vão morrer em outrolugar. Deste ponto de vista é interessantelembrar que a apuração dos dados deóbitos tal como vem sendo feita — porlocal de ocorrência — não reflete tam-bém a situação real. Para determinadoslocais são superestimados abrangendo

não só os casos de sua própria área mastambém os de moradores de outros lu-gares que para a solução de seus pro-blemas de saúde procuram centros maisdesenvolvidos. Trata-se dos chamados"óbitos de direito" e "de fato" tão im-portantes do ponto de vista epidemio-lógico ².

Interessante pesquisa feita para aGrande São Paulo demonstrou que o mu-nicípio de Franco da Rocha apresentaum coeficiente de mortalidade igual a18,63% em 1967 e este se apresenta tãoelevado em relação aos municípios vizi-nhos, por estar aí localizado o Hospitaldo Juqueri34. Também aqui o que sepreconiza, à exceção dos casos em queé necessário transportar o cadáver de ummunicípio para outro, é que o registropossa ser feito em qualquer cartório,ficando a cargo da repartição de estatís-tica apurar o dado segundo o local deresidência do falecido e o de ocorrênciado óbito.

Quanto ao prazo para a promoção doregistro, determina a lei o máximo de 24horas, sendo que somente em algunscasos muito especiais poderá ele ser feitotardiamente (artigos 89 e 94 da Lei dosRegistros Públicos). A expressão "24horas", aqui citada, refere-se a prazopara registro e não deve ser confundidacom prazo para enterramento. Na reali-dade, como ensina FÁVERO 9 os enterra-mentos não devem ser feitos antes depassadas as primeiras 24 horas da morte,não devendo esse prazo entretantoultrapassar 36 horas. O fundamentodesta recomendação reside no fato, aliásreferido no Código Sanitário de 1918 ³0,de que nenhuma cremação ou enterra-mento deve ser realizado antes de semanifestarem no cadáver os primeirossinais de decomposição orgânica. Para adiagnose da realidade da morte é indis-pensável o aparecimento de fenômenoscadavéricos, entre os quais o resfria-

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mento do corpo (que em São Pauloocorre em torno da vigésima hora paracrianças e entre 24 e 26 horas para adul-tos) 8, a fixação das hipostases, verifi-cada dentro de 8 a 12 horas e a rigidezcadavérica que atinge seu máximo 5 a 8horas após o óbito, conforme centenasde observações do Instituto OscarFreire9. Por esse mesmo motivo — cer-teza da realidade da morte — nos casosem que seja requerida a autópsia, estanão poderá ser feita antes de decorridasas 12 horas (decreto estadual 4405-A de17 de abril de 1928).

O atestado de óbito, dentro da finali-dade estatística a que se destina, tem,na causa da morte, seu principalelemento. Muitos médicos ignoram aimportância do correto preenchimentodo atestado; vêm nele um documentonecessário para que o enterro seja feito,desconhecendo que as informações aícontidas vão constituir a base de todasas estatísticas de saúde referentes àmortalidade.

A análise de mortalidade por causa,isto é, seu estudo segundo a causa doóbito é fundamental em muitos aspectos,como no planejamento de saúde, emestudos epidemiológicos e em estu-dos clínicos. O que ocorre muitas ve-zes é que a apresentação da mortali-dade por causa não é completamenteverdadeira, pois as causas reais de mortenem sempre são colocadas pelos médi-cos, nos atestados. O que se verifica éque estes registram, muitas vezes,somente as causas terminais ou mesmoalgumas causas que nem exitiram12.

Devem figurar no atestado todas aque-las doenças, estados mórbidos ou lesõesque produziram a morte ou que contri-buíram para ela e as circunstâncias doacidente ou da violência que produziram

essas lesões. A finalidade disto é asse-gurar que todas as informações relevan-tes sejam registradas, não escolhendo omédico determinados estados patológicos,em detrimento de outros.

A "causa básica" da morte é definidacomo:

a) doença ou lesão que iniciou a ca-deia de acontecimentos patológicos queconduziram diretamente à morte ou

b) as circunstâncias do acidente ouviolência que produziram a lesão fatal25.

A qualidade dos atestados de óbito doponto de vista da causa da morte tem,segundo trabalhos recentemente feitos,deixado a desejar16. Assim, em estudofeito em várias cidades 27 foi analisada aqualidade do atestado de óbito, quantoà causa básica "oficial" e aquela real ouverdadeira conhecida esta através daanálise detalhada de cada caso (entre-vistas, etc.), A proporção de causas bá-sicas que diferiram da original, após ainvestigação está expressa na Tabela 1.

Comparando a causa verdadeira coma assinalada no atestado, em uma amos-tra de 4361 óbitos na cidade de SãoPaulo, pôde-se verificar que as pneumo-nias apareceram como causa básica 126vezes, sendo que, a rigor, deveriamaparecer somente 92 27.

Com relação a crianças, a "Investiga-ção Interamericana de Mortalidade naInfância"11, em análise referente ao primeiro ano de pesquisa, mostrou que asinformações oficiais contidas no atestadonão espelham o que realmente estáocorrendo. Por exemplo, os dados ofi-ciais são menores do que os reais noscasos de sarampo, desnutrição, coque-luche (respectivamente 69%, 214% e91%). Isto significa que o sarampoapresenta, segundo dados oficiais* uma

* Dados inéditos.

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magnitude de 69% a menos do que eleocorre na realidade. Contrariamente, abronco-pneumonia vem oficialmente com34% a mais do que deveria aparecer.

Salta aos olhos a importância epide-miológica destas conclusões. É claro quequalquer planejamento de saúde baseadoem dados assim falhos será falhotambém.

Com relação ao sub-registro de óbitos,a proporção parece, obviamente, sermenor do que a sub-enumeração de nas-cimentos. Sua ocorrência deve se restrin-gir a certas áreas mais atrasadas dointerior do Brasil, onde se ouve aindafalar em chamados cemitérios clandes-tinos, nos quais enterramentos sãofeitos sem nenhum registro. A importân-cia deste fato para a Saúde Pública é ade também aqui ficarem alterados coefi-cientes que trabalham com o número deóbitos além de, do ponto de vista epide-miológico, serem suprimidas à tabula-ção diversas causas de morte. Nasgrandes cidades, onde a precisão quanti-tativa atinge níveis mais elevados, o queacontece com maior freqüência, relati-vamente ao sub-registro, é o que se ori-gina da diversidade de critérios na

conceituação de nascidos vivos e nasci-dos mortos, conforme se verá a seguir.

O PROBLEMA DO NASCIDO MORTO

A lei brasileira é clara no sentido dedeterminar que deva ser promovido re-gistro mesmo para os casos de nascidosmortos. Não se refere, entretanto, emnenhum local, ao que se deva entenderpor criança nascida morta, isto é, quan-do um feto começa a ser consideradocriança, deixando o conceito a critérioda medicina.

Considera-se nascido vivo, segundodefinição da Organização Mundial daSaúde24, "o produto da concepção que,independente da duração da gravidez,depois de expulso ou extraído completa-mente do corpo da mãe, respire ou dêqualquer outro sinal de vida, tais comobatimentos cardíacos, pulsações do cor-dão umbelical ou movimentos efetivosdos músculos de contração voluntária,quer tenha ou não sido cortado o cordãoumbelical, esteja ou não desprendida aplacenta". Países há, entretanto, ainda,embora tal definição tenha sido propostahá já mais de vinte anos, que consideramcomo nascida viva a criança que esteja

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viva no momento de sua inscrição noregistro. Desnecessário frisar, desseponto de vista, que a comparabilidadede certos coeficientes, tais como morta-lidade infantil e natimortalidade, ficabastante prejudicada.

Em oposição ao grupo dos nascidosvivos, a Organização Mundial da Saúdechamou de perda fetal "a morte do pro-duto da concepção antes da expulsão ouextração completa do corpo da mãe,independente da duração da gestação".Este critério de tempo foi usado, entre-tanto, para classificar as perdas fetaisem precoces (com menos de 20 sema-nas), intermediárias (de 20 a 27 sema-nas) e tardias (com 28 ou mais semanasde gestação). Os dois primeiros gruposforam reunidos sob o nome genérico de"aborto" e o das perdas tardias consti-tue o dos "nascidos mortos"24.

No caso do Estado de São Paulo, deter-mina o Departamento de Estatísica queesse atestado seja preenchido tambémpara os casos de aborto. Pode ser facil-mente imaginado, entretanto, que moti-vos vários levam os médicos a não for-necer esses atestados para produtos deabortamento. Se, entretanto, adotadarotineiramente essa norma, poderia serobtido o registro de todas as perdasfetais e não somente de nascidos mortos.

Um aspecto interessante comprovadodurante a realização da "InvestigaçãoInteramericana de Mortalidade na In-fância" foi o do indevido preenchimentode atestados comuns de óbito paracrianças que haviam nascido mortas (eque deveriam, portanto, ter somente oatestado de nascido morto), bem comode atestados de nascido morto paracrianças que se comprovou serem, arigor, nascidas vivas que morreram logoapós o parto. Essa conceituação é im-

portante porque erros quanto à inclusãode um nascimento num ou noutro grupopodem originar problemas vários nocampo jurídico, além de, na esfera daestatística de saúde, afetar vários indi-cadores *.

Entre nós, os dados referentes aosnascidos mortos são apurados segundoo sexo, cor, local de ocorrência e nacio-nalidade dos pais. Na realidade, impor-tantes aspectos são ainda deixados delado. Do ponto de vista de saúde seriainteressante poder conhecer a "causa"das perdas, o que se conseguiria ado-tando para estas o modelo internacionaldo atestado.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Apesar de se considerar que os regis-tros dos fatos vitais são de importânciafundamental para a coletividade, poratender a objetivos vários, persistem,entretanto, ainda, com relação a eles,deficiências, tanto de ordem qualitativacomo de ordem quantitativa.

Estudando os nascimentos e óbitos,verificou-se: — que existe o sub-regis-tro; que os dados registrados porlocal de ocorrência não refletem a situa-ção de saúde da área; que a qualidadedos atestados de óbito principalmentequanto à causa da morte não é boa;que há uma superestimação de partosdomiciliares. Em uma palavra, pode-secomprovar que, de maneira mais oumenos intensa, as estatísticas vitais nelesbaseadas não correspondem integral-mente à realidade.

Certo é que, dentro de seus próprioscampos de ação, os profissionais que tra-balham com registros devem estar bempreparados. Os médicos devem ser me-lhor orientados quanto ao preechimentode atestados de óbitos: é preciso que eles

* SILVEIRA, M. H. — As perdas fetais no distrito de São Paulo: aspectos médicos esta-tísticos e jurídicos. Tese em andamento.

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passem a ver nestes, não mais apenas etão somente, um instrumento exigidopela lei para que o enterramento sejafeito. Os oficiais de cartório, ao inscre-ver cada fato, devem ter uma duplaresponsabilidade: registrar para efeitoslegais e preparar e transmitir às autori-dades estatísticas, informes sobre cadainscrição feita. Devem eles, entretanto,ser conscientizados de que as informa-ções contidas nesses documentos são va-liosas e de que sua alteração ou detur-pação poderá ter efeitos nocivos dentrodas áreas a que se destinam.

Necessário se torna estimular as rela-ções do registro civil com as instituiçõesafins, e em especial com os serviços desaúde, como aliás já recomendavam o

1.° e o 2.° Seminário Interamericano deRegistro Civil 21,22.

É preciso que os legisladores sejamalertados pelos estaticistas de saúdesobre aspectos a serem alterados na Leidos Registros. Em um momento comoeste, em que se pensa em reformas legis-lativas, determinados pormenores, semmaior importância jurídica, poderiam seralterados, visando a uma melhoria dosdados vitais.

Mister se faz, portanto, um melhorentrosamento entre os profissionais dosvários campos nos quais os registrosatuam, para que eles possam, com maiorproficuidade, preencher seus objetivos.

RSPU-B/159

SILVEIRA, M. H. & LAURENTI, R. — [Vital events: aspects of vital Brazilian re-gistration and relationship between the present legislation and vitalstatistics.] Rev. Saúde públ., S. Paulo, 7: 37-50, 1973.SUMMARY: The Vital Registration origin focusing some of the legisla-

tive aspects in Brazil was studied, pointing out some of the implicationsthat this legislation carries to the vital statistics and to health planningand epidemiology. Under the subjetc of birth, emphasis was given to thematter registration by place of ocurrence, wich has influence in the infant-maternal health programming. Under the subject of desease, registrationby place of ocurrence, cause of death and under registration were studied.Referring to the still born, the definitions of live-birth and still-birth givenby the World Health Organization were emphasized and poiting out misu-sage, which carries problems into the Law and vital statistics fields. Somerecommendations were pointed such as better relationship among theseveral professionals — legislators, physicians, public-notaries, health-staticicians — that somehow are involved with vital events.

UNITERMS: Vital Statistics*; Civil Registration*; Legislation (Brazil)*;Mortality; Birth-rate.

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Recebido para publicação em 15/1/1973

Aprovado para publicação em 29/1/1973