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Área Temática: Direito à Cidade OS IMPACTOS DA DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NA LUTA PELO DIREITO À MORADIA Autoras: Amanda Montenegro 1 ; Micaela Nunes 2 . O presente trabalho propõe-se a analisar questões relacionadas às limitações sobre as mulheres na luta pelo direito à moradia, participação e seu protagonismo. Desenvolveremos esses temas a partir das bases sociológicas sobre a divisão sexual do trabalho nas sociedades patriarcais e das questões despertadas pela observação de algumas das razões que levam essas mulheres ao protagonismo dessas lutas e alguns impedimentos familiares, socioambientais, econômicos e políticos detectados. Também apontaremos como essa participação contribui para o empoderamento e quebra do ciclo sociocultural de divisão sexual do trabalho. Palavras Chaves: Direito à moradia. Protagonismo. Divisão sexual do trabalho. Mulheres. INTRODUÇÃO A divisão sexual do trabalho destina às mulheres aos trabalhos reprodutivos, àqueles trabalhos que transversalmente analisados correspondem aos antagônicos do produtivo, geradores de capital, historicamente valorizados e remunerados. Ela está baseada na capacidade reprodutiva das mulheres e nas características físicas, emocionais e sociais construídas ao longo das civilizações para as 1 Amanda Montenegro Galdino. Estudante de Graduação em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e militante feminista e do Coletivo MUDA. Email: [email protected] 2 Micaela Nunes de Almeida. Estudante de Graduação em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e militante feminista. Email: [email protected]

OS IMPACTOS DA DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NA LUTA PELO DIREITO À MORADIA

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O presente trabalho propõe-se a analisar questões relacionadas às limitações sobre as mulheres na luta pelo direito à moradia, participação e seu protagonismo. Desenvolveremos esses temas a partir das bases sociológicas sobre a divisão sexual do trabalho nas sociedades patriarcais e das questões despertadas pela observação de algumas das razões que levam essas mulheres ao protagonismo dessas lutas e alguns impedimentos familiares, socioambientais, econômicos e políticos detectados. Também apontaremos como essa participação contribui para o empoderamento e quebra do ciclo sociocultural de divisão sexual do trabalho.

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Área Temática: Direito à Cidade

OS IMPACTOS DA DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO NA LUTA PELO DIREITO À MORADIA

Autoras: Amanda Montenegro1; Micaela Nunes2.

O presente trabalho propõe-se a analisar questões relacionadas às limitações sobre as mulheres na luta pelo direito à moradia, participação e seu protagonismo. Desenvolveremos esses temas a partir das bases sociológicas sobre a divisão sexual do trabalho nas sociedades patriarcais e das questões despertadas pela observação de algumas das razões que levam essas mulheres ao protagonismo dessas lutas e alguns impedimentos familiares, socioambientais, econômicos e políticos detectados. Também apontaremos como essa participação contribui para o empoderamento e quebra do ciclo sociocultural de divisão sexual do trabalho.

Palavras Chaves: Direito à moradia. Protagonismo. Divisão sexual do trabalho. Mulheres.

INTRODUÇÃO

A divisão sexual do trabalho destina às mulheres aos trabalhos reprodutivos, àqueles trabalhos que transversalmente analisados correspondem aos antagônicos do produtivo, geradores de capital, historicamente valorizados e remunerados. Ela está baseada na capacidade reprodutiva das mulheres e nas características físicas, emocionais e sociais construídas ao longo das civilizações para as mulheres a partir do papel materno que a elas está destinado.

Assim, as mulheres foram socialmente criadas para se estabelecerem nos espaços privados como a casa e a família, sendo as cuidadoras e as protetoras, e, em consequência disso, diretamente atingidas pelas políticas urbanas, de moradia e ambientais.

É nesse sentido que, na falta de políticas públicas que garantam o direito à moradia, as mulheres são as maiores atingidas, sendo um dos principais fatores que as levam à protagonizar essas lutas urbanas. No entanto, cabe-nos salientar que esse é um dos fatores analisados nesse trabalho, não esgotando os debates sobre as variáveis motivações das mulheres para a militância urbana. No caso em questão o que, a priori, poderia ser interpretado como uma reprodução da estrutura patriarcal gera dois efeitos adversos analisados: a participação e representação das mulheres nas esferas de fomentação pública e política, historicamente destinada aos homens; a promoção de

1 Amanda Montenegro Galdino. Estudante de Graduação em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e militante feminista e do Coletivo MUDA. Email: [email protected]

2 Micaela Nunes de Almeida. Estudante de Graduação em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e militante feminista. Email: [email protected]

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espaços de estudos e auto organização dessas mulheres, gerando o início de um ciclo de desconstrução dos papeis preestabelecidos de gênero.

Também é nessa perspectiva que identificamos como fatores impeditivos desse processo de articulação e efetiva participação das mulheres as grandes sobrecargas delas pelos trabalhos domésticos e cuidados familiares cumulados, muitas vezes intensificados com a necessidade econômica de também se inserirem no mercado de trabalho, juntamente com a falta de políticas públicas urbanas e ambientais.

METODOLOGIA

A metodologia usada será a bibliográfica, utilizando-se da literatura estrangeira e nacional sobre a temática supracitada, bem como pesquisas nacionais com relação ao direito à cidade e à inserção das mulheres na militância do direito à moradia.

RESULTADOS E DISCURSÕES

O sistema capitalista, para sustentar sua relação de verticalidade no acesso e na produção dos bens, cria subcategorias entre as pessoas humanas. Dessa forma, algumas dessas são destinadas à produzir, enquanto outras exploram essa produção. É nessa lógica que os sistemas patriarcal e capitalista coexistem, possuindo o mesmo objeto a ser dominado, a natureza.

Sendo o sistema capitalista gerador da divisão social do trabalho, que é ideológica e material, quando transversalizado com o sistema patriarcal gera uma divisão também sexual. E a partir dessa divisão, ocorre a retroalimentação da hierarquização e exploração das subcategorias criadas. No que concerne à divisão sexual do trabalho, Maria Betânia Ávila dispõe:

É do princípio da própria formação capitalista a proposição de dominar a natureza, e do princípio também patriarcal a dominação da natureza. E essa é uma dimensão que está imbricada, e que, justamente, é parte da coextensividade entre capitalismo e patriarcado. Na proposição de dominação da natureza está embutida a de dominação das mulheres, pois, do ponto de vista patriarcal, as mulheres são uma dimensão da natureza, e o sistema capitalista teve nessa dimensão ideológica uma base fundamental para construir a divisão sexual do trabalho (ÁVILA, 2010).

Nesse sentido, construiu-se que as mulheres e a natureza devem ser socialmente inferiorizadas, dominadas e exploradas, e que os homens são superiores, dominadores e exploradores. E, portanto, “a mulher não tem existência para si; ele considera apenas sua função dentro do mundo masculino” (BEAUVOIR, 1949).

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Assim, “a divisão sexual do trabalho, que atribui aos homens o trabalho produtivo e às mulheres, o reprodutivo, confere também uma ordem hierárquica do primeiro sobre o segundo” (KERGOAT, 2001).

Nesse contexto é que emerge a importância da moradia para as mulheres, já que a casa e a família são os espaços privados que estas foram socializadas para cuidar e proteger. No entanto, “a condição de subalternidade feminina não significa, contudo, ausência absoluta de poder. Com efeito nos dois polos da relação existe poder: ainda que em doses tremendamente desiguais” (SAFFIOTI, 1992).

É assim que as mulheres exercem seu poder de proteção ao espaço privado se inserido nas lutas populares na garantia do direito à moradia, sendo nesse ato de articulação e participação que as mulheres dão os primeiros passos na transgressão entre os espaços público e privado, e de ressignificação do privado, como aponta Saffioti:

Atuando em movimentos sociais mistos femininos e feministas, as mulheres têm contribuído enormemente para a coletivização dos espaços escondidos. Nesse processo, põem a nu a onipresença do político, abalando a dicotomia "privado versus público", na medida em que nela o "privado" é apresentado como a ausência do político e o "público ", como locus privilegiado do político. A descoberta da onipresença do político talvez seja o grande resultado contemporâneo das lutas femininas” (SAFFIOTI, 1988).

Atos estes que não são recentes, como aponta Michele Perrot ao descrever que nas lutas protagonizadas por mulheres populares da França do século XIX as mulheres estão "à frente das manifestações ou desfiles. Elas se congelam como símbolos", ou “as mulheres estiveram na vanguarda de nossa revolução. Não é de admirar: elas sofriam mais" (PERROT, 1992).

Para essas mulheres, lutar pelo direito à moradia consiste em garantir a segurança da posse, a habitabilidade, a disposição de serviços, a infraestrutura e os equipamentos públicos, a localização adequada, a adequação cultural e não discriminação e priorização dos grupos vulneráveis, bem como custo acessível3. Já que elas são mais afetadas fisicamente e psicologicamente pela insegurança urbana, trabalham em locais mais distantes e utilizam mais o sistema de transporte público; ganham menores salários; pela estruturante segregação sócio espacial institucionalizada; pelas dificuldades de acesso aos serviços públicos como gestoras da família, e etc. Sobre essa perspectiva, Regina expõe na Plataforma Feminista da Reforma Urbana:

Por vivenciarem de forma tão direta a falta ou insuficiência das políticas, dos serviços e equipamentos urbanos, as mulheres se organizam e estão em maioria no interior das associações

3 Elementos apontados pela cartilha da ONU sobre Direito à Moradia Adequada

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comunitárias, nas entidades e nos movimentos de luta pela moradia e pela Reforma Urbana (FERREIRA, 2008).

Durante esse processo, o que seria uma mera reprodução da divisão sexual do trabalho do exercício do cuidado da mulher com o ambiente privado, transforma-se num processo político de empoderamento e protagonismo. Onde essas mulheres perdem o medo do “público” para fazerem falas, ocuparem espaços e transitarem livremente nas cidade. Rompem com a binaridade patriarcal entre os espaços públicos/masculinos e privados/femininos, disputando-os. Descobre-se como sujeitas políticas se auto organizando e preparando-se para disputarem espaços e cargos institucionais, administrativos e políticos com os homens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As lutas pelo direito à moradia, no campo ou na cidade, são intrínsecas à socialização das mulheres e suas experiências entre os espaços público e privado. Por isso, apesar de todas as dificuldades familiar, ambientais, econômicas e políticas, demonstram uma participação efetiva e uma capacidade de organização, de liderança e mobilização incomparáveis.

No entanto, vale ressaltar que o protagonismo feminino e a auto organização das mulheres em torno da luta pelo direito à moradia não apontam em si uma práxis feminista. Nesse sentido, os movimentos feminista e os de mulheres tendem à politizar esses espaços, debates, movimentos e produções com os recortes da teoria social feminista. Criando assim, um espaço fértil para a desconstrução dos papéis de gênero e do sistema patriarcal. REFERÊNCIAS

ALFONSIN, Betânia de Moraes. Cidade para todos/cidade para todas – vendo a cidade através do olhar das mulheres In “direito urbanístico – estudos brasileiros e internacionais”. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006.

ÁVILA, Maria Betânia. Mulher e Natureza: os sentidos da dominação no capitalismo e no sistema patriarcal. In “Mulheres, Trabalho e Justiça Socioambiental”. Recife: SOS Corpo, 2010, p. 26.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo – fatos e mitos. São Paulo: Círculo do Livro, 1949, p. 19.

Cartilha da ONU. Como fazer valer o direito das mulheres à moradia? Disponível em: https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2011/12/guia-mulheres-pt_ok.pdf

ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Global Editora, 1989.

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FERREIRA, Regina Fátima C. F. Plataforma Feminista da Reforma Urbana– do que estamos falando? In “Ser, fazer e acontecer: mulheres e o dreito à cidade”. Recife: SOS Corpo, 2008, p. 116.

KERGOAT, Danièle. Le rapport social de sexe – De la reproduction des rapports sociaux à leur subversion. In: Les rapports sociaux de sexe, Actuel Marx. N. 30. Paris: Presses Universitaires de France, Deuxième semester, 2001, p. 85 – 100.

PERROT, Michelle. Os excluídos da História: operários, mulheres, prisioneiros. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Tena. 1992.

SAFFIOTI. Heleieth B. Movimentos Sociais: face feminina. ln: CARVALHO. Nanci Valadares de (Org.). A condição feminina. São Paulo: Vértice: Revista dos Tribunais. 1988. p. 174 .

____________________. Rearticulando gênero e classe social. ln: COSTA. Albertina de Oliveira; BRUSCHINI. Cristina. (Org.). Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: São Paulo: Fundação Carlos Chagas. 1992. p.184.