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Critérios e Análise Econômicos na Escolha de Políticas Ambientais Jorge M. Nogueira e Romilson R. Pereira 1 Gestão Ambiental: a escolha de instrumentos O objetivo deste ensaio é avaliar a literatura e as experiências sobre procedimentos para a escolha de instrumentos de gestão do meio ambiente. Escolha de políticas ambientais é um processo complexo, dificultado pelas recorrentes incertezas técnico-científicas e os constantes conflitos entre as metas ambientais e as sócio-econômicas. Alcançar um meio ambiente mais limpo, menos poluído e degradado requer uma análise sofisticada, cujos componentes incluem estimar a contribuição de uma quantidade menor de dejetos para a qualidade ambiental, calcular os custos e os benefícios dessa emissão menor e descobrir como alcançá-la mais eficientemente. Ao examinarmos critérios e procedimentos para que decisões informadas possam ser tomadas, nós caracterizamos os aspectos sólidos e frágeis dos instrumentos de gestão ambiental e algumas das controvérsias relacionadas com o uso de cada um deles. Nesse contexto, apresentar os diferentes instrumentos de gestão ambiental é a nossa primeira atividade no presente ensaio. A seguir, eles são organizados em três grandes grupos (instrumentos de persuasão’, de comando e controle e instrumentos econômicos) e descritas as suas características básicas. A literatura especializada indica diversos critérios de avaliação comparativa desses instrumentos de políticas de gestão ambiental. Já LAVE e GRUENSPECHT (1991), em abrangente estudo, assinalam que cinco procedimentos decisórios são usados por agências públicas ambientais nos Estados Unidos. Esses critérios e procedimentos são analisados na terceira seção deste trabalho. Dois procedimentos auxiliares de escolha de instrumento de gestão ambiental recebem atenção especial na quarta seção: a análise custo-benefício e a análise custo-efetividade. Na seção final, as análises desenvolvidas são relacionadas com as características básicas da política ambiental brasileira. Fica evidente o baixo grau de sofisticação técnica dos instrumentos usados no país. Comparando a política brasileira com o padrão internacional, pode-se afirmar que estamos no estágio inicial da história recente da gestão do meio ambiente, equivalente ao 1 Respectivamente, professor e mestrando do Curso de Mestrado em Gestão Econômica do Meio Ambiente do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (ECO/UnB). Nogueira contou com o apoio financeiro do CNPq e do PRONEX/FINEP/MCT no desenvolvimento do estudo. Pereira tem sido apoiado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para a realização de seu mestrado. Os autores agradecem a Letícia Versiani e a Jorge M. Nogueira Jr. pelo eficiente apoio de levantamento bibliográfico; a Marcelino Medeiros pelos comentários e sugestões a versões preliminares do artigo e ao NEPAMA (Núcleo de Estudos e de Políticas de Desenvolvimento Agrícola e Meio Ambiente) do ECO/UnB pelas facilidades operacionais.

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Critérios e Análise Econômicos na Escolha de Políticas Ambientais

Jorge M. Nogueira e

Romilson R. Pereira1 • Gestão Ambiental: a escolha de instrumentos O objetivo deste ensaio é avaliar a literatura e as experiências sobre procedimentos para a escolha de instrumentos de gestão do meio ambiente. Escolha de políticas ambientais é um processo complexo, dificultado pelas recorrentes incertezas técnico-científicas e os constantes conflitos entre as metas ambientais e as sócio-econômicas. Alcançar um meio ambiente mais limpo, menos poluído e degradado requer uma análise sofisticada, cujos componentes incluem estimar a contribuição de uma quantidade menor de dejetos para a qualidade ambiental, calcular os custos e os benefícios dessa emissão menor e descobrir como alcançá-la mais eficientemente. Ao examinarmos critérios e procedimentos para que decisões informadas possam ser tomadas, nós caracterizamos os aspectos sólidos e frágeis dos instrumentos de gestão ambiental e algumas das controvérsias relacionadas com o uso de cada um deles. Nesse contexto, apresentar os diferentes instrumentos de gestão ambiental é a nossa primeira atividade no presente ensaio. A seguir, eles são organizados em três grandes grupos (instrumentos de persuasão’, de comando e controle e instrumentos econômicos) e descritas as suas características básicas. A literatura especializada indica diversos critérios de avaliação comparativa desses instrumentos de políticas de gestão ambiental. Já LAVE e GRUENSPECHT (1991), em abrangente estudo, assinalam que cinco procedimentos decisórios são usados por agências públicas ambientais nos Estados Unidos. Esses critérios e procedimentos são analisados na terceira seção deste trabalho. Dois procedimentos auxiliares de escolha de instrumento de gestão ambiental recebem atenção especial na quarta seção: a análise custo-benefício e a análise custo-efetividade. Na seção final, as análises desenvolvidas são relacionadas com as características básicas da política ambiental brasileira. Fica evidente o baixo grau de sofisticação técnica dos instrumentos usados no país. Comparando a política brasileira com o padrão internacional, pode-se afirmar que estamos no estágio inicial da história recente da gestão do meio ambiente, equivalente ao 1Respectivamente, professor e mestrando do Curso de Mestrado em Gestão Econômica do Meio Ambiente do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (ECO/UnB). Nogueira contou com o apoio financeiro do CNPq e do PRONEX/FINEP/MCT no desenvolvimento do estudo. Pereira tem sido apoiado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para a realização de seu mestrado. Os autores agradecem a Letícia Versiani e a Jorge M. Nogueira Jr. pelo eficiente apoio de levantamento bibliográfico; a Marcelino Medeiros pelos comentários e sugestões a versões preliminares do artigo e ao NEPAMA (Núcleo de Estudos e de Políticas de Desenvolvimento Agrícola e Meio Ambiente) do ECO/UnB pelas facilidades operacionais.

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que ocorria na Europa e nos Estados Unidos na década de setenta. Esse atraso é a explicação básica para a ineficácia quase que generalizada da política ambiental brasileira. • Instrumentos de Gestão Ambiental Diversos autores argumentam que a gestão do meio ambiente, entendida como a conservação dos recursos naturais e a proteção do patrimônio ambiental contra a degradação, é tarefa eminentemente governamental. A racionalidade da intervenção governamental é bem explicitada em TISDELL (1991, Capítulo 3) que lista entre as razões para a intervenção, as melhorias na eficiência econômica e na distribuição de renda intra e inter-gerações, a existência de externalidades, as características de bens públicos associados à conservação da natureza, a falta de informações sobre possíveis conseqüências ambientais das ações humanas, problemas relacionados aos custos de transação, ao risco e à incerteza, entre outros. O agente racional maximizador no consumo e na produção desconsiderará os custos ambientais em não havendo persuasão, incentivos e/ou punições (BELLIA, 1996). Há, então, a necessidade de políticas ambientais, ou políticas de gestão ambiental, para que os agentes sejam induzidos a internalizar as externalidades, levando a uma menor degradação ambiental. A literatura técnica costuma dividir as políticas de gestão ambiental em “instrumentos de persuasão” (IP), “comando e controle” (CC) e “instrumentos econômicos” (IE). Essa classificação, todavia, nem sempre é uniforme em torno desses grandes grupos2. Em recente trabalho, TIETENBERG e WHEELER (1998) consideram que depois das fases de comando e controle (a primeira) e dos mecanismos econômicos (a segunda), uma terceira apareceu na “evolução das políticas que envolvem o controle da poluição”. Trata-se da fase de investimentos na provisão de informações como um veículo para fazer com que a comunidade se torne um elemento ativo e participante no processo regulatório3.

2BELLIA (1996, p.190) destaca quatro tipos principais de políticas de controle ambiental ou “modos de operacionalização”: (1) negociação entre agentes (barganhas); (2) imposição (padrões definidos por meio de legislação); (3) taxação e subsídios; e (4) mercado de licenças de poluição. BAUMOL e OATES (1979, Capítulo 15), por outro lado, dividem a política ambiental em dois grandes grupos: (I) instrumentos de política; e (II) mecanismos administrativos. Os instrumentos de política usados para a preservação da qualidade ambiental são divididos em quatro grandes subgrupos: (1) persuasão moral (publicidade; pressão social, educação ambiental); (2) controles diretos (limites de poluição; especificação de processos ou equipamentos); (3) processos de mercado (taxação; subsídios; licenças de poluição; depósitos reembolsáveis); e (4) investimentos governamentais (prevenção de danos; atividades regenerativas; disseminação de informações, pesquisa). Já os mecanismos administrativos, por sua vez, são divididos em três subgrupos: (1) unidade de administração (agência nacional e local); (2) funcionamento (recursos advindos dos que causam o dano, dos que se beneficiam das melhorias e rendas em geral); (3) mecanismos de reforço da efetividade (polícia ou organizações de “vigilância” – reguladoras; ações populares). 3Os autores seguem explicando que “The disclosure strategies considered in the paper involve public and/or private attempts to increase the availability of information on pollution to workers, consumers, shareholders and the public at large.” (p.1).

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Instrumentos de Persuasão São denominados instrumentos de persuasão (IP) aqueles estímulos que levam a ações de indivíduos, grupos ou empresas que visam proteger o meio ambiente. Essas ações não são diretamente forçadas pela lei nem induzidas por mecanismos financeiros (JACOBS, 1991). Persuadir agentes sociais a buscar um relacionamento menos degradante com o patrimônio natural não é atividade exclusiva de governos; não obstante, muitos IP são implementados essencialmente pelo aparelho estatal. A difusão de informações e a educação ambiental são dois exemplos típicos. O fornecimento de informações pode ser uma ferramenta útil. Produtores ou consumidores, muitas vezes, ignoram medidas de controle ambiental que reduzem, ao mesmo tempo, seus gastos totais. Em outras palavras, seria vantajoso adotar a prática, mas mesmo assim o consumidor ou produtor não a adota. Redução de desperdício no consumo doméstico de energia elétrica é um exemplo típico. Substituição de lâmpadas e de certos aparelhos elétricos seriam gastos que poderiam ser mais do que compensados pela redução com as despesas com o consumo de energia elétrica. Persuadir as pessoas a implementar essas mudanças dependeria, basicamente, de difusão de informações através de campanhas publicitárias e educativas. A educação ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificação de conceitos, objetivando o desenvolvimento de habilidades, conduzindo a uma nova visão do mundo e a novos valores éticos baseados no respeito a todas as formas de vida e na busca da melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida (MADUREIRA, 1997). Usualmente classificada em formal, não-formal ou informal, dependendo da moldura organizacional em que é exercida, a educação ambiental é um instrumento de política pública relativamente novo (LEONARDI, 1997). Nesse contexto, ela é em geral concebida como um investimento ou gasto governamental geral que dá suporte à utilização de instrumentos de comando e controle em gestão ambiental (ALMEIDA, 1994). Instrumentos de Comando e Controle De forma simplificada, instrumentos de comando e controle (CC) são aqueles que se apoiam na regulamentação direta, acompanhada de fiscalização e sanção para o não-cumprimento das normas e padrões estabelecidos. As políticas ambientais no Brasil são baseadas quase que exclusivamente no enfoque do comando e controle, como percebe-se da análise da Lei no 6.938/814. Os instrumentos mais usuais de CC são: Estudos de Impacto Ambiental (EIA) - consiste de um conjunto de atividades, pesquisas e tarefas técnicas com a finalidade de avaliar as principais conseqüências ambientais potenciais de um projeto, visando atender aos

4Que dispõe sobre a Política Nacional do meio Ambiente. (BRASIL, 1981).

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regulamentos de proteção do meio ambiente e, efetivamente, auxiliar na decisão de implantação (ou não) do projeto (MOREIRA, 1993)5.

Licenciamentos (LIC) - um dos principais instrumentos de política de preservação de recursos naturais no Brasil, principalmente em se tratando de atividades agropecuárias, florestais e exploração/conservação da biodiversidade. Consiste numa autorização a ser concedida pela Autoridade Ambiental para a exploração econômica de áreas de relevante interesse ambiental em propriedades privadas. O licenciamento pode estabelecer padrões de uso e exploração de recursos naturais, bem como a reabilitação ecológica de áreas a serem exploradas (MOTTA e REIS, 1994). É uma exigência de caráter preventivo que deve ocorrer envolvendo três tipos de licenças: licença-prévia; licença de instalação; e licença de operação (FRANCISCO, 1998). Zoneamento (ZON) - junto com o licenciamento, é importante mecanismo de proteção ambiental e consiste em regular o uso em áreas naturais privadas ou de domínio público/privado, mediante a determinação de reservas ecológicas ou áreas de preservação permanente, em certa proporção da área total, visando proteger nascentes de rios, vegetação em encostas, etc. Os zoneamentos também permitem que unidades de conservação sejam criadas de forma que haja restrições sobre o tipo de atividade econômica a ser permitida (MOTTA e REIS, 1994). Em defesa do zoneamento, BECKER e EGLER (1997) argumentam que é um instrumento básico para o desenvolvimento sustentável, na medida em que incorpora dimensões produtivas e ambientais, levando em consideração o desenvolvimento humano e institucional integrado6. Controles Diretos (CD) - consistem em regulações limitando níveis de emissões de poluentes ou, ainda, especificações obrigatórias para equipamentos ou processos produtivos7, buscando estimular um comportamento considerado ambiental e socialmente adequado. Componente básico do CD, o padrão ambiental é um nível estabelecido de desempenho que se aplica através do instrumento legal. Assim, um padrão ambiental é um nível que nunca deve ser ultrapassado por um determinado poluente, um padrão de emissões

5As análises do EIA devem ser consolidadas em um Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), documento-síntese que deve ser apresentado de forma didática, pois destina-se a um público em geral leigo e com diversas formações profissionais. Um estudo completo da origem, evolução e dos métodos de avaliação de impactos ambientais estão em MOREIRA (1993). 6MOTTA e REIS(1994, p.562), entretanto, consideram que: “In terms of effective results, both licensing and zoning of natural resources are, up to now, disappointing. The explanation lies on the institutional failures related to the lack of government administrative capacity in what respects monitoring, enforcement of regulations, prosecution, and punishment of violators.” 7As outras classificações estão destacadas principalmente em BAUMOL e OATES (1979, Tabela 15-1, p.217). Apenas é de se salientar que um dos mais novos “instrumentos”, a auditoria ambiental (AUA) deve ser considerada como um mecanismo administrativo e não como instrumento (autônomo) de gestão ambiental, pois ela está na dependência de que algum instrumento (CC ou IE) já tenha sido implementado previamente. Essa ilação, todavia, não negligencia a AUA mas, apenas, realça-a como um poderoso instrumento de auxílio na busca da eficácia e eficiência da gestão ambiental conquanto ela, per se, não possa ser considerada com uma técnica de auxílio direto no processo decisório da política ambiental. Maiores detalhes sobre a auditoria ambiental podem ser obtidos em LA ROVERE et al. (1991).

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corresponde à taxa máxima de emissões legalmente permitida (FIELD, 1996) e um padrão tecnológico determina a técnica ou prática que devem adotar os poluidores potenciais.

Instrumentos Econômicos

Os instrumentos econômicos (IE) de gestão ambiental buscam alcançar metas ambientais através de incentivos e desincentivos via sistema de preços. Os instrumentos mais utilizados são: Taxas/Impostos/Multas - a taxação, enquanto instrumento econômico de gestão ambiental, consiste em impor ao agente econômico um custo sobre o uso de um bem ambiental. A taxação pode ocorrer sobre a quantidade de poluentes emitidos, sobre a coleta e o tratamento de lixo/efluente e ainda sobre o uso de um bem ou produto que provoque dano ambiental no processo produtivo ou de consumo (FIELD, 1996). Nesse sentido, ela pode ser aplicada em vários campos: poluição das águas, qualidade do ar, tratamento do lixo, uso de fertilizantes, carros, baterias e toda sorte de matéria-prima. O objetivo da taxação é, primordialmente, reduzir a degradação ambiental8.

Subsídios - este instrumento tem a função de ajudar os poluidores a suportarem os custos de controle da poluição quando houver dificuldades para que as externalidades sejam internalizadas. Nesse sentido, os subsídios seriam limitados a período e transações bem definidas e implantados sob a condição de não causarem grandes distorções nos mercados e nos investimentos (OCDE, 1997). BELLIA (1996, p.201) considera que o subsídio é o reverso da taxação, pois neste caso (do subsídio) “os agentes econômicos recebem algum tipo de incentivo (redução ou isenção de impostos, reservas de mercado para seus produtos, créditos com juros baixos ou negativos, etc) ao invés de pagarem para exercerem suas atividades de produção ou consumo.”9 Os subsídios, segundo BAUMOL e OATES (1979), podem assumir duas formas: (i) pagamentos específicos por unidade de redução de emissões para o poluidor e (ii) subsídios para pagamentos dos custos dos equipamentos de controle de poluentes.

Licenças Comercializáveis de Poluição - consiste em determinar um nível máximo de poluição/degradação desejado para uma determinada região e, a partir daí, distribuir licenças entre os interessados em “poluir”. Assim, cada unidade de licença representaria uma certa quantidade de poluição que o

8Todavia, ela pode ser estabelecida com o objetivo específico de levantar fundos a serem aplicados na melhoria ambiental ou ainda simplesmente como parte de uma estratégia fiscal para compensar a diminuição da carga tributária em outras áreas. 9Consideramos que essa abordagem não é de toda correta pois os objetivos do instrumento subsídio podem ser completamente diferentes dos da taxação. Enquanto, por exemplo, o subsídio pode servir para dar melhores condições e motivações para a entrada de uma nova tecnologia, que inclusive seja preservacionista, a taxação pode ter como objetivos o financiamento (pelos usuários) da mitigação de atividades poluidoras ou, ainda, apenas motivação fiscal, totalmente desvinculada do meio ambiente ou com ele colocado em segundo plano. Destarte, se as funções, os campos de aplicações e os objetivos de política não são totalmente coincidentes para o subsídio e a taxação (OCDE, 1997) é temerário admitir que um seja o reverso do outro.

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agente pode emitir e o seu total seria o máximo admissível para a região em questão (BELLIA, 1996). A estrutura dos mercados de licenças de poluição permitiria que: a) no caso em que uma firma lançasse menos poluição que os limites por ela adquiridos, ela poderia comercializar a diferença com outra firma que precisasse emitir além da sua quota adquirida; b) a comercialização das licenças poderia ocorrer dentro de um mesmo conglomerado, dentro de uma mesma firma ou entre firmas diferentes; c) os “créditos” de emissão “poupados” poderiam ser utilizados num momento oportuno, conforme os interesses comerciais das firmas; e d) os agentes econômicos poderiam optar em adquirir as licenças de poluição ou fazerem controles diretos conforme o custo de cada opção, o que, por sua vez, poderia incentivar o uso de novas tecnologias não poluidoras. Depósitos Reembolsáveis - consiste em colocar uma sobretaxa no preço de um produto potencialmente poluidor, de forma que quando a poluição é evitada através do retorno desse produto, ou parte da seus resíduos, para um sistema de coleta, a sobretaxa é reembolsada ao consumidor de forma direta ou indireta. Esse instrumento é, em geral, utilizado em produtos com ciclos curtos de uso tais como embalagens de refrigerantes, baterias e até mesmo de pneus e carros, de forma que a reciclagem e a reutilização sejam incentivados, reduzindo-se, assim, seus impactos adversos sobre o meio ambiente e ao mesmo tempo poupando recursos naturais. • Critérios utilizados na seleção do instrumento de gestão ambiental O cotejo dos instrumentos apresentados anteriormente requer que critérios de escolha sejam estabelecidos. Uma avaliação dos instrumentos de gestão ambiental em termos de eficácia, eficiência, motivação, custo administrativo, aceitação política, impacto distributivo (eqüidade) e interferência nas decisões privadas é proposta por JACOBS (1991), BAUMOL e OATES (1979) e OCDE (1997)10. Observa-se que as abordagens de BAUMOL e OATES e a de JACOBS tratam da avaliação basicamente numa perspectiva teórica (embora construída, em muitos casos, a partir de observações empíricas), enquanto a da OCDE refere-se a evidências empíricas, observadas e avaliadas segundo os atributos de cada critério. Eficácia refere-se à capacidade do instrumento de alcançar o objetivo/a meta estabelecida. Já a eficiência busca refletir os custos e os benefícios envolvidos para que o objetivo/a meta seja alcançado. O instrumento mais eficiente é aquele que permite que a meta seja alcançada ao menor custo. Alguns instrumentos de gestão ambiental trazem uma motivação contínua de redução dos impactos nocivos sobre o meio ambiente, levando o poluidor a ultrapassar a meta ambiental estabelecida, em uma busca permanente de melhoria, um incentivo ao esforço máximo. O custo administrativo refere-se à complexidade e os custos dos recursos necessários para administrar o instrumento.

10Por limitações de número máximo de páginas para o estudo, apresentamos aqui apenas alguns dos critérios sugeridos por esses autores.

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A esses quatro critérios agregam-se outros quatro mais difíceis de serem definidos, apesar de igualmente importantes em um processo de escolha do instrumento de gestão ambiental. A aceitação política pode estar relacionada à liberdade de escolha, sendo mais facilmente aceitos aqueles instrumentos que permitam mais opções de equacionamento do problema para o indivíduo ou a empresa11. Por outro lado, a aceitação política de um instrumento pode depender de características históricas específicas da comunidade que o está implantando12. Dificuldade semelhante ocorre com o critério eqüidade; que envolve considerações éticas, sociais e políticas relacionadas à distribuição de custos e benefícios. Que grupos sociais estarão recebendo os benefícios resultantes da implementação de um determinado instrumento de gestão ambiental? Quais estarão arcando com os custos? As pessoas “certas” estão sendo beneficiadas? [LAVE e GRUENSPECHT, 1991]. Finalmente, os dois últimos critérios buscam destacar a vantagem de deixar a busca da solução do problema ambiental para os agentes sociais envolvidos, motivando-os para a escolha daquela que melhor se adapte às características de suas atividades (critério de mínimo de interferência com as decisões privadas) e garantido, assim, que o instrumento escolhido funcione de maneira rotineira sem desvios ou interrupções (confiabilidade). No Quadro 1, três diferentes instrumentos de gestão ambiental (um do grupo dos IP, outro do CC e um IE) são comparados em todos os oito critérios selecionados. Percebe-se claramente que há uma grande variação de desempenho em cada um dos critérios entre os três instrumentos analisados. Enquanto que, por exemplo, os impostos e as taxas têm um excelente desempenho no critério eficiência, os seus desempenhos não são tão conclusivos quanto ao critério eqüidade. Exemplos equivalentes podem ser apresentados para o instrumento educação ambiental e/ou controle direto. Em conseqüência, são abundantes as críticas e os elogios sobre cada instrumento de gestão ambiental, dependendo da formação profissional do analista e do critério enfatizado em sua análise13. Uma revisão panorâmica da literatura especializada em instrumentos de gestão ambiental ilustra claramente essa indefinição analítica. Críticas aos instrumentos de CC são abundantes [MOTTA e REIS (1994, p.560-2) e AGRA FILHO (1993, p.68-71)]. Resumiremos aqui as feitas por MARGULIS (1992, p.94-5): a) incapacidade das agências ambientais de aplicarem as leis; sem recursos financeiros e humanos e infra-estrutura adequada, a aplicação da lei é quase impossível; b) os instrumentos disponíveis são limitados no sentido de não permitirem a introdução de instrumentos econômicos de aplicação de 11Entretanto, a maior liberdade de escolha de um agente pode representar um redução da liberdade de outra (ou outras), algo mais difícil de ser aceito politicamente. 12Impostos e taxas como instrumento de gestão ambiental tendem a ter menor aceitação política nos Estados Unidos do que, por exemplo, no Canadá. 13À formação profissional e ao critério enfatizado, alguns autores acrescentam a “valoração moral”. NASH et al (1975, p. 132) destacam que: “Indeed, in all value judgements such as those relating to equity, known to be controversial, it will be helpful if the evaluator himself conducts, and presents the results of, a sensitivity analysis on the effect on his results of varying the value judgements used.”

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menor custo, capazes de gerar suficiente receita para financiar os gastos governamentais de gestão ambiental; c) o eventual dinheiro recolhido com multas vai para um fundo comum governamental, de modo que as agências ambientais perdem motivação; d) a complexidade da lei, que deve prever situações muito específicas e complexas, encarecendo o processo de monitoramento e de cumprimento da lei; as exigências legais estão acima da capacidade administrativa; e e) falta coordenação entre as diversas agências do governo; os problemas ambientais não se encaixam muito bem na estrutura dos diferentes ministérios e agências de governo: um mesmo problema ambiental freqüentemente envolve uma série de ministérios e setores econômicos. Verifica-se que essas críticas estão basicamente no âmbito institucional das falhas dos instrumentos de CC. Num debate entre padrões de emissões (CC) versus impostos sobre emissões (IE), FIELD (1996, cap.12) consegue mostrar, com uma análise eminentemente econômica, que os instrumentos de CC não levam a um nível de redução da degradação eficiente do ponto de vista econômico e social, embora seja preferido pelas firmas.14 Para outros analistas, o grande embate teórico entre duas abordagens (CC e IE) concentra-se na máxima de que os instrumentos de comando e controle dariam “um tratamento igual para todos, desconhecendo-se fatores como tamanho da empresa, sua curva de custos e localização, ao passo em que os incentivos econômicos teriam mais condições de mudar a estrutura de custos da empresa, tornando viável a realização de investimentos para controlar a poluição” (TIGRE, 1994, p.17-18). MOTTA e REIS (1994) também advertem para problemas de implementação de instrumentos de mercado em países em desenvolvimento como o Brasil. Eles asseveram que problemas de eqüidade certamente serão obstáculos cruciais para a implementação destes mecanismos no Brasil, pois: “The design of environmental charges and taxes will necessarily have to face a trade-off between efficiency and equity. It is always possible to stick efficiency criteria and to propose compensation measures to alleviate poverty and reduce inequality. However, apart from the intrinsic difficulties in the implementation of compensation schemes, inefficiencies are likely to emerge elsewhere in the system.” (p.272). Essa questão remete ao questionamento da racionalidade da taxação. O que faz com que a autoridade acredite que a taxação reduzirá a degradação ambiental? Como saber se o consumidor/produtor não irá optar por pagar e continuar a degradação? Essa racionalidade existe. Porém deve-se assumir a hipótese de que os agentes econômicos se comportam de forma a maximizarem (racionalmente) o lucro e o bem-estar. No caso da empresa, ela

14“Com un estándar, la empresa tiene los mismos costos totales de reducción que el sistema tributário, pero essencialmente aún esta obteniendo los servicios del sistema natural en forma gratuita, mientras que com un sistema tributario tiene que pagar por esos servicios. Sin embargo, aunque las empresas contaminantes en consecuencia preferirían estándares en vez de impuestos a las emisiones, hay buenas razones, como se observará, para que la sociedad a menudo prefiera impuestos que estándares.” (FIELD, 1996, p.272).

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Quadro 1

Critérios de Seleção de Instrumentos de Gestão Ambiental

Critério Educação Ambiental (EA) Controle Direto Impostos/Taxas Eficácia Requer um período de

tempo muito longo para alcançar seus objetivos.

Monitoramento das fontes de degradação é essencial para que os padrões sejam obedecidos

Significativa, especialmente para fontes pontuais de emissão de poluição.

Eficiência Apesar dos custos serem, em geral, relativamente reduzidos por unidade de tempo, o prazo necessário para que o instrumento surta efeito é muito longo. Assim, na maioria das situações é pouco eficiente na gestão do meio ambiente.

À medida que a crise am-biental fica mais grave, os custos de equacioná-la au-mentam significativamente se este instrumento for o escolhido, reduzindo sua e-ficiência. Isso é particular-mente verdadeiro quando custos de redução variam entre fontes de degradação.

Positiva na hipótese de mercados eficientes, onde consumidores e produtores atuem de forma racional, maximizando seu bem-estar. Nessa situação, o instrumento alcança seus resultados a um custo relati-vamente mais baixo para a sociedade.

Motivação Se as mudanças de atitudes em relação ao meio am-biente forem alcançadas, indivíduos terão motivação permanente de busca de uma relação mais equilibra-da com a natureza. Dúvidas existem, entretanto, se o interesse de um indivíduo em um ponto do tempo não irá prevalecer sobre todas as lições recebidas de equi-líbrio sociedade/ambiente.

Não fornece incentivo algum, a não ser o de atender os limites impostos pela legislação e pelos padrões. Essa inércia por parte do poluidor não incentiva o desenvolvimento e a adoção de novas técnicas ambientais.

A grande vantagem dos im-postos e taxas. O instru-mento induz os indivíduos e as empresas a minimizarem os danos ambientais. Com uma taxa escalonada, eles são incentivados financei-ramente a continuar redu-zindo suas emissões; ou seja, há um incentivo per-manente para inovar e des-cobrir formas mais baratas de reduzir as emissões.

Custo Administrativo Reduzido. Porém, certos programas de EA não-formal e informal apresen-tam custos elevados.

Elevado, não apenas pelo estabelecimento de legislação e padrões mas pelo monitoramento.

Elevado. A exigência de monitoramento efetivo representa gastos com pessoal e equipamentos.

Aceitação Política Mais educação é sempre politicamente preferível; raras vezes o conteúdo educacional é questionado com seriedade.

Varia com o tipo e o nível dos padrões estabelecidos; em geral, é preferido aos impostos/taxas pelo setor produtivo.

Impostos e taxas tendem a ter uma aceitação política mais difícil, principalmente quando a carga tributária já for elevada e/ou complexa.

Eqüidade Difícil de determinar pois depende do tipo de programa implementado e do seu público-alvo. A contribuição da EA para a formação da cidadania pode representar um importante impacto distributivo.

Ao contrário do que é freqüentemente argumenta-do, estabelecimento de pa-drões pode ter impactos re-gressivos, através da difu-são via mecanismo de preços dos custos extras gerados por aqueles pa-drões; o mesmo pode ser dito da legislação.

É a forma pela qual os po-luidores podem vir a pagar à sociedade, o justo preço pelo uso dos recursos am-bientais. Não obstante, de-pendendo da elasticidade-preço da demanda, empre-sas podem repassar os custos dos impostos e das taxas aos consumidores.

Mínimo de Interferência Interferência praticamente nula no curto prazo. No médio e, em especial, longo prazos, os resultados da EA podem materializar-se em pressões sociais sobre o setor produtivo em favor do meio ambiente.

Dependendo do regulamen-to e do padrão estabeleci-dos, o nível de interferência pode ser muito significativo; em muitos casos, essa in-terferência pode representar o fechamento de determina-das unidades produtivas.

O instrumento fiscal promo-ve um incentivo para que os poluidores encontrem a me-lhor maneira de reduzir as emissões sem ter uma auto-ridade pública determinando como se deveria lidar com essa tarefa.

Confiabilidade Aspecto central a ser consi-derado neste critério é o fato de um ser humano, ao longo de sua vida, será ci-dadão, consumidor, pro-dutor, amigo da natureza, etc. Em certos momentos, conflitos existirão entre essas atividades humanas e não é garantido que a de “amigo da natureza” irá prevalecer.

Depende do nível em que o padrão foi estabelecido e da capacidade de monitora-mento da agência governamental responsável pela gestão do meio am-biente.

A agência governamental, mesmo não conhecendo os custos de redução das fon-tes poluidoras, poderá al-cançar resultados efetivos. Ao estabelecer um imposto, ela deverá se dedicar ape-nas à questão do monitora-mento. O sistema de fun-ciona de forma tão rotineira que não há oportunidade para desvios.

Fontes: Desenvolvida com base nas considerações de BAUMOL e OATES (1979), FIELD (1995) e JACOBS (1991).

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procurará diminuir a degradação que provoca a um patamar compatível com sua estrutura de custos; ou seja, com sua capacidade de arcar com a redução da poluição em função das taxas. Esse é o ponto de equilíbrio ótimo pois se ela emitir mais uma unidade de poluição o seu custo de redução não compensará o que ela pagará de imposto. Por outro lado, se ela ficar num nível de poluição menor, também será desvantajoso, pois poderia emitir mais uma unidade de poluição a um custo menor do que o valor que pagaria de imposto ou taxa15. É evidente que mesmo familiarizado com os instrumentos de gestão ambiental e utilizando-se dos critérios listados anteriormente, o responsável pela escolha do instrumento de política deverá definir quais entre os critérios serão considerados mais importantes em um determinado momento e em uma dada situação. Essa definição será influenciada pelo contexto e pela natureza específica do dano ambiental que se deseja evitar ou reduzir. Dito de outra forma, os critérios de seleção de instrumentos de gestão ambiental representam uma condição necessária mas não suficiente para a tomada de decisão de escolha de políticas públicas de meio ambiente. Nesse contexto, procedimentos decisórios complementares são propostos visando capacitar o administrador público a tomar a melhor decisão e, principalmente, a avaliá-la e cotejá-la com outras opções16. STIRLING (1997), enumera diversas técnicas de ajuda à escolha de política ambiental ou qualquer política pública17. Já LAVE e GRUENSPECHT (1991) destacam os cinco procedimentos mais usados na definição de política ambiental norte-americana: (i) moldura de decisão “risco zero”; (ii) padrões ambientais baseados em tecnologia disponível; (iii) análise risco-benefício; (iv) análise custo-efetividade; e (v) análise custo-benefício. Um detalhamento de cada um deles nos permite um aprofundamento das dificuldades envolvidas na definição de políticas ambientais. A moldura de decisão “risco zero” enfatiza o alcance de metas ou objetivos ambientais (critério eficácia) independentemente de considerações de eficiência e/ou de custos administrativos necessários para alcançá-los. A ênfase em metas de qualidade ambiental é considerada pelos defensores

15Essa análise pode ser formalizada pelo seguinte raciocínio algébrico: i) para cada nível de emissão de poluente, a firma deve arcar com duas espécies de custo: o custo da redução (CR) e o custo do imposto (CI); ii) o seu objetivo é verificar em que nível de emissão a soma (CI + CR) seria minimizada; iii) formaliza-se, pois, um problema de otimização simples, que seria o de minimizar a função custo total (CT) = CI + CR; iv) para isso basta diferenciar (CT) e igualar a zero; v) o ponto ótimo (que é o de mínimo custo total) será, pois, onde o custo marginal da redução (CmgR) iguala o custo marginal do imposto (Cmgl). 16Dado que os recursos financeiros são escassos, a melhor forma de decidir se eles serão ou não empregados na redução da degradação ambiental e, em sendo, a que nível (ótimo de poluição/extração), é pesando os benefícios e os custos para a sociedade de forma que se possa, no mínimo, fazer um julgamento das alternativas. 17São elas: avaliação tecnológica (technology assessment); análise de decisão (decision analysis); análise de política (policy analysis); análise de sistemas (systems analysis); pesquisa operacional (operational research); análise de ciclo de vida (life cycle analysis); teoria da utilidade de multi-atributos (multi-attibute utility theory ou multi-criteria analysis); avaliação de impactos ambientais (environmental impact assessment); estatística bayesiana (bayesian statistics); teoria de portfólio (portfolio theory); análise custo-benefício (cost-benefit analysis); análise custo-efetividade (cost-effectiveness analysis).

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deste procedimento como a melhor maneira de se alcançar eqüidade. Para isso, a gestão ambiental deve basear-se no uso de regulamentos e legislação que especifiquem níveis rígidos de degradação máxima permitida e penalidades severas para os violadores, de maneira clara e transparente para o público geral. Padrões ambientais baseados em tecnologia disponível é um procedimento decisório cuja prioridade é a simplicidade administrativa, mesmo sacrificando o critério eficiência. Ao escolher padrões ambientais atrelados a um dado nível de conhecimento técnico, a agência governamental busca transparência em sua decisão, podendo alcançar ganhos ambientais consideráveis se a “melhor tecnologia disponível” for a escolhida. Claro está que alguns critérios importantes de escolha são sumariamente ignorados neste procedimento, em particular a eqüidade e o mínimo de interferência com as decisões privadas. Preocupações com eficiência são maiores na análise risco-benefício do que nos dois procedimentos discutidos anteriormente. A análise risco-benefício propõe-se a alcançar melhorias, por exemplo, na saúde humana com mínimo custo e distúrbio relativamente à situação existente. Nesse sentido, preocupa-se com a manutenção de um determinado produto disponível mas considerando quem paga e quem se beneficia dessa disponibilidade (ou seja, incorpora certa preocupação com aspectos de eqüidade). Por exemplo, na decisão de permitir ou não o uso de pesticidas agrícolas, a agência ambiental deve avaliar o benefício de permitir uma determinada marca de pesticida; mas também avaliar todas as demais marcas, buscando aquela que cause menor impacto sobre o meio ambiente e a saúde humana. Isso sugere que esse procedimento tende a ter um elevado custo administrativo. A análise custo-benefício é um procedimento que enfatiza significativamente a eficiência tanto em termos da seleção do instrumento de gestão como da sua implementação. Atenção menor tende a ser dada aos critérios de eqüidade e de custo administrativo. O procedimento não é muito transparente para o público leigo, podendo ser bastante complexo dependendo do bem ou serviço ambiental para o qual se busca definir um instrumento de gestão. Como será destacado na próxima seção deste ensaio, procedimentos de estimativa do valor monetário de custos e benefícios de certos objetivos intangíveis podem transformar-se em sofisticados, metodologicamente frágeis, exercícios. Finalmente, a análise custo-efetividade busca auxiliar na escolha do instrumento que permita o alcance de um objetivo ou meta ambiental ao menor custo possível. Como será analisado a seguir, a análise custo-efetividade tende a minimizar considerações sobre eqüidade e a incrementar a possibilidade de ingerência não-técnica. Exigindo um considerável nível de sofisticação para ser aplicado, este procedimento pode possibilitar que melhorias ambientais sejam significativas, uma vez que permite o estabelecimento de metas ambientais a qualquer nível desejável.

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• Análises Custo-Benefício e Custo-Efetividade na Gestão Ambiental Toda essa discussão acerca do procedimento ideal para escolha, implementação e avaliação de instrumentos de gestão ambiental semeia um terreno fértil para uma ampla agenda de pesquisa. Não obstante a validade da disputa, nesta seção do ensaio delineia-se a estrutura básica dos dois procedimentos de uso mais generalizado: Análise Custo-Benefício (ACB) e Análise Custo-Efetividade (ACE)18. Dentre os vários procedimentos discutidos, ACB e ACE são os que requerem maior volume de informações para serem utilizados. O Quadro 2 fornece uma visão geral das grandes etapas envolvidas na aplicação da ACB e da ACE, sugerindo a complexidade envolvida. Além disso, ACB e ACE são procedimentos que tornam explícitas as controvérsias envolvendo o processo de tomada de decisões de política pública. Quando os “problemas ambientais” eram considerados como simples ou de solução óbvia, não era necessário fazer uso das análises detalhadas que caracterizam ACB e ACE. Entretanto, à medida que os custos envolvidos na redução dos problemas cresceram significativamente e os problemas ambientais ficaram mais “complicados”, passou-se a necessitar de procedimentos mais complexos, em particular, da ACB e ACE. Esses passam a ser amplamente usados em situações onde existem alternativas para se alcançar um determinado objetivo19. A Análise Custo/Benefício (ACB) A ACB é uma tentativa de se explorar o intervalo completo das implicações de cada decisão de política ambiental, buscando identificar a alternativa mais eficiente no sentido de garantir o maior benefício líquido. Uma análise custo-benefício inicia-se pela especificação de uma função objetivo ou uma meta ambiental como, p.e., a redução da concentração de ozônio no ar urbano, para usar o mesmo exemplo de LAVE e GRUENSPECHT (1991). Segue-se a especificação do intervalo de opções de política que podem reduzir a concentração de ozônio20. Passa-se, então, para a estimativa dos custos de cada uma das opções de política, definidas anteriormente. Em nosso exemplo, 18A escolha de apenas esses dois procedimentos foi determinada não somente por considerações práticas (limite máximo de páginas do ensaio), mas também por razões teóricas. Essas últimas podem ser resumidas nas palavras de BORROW e DRYZEK (1987, p.5 e 7): “The policy field is currently marked by an extraordinary variety of technical approaches, reflecting the variety of research traditions in contemporary science. That variety is like to persist for the foreseeable future, for the reductionist dream of a unified social science under a single theoretical banner is dead. Indeed, the only social science discipline with anything approaching an internal consensus on a frame of reference is economics. ... Welfare economics has the greatest number of field practitioners. This approach is manifested in such familiar techniques as cost-benefit and cost-effectiveness analysis.” 19Se o cenário for um que não permita cotejar alternativas, não se justifica o esforço de elaboração de ACB ou ACE. É nesta linha de raciocínio que LEVIN (1983, p.43) recomendava que “We have already suggested that if there are no alternatives, the entire evaluate situation becomes moot for purposes of decision making. Surely cost analysis does not alter this conclusion. Further, if there is not sufficient time or other resources or if cost-effectiveness types of data will not alter decisions, there is probably not a strong case for doing cost analysis.” 20As concentrações de ozônio podem diminuir se forem reduzidas as emissões de hidrocarbonos, de monóxido de carbono ou de óxido de nitrogênio dos motores de veículos ou de fontes fixas.

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a próxima etapa é, então, estimar os efeitos da possível redução da concentração do ozônio sobre a saúde, a visibilidade, a vida útil de materiais, entre outras possíveis preocupações sociais. As estimativas desses benefícios devem ser expressas em unidades monetárias21.

Quadro 2

Etapas de Desenvolvimento da ACB e da ACE ACB ACE

[1] definição de uma função objetivo ou meta ambiental

[1] definição de uma função objetivo ou meta ambiental

[2] identificar as opções existentes para que a meta ambiental estabelecida seja alcançada

[2] identificar as opções existentes para que a meta ambiental estabelecida seja alcançada

[3] estabelecimento dos custos das diferentes opções

[3] estimativa da efetividade real das opções de programas

[4] identificação dos tipos de benefícios

[4] levantamento dos custos

[5] levantamento e/ou estimativa dos benefícios

[5] avaliação do custo-efetividade

[6] avaliação da razão custo/benefício

Fontes: EPA (1993), HANLEY e SPASH (1993) e LEVIN (1983). Em algumas situações, os custos e os benefícios de um determinado instrumento de gestão ambiental podem estar difusos ao longo de um período de diversos anos. Essa dispersão temporal deve ser corrigida através do uso de uma taxa de desconto que trará todos os custos e os benefícios para um único ponto no tempo22. Feitas todas essas estimativas e correções, os custos e os benefícios de cada opção de política podem ser comparados. A opção que apresentar o maior benefício líquido deverá ser a escolhida pois ela maximiza o bem-estar social sob hipótese utilitarista. Considerando as dificuldades de diversas das estimativas realizadas ao longo de todo o processo, uma análise de sensibilidade isola as estimativas mais cruciais e as suas conseqüências sobre os resultados finais da ACB. Fica evidente, desta breve descrição, que a análise custo-benefício é um procedimento que apresenta sérias dificuldades teóricas e práticas. No que concerne à gestão ambiental, uma das mais graves dificuldades é a estimativa de certos custos e, mais freqüentemente, benefícios ambientais intangíveis. Isso é particularmente limitador da ACB em escolhas de projetos, programas e políticas voltadas para a conservação da diversidade biológica, de reservas de fauna e flora, de áreas de rara beleza natural, entre outras (NOGUEIRA e MEDEIROS, 1997). Uma outra limitação relevante é pouca atenção da ACB a

21Para alguns custos e benefícios que não tenham preços de mercado, métodos de valoração ambiental podem ser utilizados. Para detalhes sobre esses métodos ver NOGUEIRA et al (1998). 22O uso e a escolha da taxa de desconto em questões ambientais é um dos aspectos mais controversos da ACB.

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questões de eqüidade, crucial na definição de políticas públicas, notadamente do meio ambiente23. Não obstante as críticas contundentes, os economistas continuam defendendo o uso de ACB para a escolha de políticas de gestão ambiental por possuir uma base teórica sólida. HANLEY e SPASH (1993), respondendo à critica de SAGOFF (1988) de que a ACB deveria ser substituída por uma ferramenta de auxílio à decisão de política baseada num processo democrático normal (crítica semelhante é feita por STIRLING, 1997), argumenta que se deve questionar como o formulador de política toma suas decisões. Ora, se não for por um processo como a ACB, então deverá ser por qualquer outro procedimento ou então por indicação ou demanda de alguém. Isso, segundo os autores, pode levar burocratas a agirem em consonância com seus próprios interesses e não os do público, pois há sempre o perigo de que o cidadão perca o controle de todo o processo. Assim sendo, a ACB, por ser um processo de tomada de decisão com regras explícitas, pode ser mais confiável para uma escolha democrática de alternativas24.

A Análise Custo-Efetividade (ACE) A ACE é definida como a técnica que leva em conta os custos e os efeitos de selecionar alternativas, tornando possível escolher as que provêem os melhores resultados para qualquer determinado dispêndio de recursos ou aquela que minimize a utilização de recursos para qualquer meta determinada (LEVIN, 1983). Em geral, assume-se que a ACE consiste em estimar os custos mínimos para se atingir um certo padrão de proteção ambiental. A decisão pelo nível ótimo do padrão ambiental é feita por uma opção política, idealmente embasada em critérios técnicos25.

Essa idéia generalizada que se tem da ACE como um mero método sistemático de achar o custo mínimo para alcançar um determinado objetivo ambiental, faz com que esse instrumento fique vulnerável à crítica usual de que, em não sendo eficiente a escolha predeterminada da meta, a técnica produz uma alocação igualmente não-eficiente. Esse é o ponto central da visão de

23Um estudo clássico sobre os limites da ACB como guia para a escolha de instrumentos de política ambiental é o de PEARCE (1976). Ele enfatiza que, nos casos de superação da capacidade de assimilação do meio ambiente (resiliência), a ACB não seria um procedimento adequado para se encontrar uma solução ótima para o nível de poluição desejável. PEARCE (1976, p.110) conclui: “Where the context takes on dynamic externality features or where biological harmful pollutants cumulate, cost-benefit should give way to standard setting based on cautious attitude to epidemilogical and other physical information.” 24Ademais é neste contexto que se insere a conclusão de FULLERTON e STAVINS (1998, p.6) sobre a desmitificação do que realmente pensam os economistas sobre o meio ambiente: “The scope of economic analysis is much broader than financial flows. The only reason that monetary equivalents are used in benefit-cost calculations is that a more convenient set of units is simply not available. (...) although the efficiency criterion is by definition aggregate in nature, economic analysis can tell us much about the distribution of both benefits and costs of environmental policy.” 25É sempre relevante lembrar as palavras de BORROW e DRYZEK (1987): “it is perhaps possible to conceive a totally atheoretical work in the policy field; though one suspects this would be little more than applied common sense. If analysis is to have any flesh and power beyond common sense, then it must draw upon social science wisdom.”

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TIETENBERG (1996, p. 85) que conclui que todas as políticas eficientes são custo-efetivas, mas nem todas que são custo-efetivas são eficientes.

A Agência de Proteção Ambiental dos Estado Unidos (EPA, 1993) amplia o leque de opções de uso da ACE, tornando-a menos vulnerável a essa crítica. A ACE é apropriada principalmente quando se deseja comparar opções alternativas de programas ou políticas que têm o mesmo objetivo ambiental. Assim, a finalidade seria a de definir qual deles teria a melhor performance (eficácia) em comparação com os recursos gastos (EPA, 1993, p.10). Pode-se, também, buscar com a ACE avaliar um determinado programa quanto à sua capacidade de atingir um esperado padrão ambiental, dado um montante fixo de gastos. Ademais, a ACE pode ser empregada para comparar diferentes programas de proteção ambiental que incluem diferentes métodos de gestão ambiental (por exemplo: zoneamento ambiental versus permissões). O custo-efetividade de um programa ambiental poderia, então, ser expresso das seguintes formas: (i) unidade de proteção ambiental conseguida por unidade monetária gasta num determinado programa; (ii) unidade de proteção ambiental conseguida em diferentes programas com custos iguais; (iii) custo por unidade de proteção ambiental conseguida; e (iv) custo de programas que atingem um mesmo padrão de proteção ambiental. Finalmente, a ACE pode ser empregada em uma análise de sensibilidade em que se pretenda avaliar o impacto ambiental do corte orçamentário num determinado programa de proteção do meio ambiente. Apesar dessa versatilidade, a ACE é tratada apenas marginalmente na literatura. Mesmo quando sua importância é realçada [p.e., em CÁNEPA (1996)], uma visão prática da sua estrutura não é detalhada26. A operacionalização do esquema representado no Quadro 2 para a tarefa hipotética de comparar opções de ação de proteção ambiental seria feita, de forma simplificada, da seguinte forma: • ao selecionar as metas e objetivos de um programa [1] o gestor já delineia o

nível de efetividade esperada [3]; • esse nível é comparado com o padrão ideal de efetividade [2], para se

mensurar os efeitos incrementais do programa (ou seja, a efetividade do programa será avaliada)

• escolhe-se as opções de ação que mais se aproximam do padrão ideal de efetividade para que elas possam ser comparadas em termos de custo-efetividade [5] das seguintes maneiras: (i) custos dos programas [4] que conseguem um mesmo nível de proteção; ou níveis de proteção para programas com custos iguais; e (ii) níveis de proteção conseguida por unidade monetária gasta; ou custo por unidade de proteção alcançada;

• opcionalmente pode-se fazer uma análise de sensibilidade que consiste em variar (ou relaxar) os valores e padrões assumidos para que se expressem os pontos críticos, o que será relevante para, por exemplo, a decisão de se fazer uma coleta de dados mais precisa e/ou ampla, visando dar maior consistência à análise.

26Isso, todavia, não acontece com a análise custo-benefício, que tem seu arcabouço esmiuçado mesmo quando ele não é o foco principal da discussão [p.e., em HANLEY e SPASH (1993)].

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• Comentários Conclusivos Inúmeros e variados critérios e procedimentos foram desenvolvidos ao longo dos anos para auxiliar o processo de escolha de instrumentos e de tomada de decisões de políticas públicas. Neste ensaio analisamos alguns deles, usados por economistas visando especificamente facilitar a escolha entre projetos, programas e políticas ambientais para alcançar uma eficaz gestão pública do meio ambiente. Destacamos os pontos robustos e frágeis de cada critério e procedimento, ficando claro que nenhum deles pode ser considerado como o ideal. Não obstante suas limitações, aplicá-los torna o processo de escolha pública algo mais rigoroso do que conduzi-lo apenas com base no “bom senso”, garantido um uso eficiente de fundos públicos escassos. Um outro aspecto relevante evidenciado durante nossa análise foi o desempenho variável dos três instrumentos de política ambiental que usamos para exemplificar os oito diferentes critérios de escolha. Cada um deles - educação ambiental, controle direto e impostos/taxas - tem excelente desempenho em alguns critérios e desempenho medíocre em outros. A conclusão óbvia desse resultado é a necessidade de se ter uma gestão do meio ambiente composta por uma variedade de instrumentos de política. Cada instrumento, combinado com outros, será usado quando a sua contribuição for julgada mais apropriada para minimizar um problema ambiental específico. Nesse contexto, a gestão ambiental brasileira deixa a desejar quanto à eficiência na aplicação dos recursos públicos disponíveis. Estruturada em apenas alguns poucos instrumentos de persuasão (educação ambiental) e de comando e controle (EIA, licenciamentos, zoneamento e controle direto), a gestão ambiental brasileira alcança, ao final dos anos noventa, o patamar que norte-americanos e europeus alcançaram há quase trinta anos. Instrumentos econômicos são praticamente inexistentes no cenário da nossa política pública ambiental, exceto pelo uso das multas. Mesmo essas são utilizadas de maneira distorcida: transformaram-se em fonte de incremento da receita de órgãos ambientais e deixaram de ser uma maneira de reduzir a degradação ambiental. Destacamos que o nosso argumento não é se a política ambiental deve ser ou não definida por legislação. Ela o é em qualquer lugar do mundo. Argumentamos, isso sim, que o essencial é analisar a “cultura” que está impregnada nos formuladores de políticas de meio ambiente. No Brasil, constata-se uma excessiva (ou quase exclusiva) regulamentação sem, contudo, o uso de instrumentos adequados de implementação. À guisa de exemplo, nos Estados Unidos, ao contrário, a “cultura” é bem distinta, com a própria legislação determinando a necessidade de se buscar instrumentos eficientes para implementá-la. Esse foi o caso de Clean Air Act (de 15 de novembro de 1990), destacado pelo EPA (1991, p.1): “The passage of the Act was in part an endorsement of market-based principles ... innovative mechanisms through which cleaner air and better health for the Nation’s citizens can be attained. One type of market-based principle is cost-effective emission-reduction strategies.”

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Diversas são as possíveis causas para essa permanência brasileira na “pré-história” da gestão ambiental. A formação profissional dos formuladores de política de meio ambiente é uma delas. A predominância de advogados, biólogos, engenheiros sanitários e geógrafos físicos nas equipes dos órgãos públicos e privados tem influenciado a visão do que é gerir o meio ambiente. O discurso pseudo-cultural de alguns intelectuais também ajudou na crença da mudança do comportamento humano através de doses maciças de educação ambiental e de palestras com explícitos conteúdos (segundo os palestrantes) ético-ambientais. Outra crença generalizada é a da ilimitada disponibilidade de recursos financeiros para uma causa-justa como a conservação ambiental, também tem contribuído para a ausência de preocupações sobre eficácia, eficiência e eqüidade em nossa política ambiental. Finalmente, há a advertência de MOTTA e REIS (1994) mencionada anteriormente. Para eles, existiriam problemas de implementação de instrumentos econômicos em países em desenvolvimento como o Brasil, decorrentes de questões relacionadas à eqüidade. Ou seja, a implementação de instrumentos econômicos teria de enfrentar “trade-off” entre considerações de eficiência e de eqüidade. Sugerimos que os autores comentem um pequeno engano em sua argumentação: “trade-off” entre eficiência e eqüidade ocorre na implementação de todo e qualquer instrumento de política ambiental, seja ele de persuasão, comando e controle ou econômico. A pouca atenção dada a esse “trade-off” é mais uma evidência de nosso atraso em gestão ambiental. Se critérios de seleção de instrumentos estão ausentes, a situação não é muito diferente para o uso de procedimentos decisórios. São raras as aplicações de ACB e ACE em problemas ambientais brasileiros. Já destacamos que qualquer ferramenta ou método de auxílio à decisão, à concepção e avaliação das políticas ambientais é limitada. Entretanto, os custos dessas limitações são superados por desperdícios gerados por decisões tomadas sem critérios, de forma ad hoc e justificadas pela inércia da tradição da política ambiental brasileira. O caso brasileiro enquadra-se perfeitamente na argumentação de STIRLING (1997) de que a política ambiental tem escolhas condicionadas pelo caminho que se está seguindo (é “path dependent”). A maior intensidade e complexidade dos problemas ambientais exige cuidados crescentes com o uso de recursos humanos, financeiros e tecnológicos escassos, com custos de oportunidade cada vez maiores. Escolhas de políticas ambientais são decisões difíceis, para as quais ACB e ACE são auxiliares limitados. Procedimentos que melhor reflitam os dilemas que cercam as escolhas de políticas ambientais são necessários. Políticas ambientais são problemas: (i) qualitativos multidimensionais; (ii) dependentes das perspectivas de agentes sociais distintos com prioridades e ponderações distintas; e (iii) que são obscurecidas por incertezas. Novos procedimentos precisam considerar essas características, refletindo que as escolhas de políticas ambientais: (i) são processos e não simplesmente atos discretos e (ii) são atividades sociais legítimas, não se podendo subordiná-las a percepções institucionais e a interesses estreitos.

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A realidade brasileira é a de não incorporar sequer a ACB e a ACE aos procedimentos de escolha de instrumentos ambientais. Nessa realidade, são poucas as chances de se buscar seu aperfeiçoamento. Idealmente, procedimentos de escolha de políticas devem possuir algumas características básicas: (i) pluralismo (diferentes métodos, perspectivas, alternativas e soluções); (ii) natureza multi-dimensional da realidade deve ser incorporado aos procedimentos; (iii) reconhecimento da subjetividade dos resultados; (iv) reflexividade (permitindo revisão e avaliação contínuas) e (v) transparência (permitindo a participação do mais amplo público possível). Fica evidente que temos um longo caminho para que possamos atingir um autêntico estágio de gestão ambiental no Brasil. • Bibliografia AGRA FILHO, Severino Soares. “Os Estudos de Impactos Ambientais no

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