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 92 n  fevereiro De 2011 n  PESQUISA FAPESP 180 resenha O s documentos musicais mais an- tigos que se conhece até hoje no Brasil são aqueles provenientes de Mogi das Cruzes, cidade situada na Região Metropolitana de São Paulo, datados de aproximadamente 1730. Entretanto, isso não indica que a ati- vidade musical em terras brasileiras iniciou-se nesta época. Ao contrário, documentos localizados em arqui- vos brasileiros e no exterior revelam a existência de atividade musical no Brasil alguns anos após a chegada dos portugueses. Por esta época, além dos primeiros mestres de capela portugue- ses, responsáveis pela música nos ofí- cios religiosos, aportaram integrantes da Companhia de Jesus, fundada por Ignacio de Loyola e ocializada pelo papa Paulo III em 1540. Os primeiros registros da chegada dos jesuítas ao Brasil datam de 1549, quando Manoel da Nóbrega desem- barcou em Salvador, juntamente com a expedição de Tomé de Souza. Ficaram no Brasil por mais de dois séculos, até serem expulsos por determinação do Marquês de Pombal em 1759. Durante este período tiveram na música uma importante ferramenta na sua tarefa de catequização dos gentios. Poucos estudiosos se aventuraram a explorar esta questão, provavelmente pela diculdade de localização de uma documentação de produção bastante remota, esparsa e de difícil acesso. O livro de Marcos Holler, Os jesuítas e a música no Brasil colonial , publicado em 2010 pela Editora da Unicamp, vem pre- encher diversas lacunas nesta questão, trazendo à luz fatos e documentos da maior relevância, que extrapolam o as- pecto musicológico, já que estão ligados à própria formação do Brasil. Este livro é resultado da tese de doutorado de Holler, defendida no Ins- tituto de Artes da Unicamp, na qual fez extensa pesquisa em arquivos brasileiros e estrangeiros sobre a utilização pelos  jesuítas da música como elemento de catequese. Embora não tenham sido localizados documentos musicais, como folhas de música ou partitura s, o extenso estudo, baseado em documentação primária localizada no Brasil, em Portugal e na Itália, apresenta documentos ociais e correspondências entre jesuítas e autoridades, demonstrando que, mesmo contrariando os preceitos da Companhia de Jesus, que vetava a utilização da música para ns de catequização, a prática musical foi constante no Brasil colonial. Já na introdução o autor procura esclarecer o sentido de alguns termos musicais recorrentes que sempre geram dúvi- das, sendo esta uma importante contribuição para os estudos musicológicos referentes ao Brasil colônia. No primeiro capí- tulo, “Fontes documentais e revisã o bibliográca” , é discutida a questão dos registros levantados, abrindo espaço para que no capítulo seguinte, “Os jesuítas no Brasil”, seja iniciada a discussão sobre a atividade dos jesuítas propriamente dita. Após o histórico sobre a atuação dos jesuítas no Brasil, há um interessante capítulo sobre as “Referências aos instrumen- tos musicais nos documentos jesuíticos”, no qual é realizado um levantamento dos instrumentos utilizados na prática ca- tequética. Discutindo em separado os séculos XVI, XVII e XVIII, pode-se observar como a prática musical foi sofrendo modicações com o passar dos anos. Ainda neste capítulo, o trecho “ Os inventários nos autos de sequestro dos bens jesuí- ticos” apresenta diversas referências a instrumentos musicais quando da expropriação dos bens de membros da Companhia de Jesus: rabecas, rabecões, violas, cravos, harpas, manicórdios, baixões, autas, oboés, charamelas, sacabuxa s e órgãos. No quarto capítulo, “ A atuação musical dos jesuítas no Brasil colonial” , pode-se ter uma ideia de como este instru- mental era utilizado na tarefa de catequização. É interessante notar que os jesuítas davam mais atenção às crianças, acre- ditando que, além de sua maior receptividade, através delas atingiriam os adultos com mais facilidade. Estratégias par a atingir este objetivo incluíam o ensino de instrumentos e a tradução de textos sacros para serem cantados na língua indígena. Podemos tirar algumas conclusões de como isso acontecia, mas, infelizmente, o material musical que utili- zavam cou perdido em algum canto da história. Lenita W. M. Nogueira é professora do Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp. O o ligio o d Colô i estudo vla a impotância da música nt os j suítas Os jesuítas e a música no Brasil colonial Macos Holl editoa Unicamp 256 páginas r$ 44,00 Lenita W. M. Nogu eira

Os Jesuítas e a Música No Brasil Colonial

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História da música no Brasil.

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  • 92 n fevereiro De 2011 n PESQUISA FAPESP 180

    resenha

    O s documentos musicais mais an-tigos que se conhece at hoje no Brasil so aqueles provenientes de Mogi das Cruzes, cidade situada na Regio Metropolitana de So Paulo, datados de aproximadamente 1730. Entretanto, isso no indica que a ati-vidade musical em terras brasileiras iniciou-se nesta poca. Ao contrrio, documentos localizados em arqui-vos brasileiros e no exterior revelam a existncia de atividade musical no Brasil alguns anos aps a chegada dos portugueses. Por esta poca, alm dos primeiros mestres de capela portugue-ses, responsveis pela msica nos of-cios religiosos, aportaram integrantes da Companhia de Jesus, fundada por Ignacio de Loyola e oficializada pelo papa Paulo III em 1540.

    Os primeiros registros da chegada dos jesutas ao Brasil datam de 1549, quando Manoel da Nbrega desem-barcou em Salvador, juntamente com a expedio de Tom de Souza. Ficaram no Brasil por mais de dois sculos, at serem expulsos por determinao do Marqus de Pombal em 1759. Durante este perodo tiveram na msica uma importante ferramenta na sua tarefa de catequizao dos gentios.

    Poucos estudiosos se aventuraram a explorar esta questo, provavelmente pela dificuldade de localizao de uma documentao de produo bastante remota, esparsa e de difcil acesso. O livro de Marcos Holler, Os jesutas e a msica no Brasil colonial, publicado em 2010 pela Editora da Unicamp, vem pre-encher diversas lacunas nesta questo, trazendo luz fatos e documentos da maior relevncia, que extrapolam o as-pecto musicolgico, j que esto ligados prpria formao do Brasil.

    Este livro resultado da tese de doutorado de Holler, defendida no Ins-

    tituto de Artes da Unicamp, na qual fez extensa pesquisa em arquivos brasileiros e estrangeiros sobre a utilizao pelos jesutas da msica como elemento de catequese. Embora no tenham sido localizados documentos musicais, como folhas de msica ou partituras, o extenso estudo, baseado em documentao primria localizada no Brasil, em Portugal e na Itlia, apresenta documentos oficiais e correspondncias entre jesutas e autoridades, demonstrando que, mesmo contrariando os preceitos da Companhia de Jesus, que vetava a utilizao da msica para fins de catequizao, a prtica musical foi constante no Brasil colonial.

    J na introduo o autor procura esclarecer o sentido de alguns termos musicais recorrentes que sempre geram dvi-das, sendo esta uma importante contribuio para os estudos musicolgicos referentes ao Brasil colnia. No primeiro cap-tulo, Fontes documentais e reviso bibliogrfica, discutida a questo dos registros levantados, abrindo espao para que no captulo seguinte, Os jesutas no Brasil, seja iniciada a discusso sobre a atividade dos jesutas propriamente dita.

    Aps o histrico sobre a atuao dos jesutas no Brasil, h um interessante captulo sobre as Referncias aos instrumen-tos musicais nos documentos jesuticos, no qual realizado um levantamento dos instrumentos utilizados na prtica ca-tequtica. Discutindo em separado os sculos XVI, XVII e XVIII, pode-se observar como a prtica musical foi sofrendo modificaes com o passar dos anos. Ainda neste captulo, o trecho Os inventrios nos autos de sequestro dos bens jesu-ticos apresenta diversas referncias a instrumentos musicais quando da expropriao dos bens de membros da Companhia de Jesus: rabecas, rabeces, violas, cravos, harpas, manicrdios, baixes, flautas, obos, charamelas, sacabuxas e rgos.

    No quarto captulo, A atuao musical dos jesutas no Brasil colonial, pode-se ter uma ideia de como este instru-mental era utilizado na tarefa de catequizao. interessante notar que os jesutas davam mais ateno s crianas, acre-ditando que, alm de sua maior receptividade, atravs delas atingiriam os adultos com mais facilidade. Estratgias para atingir este objetivo incluam o ensino de instrumentos e a traduo de textos sacros para serem cantados na lngua indgena. Podemos tirar algumas concluses de como isso acontecia, mas, infelizmente, o material musical que utili-zavam ficou perdido em algum canto da histria.

    Lenita W. M. Nogueira professora do Departamento de Msica do Instituto de Artes da Unicamp.

    Os sons religiosos da Colniaestudo revela a importncia da msica entre os jesutas

    Os jesutas e a msica no Brasil colonial

    Marcos Holler

    editora Unicamp

    256 pginas r$ 44,00

    Lenita W. M. Nogueira