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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
Os Limites Técnico-Científicos da Computação Gráfica Mainstream∗
Profª Drª Suely Fragoso**
Este trabalho faz referência exclusivamente à computação gráfica mainstream, ou
seja, ao sub-conjunto da computação gráfica formado por imagens produzidas
com o auxílio de aplicativos disponíveis comercialmente, e que já se tornaram
lugar-comum em publicidade e propaganda, aberturas de programas de televisão e
outros meios de comunicação de massa. A denominação ‘computação gráfica’
abrange uma enorme gama de atividades, da editoração eletrônica à tomografia
computadorizada; do desenho bidimensional à criação de universos multi-
sensóreos; do tratamento de imagens oriundas de sistemas analógicos à criação de
‘efeitos especiais’ para aqueles mesmos sistemas. Organizando estas várias
atividades conforme sua intencionalidade principal, temos:
Figura 1. Categorização das várias atividades genericamente identificadas como ‘computação gráfica’ segundo a tipologia das imagens geradas.
Este artigo foi produzido para apresentação no VIII SIMPÓSIO DE ARTES PLÁSTICAS / XII FESTIVAL DE ARTE CIDADE DE PORTO ALEGRE, Porto Alegre, RS, Brasil, 15/07/98, e está publicado também nos Anais do mesmo evento com o título O Imaginário Digital: o que não há de novo na computação gráfica.** Arquiteta, Mestre em Comunicação e Semiótica e Ph.D. em Comunicação, atuando como Professora convidada junto ao Departamento de Artes da Universidade de Caxias do Sul, onde lecionou em 1998 as disciplinas Informática Aplicada à Arquitetura I e II (Curso de Arquitetura e Urbanismo); Computação Gráfica (Curso de Ciências da Computação); Comunicação Comparada (Curso de Relações Públicas) e Moda e Internet (Curso de Moda e Estilo).
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Revelação e Descoberta de Imagens Reaistomografia, termografia, microscopia eletrônica...
Tratamento de Imagens Oriundas de Sistemas Analógicosa partir de ou para fotografia, cinema, vídeo
Desenho Digital (2D)
Pré - Processamento Processamento
Modelagem Digital (3D)
Criação de Imagens
FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
As imagens que chamamos de REVELAÇÃO E DESCOBERTA promovem a interface
e o desenvolvimento de tecnologias de visualização com a intenção de tornar
visíveis existentes do mundo dito ‘real’ cujas configurações escapam à percepção
do sistema visual humano.
Figura 2. REVELAÇÃO E DESCOBERTA: à esquerda tomografia computadorizada (cérebro humano), imagem anônima reproduzida a partir de J. Deken (1984), p.45. À direita termografia (corpo humano), imagem gerada por R. Lowenberg, s.d., reproduzida de J. Deken (1984), p.46.
Figura 3. Criação artística de R. Lowenberg a partir de imagem termográfica. Reproduzida de J. Deken (1984), p.50.
O TRATAMENTO DE IMAGENS ORIUNDAS DE SISTEMAS ANALÓGICOS abrange a
realização de alterações em imagens de origem técnica, por exemplo fotografia,
cinema e vídeo, e o retorno das imagens digitalmente alteradas para aqueles
mídias.
A CRIAÇÃO DE IMAGENS refere-se àquelas imagens geradas diretamente no
computador, cuja primeira forma de existência é a codificação binária. Identifico
nas atividades desta categoria, ou seja na criação de figuras digitais diretamente
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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
no espaço virtual, independentemente da disponibilidade de materiais do mundo
físico ou até mesmo da existência de luz, o exercício da computação gráfica per
se, a manifestação mais ‘pura’ das possibilidades imagéticas da tecnologia digital.
Ainda dentro daquele sub-conjunto da computação gráfica, os aplicativos
bidimensionais comercialmente disponíveis são caracterizados por uma profusão
de ferramentas para criação de imagens bidimensionais desenvolvidas sobre
analogias de instrumentos de desenho e pintura pré-existentes, o que dificulta a
análise das possibilidades efetivas da criação de elementos virtuais.
A modelagem digital, por outro lado, é uma atividade sem precedentes entre as
tecnologias de produção de imagens. Elementos virtuais tridimensionais são
esculpidos matematicamente no espaço virtual, resultado da tradução de
procedimentos algorítmicos, sob condições de interação até então inéditas. Como
veremos, as ferramentas de modelagem digital não reproduzem diretamente a
situação do desenho em superfície bidimensional ou os procedimentos usuais da
escultura.
Apesar das muitas saudações da computação gráfica como o instrumento de uma
revolução na visualidade e das características indubitavelmente inovadoras da
geração digital de imagens, as figuras da modelagem tridimensional digital
mainstream caracterizam-se pela prevalência de superfícies demasiadamente
polidas, brilhantes, rígidas, pela homogeneidade de suas formas. Minha hipótese é
que estas características são o resultado inevitável tanto da paradoxal proposta de
‘realismo’ que norteia a construção daquelas imagens quanto da formulação
matemática dos próprios softwares de modelagem digital.
A maioria das criações feitas com sistemas de modelagem digital, e
consequentemente a maioria dos algoritmos de modelagem dos aplicativos
disponíveis comercialmente, têm como motivação principal a reprodução das
características encontradas nos existentes do mundo à nossa volta, a capacitação
para criar universos virtuais ‘realistas’, ou no mínimo ‘convincentes’. Esta
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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
intenção de representação figurativa mimética que norteia a criação da maioria
dos modelos tridimensionais digitais é paradoxal pois a principal novidade das
imagens criadas com o auxílio de computadores é justamente sua imaterialidade,
sua origem matemática e binária. Em princípio, a computação gráfica não trataria
da reprodução das coisas visíveis do mundo, mas justamente de sua modificação
(TRATAMENTO), da revelação daquelas figuras não acessíveis aos nossos olhos
(REVELAÇÃO E DESCOBERTA) e da CRIAÇÃO de elementos visíveis independente
de materiais do mundo físico, inclusive da luz.
O realismo buscado pela modelagem mainstream parece ignorar ainda as
conquistas da Arte Moderna, retomando a questão da reprodução fidedigna da
realidade em termos anteriores às formulações das vanguardas artísticas das
primeiras décadas do século XX. Ocorre que simultaneamente àquela
reformulação qualitativa das artes plásticas, ocorria a explosão quantitativa das
imagens técnicas formuladas conforme os cânones renascentistas, estes últimos
inerentes a todas as tecnologias baseadas nos princípios da camera obscura. A
apreciação e a construção das mensagens de mídias como a fotografia, o cinema,
e a televisão estão em grande parte baseadas naquilo que Arlindo Machado
chamou de ‘ilusão especular’, “segundo a qual as imagens anotadas nos suportes
de registro são ‘reflexos’ das coisas sensíveis e visíveis do mundo dito real como
acontece nos espelhos” (Machado, 1988, p. 213). André Bazin enfatizou o papel
fundamental da intenção especular na invenção do cinema com palavras que
remetem diretamente às intenções de reconstrução da realidade que hoje
permeiam a computação gráfica mainstream:
O mito . . . que inspirou a invenção do cinema, é o da conquista buscada, em maior ou menor grau, por todas as técnicas de reprodução mecânica da realidade desenvolvidas no século dezenove, da fotografia ao fonógrafo: a busca de total realismo, a intenção de recriar o mundo à sua própria imagem, sem a perturbação da liberdade de intervenção do artista ou da irreversibilidade do tempo (Bazin, 1992, p. 36).
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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
A computação gráfica se instalou na esteira destes sistemas tecnológicos de
produção de imagens, com os quais mantém constante intercâmbio e cujos
princípios utiliza para dar a ver os elementos esculpidos matematicamente no
espaço virtual. De fato, o uso dos princípios da perspectiva central para a
enunciação de imagens produzidas com o auxílio de computadores tem base
puramente cultural, já que, ao contrário da fotografia, cinema e televisão, a
visualização das imagens digitais independe totalmente do uso de câmeras.
A intenção de criar universos realistas através da tecnologia digital está baseada
na reputação de fidedignidade, precisão e abrangência que a computação gráfica
herda não apenas da ilusão de especularidade das tecnologias analógicas de
geração de imagens, mas também da superestimação da capacidade dos
computadores (Roszak, 1988, e Timnick, 1982, p. 10) e da crença na
desvinculação social das ciências exatas.
Os modelos digitais têm sido genericamente aclamados como ‘quaseobjetos
naturais’, dotados de vida própria, com comportamentos imprevisíveis e
autônomos, esquecendo que a matemática é uma criação humana, relativamente
arbitrária, contingente, subjetiva.1 O universo virtual é antes de mais nada “um
universo filtrado pelo crivo do cálculo, de algum modo purificado, controlado
inclusive quanto às suas eventualidades” (Couchot, 1988, p.124).
De fato, grande parte da homogeneidade das imagens geradas com sistemas de
modelagem digital parece advir de pressupostos pré-inscritos na formulação
matemática dos algoritmos de modelagem e da conceituação do espaço virtual em
bases cartesianas2. Uma análise detalhada das formulações matemáticas e
1 A observação é de P. Quéau, que em Éloge de la Simulation afirma: “Comme le langage, les mathématiques sont une création humaine, relativement arbitraire. . . . Les mathématiques sont comme les autres activités humaines, contingentes, subjectives et éventuellement insignifiantes. . . . les mathématiques permettent de construire des modèles très complexes et de les simuler. Il s’agit biend e la création de “quasi-objets naturels” dotés d’une “vie propre” avec des “comportements” imprédictibles e autonomes” (Quéau, 1986, p. 27).2 A dissertação de mestrado na qual este texto foi baseado, referida na bibliografia, aborda um espectro mais amplo dos algoritmos de modelagem digital e analisa com maior riqueza de detalhes as premissas nas quais os mesmos estão baseados.
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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
geométricas sob as quais dá-se o desenvolvimento da maioria dos algoritmos de
modelagem digital comumente encontrados em aplicativos comerciais não seria
adequada ao escopo deste artigo, mas alguns exemplos representativos podem ser
suficientes para dar início a um questionamento frutífero.
Figura 4. Etapas da modelagem geométrica computadorizada.
A modelagem digital se inicia com a decomposição do objeto a ser representado,
real ou imaginário, para identificação das características desejadas em sua
configuração. Este processo de análise e seleção de características para
construção de um modelo constitui o primeiro momento necessariamente pleno
de ideologia da construção de existentes digitais. As duas etapas básicas da
modelagem digital, que estamos chamando de pré-processamento e
processamento, estão estruturadas de forma que remete diretamente à distinção
entre qualidades primárias e secundárias das coisas por J. Locke (1.632-1.704).
Na etapa de pré-processamento, definem-se as características geométricas dos
elementos modelados3 para construção dos modelos de arame, ou wireframes. Na
etapa de processamento, adicionam-se os atributos referentes à visualização do
elemento modelado em arame, como cor, textura, incidência de luz, etc. A relação
com a diferenciação entre duas espécies distintas de qualidades por Locke pode
ser observada na seguinte colocação daquele filósofo:
3 No caso de sistemas de simulação comportamental, que não serão discutidos aqui, os dados físico-químicos desejados são também incorporados ao modelo na fase de pré-processamento.
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características geométricasdados físico-químicos(qualidades primárias)
Pré - Processamento
atributos para visulizaçãocor, textura, incidência de luz(qualidades secundárias)
Processamento
Modelagem Digital (3D)
FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
Segundo esta distinção, número, extensão (grandeza), forma e movimento são qualidades primárias, enquanto cor, cheiro e gosto são secundárias. Somente as qualidades primárias seriam determináveis com exatidão, mensuráveis, posto que representariam o que é ‘objetivo’ nas coisas materiais. As qualidades secundárias, por sua vez, estariam sujeitas às propriedades de nossos órgãos sensitivos, sendo inapelavelmente subjetivas (Becker, 1965, p. 52).
Apoiada no embasamento das etapas fundamentais da modelagem digital nesta
distinção entre qualidades primárias e secundárias das coisas, vou restringir os
exemplos aqui discutidos às qualidades que seriam inerentes aos elementos
modelados independente da apreensão dos sujeitos observadores, ou seja, à etapa
de pré-processamento. No caso da computação gráfica mainstream, o pré-
processamento se concentra na definição das características geométricas do
modelo.
O espaço virtual no qual a posição e a forma do elemento a ser modelado são
definidas é enunciado para o usuário como um conjunto de três eixos ortogonais
com um único ponto em comum, que equivale à origem de cada eixo. As infinitas
possibilidades do espaço virtual são assim reduzidas a um espaço tridimensional
ideal de formulação cartesiana: infinito, constante e homogêneo. Este espaço
matemático, que a vivência imediata desconhece, é reafirmado pelos princípios
da Óptica Euclideana que regem a codificação em perspectiva central adotada
para visualização do modelo em tela plana4.
4 A sistematização da perspectiva por L. B. Alberti em Da Pintura se inicia com uma conceituação de ponto, linha e plano e uma descrição do processo de visão que não deixam dúvidas quanto a seu embasamento na Geometria e na Óptica Euclideanas. “... começando pela opinião dos filósofos, os quais afirmam que as superfícies são medidas por alguns raios, uma espécie de agentes da visão, por isso mesmo chamados visuais, que levam ao sentido das formas das coisas vistas. E nós imaginamos esses raios como se fossem fios extremamente tênues, ligados por uma cabeça de maneira muito estreita como se fosse um feixe dentro do olho, que é a sede do sentido da vista. E daí, como tronco de todos os raios, aquele feixe espalha vergônteas diretíssimas e tenuíssimas até a superfície que fica em frente” (Alberti, 1989, p. 75).
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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
Figura 5. Modelos de Arame. `A esquerda malha poligonal (extraída de J. Foley e A. van Dam, 1984, p. 507); à direita redes bicúbicas (imagem modificada a partir de R. Rivlin, 1986, p. 205).
Os dados do modelo podem ser definidos neste espaço idealizado diretamente sob
a forma alfanumérica através de teclado ou, mais frequentemente, utilizando
mouse, caneta digitalizadora ou outro instrumento de tradução dos movimentos
do usuário em parâmetros alfanuméricos. A maioria dos usuários dispõe de
instrumentos bidimensionais para entrada de dados, mesmo porque a visualização
em tela plana mantém a terceira dimensão do modelo inacessível fazendo com
que “poucas pessoas sejam capazes de construir modelos mentais consistentes das
contribuições e efeitos de todos os pares de eixos que estão associados com os
graus de liberdade adicionais” (Chen, 1988, p. 109) dos instrumentos
tridimensionais existentes5. Para compreender as dificuldades da entrada de dados
tridimensionais utilizando instrumentos 2D e tela plana, imaginem que se trata de
movimentar elementos contidos dentro de um aquário infinito, cujo interior pode
ser visto a partir de uma pequena janela, utilizando-se apenas o movimento de
uma bola sobre um tapete. Observadas estas dificuldades, não é de se estranhar
que os modos mais diretos de geração de tridimensionalidade sejam a rotação e
extrusão de elementos bidimensionais. Estas estratégias, apesar de intuitivas,
5 Por exemplo o bat (mouse tridimensional) e a data glove (luva de dados).
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permitem apenas a geração de sólidos regulares e perfeitos (na verdade as figuras
prototípicas da computação gráfica).
Figura 6. Processo de geração de sólido por extrusão. Imagem capturada com PaintShopPro 4.0, exibindo objeto extrudado com CorelDream 3D 7.0.
Outra estratégia para a entrada dos dados do modelo tridimensional, que permite
maiores variações formais, é a subdivisão da forma desejada em polígonos cujos
vértices são demarcados no plano de coordenadas. Os vários polígonos
conectados entre si dão origem a malhas poligonais, em modelos de arame
(wireframes), outra forma de representação bastante típica da modelagem
computadorizada.
Figura 7. Imagens típicas da modelagem computadorizada. À direita, composição de T. Whitted, reproduzida a partir de original colorido em J. Deken (1984), p.165. À esquerda, imagem anônima, reproduzida a partir de arquivo eletrônico distribuído em Revista do CD-ROM vol. 22 (original colorido).
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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
O desenho de modelos de arame através de linhas curvas ao invés de retas, ou, em
termos mais técnicos, a definição de uma rede bicúbica ao invés de uma malha
poligonal, permite a construção de figuras menos angulosas e a geração de
modelos bastante convincentes de objetos criados pelo homem. A modelagem de
elementos da natureza, no entanto, esbarra ainda numa formulação matemática
baseada em formas perfeitas, em ideais inadequados para a construção de
elementos irregulares como flores, folhas, nuvens ou fogo.
Diversas estratégias foram desenvolvidas para lidar com a modelagem de
elementos naturais, algumas mais outras menos bem sucedidas, geralmente
favorecendo a descrição algébrica dos dados. Uma das possibilidades mais
interessantes da computação gráfica, comumente proposta como o arcabouço para
a modelagem de elementos naturais, é a Geometria Fractal. Indubitavelmente, as
imagens geradas com Geometria Fractal representam um dos conjuntos mais
típicos e atraentes das imagens computadorizadas. A utilização plena das
formulações da Geometria Fractal permanece, no entanto, distante dos aplicativos
disponíveis comercialmente aos quais esta apresentação se restringe, mesmo
porque a própria expansão dos princípios da Geometria Euclideana e a ruptura
com as formulações ideais que permitem a abertura de novas possibilidades de
modelagem pela Geometria Fractal sacrificam a inteligibilidade intuitiva de sua
utilização.
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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998. Figura 8. Sequência de detalhes de conjunto fractal. Imagem reproduzida a partir de F. Tamarit et al. (1992), p. 45.
Alguns aplicativos para modelagem tridimensional disponíveis no mercado
anunciam a disponibilidade de ‘fractais’, usualmente significando apenas um
conjunto de texturas pré-definidas. Na melhor das hipóteses, encontram-se
dispositivos de modelagem baseados em um ou outro elementos da Geometria
Fractal, como por exemplo algoritmos Graftais6 ou o Algoritmo de Carpenter para
geração de montanhas7.
Figura 9. Representação esquemática de geração de árvore com algoritmo graftal.
Para aqueles que saúdam a Geometria Fractal como a ‘geometria da natureza’, o
caráter não-figurativo das figuras geradas a partir das formulações de Mandelbrot
pode parecer paradoxal. O paradoxo está, no entanto, justamente na tentativa de
ultrapassar, através das técnicas e teorias da ciência contemporânea, o caráter
depurador da codificação binária, na intenção de criar representações figurativas
6 Algoritmos graftais fazem uso de um alfabeto de formas ao qual é aplicada uma regra de
construção.
7 O Algoritmo de Carpenter para construção de montanhas tem como base a construção de uma figura conhecida como Triângulo de Sierpiensky. A partir do ponto médio dos catetos de um triângulo, quatro triângulos circunscritos ao primeiro são especificados. Deslocando ligeiramente os pontos médios dos catetos a partir de uma funçaão randômica limitada, o Algoritmo de Carpenter permite o reposicionamento das linhas formadoras dos triângulos-base a cada geração, ampliando a irregularidade da figura final.
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Alfabeto de três formasRegra de ConstruçãoFigura Gerada
FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
realistas a partir de codificações matemáticas realizando o sonho Cartesiano de
um universo matematizável.
A amplificação quantititativa do poder de cálculo do homem, a aceleração e
extensão do processamento de informações que o computador viabiliza, só seria
condição suficiente para o poder demiúrgico de criar universos virtuais
equiparáveis ao mundo de nossa experiência cotidiana se, como queria Galileu, “o
conhecimento matemático se distingue extensive, em amplidão, do conhecimento
de Deus, mas intensive, qualitativamente, lhe é igual” (Becker, 1965, p. 76-77).
Figura 10. Representação esquemática de geração de montanha com o Algoritmo de Carpenter, baseada em R. Rivlin, 1984, p. 349.
A estrutura matemática em que estão baseados os aplicativos da computação
gráfica, e seus produtos, é o produto de uma lógica humana, condicionada por
elementos sócio-culturais. A aura de universalidade e objetividade conferida às
ciências exatas oculta o fato de que o que é modelável já está de certo modo pré-
determinado pelos axiomas a partir dos quais se compôs o instrumental à
disposição do usuário do sistema, uma vez mais dando vazão ao grande paradoxo
de toda ideologia dominante:
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Regra de
Construção
FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
... as determinações particulares, o ponto de vista específico, a intencionalidade de cada estratégia se encontram reprimidos ou ocultados por mecanismos de refração, de modo a permitir que a subjetividade de uma visão particular possa permanecer como a objetividade de um sistema de representação universal. (Machado, 1984, p. 73).
É importante destacar que estas considerações não visam negar, em nenhum
momento, o potencial criativo da computação gráfica. Quero chamar atenção
apenas para o fato de que, como com qualquer outra ferramenta ou material de
desenho, pintura ou escultura, o pleno aproveitamento dos recursos dos sistemas
digitais para criação de imagens depende do conhecimento de suas capacidades,
incluída a compreensão de seus limites. O reconhecimento de características
básicas do meio, como a tendência dos sistemas de modelagem disponíveis
comercialmente para a geração de sólidos perfeitos e figuras extremamente
regulares inseridas em espaço artificialmente contínuo e homogêneo, é básico
para a apropriação produtiva e criativa desta nova tecnologia de expressão visual.
Referências Bibliográficas
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Unicamp).
Bazin, A (1992), “The myth of total cinema” in G. Mast, M Cohen and L. Braudy (eds.),
Film Theory and Criticism (New York, Oxford University Press), pp. 34–37.
Becker, O. (1965), O Pensamento Matemático: sua grandeza e seus limites. Tradução
portuguesa de H. A. Simon. (São Paulo, Herder).
Chen, M., et al. (1988), “A Study in Interactive 3D Rotation Using 2D Control Devices”,
Comptuer Graphics 22(4), ACM Siggraph, pp. 103-111.
Couchot, E. (1988), “Synthese et simulation: l’autre image”, Hors Cadre 6, pp. 115-132.
F. Tamarit et al. (1992), “O Infinito em Cores”, Ciência Hoje 14(80), pp. 40-47.
Fragoso, S.D. (1992), O Imaginário Digital: considerações sobre as premissas básicas
da modelagem geométrica computadorizada. Dissertação de mestrado apresentada
à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, inédita.
J. Deken (1984), Computer Images: state of the art. (Londres, Thames and Hudson).
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FRAGOSO, Suely. Limites técnico-científicos da computação gráfica mainstream. Chronos, Caxias do Sul - RS, v. 31, n. 1, p. 64-73, 1998.
Machado, A (1984), A Ilusão Especular. (São Paulo, Brasiliense).
Machado, A. (1988), A Arte do Vídeo. (São Paulo, Brasiliense).
Quéau, P. (1986), Èloge de la Simulation. (Seyssel, Champ Vallon).
Revista do CD-ROM, vol. 22.
Rivlin, R. (1986), The Algorithmic Image. (Washington, Microsoft).
Roszak, T. (1988), O Culto da Informação: o folclore dos computadores e a verdadeira
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Timnick, L. (1982), ‘Electronic Bullies’, Psychology Today. February, pp. 10–15.
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