Os Meios de Melhorar as Condições Das Habitações Destinadas Às Classes Pobres - Conselho Superior de Saúde

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  • 8/17/2019 Os Meios de Melhorar as Condições Das Habitações Destinadas Às Classes Pobres - Conselho Superior de Saúde

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    T ü m H U S U P E R I O R D E S A U D E P O B U C A

    PARECERES

    d e m e l h o r a r a s c o m l i c O e s d a s h a b i t a ç õ e s  

    d e s t i n a d a s á s c l a s s e s p o b r e s

    RIO DE JANEIROI M P R E N S A N A C I O N A L  

    l 8 8 6

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    E S A P R E S E N T A I S P E L O S M E M B R O S D O C O N S E L H O S U P E R I O R D E 

    l - A U D E P U B L I C A , A S E S S Ã O D E 8 D E J U L H O D E 1 8 8 6

    T H E 8 E

    QUAE3 AS PROVIDENCIAS A TOMAR PARA MELHORAR AS PÉSSIMASCONDIÇÕES DAS HABITAÇÕES DESTINADAS ÁS CLASSES POBRES DÁ NOSSA SOCIEDADE, SUBSTITUINDO AS ACTUAES ESTALAGENS DENO-MINADAS « CORTIÇOS » POR HABITAÇÕES SALUBRES E REMOVENDOASSIM UM DOS MAIS PODEROSOS FÓCOS DE INFECÇÃO QUE CON-CORREM PARA A INSALUBRIDADE DA CIDADE DO RIO DÉ JANEIRO.

    P a r e c e r d o D r . A g o s t í n h o J o s é d e S o u z a L i m a

    Nim iamente co m plexo e va sto é sem duvida, o estudo de 

    todos os problemas que se referem à construcção de habitações 

    em g er a l, e em particular as destinadas ás classes pobres, 

    v isto como ne ste ultim o case. m ais difflcLL se torna con ciliar  efficazmente os interesses das r e g i^ e conveniências hygienicas 

    com as da econom ia do material* e ;^ão de 6bra necessaria»; 

    pa ra pôr tae s hab itações ao alcanbe fctjfs recursos exiguos:*feá 

    parcos dos operários e todos os que r&presentryfti o pro letaria do.!

    Cumpre, en tretan to, não protelar po? mais tem po a rea lizaç ão j| 

    da cruzada que em boa hora se levan ta cdhtra e ss a W riv el praga  denominada —cortiços— que os tensiva ou d i s fa r ç a d ^ ^ i t e h ^  

    ainda esta cidade. N inguém desconhece ou ign ora cisque sljp  

    aqu artelam entos infectos, que, si pe la aggtonretação de 

    m ereceram aqu ella designação, pe la qualidade h e te r ^ c  

    sua população e de seu s freqüentad ores, p ela de 

    bitual que ahi reina ao lado da imm undicie a th |  são um protesto solemne contra aquel le ajuntamenifp | | | 

    trabalhador, exe m plo de asseio , ordem e disci 

    |o pelas abelhas.47—86 \

    são um  

    l^trabalh;Ü

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    Infe lizm ente , segund o um a es tat ís tica que ve iu a m e u c  

    c imento, exis tem no Rio de Janeiro umas 1 .046estalagens , dest  

    na tureza, divididas em 15.055 qu artos, e accommodando 46 .285  

    indivídu os ! Sã o, como bem diz o Dr. P ires de Alm eida, outro s tan tos fócos pe sti lenc iaes, onde dorm itam si lencioso s, e  

    se reproduzem an nu alm ente os g erm en s das epidemias, como  

    em viveiros cuidadosamente guardados.

    L im itar-m e-hei n esta cur ta exposição a apreciar as questões  

    cap itaes e m ais im por tantes que, em m atéria de construcção  

    de habitações, cabem sob o dom inio da h yg ien e m edica, deixando aos com petentes e proflss ionaes as que affectam à en ge

    nharia e arch itectura .

    V arias e num erosas são as c ircum stancias que re lev a ter em  

    vista o atten de r no exam e de todas as condições requeridas pe la  

    hy giene re lat ivam ente a taes construcções, e vem a s e r : a lo

    calidade, os m ateriaes, a divisão intern a e disposição dos compa rtim entos, suas dim ensões, ven ti laçã o, il lum inação , etc.

    A ntes de tudo devo jà declarar que, tratan do -se de um solo  

    como o que con stitue todo o perim etro, toda a ex tens a va rzea  

    cm que se acha ediíiçftda a cidade do Rio de Ja neiro, até as fraldas  as coll inns o m m ^ ^ ^ ^.cjue^ a rodeiam, é convicção m inha  

    im as cond ições ás da localidade, que são

    ten do quií ■ hab itações, d ev e se pr estar

    * a tte n çj K ^ y jr y.^j&Wfaente do que á localidade ; das co n -  

    ?s daqiw ^aB^ t ^ ^ S r d a s tric ta observância-dos preceitos ^ o'iea j Í I Í d ue da escolha do logar, depende isto é, pondo de pa rte a influen cia 

    ‘wits tn ^ M Ê K la ç ã o m aior de casas, e maior densidade 

    ação. assMP como de outras circum stancias divers as, 

    aà'identaes, pelo que diz resp eito som en te ao solo, 

    | mesmo n ive l .de salubridade o centro da c idade 

    s seu s arrabaldes m ais proximos desde B otafogo 

    ico a té S. Christovão e Caiú.

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    Infelizmente, segando uma estatística que veiu am euconcimento, existem no Rio de Janeiro umas 1 .04Gestalagens, destánatu reza, divididas em 15.055 quartos, e accommodando 46.285indivíduos! São, como bem diz o Dr. Pires de Almeida, outros tantos fócõs pestilenciaes, onde dormitam silenciosos, e se reproduzem annualmente os germens das epidemias, como em viveiros cuidadosamente guardados.

    Limitnrmehei nesta curta exposição a apreciar as questões

    capitaes e mais importantes que, em matéria de construcção do habitações, cahem sob o dominio da hygiene medica, dei-xando aos competentes e profissionaes as que affectam á engenharia e architectura.

    Varias e numerosas são as circumstaccias que releva ter em vista e attender no exame de todas as condições requeridas pela hygiene relativamente a taes construcções, e vem a ser : a lo

    calidade, 05   materiaes, a divisão interna e disposição dos com partimentos. suas dimensões, ventilação, illuminação, etc.

    Antes de tudo devo jà declarar que, tratando-se de um solo como o que constitue todo o perímetro, toda a extensa varzea 

    em que se acha edifiaida a cidade do Rio de Janeiro, até as fraldasdas collinas e mo;

    ue as condiçõesmais ouendo qi|attençi

    sdaq^ y/?ieg

    que a roueiam, ó convicção minha Ram às da localidade, que são

    V í 

    das habitações, deve se prestar Inente do que á localidade ; das con

    da stricta observância-dos preceitos is do que da escolha do logar, depende isto é, pondo de parte a influencia 

    ilação maior de casas, e maior densidade como de outras circumstancias diversas, 

    í identaes, pelo que diz respeito somente ao solo,| mesmo nivel de salubridade o ceníro da cidade 

    |s seus arrabaldes mais proximos desde Botafogo ico até S. Christovão e Cajú. 

    ro que, debaixo deste ponto de/ vista, é indif-,^1  "'n que convém escolher para as habita

    açao. ass

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    sses pobres, levando porém em consider.ação a distancia IBS fôcos de seu trabalho, aos estabelecimentos em que 'exercem suas occupações, tanto quanto a facilidade do horário e preço 

    da conducção e meioS de transporte.Resolvido o problema por esto lado seria occasião de cuidar das medidas relativas á casa.

    Os materiaes de construcção podem ser differentes, e apropriados ás condições especiaes dos planos adoptados, e das localidades escolhidas. Penso que não ha motivo para se adoptar exclusivamente uma só especie de material, assim como não 

    condemno de um modo absoluto o emprego só da madeira, á  feição do que se pratica nestes últimos tempos em relação aos hospitaes provisorios. Não dissimularei, entretanto, as sérias apprehensões que nutro quanto a este material exclusivo, ap- plicado a um clima quente e humido qual ô o do Rio de Janeiro. Receio do mau oxito deste systema de casas, poi& que, como é sabido, a madeira em contacto permanente com o solo que não fôr convenientemente preparado e secco, entra mais ou menos promptamente em decomposição, o calor excessivo abre fendas na madeira, e nellas penetram logo a chuva e a humidade atmosphorica exercendo nesses pontos sua acção fe r- mentativa destruidora. Ahi refugia-se e estabelece domicilio e prole toda a casta de insectos damninhos e nocivos. Nas 

    partes mais elevadas das construcções de madeira assesta seus  arraiaes o terrivel cupim, que devora interiormente todas as peças do madeiramento, enfraquecendo a solidez da casa, e expondo-a ainda mais à voracidade dos incêndios. Não ha quem ignore as funestas conseqüências da decomposição pútrida da madeira, tornando-se na qualidade de matéria organica ve

    getal, um dos factores mais poderosos na producção das febres palustres.A observação tem mostrado que após a derrubada de certa ex

    tensão de mata, ficando implantados no chão o tronco das arvores, si ahi se estabelece uma familia, povoação ou nucleo colonial, manifestam-se logo febres interm ittentes, que só desap- 

    párecem e abandonam a localidade depois de destruídos 

    aquelles troncos ou pela putrefacção lent», ou pela mão do homem.

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    Basta este facto para demonstrar um dos grandes incon. nientes das casas de madeira, e a fonte de insalubridade que ellas se podem tornar para os seus habitantes, sobretudo no nosso 

    clima. Si assim ô para as casas isoladas muito mais o será para as de morada commum, em que a circumstancia da agglo- meração de indivíduos concorre para precipitar aquella alteração  da madeira, e os riscos jà apontados que dahi decorrem.

    Em todo o caso, porém, si o emprego exclusivo da madeira como material de construcção entre nós não parece sufficiente- mente justificado, tambem não creio que deva ser rejeitado in limine  e ô bem possivel si não provável que para contrabalançar aquellas razões de sua condemnação, talvez um pouco systematica, sobrevenham em seu favor outras de muito peso e valia, attendendo-se para a riqueza admiravel da flora bra- zileira em madeiras de construcção das mais duráveis e resistentes, ainda mesmo expostas à humidade, ao contacto da agua etc., por tempo indefinido.

    Ahi estão, por exemplo o jacarandá-tan, a sucupira, o ipê, a sapucaia, os oleos, a massaranduba, a c mella, o tapinhoã, etc., e todas essas madeiras chamadas por isso de lei.

    Si à resistência própria e natural destas especies vegetaes  juntarmos a que se pôde conseguir por meios artificiaes de pintura com certas substancias de impregnação por outras, 

    não será difficil concluir mesmo favoravelm ente a adopção da madeira escolhida, como material de construcção.

    1? tal a resistência e durabilidade de algumas madeiras que, as que servem para a construcção .de navios, e que são sempre de primeira qualidade, não se perdem e são ainda aproveitadas e utilisadas, quando aquelles se têm tornado imprestáveis e são desmanchados. Não fossem circumstancias de outra ordem, ligadas â impregnação dessas madeiras pelo miasma náutico desenvolvido nos porões dos navios, e não havia razão para condemnar semelhante pratica, tão seguida entre nós.

    Assim, pois, não soü contrario de um modo absoluto ás con- strucções de madeira para habitações de classes pobres, desde que ella s sejam escolhidas dentre as mais apropriadas para esse fim, 

    e convenientem ente pintadas ou envernizadas etc. O que de fórma nenhuma se pôde admittir são essas gaiolas que por ahi

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    Be levantam de um dia para outro com sarrafos e laminas delgadas de pinho, como as que servem para as barracas do Espirito Santo.

    Entretanto devo confessar que me parecem mais seguras e preferíveis as construcções mixtas de tijolo e madeira,quando não possam ser de pedra e cal, o que seria melhor, e ainda mais, para as pequenas casas em grupos ou alas, as paredes divisórias de duas em duas, ou de tres em tres casas, conforme a extensão de seus commodos, devem ser de tijolo duplo ou pedra, com o fim do  concentrar o ar mephitico por occasião das epidemias; isto é de 

    embaraçar que o ar uma vez corrompido em uma casa passe para outra.

    Na escolha da orientação dos grandes grupos de casas destinadas aos proletários, não podem ser facilmente adoptadasas regras applioaveis às casai isoladas, figurando aliás esta clr-  cumstancia, a meu ver, entre as de somenos importância.

    Na disposição e distribuição das peças de que se deve compor cada casa ou grupo de casas, algumas recommendações existem que figuram na ordem das banalidades, mas que nem por isso  me julgo dispensado de mencionar aqui, ao lado de outras mais importantes que, por desconhecidas ou desprezadas ordinarisn- mente, merecem mais attenção. Devendo ficar sujeita a divisão interna da casa á lotação que lhe é destinada, nada direi sobre 

    o numero das peças, entretanto desde jã me pronuncio contra todos esses cubículos, aguas-furtadas e trapeiras que commum- mente são aproveitadas para dormida, notando-se, porém, que estas ultimas, com as modificações impressas pelos princípios de architectura ou esthetica moderna, podem e devem ser conservadas para os fins primitivos, isto é, como alçapões feitos nos telhados das casas para lhes dar ar e luz.

    O maximo empenho deve existir em distribuir com a fartura possivel estes dous elementos de vida, e por‘isso são hoje absolutamente condemnados esses compartimentos interiores, acanhados e escuros, chamados alcovas. Todas as peças da casa devem ter 

     janellas ou aberturas quaesquer para o exterior, que neste caso não é forçosamente a rua ou a via publica, mas pôde ser uma 

    area ou pateo, etc., principalmente emquaoto si não adopta o systema dos tectos suspensos, de pequenas clarabóias suspensas

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    , - 6  f ' 

    ou dos forros perfurados em differentes sentidos, niais ou menos artisticamente. E’ esta uma providencia que reputo de subido alcance e valor pratico.

    São igualmente condemnados os longos corredores estreitos, 

    assim como devem ser completamente banidos entre nós os tectos metallicos, por motivos que são claros e intuitivos.

    Não convém de modo algum que as portas e janellas sejam inteiriças, fechando totalmente as respectivas aberturas; estas devem ser, ao menos por metade, em fórma de venezianas, e aquellas devem ter superiormente oculos, ou um pequeno vão gradeado. As vidraças que de um modo geral devem ser antes de abrir e fechar ( para dentro ou para fóra ), e, para as casas de certas proporções e altura, não admitto que sejam de outra maneira, podem ser nas pequenas casas sob a fórma chamada de guilhotina, isto é, de erguer e abaíkar em duas peças; com- quanto menos elegantes, e obstruindo constantemente a metade do vão occupado pela janella, offerecem a vantagem de per-  

    mittir a graduação da corrente do ar nos casos de doenças ou mudanças bruscas de tem peraturas; convindo, porém, substituir o actual systema de prender as vidraças por meio de borboletas  

    de ferro, pelo de cremalheiras,  taes como se usam nos carros da estrada de ferro, isto é, podendo-se levantar ou descer até o ponto em que se quer, deixando em cima ou embaixo, um espaço maior ou menor, a ventilação.

    E’ de todo o ponto inconveniente estabelecer, dentro de com- 

    modos occupados pelos moradores, a cozinha e a latrina ; estas  duas peças, que nunca devem estar próximas uma da outra, como tão frequentemente se observa contra todos os preceitos de simples intuição e bom senso, devem estar mais ou menos separadas e apartadas, com particularidade a latrina, dos outros 

    compartimentos da casa, sobretudo destinados à comida e á dormida.

    Tratando-se de pequenas casas em grupos mais ou menos 

    numerosos pode-se providenciar a que haja cozinhas e latrinas communs a um certo numero, devidamente arejadas, ventiladas e, em relação a estas ultimas, tambem efficazmente 

    desinfectadas. •Cumpre velar o mais possivel sobre a distribuição da agua afim

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    de que chegue e sòbre antes do que falte para todos os misteres de uso doméstico e exigencias reclamadas pela hyg iene.

    Finalmente, lembro aqui uma circumstancia que não tenho  

    por sufficientemente estudada ou pelo menos esclarecida* e vem a ser a que se refere ã preferencia entre as casas terreas e as assobradadas. Parecendo, ã primeira vista, que toda a vantagem está do lado destas ultimas, todavia acredito que assim é somente quando a altura por baixo do assoalho permitte que ahi se penetre de qualquer modo afim de manter a limpeza necessaria, sem a qual converte-se esta socava em um deposito de lixo e toda a especie de immundicie a que se ájunta a agua  que escorre das lavagens da casa, e que tanto mais inconvenientes póde acarretar quanto o terreno for por sua vez racnos secco ou mais humido. E’ isto o que inevitavelmente acontece com estas casas cujo assoalho eleva-se apenas alguns deci- metros do solo ; estou convencido que, desde que seja elle  

    convenientemente preparado, e as madeiras empregadas as mais adequadas ã construcção pela sua resistência e durabilidade, nenhum mal ou prejuizo póde provir de serem as casas de todo terreas. Pelo contrario, julgo-as preferiveis às casas assobradadas cujo sotão ou socava não mede mais do que meio a um metro.

    As dimensões de cada commodo ou compartimento variam con

    forme a lotação da casa, mas nunca devem ser inferiores a 3 ou 4 metros em qualquer das direcções, e debaixo deste ponto de vista devem ser prohibidas as sobrelojas, bem como a moradia nas socavas que são os verdadeiros sótãos,  porque são em geral 

    constituidos por espaços estreitos, acanhados e escuros ou húmidos.

    Em conclusão penso:1.° Que as habitações para classes pobres, como todas as outras, podem ser construidas de pedra e cal, tijolo ou mesmo madeira desde que seja esta escolhida entre as de mais resistência e duração e o terreno convenientemente preparado ;

    2.° Que as habitações quando não possam ser assobradadas, porém bastante altas do chão, para permittir a limpeza da  

    socava ou sotão,  convém antes que sejam de todo terreas, na-  quellas condições do so lo ;

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    3.° Que o tecto, que nunca deve ser de coberturametallica, quando não possa ser applicado de modo a deixar circular mente um vão ou intervallo para o arejamento, deve ter ao menos para cada casinha uma pequena clarabóia suspensa, que sirva  ao mesmo tempo para o arejo e illuminação ;

    4.° Deve-se evitar o mais possivel alcovas fechadas e longos corredores, e providenciai' de modo que não fiquem dentro das casas, e sobretudo nos commodos de dormida ou moradia habitual dos inquilinos, as cozinhas, latrinas, banheiros; estas peças, assim como os tanques de lavar roupa devem ficar fóra como de- 

    pendencias communs a pequenos grupos de casinhas, conforme sua lotação ;

    5.° Finalmente, quanto ao numero, divisão e disposição dos compartimentos e peças interiores,, bem como das portas e janellas, e mais accessorios, cumpre observar os preceitos hygienicos, que dem ãos dadas com os da engenharia, melhor aproveitem ás 

    condições requeridas para as habitações economicas, sem pre juízo da commodidale e da salubridade.Rio de Janeiro, 30 de Junho de 1886.— Dr.  Agostinho José  

    ãe-Sousa Lirna.

    Parçcer

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    morte a todos os que estão sob a influencia delles, ô incontestável que a habitação do pobre actúa energicamente sobre a existencia deste.

    Em todos os tempos tem merecido a attenção dos governos a 

    classe pobre e operaria. A França, a Inglaterra e os Bstados- Unidos, em regulamentos confeccionados pelos seus governos, dispõem medidas tendentes a melhorar a sorte destas classes, procurando dar-lhes um conforto do qual possam gozar no correr da vida.

    A habitação do pobre é, sem duvida alguma, muito importante 

    no estudo da hygiene, pois que infelizmente 110  nosso paiz, 0   interesse e 0   lucro tudo dominam em relação à actual residencia do pobre.

    Manifestando-me deste modo, reconliece-se que, apezar dos cuidados do governo e da municipalidade, 0  pobre tem para habitação um perfeito fòco de infecção.

    As providencias e 0   zelo da Inspectoria Geral de Hygiene, 

    a observação feita pelo medico, principalmente na actual idade, sendo chamado a todo momento para prestar os soccorros de sua profissão ao pobre, apreciando a miséria do lar, são provas inconcussas que 0   guiam a condemnar esses antros denominados — cortiços —, que devem desapparecer, pois que constituem verdadeiros fócos de infecçã®.

    Na Imperial Academia de Medicina tem sido objocto constante de estudo a residencia do pobre, e na Camara Municipal tive òccasião, em commissão co m oE xm . Sr. Barão do Lavradio, e outros collegas, de profligar 0  cynismo desses proprietários de estalagens que, desprezando os preceitos da sciencia, que lhes são aconselhados, e só attendendo aos lucros que podem provir, não hesitam um só momento em sacrificar as vidas dos loca- dores.

    E no omtanto' ahi está a hygiene a exigir 0   cumprimento dos seus preceitos na edificação, dando ás casas todas as condições de salubridade.

    Ahi está a hygiene a impor a ventilação, a luz, a orientação, a natureza Uo solo em que se possa ediflcar, e 0   proprietário 

    dessas estalagens indo sempre por diante, e construindo pequenos quartos separados por tabiques de madeira, onde faltam

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    todas as condições precisas, exigindo sómente do locador uma só condição, a importância do alug uel, que e lle considera a unica e essencial.

    Em uma cidade, como a do Rio de Janeiro, onde acham-se distribuídos, por todas as freguezias, 1.294 cortiços com 16.378 quartos que em si recebem uma lotação superior á que prescrevem os preceitos da sciencia, ó facil prever que elles  representam um vulcão prompto a fazer a sua erupção, logo  que se apresentem condições favoraveis.

    Não é necessário um proftmdo estudo para reconhecer que essas immundas habitações encerram em si germ ens de moléstias que podem tomar o caracter epidem ico. A historia das epidemias no nosso paiz demonstra que todos os annos, na intensidade do calor, moléstias infecciosas desen vo lvem -se tendo por ponto de partida essas esta lagen s habitadas pelas classes menos favorecidas da fortuna.

    E é com razão que o i Ilustrado Dr. Costa Ferraz, em seu trabalho que tem por titu lo —  A Salubridade da capital do  

     Im pério e os Cortiços, pronuncia«-so contra elles, declarando, que um a questão tão importante, e que tão dWectamentc entende 

    com a saúde e vida dos habitantes da p rim eira cidade do Império , 

    não p ód e continuar a estar entregue aos cálculos da sordidez e 

    do egoismo.

    E não se póde duvidar que essas asquerosas residências 

    devem ser extinctas, por isso que os factos demonstram que ella s representam uma sala de espera para a morte.

    O estrangeiro que aqui aporta, e que vem en treg ar -se ao

    trabalho, é o primeiro afTectado desse ílag ello ter r ível, a 

    febre am arella, que dolle apodera-se, não só por não estar  aclim atado, como tambem porque, julgando encontrar um a l

    bergue, onde se recolha do afanoso trabalho do dia, depara com 

    a morte no momento em que menos a espera.

    E ó deste modo, que no velh o mundo ecôa a fama de que o 

    R io de Janeiro é um paiz pestifero.

    A these apresentada a este conselho por todos os modos  que seja encarada, deve resolve r uma q uestão qho, em todos 

    os tempos e em todos os paizes, tem reclamado aattenção dos

    homens da sciencia, e uma prom pta solução.

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    cubículos que, além da promiscuidade que ô um dos mais perigosos inconvenientes da estalogem, encerra causas de outra ordem, das quaes trato neste parecer, representadas pela accu- muluçüo de detritus, e principalmente pelas latrinas.

    Como disse, as habitações exigem para as suas construcções preceitos especiaes que se prendem a certas condições de solo, de altura, quer sejam ella s ediíicadas em logares elevados, quer em planioies próximas de florestas, rios, ou pantanos, resultando  destas condições o seu maior ou menor grau de salubridade.

    E’, portanto, logico que, pelas razões que emitto, sou con

    trario á permanência de estalngens nesta cidade ; mas como substituil-as por habitações salubres ?

    Esta questão que ex ige desenvolvimento indieando' qual a melhor habitação para o pobre, suscitará talvez , sob o ponto de vista hygienico, grande numero de objecções, offerecendo o progresso da sciencia elementos para destruil-as.

    Sectário, como sou, da construcção de casas de madeira, acon

    selho-as, apoiando-me na sciencia hodierna, e nas vantagen s reconhecidas em outros paizes, onde o systema de construcção  de casas para o pobre ó indicado, servindo-se deste material.

    Colin dizia que a madeira devia ser aceita á vis ta das condições hygienicas que apresentava.

    O systema Lefort, inaugurado na França, reso lve a these  

    apresentada, e a prova desta verdade encontra-se nas construcções feitas para operário e para o pobre, vivendo estes em casinhas, separadas uma de outra metro e meio, como se nota em Mulhouse, tendo na frente dellas o  \  lantio de aivores,  

    correndo o alugu el por conta da municipalidade, e tornando-se  

    o operário, no flm de 12 annos, proprietário, não excedendo o 

    preço do alu gu el do decimo do seu sa lar io. Ahi estão a Ame

    rica do Norte e a Inglaterra construindo para os seus operario3, casas, empregando igual material de construcção.

    Na conferência que fiz, por occasião de inau gurar-se a e n -  

    fermariarbarraca no campo de manobra do batalhão nava l, na 

    ilha das Cobras dizia que uma das grandes va nta gens , e 

    superioridade deste system a de construcção, era a disseminação 

    dos doentes, e agora poderei applicar estas palavraâ às casas iso

    ladas dos operários sós ou com familia, inteiramente diversas dos

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    cortiços, onde vivem agglomerados, respirando um ar impuro, offerecendo este systema de construcção excellente ventilação.

    As objecções que os adversários apresentam quanto â con-’ 

    strucção de madeira são as mesmas que offereeem relativam ente  aos liospitaes, sustentando que a madeira obra como uma esponja, absorvendo grande quantidade de humidade sem lem - brarem-se que as CaSaS sendo construídas de tijolo, apresenta este mais 20 °/0 do seu peso, quando mergulhado na agua, ao contrario da madeira que offerece 5 %• sem se lembrarem ainda que a madeira é mais refractariaá humidade do que o tijolo .

    Procurando ainda argumentos contra as casas de madeira, dirão que não se conservarão sob a influencia do nosso clima, principalmente no verão em que os raios solares actuam dire- ctamente. A este modo de pensar oppoem-se muitos engenheiros, a quem tenho ouvido dizer que o pinho de riga conservarse mais de 10 annos, o na enfermaria por mim construida ha mais de dous annos, notar-se a mais bella conservação, como si 

    esse edifício tivesse sido erigido ha pouco tempo.Si attender-se ã somma exigida pela construcção destas casas, 

    argumento de que se servem-tambem os antagonistas, ô certo, que será menor da que se poderia despender com a construcção de pedra ou tijolo*

    Finalm ente, os pessimistas reccrrerão á. facilidade de incêndio, mas, neste ponto, a sciencia hodierna demonstra os meios  

    de tornar essas casas incombustíveis.Ninguém desconhece que na Inglaterra fabrica-se, em grande  

    escala, a tinta de amiantho, apresentando differentes cores , de que servem -se os industriaes para pintar as casas, tornando-as incombustíveis. No grande incêndio de Glascow, em 1883, as redacções dirigiram os maiores encomios ao Sr. Bell, proprietário  de uma das fatricas de artigos de amiantho, pelos resultados 

    do emprego da tinta applicaaa ao màdeiramento do  Eoenning Times , sendo poupado todo Qedifício e sendo destruído totalm ente  

    o edifício contiguo, .que sériamente atieaçara o estabelecimento.

    Como sabe-s e, o

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    — 14 —

    quantidade dessa tinta, e em pontos da província t(e Minas Geraes, principalmente em Sabarã, ha jazidas deste .mineral, como tive oçcasião do reconhecer por amostras, com que obse- 

    quiaram-me. Assim, vè o conselho que não aceito outro system a de edificação de casas para o pobre e operário que não seja o de Lefort, isto é, o de madeira.

    Economia e todas as condições hygienicas concorrem para que seja este systema preferível a qualquer outro, e que é seguido na Europa e America.

    Concedida a licença pelo governo a alguma empreza, ou cor- *

    rendo a construcção por conta do municipalidade, como tem . logar na França, podem* ser construídas em duas linhas casas para solteiros ou familias*,

    Estas casas terão uma pequena salà, quarto e cozinha, para solteiro, e para fam ilia, sala, dous quartos, saleta de jantar,- latrina e encanamentos para as aguas potáveis o esgoto.

    Ao architecto compete a execução do plano, que será o de 

    Lefort, ou outro qualquer que reuna as condições reclamadas  por este distincto hygien ista, para os ^ospitaes.

    Baseando-me nas premissas apresentadas ne ste parecer, res

    pondo ã these proposta do- seguinte modo :1.® Que essas estalagens que se acham distribuídas pela cidade, 

    devem , quanto a ntes, ser e^tinctas, pois que não apresentam  

    as condições hygienicas exigidas pela sciencia para a construcção das habitações da classe pobre e operaria, constituindo fócos 

    de infecção ;

    2.® Que devem con stru ir-se -casas de madeira, segundo o 

    system a Lefort, que são aceitas em diversos pa izes ;

    3.® Que estas habitações devem estar sob a vigila ncia das 

    autoridades sanitarias ;

    4.® Que o proprietário não poderá exigir doVlocatario, como 

    alug uel m ensal, mais dolque a 3? pa rte do seu salario para 

    familia, e para solteiro a 4a partç;

    5.® Que essas ôasas deveih ser dispostas em linha, havendo um  

    espaço de uma a outra de*metro e m e io ;

    6.® Que o proprietário, «si a obrajfòr fe ita por

    pe la municii alidade, será Obrigado a arboris.it' o tcrreuo í r o ç ^ S  teiro ás casas, e em distaneja convelfflçto d e s t a s ;  j f 

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    todasM B   iIc , em pontos por

    ^ ■ I t o dos morros de

    #lúi€°4BB3onstruidas fora do centro

    fs trens de ferro, ou bonds,

    Castello, Senado, Paulau outros M P ”

    fwdidad

    H g ?!

    op oraijo fôr para o trabalho, ou

    fe ^ara ma'or C0,nrIodidcÍ4e Jlo pobre, deve o governo• impor, Bor menor preço, aí j ja e Volta no trem

    1 ' ^ H I °U lj0n(̂ S’ ^uan >̂ o op (3é 9 [ o  fôr para o trabalho, ouE ^ ^ r a |^ ^ e s s á r «

    Que devemso se t í\   ' ° ' | ,|n~®e S9̂ HmgPi (ediMs tomadas pela Inspectoriae e i j l e Clmaralviunici!®^ f cortiçoS) emqUanto nãose ítdocede as copstruçõ^^^K, I, .

    ‘ I W B X K H i f f i l e i r a .Eista é .a minha opm L * f / , ■ , . . _ „ „1 r 1 ío cu jo desemvolvimento reservo para adiscussão. EaBe 

    R io d e t t m e j r o , 31  f a ú o   ^ I 8 S > _ D r . Carlos Freder icod o s S a n t o s X a v i e r A z ê

    «ÊÊnu iiubro| do con se lho.

    Dr. José fltlaria Teixeira

    A tliesewra^c *o et tudo e  jB recer do conselh o su periord§^)SHlraTr7 !W > sítitvfc .uma tfàestão de h y g ien e pub licam u ito COH" >á c | j í^ re so « b ã o é m ister o concurso de 

    v á rio s ía 3- cto re s o le e natui’ea& diversas:Ass im  z[  se dedj^EL j.en Jnc8ai®| da questão, que é o s e g u i n t e : 

    « Das prov id tqjMr  para Inelhorar as péssimas condições das ^ | iab i ta | í^^ ^^ ^P vias ás cjásse s pobres de no ssa sociedade, su; 'tações4 

    fôcos d è j ^ l  

    cidade. »

    S i n ão R iR e  

    lado econpmico,

    roJpjLVendo agsim um dos m ais poderosos  

    concor vl̂ m pare. WhvJnsalubridade desta

    p le ta e pe í f e i ta -mente l - e so lv ido c 

    dida, indiclida j \á em 187C. em*

    1

    p r c d l o e n c a r t o o assumijo tambem pelo seu  

    ecltj} que éste 'nflcil Kroblema f icar ia com-!» « o p ç ã o d a s e g u i n t e m e -  B e in a u g u r al « d e sa p ro -

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    medidag direofcÇis que H fl^ K ã o de inonidaE 

    R f c 3 R cm ser a u * 4  todiis paralo

    H | . J m M | | J |tó j|b rç^ se llio o estifdév das reg ia s hygâFiteíis 

    coastwr, Jãgfilád que

    flrrecjfcíiB, t a ^ J i a j s  

    tóusa clíis deíjSapro- 

    >nstruc§Oes, seriam  

    le g jw d e i^umero lançaria ã  

    sa B w u l a ç i w

     — 16   2 — 

    pnação dos cortiços e conapleUa '.l0^ 7 mandando ogoverno construir habitaçõ* piop^^a^para a classe pobre. »*

    Mas, além do dispendio éwjtae,.ropòinpativel com as jposses údo Estado, seria essa medida V ta lt‘n: nma intervenção si não t  

    indébita ao menos exagerada ;tjci g°v%no em assumptos qáe não ^devem ser exclusivam ente por ep le reiw>lvidos. *

    As providencias a tomar em |r e l aC^of ás habitações jpara 03^pobres são directas ou indirectlas 

    são: a demolição dos actuaes corniçol hygienicas, meios de efflcaoè& ic^op: 

    liadas por providencias indirectas q almejado dm . » 1

    Deixaremos aos nossos illustradoá  dos meios directos, como tamlem a an 

    quo devem ser observadas nas h a b iM  

    aliás já se acham hoje bem cqmpenida

    A; resentaremos apenas algjimaABed! 

    quanto a s directas, além de d f l B i « |  

    priações, tardias, pelo tempo] neoess 

    por ora vexatór ias , porquanljo a t» m

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    dições tèm melhorado um pouco nos últimos tempos, e que ha  no Rio de Janeiro muitos dos denominados cortiços, nos quaes as  

    regras de hygiene são attendidas em grande parte. ( ’ )

    A que devemos attribuir as melhoras que se têm observado, 

    mas que estão longe do ponto a que devem os attingir ? Si é verdade que em parte é devido esse facto á solicitude de alguns  membros auxiliares da actual Inspectoria de Hygiene e das extinctas juntas de hy giene. não é menos verdade que outro 

    factor muito tqm concorrido para esse resultado .

    Com effeito, a diminuição da densidade da população em certos  

    pontos da cidade, fazendo com que essa população occupe maior 

    superfície, é uma medida de 'grande alcance em hygie ne publica. Diz Arnould : « 11 semble donc que 1a mortalitó dvninue dans une   proportion semblable à celle dont les liabitanls s’étendent en  

    surfacc .» To llet av alia em 40 metros quadrados, por habitan te, 

    a superfície de que dispõe a população parisiense ; em Londres, 

    ella tem o dobro, e a mortalidade é menor nesta ultima cidade.

    Ora, a! facilidade e barateza nas communicações têm ultim amente determinado o estabelecimento de uma parte da população  

    pobre nos arrabaldes, e desse modo têm concorrido ind irec ta-  mapte para melhorar as condições hygienicas dos que ficam no  

    centro da cidade.No numero pois das providencias que urge pôr em execuçã o, 

    nos parece ser uma de grande alcance, facilitar a conducção dos  

    proletarios para os arrabaldes desta m etropo le. Assim, si a  diminuiçãc do preço das passagens de 2a classe para a lgu ns  

    suburbios servidos pela estrada de ferro D. Pedro II concorreu  muito para que ahi se estabelecesse em melhores condições 

    hygienicas uma parte da nossa população pobre, esse facto nos  

    mostra a conveniência de estabelecer iguaes regalias para todos  

    os outros. A passagem de 100 réis em 2a classe , para todos os  suburbios e o augm ento 4 e numero de trens , facilitaria a collo- 

    cação nesses pontos-Üe um grande num ero de proletários com  

    suas familias.•. — .......

    ( * ) Ura facto.recente comprova a nossa asserção. Na epidemia de febre am are lla deste anno, os moradores dos cortiços não  foram victimados como nas epidemias anteriores.

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    Como medida complementar seria util tambem que todas as companhias de  bonds augm entassem o percurso servido por100 réis, dando assim maior superfície habitavel pelos pobres.

    Si insistimos sobre o augm ento da á rea a hab itar pela classedesfavorecida da fortuna, e que consideramos uma questão capitalem hygiene publica a densidade das populações das cidades e odamno que o accumulo de moradores em um a só habitação, ouainda em um mesmo quarteirão faz, não só a elles, mas ainda atoda circumvizintíança, ou mesmo a toda a cidade.

    Demais, no estabelecimento de habitações para os pobres,,devese attender ás despezas de conducção ou o caminho a per-correr ; de o utro modo p oderseha estabelecer m ilhares de casashygienicas e de preço eommodo, que não serão po r e lles habitadas,logo que tenham de an da r grand e distancia ou pa ga r elevado

     preço de passagem.E’ por isso que não podemos ad m ittir a proliibição que ex iste de

    serem construídas casas pa ra os pobres em certo perím etro dacidade . Logo que ellas sejam feitas com todas as condições hy-gienicas, quaes os damnos que disso podem resultar ?

    Todas as facilidades' na construcção de casas hyg ienicas p áraos pobres, seja em que logar fòr, quer para solteiros, quer nara

    famílias, eis a nossa opinião baseada na observação de resu ltadosnegativos que têm dado as medidas oppostas.

    As posturas prohibítivas só servirão p ara ser frustradasclandestinam ente, e em logar de habitações saudaveis p ara os

     pobres, quartos p a ra os solte iros, casinhas p ara as familias,vémse no cen tro da cidade centenas de casas, com app arene ia de

    casas de m orada ou de negocio, e ás oecultas trans form adasinternamente em alojamentos insalubres para residencia dos

     pobres. Essas transformações in ternas não só passam desaperce- bidas á municipalidade, como m uitas vezes são feitas sem o assen-

    timento e sem sciencia dos proprios prçprietarios.

    E’ tambem uma injustiça obrigar 0  homem do trab alh o , que

    muito cedo tem de estar em sua officina e que póde morar pertodelia, a percorrer grande distancia ou a fazer despezas para sua

    coDducção.

    Assim, baseados no que temos visto, nos pa rece uma medidaantihy gien ica a prohibição de casas p ara os pob res em certo p eri

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    metro da cidade ; ellas existirão sempre mais ou menos occulta- mente, mas com certeza em muito peiores condições hygienicasdo que se fossem permittidas.

    Da multiplicidade de casas para os pobres deve resultar melhoria em suas condições de. existencia. Não seria, pois, para desprezar uma postura obrigando todos os possuidores de terrenos nas ruas percorridas por  bouds de 100 réis a dar frente a  esses terren os e collocar calçada, c jnstran gend oo s desse modo, ou a construir moradas, disseminando po rtan to a população, oua ceder esses terreno s a quem os destinasse à construcção

    de habitação para a classe pobre.Uma medida que concorrerá grandem ente p ara que se edi

    flquem casas hygienicas pa ra os pobres na cidade e nos suburbiosé a diminuição do imposto predial e de ag ua p a ra aque llas que,

     préviamente examinadas pela ínspçctoria de Hygiene, mereçamesse beneficio por suas condições sanitarias; porquanto todos

    sabem, que o augmentodos impostos quer predial, quer de agua,que na apparencia recahe sobre os proprietários ou locatarios, narealidade pesa exclusivamente sobre a classe pobre que habitaos actuaes cortiços. Si é jus to dim inuir os impostos dos co nstru ctores de casas hygienicas para «os pobres, ser ia clamorosa injus-tiça ahaixalos para os actuaes cortiços insalubres. A diminuiçãode tax a proposta seria um incentivo p ara que mu itos dos actua es

     proprietários transformassem cortiços detestáveis em habitaçõessaudaveis p ara os pobres.

    Estabeleçase mesmo em aprop riada repartição publica, um ainscripção ou m atricula das casas hygienicas para os pobres, quersolteiros, quer famílias ; dèm selhes ce rtas reg alia s, e quandoseu numero for crescido e sufficiente p ara a população pro le tar ia,

    cuja grand eza exacta nos é infelizmente desconhecida, pòdese

    ser exigente e mesmo muito exigente para os cortiços entãoexistentes. Imponhamselhes obras com plementares taes que sejamais economico dem olilos, e assim es tarão ex tinctos os cor-

    tiços.An tes disso ô impossivel, sob pen a de serem lançado s à ru a

    m ilhares de indivíduos sem tecto onde se abrigarem .

    A outros deixamos a tar ef a de classificarem as hab itações, con-formo se consideram os indivíduos em fam ilia ou não , e sobre as

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    regras que se devem observar na construcção das casas para  famílias pobres, apenas insistiremos sobre a necessidade de evitar 

    a construcção de alcovas, impedir que as divisões internas attinjam o tecto, afastar tanto quanto possivel as latrinas e facilitar a aeragera.

    Nas habitações contendo só quartos para solteiros, cumpre prohibir a existencia de cozinhas, e em todas as habitações para os proletários impedir nellas a permanência de animaes, a criação de aves e a industria de lavagem de roupas.

    São as lavanderias, com effeito, uma das grandes causas de insalubridade dos actuaes cortiços; é, pois, indispensável a creação de lavanderias publicas, onde os pobres, que o quizerem,  exerçam essa industria. Tambem conviria o estabelecimento de banhos públicos gratuitos.

    Existem nesta cidade alguns cortiços, aliás com certas condições hygienicas, que têm, no pavimento terreo, cocheiras para 

    vaccas e cavallos ; é claro que convém absolutamente impedir  semelhante juncção. Perm itta-se em certas zonas ou em certos pontos a existencia de cocheiras, mas só com os commodos indispensáveis ao pessoal nellas empregado.

    Facilitando o Estado e dando certas regalias aos constructores de casas para os pobres, parece á primeira vista que seria util 

    limitar o aluguel maximo destas casas ; mas, quanto maiores forem essas regalias e facilidades, tanto maior será o numero de construcções, e pelas leis naturaes, o aluguel tenderá a decrescer,  e a hygiene lucraria com a grande dissiminação da classe pobre. O limite no preço talvez fosse um impecilho às construcções, e é  por seu grande numero que nós devemos conjurar o accumulo 

    de moradores em uma mesma habitação.

    Diminuir o numero de moradores nas casas destinadas aos  pobres é providencia util e hygienica, e é por isso que certas  medidas policiaes e municipaes conviriam ser adoptadas. Como é sabido, é nas estalagens e cortiços que vivem agglom eradas as 

    centenas de vagabundos, capoeiras, etc ., que impestam moralmente esta cidade ; tambem a criadagem fluminense, para 

    gozar de um excesso prejudicial de liberdade, prefere ter seu cubiculo immundo em qualquer cortiço para ahi passar a noite, 

    do que dormir em melhores condições hygienicas nas casas dos

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    amos. Eucarregue-se, pois, a policia de auxiliar a hygiene, o afastará do numero de moradores das habitações para classes pobres essa parte que a ella não pertence.

    A conversão de casas constituidas para moradas communs em habitações para a classe pobre ó um facto que se tem dado em grande escala no Rio de Janeiro, e que convém ser vedado energicamente.

    Construa-se cada casa segundo o flm a que è ella destinada; liberdade plena na escolha desse flm, mas adopção obrigatória das regras hygienicas na construcção de todos os ediflcios, qualquer que seja o destino que lhes esteja reservado. A hygiene não deve ser só obrigatória para os pobres; ás suas leis devem tambem ser sujeitos os ricos. Em conclusão:

    Deixando de considerar os meios directos, que como medidas indirectas que devem concorrer para melhorar as condições das habitações dos pobres, somos de parecer que convém :

    1.° Augmentar a área da cidade servida por conducção a 100 réis que é aquella que mais facilmente será habitada pela classe pobre;

    2.° Em toda essa área ou fóra delia, facilitar a construcção de quartos para solteiros e casinhas para familias, quer feitas por particulares, quer por companhias, logo que essas habitações tenham condições hygienicas ;

    3.° Concorrer por meios directos e indirectos para que se au- gmente consideravelmente o numero de casas hygienicas para os pobres em toda a cidade, aflm de se evitar os inconvenientes da agglomeração;

    4.° Impedir a permanência de animaes e a existencia de lavanderias em todas as habitações para proletários;

    5.° Estabelecer banheiros e lavanderias publicas ;6.° Obrigar a adopção de regras hygienicas na construcção 

    de todos os ediflcios, qualquer que seja o flm a que elles se destinem ;

    7.° Diminuir o numero de habitantes dos actuaes cortiços, usando de medidas policiaes e municipaes.

    Sala das sessões, 31 de Maio de 1886.— Dr.  José Maria Tei

     xeira,  membro do conselho superior de saude publica.1.

    I

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    Parecer do engenheiro civil Luiz Knpliitcl 'Vieira

    Souto

    « Qui dira le déeouragement de 1’ouvrier  des villes, lorsqu’ au sortir de l’atelier, après une longuejournée de travail, il n’a pas acho isir  comme abri qu’en tre le cabaret et le taudis étroit, malpropre, enfumé, malsain, oü 1’atten-  dent, en gén éral, la mauvaise hum eurde sa m jnagère et |es pleurs de ses enfants ? »

    « Toutes les fois que la morale ou la santó  publiques, peuvent être exposées, lorsqu’il y a uanger d’accident, lorsqu’ un usago exce-  ptionnel et notoirem ent abusif s’est introduit dans 1’industrie, lorsqu’un systèm e av antag eu x  aux ouvriers a besoin d’être particulièrement encouragé ou recommandé, on conçoit que l’E’tat fasse enteo dre sa v oix et exprime une volontê.»

    L a v o l l é e .

    Na renhida discussão que nos uitimqs 30 annos tem -se  

    travado entre as pessoas com petentes acerca das medidas mais 

    urgen tes que devem ser postas em pratica para melhorar 

    as condições de vida e salubridade da capital do Império, des

    taca-se um ponto em relação ao qual se manifestam em per

    feito accòrdo todos os que têm se occupado desse assum pto . 

    Referimo-nos ao systema das habitações construídas e que 

    continuam a construir-se no Rio de Janeiro, e com especialidade 

    ás habitações da classe operaria, denominadas — cortiços. — Os 

    estadistas que têm exercido o cargo de Ministro do Império, 

    a Junta Central de H ygiene Publica em seus relatorios annu-  

    aes, as Commissões sanitarias das parochias da Côrte, a Imperial Academia de Medicina, a Illm a. Camara Municipal, as commis

    sões de médicos incumbidas de estudar a origem e desen vo lvi

    mento da febre am are lla no Rio de Janeiro, as comm issões 

    de engenheiros encarregadas de projectar os m elhoram entos  

    m ateriaes da cidade, todos emflm têm instan tem ente procla

    mado a necessidade de exting uir os actuaes cortiços e de sub- 

    stitu il-os por construcções que sejam, pelo menos, habitaveis.

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    Os que residem no Rio de Janeiro, ou.tôm visitado esta cidade 

    sabem o que são os cortiços e as deploráveis condições que elle s  offerecem aos locatarios. E’ aphorismo de hy giene que onde não penetra o ar e a luz, penetra a morte  ; mas aos cortiços 

    não faltam unicamente ar e luz : a escassez de es paço ; a ausência de distribuição racional e arranjos interiores ; a péssima qualidade dos materiaes de que são construidos ; a falta absoluta  

    de drenagem do solo e edificios ; a insulliciencia d’ag ua, latr inas 

    e esgotos ; a singular convivência que não raro estabelecem os 

    inquilinos com gallinhas e porcos; e mais que tudo a agglomera-  ção de indivíduos, só comparavel á dos animaes nos estábulos, 

    transformam esses tristes abrigos das classes proletárias da 

    cap ital do Império, em repugnantes possilgas, que não parecem  habitações da pobreza laboric^a, porém an tros de miséria e 

    degradação. Com as paredes sujas e cobertas de verm es ; com o chão não assoalhado, nem revestido de qualquer m aterial, e ás 

    vezes situado abaixo do n ive l da rua ou dos terrenos circum vizi-  

    nhos, tendo quasi sempre por unica abertura uma porta em pe- nada, através de cujas fendas e interstícios passa o vento e 

    a chuva, comprehende-se que o cortiço, quente e suffocante 

    no verão, humido e frio no inverno , não póde deixar de ser  

    um poderoso fóco de infecção, um germ en perenne de todas as 

    enfermidades.

    R esulta deste estado de cousas, como os clinicos têm provado  

    até a saciedade, que quando a febre am arella se m anifesta no Rio de Janeiro, o seu ponto de partida é de ordinário o cortiço, 

    como é tambem por ahi que a epidemia acaba, depois de ter feito  

    numerosas victim as e de se ter propagado pelos quarteirões 

    mais ricos e salubres da cidade. Si neste facto de observação 

    alguma cousa deve-nos admirar, ó que com tantos elem entos  

    nocivos, como apresentam os cortiços, as febres que costumam  

    asso lar a capital do Império não actuem ainda com maior intensidade e frequencia. Só a robustez da classe operaria e a força 

    do habito que torna o corpo humano refractario á incubação 

    dos germ ens morbificos, podem explicar sem elhante pheno- 

    meno.

    Em 1850, tratando deste assumpto o referind o-se às habi

    tações da classe pro letaria de Londres, escrevia o engenh eiro

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    H.Roberts, em uma obra que in titulou The dicelling; o f the 

    làbouriruj classes,  e que o principe Luiz Napoleão, presidente  da Republica Franceza, mandou traduzir e publicar por conta 

    do Estado :«Quel est le médecin qui igno re pourtant que le défaut de  

    lumière, un air vició, un m ilieu hum ide, un entourage sa le  

    sont autant de causes qui, séparées et à plus forte raison ré -  

    unies, contribuent plus que toutes les autres à abréger la vie  

    et à la rendre misérable, en affligeant ceux qui s’y exposen t d’une foule d’inflrmités pe rsonn elles ou héréd itaires ? Quel es t 

    le moralist© qui n’ait reconnu que l’àm e liumaine elle -m êm e  

    se dógrado sous 1’influence prolongée de telles conditions '(  Quel 

    est 1’homm e d’E’tàt qui n’ait ge m i de vo ir les hôpitau x et les  

    prisons encombrés des malheureux qu’elles engendrent ( ....

    « 11 e st difflcile, pour ceu x qui n’on t pas constaté par eu x -  

    mémes la dégradation physique et morale, dont la plus grande  partie des logem ents ordinaires d’ou vriers son t le receptac le à  

    Londres e t dans les v ille s de province, de se figurer 1’ótendue  

    du m al. Plusieurs de ces maisons pe uv ent vraim ent être r e -  

    gardées comme des foyers de vice et de crime, comme une hontc  

    pour 1’humanité, un reproche sanglant pour les sentiments  

    chrétiens de 1’A ngle terre. Et cepen dant, c’est dans ces sen tines  

    d’iniquité et de sou illure, que le jeu n e ouvrier choisit trop sou ven t sa première demeure, lorsqu’il q uitte le to it pa tern el. 

    Là, tous ses bons principes son t étouffés par des com pagnons  

    de vice , jusqu’à ce qu’il d ev ienne un fléau pour la sociétó, 

    qu’il meure de maladie, ou qu‘il perde sa liberté sous le  

    coup des lois du p ay s. »

    Como todos os problemas que a flectam o bem estar das classe s 

    inferiores da população, o que ora estudam os tem ao m esm o tempo alcance physico e m oral, soc ial e po litico. Isto sign ifica 

    que a substituição dos cortiços por habitações aperfeiçoadas para  

    operários forçosamente elimina rá m uitas causas de enferm idades, 

    de miséria, de vicios, desordens e crimes, conformo se tem  

    notado em outros paizes onde idêntica reforma foi rea lizad a.

    Pelo que concerne á influencia sobre a saude publica, citarem os  

    a observação feita em Londres, onde a m ortalidade das casas-  modelos  de operários tem sido sem pre m uito inferior à morta

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    í — 25 —

    lidade média da cidad e. Tambem na cidade de W alta m stov e a 

    tax a de m ortalidade nas habitações aperfeiçoadas que se con

    struíram em 1876 tem sido apenas de 14 por 1000. Nos pr in- 

    cipaes cen tros de população da Suissa os boneficos elToitos das novas construcções para pro letários têm sido ainda mais sa

    lien tes . Em relação ã capital do Império lembraremos a r e -  

    ducção apresentada pelo obituario desde que foi posto em  

    execução o Decreto n . 7081 de 15 de Dezembro de 1883, que 

    deu ã autoridade sanitaria a attribuição de mandar fechar as  

    esta lagen s cujas condições hygienicas fossem mais com prom et- 

    tedoras.De Janeiro a Março de 1884 foi assim condemnado grand e 

    numero de cortiços, e a mortalidade desse anno foi a menor  

    do ultim o decennio.' Não haverá cennoxidado entre e^tes dous 

    factos ?Não basta, porém, mandar fechar ou demolir os actuaes cor

    tiços para resolv er o problema de que nos occupamos. Fòra mesmo 

    uma crueldade e' um perigo deixar as classes inferiores da população privadas das actuaes habitações antes de se terem con

    struído outras melhoras onde possam aloja r-se. Este ponto, 

    entretan to, ó precisamente o quo constitue o obstáculo an teposto  

    à solução do problema, e quo se tornaria insupp eravel si o Go

    verno Imperial não concedesse largos favores aos hom ens do 

    coragem que empenharem seus capitaes na regeneração das 

    pequenas habitações do Rio de Jane iro.

    Na verdade, como luta r com esses especuladores, actuaes 

    proprietários dos cortiços, que construem sim ples barracões com 

    madeiras velhas, com telhas, tijolos e outros materiaes que 

    são productos das dem olições de prédios arruinados, para  

    depois aluga r acanhadíssimos commodos por preços que lhe s 

    deixam no fim do anno 50, 60 e ás vez es 100 °/0 de juro dos 

    capitaes empregados na construcção ? Em sem elhantes condições a luta seria im possível, e sem nenhum a va ntag em con

    duziria á ruina os capitalistas que tentassem tr a v a l-a , porque 

    é intuitivo que taes proprietários estabelecendo os alu gu eis dos 

    cortiços muito mais baixos do que poderiam fa ze l-o os co n- 

    struc tores dos nov os prédios, dotados de todas as condições de  

    hygiene e de conforto da vida, firmariam uma concurrencia im-

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    possivel de sustentar, e de novo ficariam senhores exclusivos 

    do seu campo do torpes especuláções.

    Eis ah\ porque a commissão medica, nomeada por av iso de 23 de Junho do 1876 para rover as medidas sanitarias anterior

    mente aconselhadas ao Governo Imperial, e com] osta dos Drs. Barão do Lavradio, Souza Costa, Torres Homem, Saboia, Hilário de Gouvéa o Baptista dos Santos, depois de considerar os 

    cortiços como « focos de infecções permanentes» e de insistir sobre a necessidade de « melhorar as habitações das classes 

    pobres, que, além do alto preço proporcional por que as alugam  seus proprietários, lhes infiltram rapida ou lentam ente o germen  de m oléstias dependentes de um elem ento infectuoso » acere- scenta : « Antes de seguir em suas considerações, a commissão não pôde, refer indo-se a este ponto, deixar de solicitar do Go

    vern o Imperial que favoreça a construcção de domicílios sa -  

    lubres a baixo preço para as classes pobres, tendo em vista  

    burlar a ganancia de certos homens que, a titulo de favorecerem  

    essas classes, construindo edifícios adequados ás condições de seus poucos recursos, lhe s inoculam o germ en das moléstias , com lucros fabulosos dos cap itaes empregados nessas edifi

    cações anti-ifygienicas e mortífera».

    Jíjconhecendo a alludida impossibilidade, a Camara dos 

    Deputados e o Senado após uma longa discussão, na qual ficaram bem patente s os males que proviriam da perma

    nência dos cortiços, votou o projecto de lei, que se converteu no decreto legislativo de 9 de Dezembro do 1884, 

    e que concede favores aos cap italistas que construírem habitações 

    salubres e commodas para as classes operarias. Acreditamos 

    que ao impulso desta lei a edificação do R io de Janeiro em  

    poucos annos se transformará de modo ra dica l; e quando se 

    attende aos grandes benefícios que dahi resultarão para a  

    saude publica, pód e-se sem exageração qualificar o referido decreto como uma das leis de maior alcance m aterial e moral 

    que nos últimos tempos tem sido votada pelo nosso parla

    mento. «

    Da casa depende a saude, e da saude do operário depende 

    a qualidade e quantidade do trabalho que el le póde produzir. O 

    beln estar e a saude das classes operarias interessam a todo o

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    paiz, porque representam a base da prosperidade nacional. Trabalhadores enfermos não só fazem diminuir a producçãó, como augmentam o numero dos indigentes que têm de ser  soccorridos pela caridade offlcial.

    Proporcionar ao homem do trabalho uma casa commoda, que satisfaça todas as condições hygienicas, que robusteça as suas forças, prolongue a sua vida e favoreça o desenvolvimento phy- sico seu e de sua prole, ó ao mesmo tempo uma missão de interesse social e de humanidade. Mas posto que seja de 

    grande importância a obtenção destes flns, o melhoramento das casas de operários satisfaz a outros de ordem ainda mais elevada, porque influe tambem poderosamente sobre a moral e sobre a boa organização da família. Na sua obra, que tem por titulo — As habitações de operários em todos os paizes— diz a este respeito o engenheiro Muller :

    « La question des habitations ouvrières se rattache à l’un des problèmes sociaux les plus considérables.! . Quand on pense  à, la vie que mène 1’ouvrier dans ces sortes de casernes m al-  saines et dégoütantes, à cette promiscuité qui remplace pour 

    ainsi dire la famille par 1’exi.stence en commun du clan et de la tribu, a 1’empire inévitable du mauvais exemple et des mauvais conseils sur la jeunesse qui se développe sans su rv eil-  lance dans un pareil m il ié u ; n’est-ce pas ãi la société plutôt qu'à 1’artisan qu’il convient d’adresser des paroles sevòres?  

    Agglomérés dans ces dótestables milieux, l’homme se corrompt, la femme déchoit; tous se liguen t contre les maitras et s’en tre-  tiennent dans les sentiments de malvaillance contre les classes 

    . j supérieures.« L’encombrement n’esL pas moins funeste au point de vue  

    morale qu’au point de vue hygiénique. 11 est impossible d’exa-  

    gérer le tort fait à la société par le mauvais ótat des habi

    tations ouvrières. C’est 1’origine de la dissolution de tout lien de famille et de bien de désordres qui en sont la con-  séquence. « Comment parler de morale et de relig ion a des 

    malheureux qui couchent à huit et dix dans une même pièce, 

    sans souci de l’àge ni du se x e ,» dit le révôrand Bickerstoth, 

    recteur deSaint Gilles. Les pastéhrs an glais n’essaient plus de

    lu tt e r ; la chambre commune les a abattu. II y a, disen t-ils,

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    toute une classe de la population que les conditions m atô rielles  de son existenoe dôrobent à 1’influence des enseignements du 

    ministre et du maitre d’éco le. »Transcrevemos integralm ente estes trechos para mostrar que 

    o melhoramento das casas de operários, como dissemos, tem  um íim não só material, mas tambem politico e m or al ; e.fo i 

     justamente por terem reconhecido esta tríplice im portância que os soberanos e os governos dos paizes mais adiantados empregaram todos os esforços para operar a transformação que hoje se emprehende realizar na capital do Império.

    O primeiro exemplo a citar ó o do Marquez de Pombal que, em  

    1759 mandou construir em torno de uma va sta praça de Lisboa uma villagem para os operários que trabalhavam no tecido de sedas. Infelizmente muitas das habitações foram depois des

    viadas do primitivo fim, de sorte que hoje apenas restam casas 

    sufficientes para sessenta familias de trabalhadores.Na Allemanha o gov erno tem feito os maiores esforços para 

    dotar Berlim e todas as cidades populosas com habitações de operários menos nocivas e caras do que as que ex istia m .

    Neste louv áve l empenho sobresahe o Estado da Prússia que, 

    na qualidade de proprietário e explorador de minas, tem mandado  

    construir quarteirões inteiros de casas para os mineiros, que 

    alias podem adquirir a propriedade por meio de um a pequena 

    quota paga m ensalm ente. Ainda m ais: o governo dá prêmios e adianta capitaes sem juro   aos trabalhadores que desejam 

    construir por sua con ta, reembolsando as quantias assim adian

    tadas, pelo desconto mensal de 5 a 20 % do respectivo salario .Este systeina do aux ílios tem sido applicado em toda a Alle

    manha, particularm ente nas officinas da Silez ia desde 1819, 

    nas de Saarbrück desde 1842, nos estabelecimentos que possue 

    o govern o em Ibbeubuen, desde 1856, e assim nos de Stassfurt, 

    Erfurt, Lautentha l, Rudesdorf e m uitos outros.

    A iniciativa da grande reforma tev e logar na Ing laterra em  

    1842, quando fundou-se a Society for im pro vinj the dwellings o fth e labouring classes,  sob o patrocínio da rainha Victoria. 

    Pouco depois incorporava -se com igu al fim a  Associação Me

    tropolitana, que contou en tre os seus accionistas muitos dos 

    mais ricos titu lares e estad istas in glez es . Em 1851 o príncipe

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    Alberto mandou construir ã sua custa uma casa-modelo para operários, em um terreno fronteiro ao Palacio de Cristal. Mais tarde o americano Peabody deixava à cidade de Londres um legado de £ 180.000 para a construcção de grupos de habita

    ções apropriadas ás classes operarias, sob a condição de serem  os alugueis tão modicos que não excedessem annualmonte a 3 %  do capital em pregado; devendo estes rendimentos accumulados destinar-se á edificação de novas casas, e assim indefinidamente. Graças a este humanitário e engenhoso systema, tinham  

    sido construídas até 1885 cerca de 1600 habitações, do custo tota l de cinco mil contos de réis e que accommodam mais der sete mil pessoas.

    # Em França o movimento propagandista começou quando oDr. Bouvier, em seu relatorio acerca da epidemia do cholora, de 1849, mostrou, por mei,o de numerosos dados estatísticos, que a influencia das habitações insalubres devia ser considerada  « como um dos elementos mais activos de contagio». Subindo ao throno Napoleão III concede, de seu bolso, subvenção a diversas emprezas constructoras, e faz doação a uma sociedade do ope

    rários, dos terrenos que lhe pertenciam na Avenida Dumesnil.A idóa da reforma das casas de operários estend e-se assim 

    por toda a Europa, tendo á sua frente a rainha Victoria na Inglaterra, Napoleão III na França, Guilherme II na Hollanda, os dous reis Leopoldo na Bélgica e muitos outros príncipes. O 

    Estado, as municipalidades, as corporações scientiflcas o a imprensa intervieram com seus esforços, proporcionando o bom 

    exito das associações constructoras de casas para operários, de sorte que em 1877 exis tiam em Londres 28 associações desse genero, na Hollanda 31, em Copenhague 8, na Suissa 54, e em toda a Europa cerca de 3.0 00 .

    Para conseguir tão esplendido resultado foi indispensável por 

    toda a parte conceder grandes favores aos constructores das novas  habitações. Assim, o governo francez pelos dous decretos de 22 de Janeiro e 27 de Março de 1852, concedeu 10.000.000 de francos 

    sob a fórma de subvenções ás sociedades organizadas com o fim de ediftcarem boas casas de operários; na Inglaterra- o  L a -  

    bouring Classes'Lodging-Houses Act   autorizou os conselhos rau- 

    nicipaes e parochiaes a destinar ao mesmo fim uma parte dos

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    terronos das coramunas, e na Bélgica o govern o so licitou e obteve  

    do Poder Legislativo, em 1862, que as novas habitações de oporarios gozassem da isenção do imposto predial e dos direitos  

    de registro e transmissão das propriedades. As municipalidades tambem não pouparam favores e auxílios: a municipalidade de 

    Florença garantiu os juros o amortização do capital empregado por diversas associações; a de Milão concedeu gra tuitam ente  oito mil metros de terrenos a uma sociedade con structora; a de 

    Liège deu, além dos terrenos, a agua* illuminação e calçamento 

    exigido pelas companhias edificadoras de casas para operários ; 

    -a de Lillo garantiu o juro annual de 5 % so s capitaes empre

    gados, e forneceu gratuitamente toda a agua necessaria ás novas  

    habitações; a do Havre distribuiu ás sociedades ediflcadoríis  subvenções de 25.000 franco«, e, como estas, procederam outras  

    muitas municipalidades que fôra longo enum erar, sem contar 

    os auxilios concedidos pelos particulares ricos.

    Os beneíicos effeitos destas medidas, em relação à saude pu - 

    bliea, não se fizeram esperar.

    De uma memória lida perante a Sociedade de Estatística de 

    Londres, em 1875, consta que na s casas construídas pe la Associação Metropolitana não se tem observado nenhum caso das  

    moléstias epidemicas que têm gfassado naqu ella cidade. Igua l 

    declaração fez no congresso internacional de hygiene, de Bru-  

    xe llas , o Dr. Douglas Galton, referindo-se ás habitações con

    struídas com o patrimonio de Peabody.

    Que vantagens não teriamos nós tambem colhido para o sa

    neamento do Rio de Janeiro si era tem po tivessem os realizado 

    semelhante reforma nesta cidade ! Nem se diga que o echo da 

    propaganda européa não repercutiu aqui. Em artigo s editoriaes 

    que publicou em 1855, o Correio Mercantil  tratou desenvolvi- 

    damente do assumpto, mostrando aos poderes publicas o ca

    minho que nos cumpria trilhar.

    Dizia aqu elle im portante orgão da imprensa da côrte:

    « 0 governo e os industriaed têm attendido às condições de e xistência das cla sse s operarias, das classes pobres, e não haverá  

    perigo de que a imm igração nos encontre desapercebidos e nos  

    colloque em mais criticas circumstancias do que as actuaes ?...  

    Acaso nesta capital se acham habitações conven ientes, depositos,

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    lioteis do c.donos ? Acaso já não ô horrível a condição das classes inenos abastadas que consomem os seus salarios e  ordenados no aluguel de casas em que moram, casas aliás insalubrdfe e mesquinhas ? Não conviria lev ar o espirito de 

    emproza para este ponto arredando-o do especulações arriscadas e sem merecimento 1« Que as moradas insalubres devem ser consideradas como 

    uma das causas de depericimento que a miséria traz comsigo, mormente no seio das cidades populosas, é facto que ninguém  contesta. Comprehende-se quão perniciosa deve ser a influencia das habitações onde o espaço, o ar e a luz faltam aos desgraçados  que ahi se enterram nas horas de repouso.

    « A saude se lhes a ltera , o duhi provém as mais das ve zes as moléstias epidemicas. Isto não é sô uma questão humanitária,  nem uma especulação m erca ntil; ó um assum; to que entende  

    com a salubridade publica, assumpto que entra no circu lo das providencias que se devem tomar para dosapparecerom  

    esses casei res immundos e húmidos, que ainda nos restam das antigas eonstrucções e os cortiços insalubres que se têm ediíicado modernamente.

    « A intervenção d s governos e dos particu lares para o melhoramento das habitações dos pobres, já não ó uma simples idéa abstracta, entrou no dominio dos factos. Em Londres, em 

    P ar iz,em Liège, em Bruxellas, em Berlim e em Mulhousotem-se realizado de diversos modos aquella int er ve n çã o...

    « No Rio de Janeiro ediflea-se muito, mas ediflea-se sómento para o r ic o ; ninguém se lembra do empregar pedra e cal para 

    conunodo da pob reza .. . A philantropia nunca se lembrou disto ; mas a u,ura que é mais perspicaz e atilada, lembrou-so ha muito, 

    e fundou o cortiço.« Como creação da usura, o cortiço  é tudo quanto se póde 

    imaginar de menos proprio para uma habitação humana.

    « Entretanto a pobreza sujeita-se, porque só aquella morada 

    está na proporção de seus recursos. Já temos dado a estatís tica  

    e feito mu itas vez es a descnpção destas tristes habitações, onde 

    a immundicia e a infecção disputa aos moradore» a estreiteza de seus commodos.

    « Esses pobres operários cujos braços servem para o en gran-

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    decimento material desta cérte ; esses miseráveis cujos salarios apenas chegam para lhes matar a fome; essa infinidade de agentes subalternos da administração publica que andam esmolando um pardieiro, para não dormir totalmente no 

    relente, que attenção já mereceram dos abastados de nossa terra ?

    « Si enfermarem, terão uma cama no hospital ; si enlouquecerem terão um tratamento rega lad o; si se deixarem arrastar ao crime, pelo vicio, pela allucinação ou pela pobreza, terão mesa farta, cella commoda de cenobita, roupa lavada, mestre de lettras,  medico de fama, capellão, etc. Terão tudo isto quando attestarem  saude estragada, ou mostrarem alm a pervertida ; mas si forem vigorosos de coração e de intelligencia, si trabalharem resolutamente, si respeitarem a sociedade, a sociedade os deixará na miséria sem dar um passo ao seu encontro, sem calcular com as vantagens que desse passo podia tirar, entregando-o por esse abandono á usura iiesapiedada, que lhes fornecerá para dormirem quartos immundos e pestilentos, sem ar, sem luz, sem  espaço, ou quando muito algum pardieiro esburacado, onde a tí

    sica os va i sorprehender para arrastal-os até ao hosp ital.« A epidemia veiu revelar-vos tantas misérias, digo mal, veiu fazer-vos attentar sériamente para tantas misérias, que até lhe perdoamos os desastres que causou, si o quadro lastimoso dos cortiços despertar algum a idéa de eficaz generosidade.

    « Esses curraes infectos, onde as victimas se extenuam ju stamente á hora em que devem restaurar as forças para o trabalho da manhã segu inte, são os mais prestimosos auxiliares da 

    morte.« Ahi reina o desgo sto ; dahi estão banidos todos os confortos 

    e prazeres da vida; para ahi se encaminha a moléstia diaria

    mente.« 0 que tem feito a sociedade ?« o principio philantropico, o sentimento humanitário, o que 

    tem feito ?

    « Nada: mas podem fazer muito.« A um reclamo dos poderes directores, a um reclamo do 

    governo, os homens ricos e poderosos, os capitalistas, os grandes proprietários hão de acudir immediatamente, como o fizeram

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    hontem, ante-hontem e todos os dias. Quanto mais que não se lhes pede uma obra meramente de caridade ; pede-so-lhes uma 

    empreza industrial e utilissima, em que lucram elles, e em que lucrarão os pobres.« Construir casas para a pobreza, construir casas para os 

    operários, ó reduzir o necrologio da cidade, ó aproveitar braços uteis, ô avigoral-os para o trabalho, dando-lhes a commo-  didade do lar doméstico, e alentando-os no caminho da honestidade.

    « 0 governo não pôde ser constructor por eonta do Estado 

    para o flm de alugar prédios. Isso lh’o dizemos nós desde já, antes que se lembrem por ahi de semelhante objecção.« Mas o governo póde convidar, animar e favorecer emprezas 

    desta ordem.« O governo póde chamar alguns homens considerados, os 

    Mauás, os Rios-Bonitos, os Ottonis, os Ipanemas, e tantos outros que os ha em grande numero na nossa praça, e pedir-lhes que inicien: associações como as inglezas, como as belgas, como 

    as allemãs, para construcção de cortiços, casarias ou centros operários.

    « E fallemos sem rebuço, queira o governo dar o seu patrocínio a esta idéa, e amanhã será e la adoptada coin facilidade, si não com soffreguidão. »

    Seja-nos relevada esta transcripção talvez demasiadamente lo n g a; ella é, porém, o unico meio de que dispomos para provar quanto tem sido descurado entre nós o problema da transformação dos cortiços por habitações hygienicas, problema cuja solução tanto interessa ao saneamento da capital do Império.

    Ao appello e aos clamores do Correto  Mercantil  quem respondeu? Unicamente aCamara Municipal que contentou-se com publicar .o edital de Io de Agosto de 1855, dispondo :

    1.° Que não seria permittida a construcção de novos cortiços 

    sem licença da Illma. Camara Municipal;2.° Que nas novas construcções desse genero seriam guar

    dadas todas r* condições hygienicas ;

    3.° Que essa» )0»nstrucções não seriam habitadas sem appro- 

    ação da junta d

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    Escusado é dizer que o resultado deste edital foi nu llo. Oscortiços continuaram a ser coastruidos, com licença da Camara  Municipal e sem a minima observância das condições de salubri

    dade, como continuaram a ser habitados sem approvação da junta de hygiene.

    Parecenos conveniente não concluir este trabalho sem lem- brar que sob um ultimo ponto de vista devem ainda ser con-sideradas as vantagens que pôde offerecer uma grande emprezaconstructora de casas para operários. E’ um dever de humanidadee um alto interesse social proporcionar ao operário os meios deadquirir a propriedade de uma casa, por meio de pequenasquotas pagas mensalmente, formando assim uma especie de

     patrimonio de que disporá nos dias da velhice e que contribuirá para livralo e liv ra ra sua familia de funestas eventualidades.Por este systema a propriedade é insensivelmente adquirida.A esperança de possuir em um determinado prazo — a sua casa — dá ao operário maior energia e estimulo para o trabalhoe para a economia dos seus rendimentos. Emfim o facto de se r

     proprietário e de habitar uma casa sã e confortável, não sóinfluirá beneficamente sobre os costumes da classe proletaria,como tambem fixará o operário no paiz, o que hoje raras vezessuccede com os trabalhadores estrangeiros.

    Julio Simon em uma de suas obras diz que a locução —minha casa —tem sobre o operário um poder inexcedivel, que o attraheã economisação e o afasta da taverna ; e o engenheiro Muller

    observa que proporcionandose ao homem do trabalho os meiosde, por um esforço prolongado, adquirir uma casa para si,sua mulher e seus filhos, terse à destruído a seducção queexerce o botequim sobre esse homem, o qual sentirá provavel-mente o prazer de conservarse em casa, arranjando, concer-tando, ornamentando a sua habitação, ou cultivando o ja rd im .«Cumpre não esquecer que quasi sempre antes de ser seduzido

     pela taverna, o operário é afastado de casa pela . escuridão,tristeza e insalubridade dos seus aposentos. O desregramontoterá perdido seus mais poderosos auxiliares quando taes apo-sentos forem claros, sãos, commodos e asseiad"^ »

    Eis ahi porque uma habitação de aspecto" agradavel, bemarejada e illuminada, asseiada e dotada de distribuição rela-

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    tivamente confortável, influe sobre a moralidade e bem es tarda familia ; e a justa ambição de adquirir a propriedade de umacasa, em taes condições, serâ o incentivo de uma serie de vir-tudes, tornando o individucfsobrio, poupado, previdente, ordenado

    e trabalhador.A idéa de facultar ao operário a acquisição da propriedade da

    casa que habita não ó nova.Iniciada pela associação constructora de Mulhouse, ella pro-

     pagouse com bom exito por toda a Europa, sobresahindo, dentreas emprezas que têm applicado o systema as  Building Socie- t-ies da Inglaterra, as sociedades constructoras de Bale, Loclc,Genova e Schaffhouse, na Suissa, e em geral as da Allemanhae Bélgica. Neste ultimo paiz as associações edificadoras deAntuérpia, Verviers e principalmente de Liège têm realizadoadmiravel e humanitaria propaganda para conseguir que osoperários se empenhem na compra das casas quo ha- bitam.

    Os administradores dessas sociedades, considerando os loca-tários como amigos, não se contentam em divulgar o reg ula-mento e condições traçadas para a acquisição da propriedade ;elles fazem m ais : celebram conferências, visitam os operáriose lhes explicam as vantagens da acquisição da casa por meiode pequenas quotas mensaes, e a melhor maneira de economisaras quantias precisas pa ra ta l fim.

    Sob a influencia deste systema, logo que uma nova casaacaba de ser construida, não faltam proletários para com prala condicionalmente.

    Accresce que a sociedade liegense espalha as suas construcções por todos os quarteirões da cidade, pondo assim osricos em contacto com os pobres, fazendo nascer o amor do proximo e entretendo a harmonia entre as diversas classes

    sociaes, em vez de aceumular os trabalhadores em um unico bairro da cidade, que se converteria em perigoso reducto nocaso de verificarse qualquer commoção politica.

    Ha cerca de um anno parece te r surgido uma época derestauração das pequenas habitações do Rio de Janeiro, quetende a extinguir os alojamentos miseráveis e caros, substituindoos por construcções aperfeiçoadas em todos os sentidos.

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    0 fechamento dos cortiços mais estragados e' a condemnaçãodelles pelas autoridades san itarias, nos últimos dous annos, vão

     jà produzindo beneflcos resultados, porque alguns dos pro- prietários têm substituído os cortiços que possuiam por ha- bitações muito superiores. Citaremos, por exemplo, os gruposdo casinhas que acabam de ser construídas n a chacara da Flo-resta, da rua da Ajuda.

    Por outro lado a attenção dos poderes públicos está presa aoassurnpto. Desde que assumiu o cargo de Ministro do lmperio o

    Sr. Barão de Mamoré tem cuidado com desvelo da extincçãodos cortiços, e para esse fim effectuou as quatro concessõesconstantes dos Decretos ns . 9509,9510 e 9511 de 17 de Outubrode 1884, e 9560 do co rrente anno, facilitando a incorporação deemprezas que se incumbam de construir na capital do lmperio

    habitações commodas e salubres para as classes pobres.

     Nesses decretos foram convenientemente estabelecidas as prescripções essenciaes, quer as relativas à ventilação, illum inação, distribuição, conforto, asseio e salubridade dos apo-sentos, quer as que concernem ao preço do alu gue l, solidez dosediflcios, facilidade de inspecção, meios de acquisição da propri-edade, etc. Infelizmente, porém, taes concessões tiveram de ba-searse forçosamente no Decreto legislativo n. 3151 de 9 de De-zembro de 1882, que no § Io do a rt. Io estabelece para as novasemprezas a obrigação de demolir os cortiços condemnados pelas auto ridades sanitarias e designadas pelo governo, n a pro- porção dás habitações aperfeiçoadas que as mesmas emprezasforem construindo ; fazendo estas á sua custa a demolição e in-demnizando os proprietários da importância dos m ater iaes e da

    mão de obra, calcu lada a indemnização por peritos escolhidos pelas partes, com recurso para o arbitramento judicial (clausúlas XXII, XXIII e XXIV das citadas condições).

    Acreditamos que o louvável intuito do governo não será postoem pratica o os cortiços não desapparecerão da cidade emquantoaquellas exigências legaes não forem revogadas. De facto, os

    onus da demolição dos cortiços e indemnização dos seus propri-etários constituem uma perenno ameaça de prejuízos o difiiculdades, dian te da qual recuam até os mais abastados e afoutos

    capitalistas.

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    Em re gra os materiaes provenientes da demolição de velhos prédios nada valem ; com mais forte razão esse valor será nullotratandose de cortiços construídos com materiaes de iníima qua-

    lidade, e tão estragados que mereçam ser condemnados pela re- partição de Hygiene Publica. Neste principio verdadeiroapoiouse certam ente o legislador quando estabeleceu o preceitocontido no a r t . Io, § Io da citada le i ; porém cumpre notarque, sendo os proprietários dos cortiços indivíduos ricos e alta-mente interessados em que perdurem esses fócos de infecção tão

    rendosos, não deixarão elles de oppor todos os embaraços ã con-strucção das novas habitações projectadas pelas emprezas, ap pellando para o arbitramento judicial, como lhes faculta a lei. 'A cada predio que construírem as emprezas corresponderá umademolição, e a cada demolição uma demanda mais ou menoslonga e dispendiosa em perspectiva. Ora, si em toda a parteos capitaes são atilados, no Brazil além dessa qualidade elles

    são timidos e esquivos, porque não só nos titulos da divida pu- blica, como no de numerosas associações commerciaes ou in dustriaes, encontram emprego seguro e rendoso.

    Demais, a indemnização aos proprietários dos cortiços sò©fferece vantagem aos mesmos proprietários, e justamenteàquelles que menos a merecem, por insistirem em especular

    com os p