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OS MINÉRIOS DO KATANGA NA
ECONOMIA GLOBAL: A VISÃO DO CINEASTA
THIERRY MICHEL
Júlio Mota
Luís Lopes
Margarida Antunes
(Coordenadores)
1
INTRODUÇÃO
Depois de Mobutu, rei do Zaire e Rio Congo, Thierry Michel
prossegue a sua exploração africana e conduz-nos ao Katanga, na
República Democrática do Congo; neste novo eldorado dos tempos
modernos, desenham-se, com jogadas de milhares de milhões de
dólares, as novas relações económicas mundiais.
Entre estes personagens, dezenas de milhares “de sachadores
ou garimpeiros” procuram sobreviver ocupando ilegalmente as
concessões das multinacionais mineiras, enquanto os trabalhadores
legais lutam por salários e condições de trabalho dificilmente
decentes, dificilmente dignas.
Um governador de província riquíssimo e adulado pelas
multidões, um verdadeiro proprietário belga “Rei do Katanga”, um
presidente de uma multinacional canadiana, uma espécie de feiticeiro
branco que tenta salvar um império industrial público em estado de
decadência, um chinês que vem assinar o contrato mineiro do século
com o Estado do Congo: são estes os personagens do novo filme de
Thierry Michel que vão desenhando as novas alianças estratégicas de
África.
Os destinos destes personagens cruzam-se numa tragicomédia
tendo como pano de fundo uma guerra económica e social que toma
aqui uma dimensão simbólica e profética, fazendo de Katanga, a
guerra do cobre uma edificante parábola, incómoda e realista, sobre a
mundialização, sobre as suas esperanças e os seus fracassos mais
sombrios.
2
UM POUCO DE HISTÓRIA
A República Democrática do Congo
A República Popular do Congo (RDC) é não só o maior Estado
de língua francesa, como também uma das mais vastas regiões da
África; tem igualmente uma das maiores florestas equatoriais no
mundo.
Os mais antigos vestígios de povoações no Congo foram
descobertos no Katanga e são datados de há 200.000 anos. Tratava-se
principalmente de caçadores (nómadas).
Os primeiros contactos com os europeus (primeiramente com
os portugueses) vêm desde o século XV. A emergência do tráfico
escravo perturba consideravelmente o equilíbrio do país. Os diferentes
reinos estabelecidos no Congo explodem e lutam entre si para fornecer
escravos procedentes das etnias vizinhas em troca de mercadorias.
Uma situação que levará à colonização.
É na Conferência de Berlim, em 1885, que o imenso Congo
(mais de quatro vezes a superfície da França) fica, de facto, para o rei
dos Belgas, Leopoldo II, que lhe chama Estado Independente do
Congo (EIC), e em seguida para a Bélgica, tornando-se então Congo
Belga, até à sua independência em 1960. Mobutu rebaptiza a antiga
colónia belga com o nome “Zaire”. Depois da queda de Mobutu, em
1997, com Laurent Desiré Kabila o país passa a chamar-se “República
Democrática do Congo”. O seu presidente actual é Joseph Kabila. As
estimativas da população do Congo são muito variáveis.
3
A colonização
A política de colonização não é nova, está presente em todas as
épocas mas sob diferentes formas. Para a Europa, possuir colónias era
sinónimo de poder e a maior parte das nações ocidentais procurava
rapidamente apropriar-se dos territórios “livres”.
Em 1885, a conferência de Berlim faz a partilha das colónias e
o Congo torna-se a possessão pessoal do rei Leopoldo II.
Os indígenas são rapidamente transformados em escravos,
espancados e vítimas de desnutrição, uma situação infelizmente
corrente nos países colonizados.
No entanto, a pressão internacional (sobretudo anglo-saxónica),
cada vez mais forte à sua volta, faz com que Leopoldo II seja obrigado
a abandonar o Congo e a entregá-lo à Bélgica em 1908. O tratamento
reservado ao povo congolês permanece no entanto praticamente o
mesmo: prossegue-se a exploração das suas riquezas e com ela as
brutalidades que lhe são infligidas. São as igrejas que se encarregam
de educar as multidões e seguramente também de as converter ao
Cristianismo.
«A colonização é a dominação política, cultural e económica exercida por
um Estado sobre um outro Estado. O objectivo consiste em criar uma
dependência de um povo face a um outro e igualmente em estender o seu
próprio território».
4
A LINHA DO TEMPO
Nascimento do Congo Belga1830
1874
-
1977
Henry Morgan inicia a exploração do rio Congo
1885O Congo torna-se propriedade de Leopoldo II
1908Leopoldo II cede o Congo à Bélgica
1940
Entrada do Congo na Guerra ao lado dos aliados
1960
Independência do Congo
1961Assassinato de Lumumba e Mobutu toma o poder
1997
Laurent Kabila derruba Mobutu que vai para o exílio em Marrocos onde morre
2001 Assassinato de Laurent Kabila. Sucede-lhe o seu filho Joseph Kabila
2006
Joseph Kabila ganha as primeiras eleições por sufrágio universal directo.
5
A descolonização
A partir dos anos 40, nomeadamente após a participação de
Congo no esforço de guerra conjunto com os aliados, a ideia de
independência começa a mudar as mentalidades e gradualmente
começa a ganhar adeptos entre os congoleses. Mas é necessário
esperar pelos anos 50 para que estes ideais de liberdade assumam
realmente corpo; é nesta altura que o espancamento por chicotada é
proibido pelos belgas. Enquanto alguns reclamavam uma
descolonização progressiva a realizar durante 30 anos, tudo se acelera
e a 30 de Junho de 1960 o Congo é declarado independente.
Perante a precipitação dos acontecimentos e dada a falta de
enquadramento, as coisas degeneram rapidamente e várias províncias
uma a uma reclamam a sua independência. O primeiro-ministro
Patrice Lumumba é assassinado em 1961 e quatro anos depois é
Mobutu, com o apoio dos países ocidentais, que toma o poder pela
força. O Congo passa a chamar-se Zaire e instaura-se um regime
autoritário. Após 32 anos de dominação, é derrubado por um antigo
partidário de Lumumba que leva a que o Zaire se passe a chamar
“República Democrática do Congo”, RDC, nome que permanece até
aos nossos dias.
O Katanga: do colonialismo ao neocolonialismo
O Katanga, grande província do sudeste, quase um quarto da
superfície da RDC, é um alto planalto da plataforma continental. São
6
três as suas principais cidades, Lubumbashi (antiga Élisabethville),
Likasi (antiga Jadotville) e Kolwezi, que se encontram a sul, perto da
fronteira com a Zâmbia. A população é hoje de cerca de 8 milhões de
habitantes. Graças aos seus minérios, é a região mais rica do país. O
geólogo belga Jules Cornet aquando da sua chegada a este território,
em 1892, referiu-se a esta região como um escândalo geológico, pois
aí abundam o ferro, o cobalto, o cobre, o germânio, o estanho, o
urânio, o zinco, o ouro.
Em 1909, com a morte do rei Leopoldo II, começa a sua
colonização pelo Estado belga. Os recursos minerais do Katanga
começam imediatamente a ser explorados. Durante trinta anos, as
infra-estruturas criadas são consideráveis, tanto em termos de
investimentos industriais como ao nível do sistema social de saúde e
de educação.
Com uma tomada de consciência pelos congoleses do que é a
realidade colonial, os movimentos sociais não demorarão a agitar o
conjunto do país. No Katanga, isto dá-se aquando da Segunda Guerra
Mundial, uma vez que os despedimentos em conjunto com o esforço
de guerra imposto pelo colonizador belga ao povo congolês
conduzirão a confrontos sociais duros em toda a região, como a greve
de 1941, em Élisabethville, que foi fortemente reprimida e se saldou
por cerca de 60 mortes, todos eles eram trabalhadores. Em 1948, no
Kasaï e no Katanga, rebenta uma revolta indígena contra as
transferências de mão-de-obra. Pode começar-se a falar do nascimento
de um proletariado nestas duas províncias, com a tomada de
consciência de classe.
7
Quase ao mesmo momento que a independência, sob o impulso
do seu governador Moisé Tshombé e com o apoio das grandes
empresas mineiras pró-ocidentais de então, o Katanga tenta a
secessão, contra o sentido da unidade nacional no Congo defendida
por Patrice Lumumba, primeiro-ministro, e pelo presidente Joseph
Kasa-Vubu. A aventura concluir-se-á três anos mais tarde, num banho
de sangue. Depois da sua tomada do poder, por golpe de Estado em
1965, o marechal Mobutu procede “a uma zairização” do país,
substituindo sistematicamente quase todos os nomes cristãos por
nomes locais. O Katanga é rebaptizado e passa a ser Shaba, que quer
dizer cobre em swahili. A União Mineira do Planalto do Katanga, jóia
industrial da época colonial, foi nacionalizada sob o nome de
Gécamines (Sociedade geral do carvão e das minas). É o início do
declínio da produção mineira do Katanga. A corrupção, os desvios, o
nepotismo, levarão trinta anos mais tarde à queda de Mobutu e esta
empresa a uma situação em que ela não passa de um esqueleto, que
alguns trabalhadores isolados tentam fazer sobreviver. As redes
rodoviárias e dos caminhos-de-ferro, o sistema de saúde e todas as
outras infra-estruturas anexas sofrerão o mesmo destino, tanto no
Katanga como no resto do país.
Sob o reino de Mobutu, numerosas perturbações sociais
agitarão o Katanga. As revoltas em nome da independência, como a
ocupação de Kolwezi, em 1978, por mercenários angolanos apoiados
por Cuba, foram reduzidas por uma coligação de tropas belgas,
franceses e americanas sob a égide da ONU.
O multipartidarismo imposto pelo Ocidente assinalará o início
do fim de Mobutu, que é obrigado a aceitar a presença da oposição.
8
Dá-se uma rebelião armada que atinge todo o país de leste a oeste. O
reino de Mobutu termina tristemente em 1997. Mobutu está
enfraquecido por motivos de saúde, é expulso para fora do seu país
por Laurent-Desejar Kabila e foge para Marrocos. O país que deixa
está totalmente exangue, desarticulado, arruinado, abatido. Kabila
autoproclama-se presidente e rebaptiza o país que passa agora a
chamar-se República Democrático do Congo.
Devido às suas riquezas mineiras, o Katanga sobrevive melhor
que as outras províncias do Congo a este verdadeiro desastre nacional.
A Gécamines, depois de uma tentativa infrutífera de saneamento
financeiro por um negociante do Zimbabue, termina no entanto na
confusão mais completa. É o tempo da privatização da empresa
pública nacionalizada que será vendida pedaço a pedaço às
multinacionais mineiras ocidentais.
Kabila é assassinado em Janeiro de 2001 pelo seu corpo de
guarda pessoal. O seu filho Joseph sucede-lhe. Ganha as primeiras
eleições democráticas da história do país em 2006. A chegada de
investidores asiáticos e particularmente dos chineses reaviva a
concorrência industrial. É também o início de um tímido arranque da
Gécamines que prossegue com a nomeação, para a sua direcção, de
um jurista canadiano, Paul Fortin. Em Fevereiro de 2007, um brilhante
negociante mestiço, Moïse Katumbi Chapwe, um dos personagens
centrais do filme de Thierry Michel, torna-se o governador da
província. O seu desafio consiste em salvar economicamente esta
região rica, atraindo, por um lado, os investidores e, por outro,
assegurando uma protecção social aos trabalhadores. O Estado central
decide retomar, ou seja, decide renegociar os contratos mineiros
9
atribuídos às multinacionais. É sobre este renascimento do Katanga
que se debruça Thierry Michel.
O CONTEXTO DO FILME
O Katanga de hoje
O Katanga vive hoje uma verdadeira revolução industrial
próxima daquela que a Europa conheceu no fim do século XVIII. Por
um lado, há os miseráveis, dezenas de milhares de sachadores que
ocuparam as pedreiras e as minas de maneira ilegal para assegurar
uma sobrevivência mínima, uma dignidade perdida. Trabalham de
mãos nuas em pavorosas condições de segurança, expõem-se a
desabamentos frequentes que matam mesmo e sempre dezenas e às
vezes centenas destes mineiros imprudentes que escavam nas minas
artesanais e que trabalham à luz de uma lâmpada de bolso, às vezes a
várias dezenas de metros debaixo da terra, em condições terríveis de
falta de ar e de calor, em condições totalmente inumanas. São a presa
fácil de comerciantes ávidos que lhes compram o minério a baixos
preços para o exportarem clandestinamente por fronteiras porosas para
a Zâmbia ou para outros países compradores.
Por outro lado, as grandes sociedades multinacionais estão a
hoje a fazer entre si uma concorrência extremamente violenta para
adquirirem as concessões mineiras e expulsarem os sachadores ilegais.
Esta situação social já tem provocado alguns conflitos delicados e
10
graves, incluindo o massacre, feito pelo exército, de dezenas de
mineiros no Norte do Katanga perto de Pueto, assim como a morte de
mineiros em Kolwezi aquando de uma operação de expulsão. A
resposta dos sachadores foi imediata, manifestaram-se, atacaram e
queimaram o Guest House da sociedade canadiana Anville, o que
provocou a morte dos seus ocupantes.
Mas o grande desafio é ver como o Katanga se moderniza, é
ver como a industrialização que reaparece se está a desenvolver e a
um nível nunca atingido. É ver como a riqueza social é distribuída, é
olhar para o que são os estragos em termos sociais e ambientais. O
preço do cobalto foi multiplicado por dez tão importante é a procura
asiática, principalmente a da China, como importante é a situação dos
mineiros, mais precária que nunca. Mas o que o Katanga tem de mais
específico é que esta revolução industrial se constrói sobre as ruínas
de uma outra revolução industrial, a que foi feita há mais de 50 anos,
na época colonial.
Revolução industrial
Este termo designa a passagem de um modo de produção agrária a um de
produção industrial. Os primeiros países a terem seguido esta via foram a
Grã-Bretanha e a Bélgica no fim do séc. XVIII enquanto os Estados Unidos
ou a Alemanha se industrializaram apenas a partir de meados do séc. XIX.
Estas revoluções são sobretudo o reflexo de um contexto específico. Com
efeito, só foram possíveis graças ao desenvolvimento das nossas estruturas
económicas, políticas e sociais. Pode citar-se, por exemplo, o papel que
assumiu a burguesia na sociedade e a importância que esta deu à economia
11
Os recursos do Katanga
O urânio
Trata-se de um elemento natural muito abundante, mas
radioactivo. Altera, por exemplo, a reprodução e o desenvolvimento
das espécies. Pode observar-se no filme “Mina de Preocupações no
Katanga” os numerosos problemas que levanta a extracção do urânio
para as populações. As suas propriedades fazem, no entanto, dele a
principal matéria-prima da indústria da energia nuclear. Com efeito,
para massas iguais, a sua fissão gera uma energia um milhão de vezes
superior à das energias fósseis. Relativamente ignorado é o facto de o
urânio do Katanga ter servido para o projecto “Manhattan”, ou seja,
ter servido para a elaboração da bomba atómica cuja deflagração
destruiu a cidade de Hiroshima no Japão e pôs termo à Segunda
Guerra Mundial. A bomba que destruiu a cidade de Nagasaki utilizava
plutónio.
O cobalto
É África que detém o essencial dos recursos do planeta em
cobalto, nomeadamente a República Democrática do Congo que
possui metade das reservas até agora conhecidas. Conhece-se o
cobalto desde a antiguidade graças à sua aptidão para tingir o vidro de
um azul intenso. Hoje, o cobalto tem outras aplicações e faz parte do
nosso quotidiano, encontramo-lo assim na composição de produtos
12
como baterias recarregáveis dos telefones móveis, nas próteses
dentárias ou ainda nos ímanes. É utilizado igualmente na produção de
motores de avião. Considera-se que o esgotamento dos recursos
mundiais de cobalto se dará por volta de 2120.
O cobre
Trata-se de um metal que se pode encontrar na natureza e
desde há muitíssimo tempo que é utilizado pelos homens. O grande
consumidor de cobre é a China com 22% da produção mundial. É o
melhor condutor eléctrico logo a seguir à prata e é muito bom
condutor de calor. As suas propriedades térmicas fazem dele um
muito bom instrumento quando se trata de aquecer ou de arrefecer
rapidamente um líquido ou um gás. Encontra-se, por conseguinte,
cobre nas caldeiras ou nos radiadores, mas para além disto é ainda
utilizado abundantemente na maior parte das centrais eléctricas,
térmicas ou nucleares. Reencontramo-lo igualmente em domínios
como a música (entre na composição de numerosos instrumentos) ou
nas telecomunicações. As suas propriedades fazem assim dele um
metal muito procurado pelos países em vias de desenvolvimento.
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Os actores em presença
A Gécamines
Anteriormente, era a União Mineira da Bélgica que tinha o
monopólio da exploração do subsolo do Katanga. A empresa
Gécamines foi criada depois da independência do Congo, em 1966,
para a suplantar.
Mas em 1980, torna-se progressivamente decrépita depois dos
abusos de todos os géneros feitos nos tempos de Mobutu.
Depois da morte de Mobutu, a produção entrou em queda livre
e Kabila autoriza os sachadores artesanais a trabalharem nas minas,
criando uma empresa para comprar a produção destes.
Foi somente com o regresso da paz e da democracia que a
Gécamines pôde voltar a ser o que era. Os investidores afluem, com
efeito, dos quatro cantos do mundo ao Katanga.
Contudo, a recente crise económica mundial e a forte descida
do preço das matérias-primas vêm retardar o seu reaparecimento se é
que não o enterram mesmo.
O governador
Moïse Katumbi, 45 anos, foi um dos homens de negócios mais
poderosos do Katanga. Antes de entrar para a política aos 42 anos,
esteve à frente de uma poderosa sociedade. É presidente desde há mais
de 10 anos do clube de futebol Mazembe, campeão da primeira
14
divisão. Tendo obtido o mais elevado número de votos (124.000 votos
a mais) aquando das eleições para deputado nacional, tornou-se
governador da província do Katanga. Homem político popular e
populista, carismático e generoso, é igualmente presidente da
comunidade Bemba. O seu papel é sobretudo o de assegurar os
interesses económicos do Katanga e igualmente o de impedir as
empresas estrangeiras de explorarem o seu povo.
«As riquezas minerais do Congo são tão importantes que é impossível
ignorá-las. Não queremos ser o último a aproveitarmo-nos delas».
Gerhard Kemp, Rand Merchant Bank, Johannesburg
As multinacionais
Uma vez a paz instalada no Congo, foram numerosas as
multinacionais que se apressaram a vir para o Katanga na esperança de
explorar o subsolo e de relançar a actividade industrial.
Estas diferentes multinacionais com origens, por vezes, muito
diferentes estão na base de um verdadeiro choque das culturas em
África. É assim que se podem ver americanos, canadianos, ingleses ou
ainda australianos nestes lugares. Mas há também sociedades
libanesas, paquistanesas, indianas, russas ou chinesas. Contudo, estes
não investem necessariamente na extracção, compram antes minério
bruto aos sachadores artesanais, seguidamente exportam-no para a
China através da Zâmbia. Estas práticas são habitualmente
15
denunciadas por numerosas ONG, mas estas são muito
frequentemente instrumentalizadas pelas multinacionais.
Os chineses
Os chineses negociaram um contrato de 9 mil milhões de
dólares com a Gécamines. Em troca do acesso aos recursos mineiros,
comprometem-se a colocar em bom estado as principais infra-
estruturas da economia congolesa: estradas, vias de caminho-de-ferro,
hospitais… Este contrato poderia ter sido negociado com os ocidentais
se a imprensa não tivesse interferido e tivesse apontado a dedo a
situação política da República Democrática do Congo. Um detalhe
que não prende necessariamente a atenção dos chineses que limitam
fortemente a liberdade de imprensa.
Os sachadores
Ninguém sabe exactamente quantos são, mas a situação é tal
que mesmo os trabalhadores mais qualificados ou os universitários
preferem ir escavar. Este fenómeno é cognominado por “o outro
escândalo geológico”.
Descem basicamente a buracos de uma dezena de metros de
profundidade e retiram o minério à barra da mina. Aí, há os que
enchem os sacos, os que os levam, aqueles e aquelas que lavam as
pedras. Mesmo aí vêem-se os mais jovens a escavar a terra para obter
3 a 10 dólares por dia, uma soma muito importante para esta gente.
16
Lubumbashi é assim atravessada de dia e de noite por semi-
reboques que exportam de seguida este minério para a Zâmbia antes
de ser exportado para a China e sem que seja tratado. Esta verdadeira
pilhagem é possível graças a uma vasta rede de corrupção que implica
e de modo igual tanto os funcionários como os polícias.
A vida dos sachadores: o perigo do trabalho nas minas
A frequência dos acidentes mortais nas minas é importante. Os
sachadores podem morrer sem que ninguém o saiba, com a excepção
dos seus colegas mais próximos e da sua família. Frequentemente,
nem sequer os corpos das vítimas são encontrados. O número de
mortes aumenta consideravelmente durante a estação das chuvas,
quando a terra é mais friável, provocando o desmoronamento de poços
das minas.
Os acidentes mortais produzem-se geralmente quando os
sachadores fazem buracos por vezes com mais de 20 metros de
profundidade e de seguida escavam corredores horizontais,
conhecidos sob o nome de Kalolo ou galerias, para seguir o filão do
cobalto ou do cobre. Estas galerias, os Kalolo, estendem-se às vezes
por mais de 50 metros. As galerias são baixas, de modo que os
sachadores devem trabalhar curvados. Trabalham em geral por grupos
de três ou de cinco. Um ou dois de entre eles começam a escavar o
poço (um processo conhecido sob o nome de ataque), enquanto os
outros permanecem na parte de cima. Estes são geralmente os
primeiros a ver quando a terra começa a deslocar-se e tentam então
17
avisar os seus colegas do perigo. Quando o poço começa a
desmoronar, tentam por vezes salvar os seus colegas bloqueados sob
os escombros. Em certos casos, conseguem-no. Noutros casos,
também eles ficam bloqueados, ficam feridos e às vezes mortos
enquanto tentam salvar os seus colegas de grupo.
A suposta presença de urânio é igualmente preocupante para
numerosos sachadores que trabalham nas minas de cobre e de cobalto
e à volta delas. Com efeito, as taxas elevadas de radioactividade fazem
parte dos factores que provocaram o encerramento oficial da mina de
Shinkolobwe, em Fevereiro de 2004. E se hoje Shinkolobwe continua
a estar oficialmente fechada, os sachadores continuam a trabalhar nela
clandestinamente, com a cumplicidade da polícia e dos militares
encarregados de supervisionar a mina.
O trabalho infantil
No sector mineiro artesanal congolês, a idade legal de trabalho é ignorada
sistematicamente. Ainda que as negociantes não empreguem directamente
crianças, compram os produtos extraídos por elas ou sobre os quais elas
trabalharam.
Certas crianças são encarregadas de escavar por serem pequenas, o
que lhes permite meterem-se pelas passagens estreitas, mas a maior parte de
entre elas limpa, peneira ou transporta os minerais. Regra geral, muitas
crianças começam a trabalhar nas minas durante as férias escolares; alguns
deixam depois de ir à escola porque as suas famílias não têm os meios para
pagar as respectivas despesas escolares e muito frequentemente há famílias
inteiras que acabam por viver do dinheiro ganho pelas suas crianças.
18
A indústria contra o trabalho artesanal
Já não é uma guerra de homens o que divide hoje o Katanga,
mas uma guerra económica. De facto, são estes dois modos de
produção, de pensamento que se opõem: por um lado, sachadores e a
produção artesanal e, por outro, as multinacionais e a produção
industrial.
A exploração mineira artesanal irá talvez deixar de existir no
Katanga dentro de alguns anos. Em teoria, o desenvolvimento da
exploração mineira industrial no Katanga poderia ser, sob certo
ângulo, benéfico para os trabalhadores, porque gera melhores
condições de trabalho, fornece equipamentos profissionais e um
quadro de contratação legal mais claro. No entanto, na prática, dada a
permissão governamental de um número crescente de concessões às
sociedades mineiras, os sachadores artesanais vão sendo expulsos e
são obrigados a andar incessantemente de uma mina para outra. Mais
particularmente, numerosos sachadores foram expulsos das grandes
concessões de Tenke Fungurume desde à assinatura do contrato, no
final de 2005.
O procedimento de expulsão dos sachadores artesanais destas
concessões tem sido delicado. As tensões foram frequentes entre os
sachadores e as forças de segurança, provocando por vezes
confrontações. Certos sachadores expulsos das concessões
conseguiram, no entanto, reintroduzir-se e têm assim continuado a
trabalhar na ilegalidade.
19
Um exemplo entre tanto outros…
No dia 24 de Abril de 2006, pelo menos quatro pessoas (dois
sachadores artesanais e dois sachadores de Anvil Minning) morreram na
sequência de tensões que têm rebentado entre a sociedade e os sachadores
artesanais em Kolwezi. O incidente conduziu ao encerramento provisório da
mina de Kulu de Anvil. As tensões tomaram uma certa dimensão quando
vários sachadores foram expulsos da concessão de Anvil Mining e um
sachador morreu. Os sachadores nesta sociedade canadiana ocuparam então as
instalações da Anvil Kolwezi e puseram fogo a uma das casas de habitação da
Anvil: dois membros do pessoal que trabalhava para Anvil Mining morreram
no incêndio.
O sector industrial prossegue o seu desenvolvimento no
Katanga e os sachadores artesanais continuarão a ser expulsos pelas
multinacionais. O governo incentiva a expansão da exploração
mineira industrial sem estar a tomar disposições específicas em
relação às dezenas de milhares de sachadores artesanais e às pessoas
que têm a seu cargo, que não dispõem de mais nenhuma outra via,
extremamente limitados que estão, para lhes assegurar condições
mínimas de existência. As consequências económicas para estas
famílias poderão ser graves.
20
Valores das importações provenientes do Congo em 2005,
milhões de dólares
Algumas sociedades mineiras industriais aceitaram empregar
alguns dos sachadores artesanais que tinham encontrado nas suas
concessões e outras estarão dispostas talvez a fazê-lo no futuro, mas o
número de pessoas a contratar será muito menos importante do que o
daqueles que trabalham hoje artesanalmente.
Cobalto Cobre Total
21
O PERCURSO DO MINERAL
República Democrática
do Congo
China
• Extracção dos minérios só com as mãos feita por
sachadores artesanais.
• Os sachadores ou intermediários vendem os minérios
às sociedades congolesas ou estrangeiras.
• Os minérios são analisados por uma empresa de
avaliação acordada.
• O minério é transportado por camião para as várias
sociedades especializadas ou por caminho-de-ferro
para a Zâmbia. Uma parte do minério já é aí tratada
pelas fundições locais.
• As matérias-primas, os concentrados semi-tratados e
os metais transformados são encaminhados para a
África do Sul por camiões ou por caminho-de-ferro ou
para o porto de Dar es Salaam, na Tanzânia.
• Uma parte das matérias-primas é tratada,
seguidamente revendida e enviada para a China ou
para a Índia.
• Uma outra parte bem como as matérias tratadas são
estudadas uma segunda vez e são também enviadas
para a China ou para a Índia.
• Por fim, a última parte das matérias-primas e as
matérias tratadas será enviada para o Extremo Oriente
ou para a Europa.
22
PARA ALÉM DO FILME
As consequências da crise económica na República
Democrática do Congo
A redução do ritmo mundial da actividade económica provocou
uma diminuição da procura de matérias-primas (como o cobre) por
parte das indústrias. O valor destes materiais reduziu-se assim
fortemente.
Em resposta à descida do preço dos minérios (divididos,
segundo os casos, por 3 ou 4 ou mesmo mais), as empresas mineiras
abandonavam gradualmente a República Democrática do Congo.
Após as promessas de reconstrução, os trabalhadores encontram-se
assim de novo abandonados ao seu destino numa terra que não tem
mais interesse para o mundo ocidental.
Mesmo para os sachadores artesanais a situação é desesperada,
os entrepostos de compra de minérios fecham uns a seguir aos outros e
não deixam outras escolhas aos sachadores que não seja unicamente
voltarem-se para novos sectores como a agricultura.
Ironia do destino: as últimas medidas tomadas pelas
autoridades locais antes da crise não ajudaram nada. A fim de proteger
o Congo, impedindo os abusos perpetrados pelas multinacionais
estrangeiras, os políticos congoleses proibiram-lhes que exportassem o
minério bruto. Deste modo, obrigava-se os investidores estrangeiros a
investirem somas bem mais importantes com o tratamento das
23
matérias-primas, mas com isto o que o Governo fez foi apenas
precipitar a saída deles.
Embora a suspensão da actividade industrial no Katanga seja
sem dúvida apenas temporária e deva ser retomada logo que a crise
tenha passado, esta deixa, de momento, milhares de pessoas sem
empregos e recursos enquanto vivem num dos países mais ricos do
mundo.
Os créditos subprimes
Trata-se de um crédito concedido a famílias modestas e de fracos
rendimentos que lhes permite adquirir casa própria.
O credor fica com as casas como garantia, salvaguardando-se assim da
hipótese de aquelas ficarem numa situação de incapacidade de reembolsar o
empréstimo devido à sua situação já precária.
A taxa de juro segue as flutuações do preço do imobiliário. Quer isto dizer
que quanto mais o valor da casa sobe, mais a taxa de juro cai e inversamente.
Há um grande risco para os bancos, mas estes esperam limitar os estragos
apostando na subida rápida do preço do imobiliário assim como na forte
quantidade de subprimes concedida.
24
A crise financeira
.
Os primeiros sinais da crise apareceram a partir de Fevereiro de 2007
quando vários organismos financeiros ficaram em situação de falência.
As causas: o mercado do imobiliário afundou-se, o que causou a subida das
taxas de juro dos empréstimos subprimes até níveis até aí nunca verificados.
As famílias devedoras, que se encontravam já numa situação difícil, foram
assim obrigadas a abandonar as suas casas. Como os preços destas estavam
agora claramente abaixo dos que se verificavam aquando da concessão dos
empréstimos subprimes, a venda das casas não permitiu às instituições de
crédito recuperar os seus investimentos de partida e caíram assim
rapidamente em falência.
Os grandes bancos que lhes tinham emprestado dinheiro foram assim
obrigados a vender as suas acções, o que fez de novo afundar o índice
bolsista americano.
Quando a crise americana apareceu, os bancos europeus desconfiaram uns
dos outros com o medo de cada um deles ter investido nas instituições de
crédito americanas e, sendo assim, deixaram de se emprestar mutuamente
dinheiro, o que provocou a crise na Europa.
25
A questão nuclear
As armas nucleares
Podem distinguir-se dois tipos de funcionamento de bombas
nucleares: a bomba H cujo princípio assenta na fusão do núcleo
atómico e na energia que desta se liberta e a bomba A cujo princípio
assenta na fissão dos núcleos atómicos e na energia que desta se
liberta. Embora diferentes, os dois dispositivos têm os mesmos
efeitos:
• A deslocação do ar que destrói ou deteriora todos os
objectos até certo perímetro.
• O calor, que desencadeia incêndios ou causa terríveis
queimaduras.
• As radiações, que irradiam tanto sobre os indivíduos como
sobre os objectos próximos da explosão. Isto implica que
uma pessoa mesmo não presente aquando da deflagração
pode assim sofrer terríveis consequências se entra em
contacto com um dos objectos irradiados.
• A onda electromagnética, que destrói a maior parte dos
circuitos electrónicos.
Outros modelos de armas nucleares (bombas N, bombas
salgadas…) foram elaboradas a fim de maximizar certos efeitos em
especial, mas desde a utilização de duas bombas A contra o Japão
26
durante a Segunda Guerra Mundial, o arsenal nuclear integra-se agora
também numa política de dissuasão, ou seja, devido à sua potência,
tudo se deve fazer para evitar a sua utilização.
«O problema hoje não é a energia atómica, mas o coração dos homens».
Albert Einstein
O projecto Manhattan
Trata-se de um programa americano lançado durante a Segunda Guerra
Mundial e destinado a desenvolver uma bomba atómica antes dos alemães.
Foi uma carta de Albert Einstein que decidiu o presidente Roosevelt a
libertar os fundos necessários para realizar este projecto. Posteriormente,
Einstein lamentará o seu gesto.
Foram vários milhares de investigadores que trabalharam no maior segredo
em vários laboratórios um pouco por toda a parte nos Estados Unidos, entre
os quais Los Alamos que foi dirigido por Robert Oppenheimer.
O projecto é um sucesso e a primeira bomba atómica da história explode a
16 de Julho de 1945 no deserto do Novo-México nos Estados Unidos.
27
A central nuclear
A primeira central nuclear entrou em serviço em 1951 nos
Estados Unidos. O funcionamento de um reactor nuclear assenta no
mesmo princípio que o da bomba atómica. Já não se trata, no entanto,
de deixar criar uma reacção em cadeia mas sim de a controlar.
A fissão de átomos de urânio liberta calor. Este, em
contacto com a água, transforma-o em vapor. O vapor é utilizado
para fazer trabalhar uma turbina que actua sobre um alternador
e produz electricidade.
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Utiliza-se por conseguinte a fissão de núcleos para produzir
primeiro o calor e seguidamente a electricidade.
Numerosas críticas são feitas a este sistema de produção de
energia, nomeadamente a respeito do risco de fusão do próprio
reactor. A gestão dos desperdícios radioactivos coloca igualmente
problemas. A reacção de fissão cria, de facto, numerosas matérias
radioactivas. O tratamento destes materiais é extremamente sensível,
principalmente devido à sua longa duração de vida. Actualmente,
pode reciclar-se apenas uma ínfima parte, o resto é escondido e
isolado esperando-se que venha a perder a sua nocividade.
Actualmente, o mundo reencontra-se numa posição delicada no
que diz respeito à fileira da energia nuclear. Com efeito, por um lado a
opinião pública reclama aos dirigentes políticos uma diminuição ou
mesma a supressão do recurso à energia nuclear e, por outro, aquela
encontra-se confrontada com o aumento do preço dos combustíveis
fósseis. A fileira da energia limpa (painéis solares, eólicas) encontra-
se reforçada mas, infelizmente, não pode ainda preencher o vazio que
criaria o abandono de uma destas fileiras.
A catástrofe de Chernobil
O acidente nuclear mais importante até agora foi o que se produziu a 26 de
Abril de 1986 na central de Chernobil. Uma série de erros conduziu à fusão
do coração do reactor, o que gerou numerosas consequências sanitárias
(cancros), ecológicas (contaminação do solo) e morais (questiona-se a
utilização desta tecnologia e a sua segurança).
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Reactor pressurizado europeu (E.P.R.)
Trata-se de um reactor a água pressurizada de um novo tipo. É actualmente
construído na Finlândia e em França. A finalidade deste projecto era
primeiro que tudo diminuir o risco de um acidente maior, como o de
Tchernobyl, mas também o de aumentar a produtividade do processo de
produção de energia.
A França e a energia nuclear
O desenvolvimento da energia nuclear através do urânio é uma questão
global e provoca sempre tensão (com o Irão ou a Coreia do Norte, por
exemplo) quanto à finalidade da sua utilização (civil ou militar).
No início de Abril de 2009, Nicolas Sarkozy fez uma visita ao presidente
Joseph Kabila, que decidiu confiar a reactivação da fileira do urânio ao
grupo francês “AREVA”, número 1 mundial da energia nuclear civil. A
presidente do directório de “AREVA” anunciou, por seu lado, que o seu
grupo desejava realizar uma parceria “ganhadora-ganhadora” com a RDC e
que seria criada uma comissão franco-congolesa para o efeito.
Em Janeiro de 2009, o ministro nigeriano das minas e a presidente do grupo
nuclear francês “AREVA” assinaram uma convenção de exploração da 2.ª
jazida de urânio mais importante no mundo.
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ENTREVISTA COM THIERRY MICHEL
Pergunta. Depois de ter realizado quatro filmes, está de regresso ao
Congo. O que é que desta vez o trás a este país quase arruinado,
explorado e roubado?
Resposta. Desta vez vim para descobrir uma província que já conheço
por a filmar desde há uma quinzena de anos, mas sem ter estado nela a
fazer um trabalho verdadeiramente exaustivo, e que é o Katanga.
Penso que o Katanga é o coração económico da República
Democrática do Congo; é a província que sempre suscitou a inveja
sobre este país; é uma das províncias mais ricas em minérios
importantes para o desenvolvimento e para a industrialização de
numerosos países, minérios como o cobre, o zinco, o cobalto, mas
também minérios altamente estratégicos como o urânio. Tinha o
desejo de realizar um filme sobre uma província mineira porque nasci
ao sul de uma província mineira: Charleroi na Bélgica.
Mais do que nunca, hoje joga-se no Katanga uma parte
essencial da mundialização. Nesta província em que abundam
riquezas, efectua-se aqui uma guerra económica temível entre as
grandes companhias mineiras internacionais, mas também entre as
grandes potências. Vê-se bem hoje como se confrontam aqui os
interesses norte-americanos, mas também os asiáticos, principalmente
os da China, cujo poder subiu fortemente e em muito pouco tempo no
Katanga. Há também a Índia.
Verifiquei que fortes e temíveis desafios económicos se
levantam no Katanga, onde se efectua uma dupla guerra: uma guerra
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económica, mas também uma guerra social, porque, apesar das
riquezas importantes, continua a existir aqui ainda hoje uma miséria
profunda da população; centenas de pessoas são obrigadas a escavar a
terra apenas com as mãos, sem mais nada, a enfiarem-se pelas
entranhas da terra e pelas galerias que não são de modo nenhum
protegidas e que desmoronam regularmente, tudo isso para tentar
assegurar a subsistência das suas famílias.
O último aspecto é o renascimento económico. O renascimento
africano, o renascimento do Congo, o renascimento de uma qualquer
província. Hoje, o Katanga vive uma verdadeira revolução industrial.
Hoje, o Congo é uma democracia e é por este facto que chegam dos
quatro cantos do mundo investidores para fazerem reaparecer esta
província. Mas, nesta guerra económica, cada um tenta obter a melhor
parte do bolo de acordo com os seus próprios interesses. Mas isso
também contribui para o desenvolvimento da província. Tentei ligar-
me a personagens porque a história também se faz através das pessoas
que a fazem e através dos personagens que a fazem.
Mas, uni-me não somente a estes grandes decisores, a estes
grandes gestores, mas também ao destino destes pequenos sachadores
que tentam sobreviver dia a dia e cuja morte se filmou às vezes.
Alguns de entre eles foram enterrados durante o período em que
estávamos em rodagem, outros foram mortos por balas aquando da
repressão das manifestações; também estivemos presentes quando os
trabalhadores da Gécamines foram feridos aquando dos confrontos
com as forças da ordem. Qualquer revolução industrial sempre foi
violenta. Não é um fenómeno tipicamente africano. Uma mutação,
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quando se passa do artesanato à industrialização, pede sempre um
lapso de tempo. Está-se perante a história universal.
P. Quando percorreu todo o país não ficou com a impressão de que
com a efervescência do Katanga, era um outro país que estava a nascer
no nosso país?
R. Sim, há dois Congos. Não há o Katanga e o resto do Congo, há
províncias mais ricas e há províncias menos desenvolvidas. O Congo,
no seu conjunto, é rico: em Ituri há petróleo e há minério, na Bacia há
petróleo, e o diamante existe um pouco por todo o lado, Maniema
possui minérios, a província Oriental igualmente, o Kivu tem
colombo-tantalite, o coltran, o Equador é extremamente rico nas suas
madeiras e há potencial agrícola na maior parte das províncias
congolesas das quais não se fala muito. A província mais rica, do meu
ponto de vista, é o Baixo Congo e não o Katanga. O problema das
riquezas mineiras é que estas se esgotam. O Katanga é e será rico
durante vinte e cinco ou cinquenta anos. Depois, haverá buracos,
pedreiras inundadas e calhaus que não terão mais nenhum valor.
Assim, se o Katanga vive apenas das suas riquezas mineiras, está
condenado a prazo. É uma questão de geração. Em contrapartida, o
Katanga tem outras riquezas como a pecuária e a agricultura.
P. Mas, para além da industrialização, da mutação, não há enormes
desgastes no plano ecológico?
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R. Certamente. Evidentemente, o problema do Congo é um pouco
mais complexo. Quando de repente todas as potências mundiais se
vêm aqui concentrar para desenvolver uma província, elas fazem-no
primeiro na defesa dos interesses dos seus accionistas. É a regra da
economia mundial, da lei do mercado e do capitalismo. Não estamos
no Congo numa economia socialista, mas sim numa economia
capitalista. Estamos evidentemente num Estado que se reconstrói.
Logo, estamos num Estado fraco face às forças económicas que tem
de enfrentar.
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Agradecimentos
Les Films de la Passerelle
O conteúdo deste caderno é uma adaptação do dossier pedagógico do filme Katanga, a guerra do cobre preparado pela produtora Les Films de la Passerelle.