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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS NATHALIA CRISTINA OLIVEIRA OS MOVIMENTOS DOS SEM-TETO NO BRASIL E NA FRANÇA CAMPINAS 2016

OS MOVIMENTOS DOS SEM-TETO NO BRASIL E NA FRANÇA · a França na mundialização neoliberal”, pela “troca de figurinhas” sobre o Brasil e a França. A todos aqueles que se

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

NATHALIA CRISTINA OLIVEIRA

OS MOVIMENTOS DOS SEM-TETO NO BRASIL E NA FRANÇA

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 23 de março de 2016, considerou a candidata Nathalia Cristina Oliveira aprovada. Prof. Dr. Armando Boito Junior Prof.ª Dr.ª Andréia Galvão Prof.ª Dr.ª Maria da Glória Marcondes Gohn Prof. Dr. Jair Pinheiro Prof.ª Dr.ª Tatiana Brettas Waehneldt A Ata da Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Ao Fabrício Tenório Vicente, com todo meu amor

e

Aos meus pais, Roque e Luisa, com toda minha admiração

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AGRADECIMENTOS

Diversos são os meus sentimentos ao final do processo de construção e defesa desta tese. Gratidão é um deles. Sou grata:

Ao Fabrício Tenório Vicente, meu companheiro, por estar sempre ao meu lado. Agradeço imensamente pelo colo sempre tão acolhedor e do qual precisei muito nos últimos meses para conseguir concluir este trabalho.

Ao meus pais, Luisa Dotti e Roque Oliveira, por me darem e ensinarem o que são apoio e amor incondicionais. Sem isto eu não estaria aqui.

Ao meu irmão Thiago Oliveira, por me motivar constantemente a continuar caminhando... Tenho que agradecer ainda ao Thiago e a Vivian por me presentearem com duas sobrinhas encantadoras, Beatriz e Rafaela, que têm me mostrado um lado diferente da vida.

À Vó Laura (in memoriam), por não me deixar esquecer que é preciso aproveitar o que a vida tem de mais alegre e doce.

À Família Dotti, pelo incentivo constante e pelos bons momentos que desfrutamos uns das companhias dos outros. Sinto-me uma privilegiada por fazer parte desta família.

À Família Tenório Vicente, em especial à Dona Elusa e Seu Hélio (in memoriam), pelo carinho de sempre e pelo respeito diante de minha opção de “continuar indo para a escola”... Ao pequeno Davi Lucca, por trazer mais alegria à minha vida e com quem, apesar dele ainda não falar, já pude bater altos papos.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão das bolsas de Doutorado e Doutorado Sanduiche no Exterior (período do estágio doutoral na França), garantindo o financiamento desta pesquisa.

Ao professor Armando Boito Júnior, pela orientação de minhas pesquisas desde os tempos da graduação e pela leitura atenta e crítica aos meus textos. Agradeço pela oportunidade de trabalharmos juntos por tanto tempo.

À professora Sophie Béroud, pela acolhida em Lyon, na França, e por aceitar o trabalho de supervisão do meu estágio doutoral no laboratório Triangle, ligado à Université Lumière de Lyon 2. Agradeço muitíssimo a indicação dos contatos com os militantes envolvidos na luta por moradia na França. Agradeço também os “cadeaux”, como a entrada para a abertura do festival de cinema e a degustação de ostras.

Às professoras Andréia Galvão e Paula Marcelino, pelos valiosos comentários, críticas e sugestões que fizeram na ocasião do exame de qualificação.

Às professoras Andréia Galvão, Maria da Glória Gohn, e Tatiana Brettas e ao professor Jair Pinheiro, por concordarem em compor a comissão julgadora deste trabalho de tese de doutorado.

Às professoras Bárbara Castro, Luciana Tatagiba e Santiane Arias, por aceitarem ser membros suplentes da comissão julgadora deste trabalho.

Aos colegas e coordenadores dos grupos de estudos do qual pude participar ao longo destes anos, Neoliberalismo e Relações de Classes (GENEO) e Sindicalismo e Movimentos Sociais (MOB), ambos alocados ao Centro de Estudos Marxistas (Cemarx), da Unicamp, pelas discussões sempre instigantes e por compartilharmos de ideais, projetos e também angustias.

Aos membros do grupo de pesquisa “Conflitos sociais, trabalho e política. O Brasil e a França na mundialização neoliberal”, pela “troca de figurinhas” sobre o Brasil e a França.

A todos aqueles que se dispuseram a me ajudar na pesquisa na França, pela paciência nas conversas e entrevistas, doação de materiais e indicação de contatos. Em especial,

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agradeço aos membros dos movimentos Droit au Logement (DAL) e Jeudi Noir (JN) por possibilitarem que eu conhecesse mais as suas lutas.

A todos aqueles que me auxiliaram na aventura de ter acesso às dezenas de dissertações e teses que compuseram meu “banco de dados”. Agradeço à Maria Júlia, funcionária da biblioteca do IFCH, responsável pelo COMUT, o serviço de comutação bibliográfica que possibilitou a obtenção das teses que não estavam disponíveis na internet, mas somente nas bibliotecas das instituições onde as pesquisas foram realizadas. Agradeço também a alguns pesquisadores por terem eles mesmos enviado os seus trabalhos para mim.

Em nome de Marion Naldi, agradeço aos colegas que fiz em Lyon, na residência estudantil, os quais fizeram com que a imensa saudade que eu sentia do Brasil se tornasse um pouco mais amena.

Às queridas Bárbara Castro, Carol Cavazza, Carol Parreiras, Glaucia Oliveira, Mariana Marques, Talita Castro e Vanessa Ortiz e ao querido Vitor Queiroz, por toda a cumplicidade e amizade de sempre.

E, por fim, ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e à Universidade Estadual de Campinas, pela oportunidade de ter feito parte desta comunidade.

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Resumo

Esta pesquisa teve como objeto de estudo os movimentos dos sem-teto de dois distintos países, o Brasil e a França, em seus respectivos contextos de desenvolvimento do capitalismo neoliberal.

Nosso objetivo foi fazer uma caracterização dos movimentos dos sem-teto no Brasil, considerando quatro elementos principais, a saber, bases sociais, reivindicações, orientações político-ideológicas e métodos de luta. Este estudo, em nível nacional, que teve como fonte principal de pesquisa dezenas de teses e dissertações sobre os movimentos dos sem-teto, foi viabilizado justamente porque já existe este acúmulo de bibliografia sobre o tema, principalmente para os movimentos atuantes nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Dentre as conclusões da pesquisa, destacamos que há uma diversidade nas orientações político-ideológicas dos movimentos dos sem-teto brasileiros, apesar de compartilharem uma reivindicação comum (moradia digna) e de suas bases sociais serem mais ou menos semelhantes entre si, as quais são, por sua vez, compostas por famílias de trabalhadores sem-teto.

Analisamos, ainda, dois movimentos franceses. Estamos falando aqui do “Direito à Moradia” (Droit au Logement - DAL), o principal movimento de luta por moradia na França contemporânea, e o “Quinta-Feira Negra” (Jeudi Noir - JN), que, apesar de ser um movimento de moradia, não pode, a nosso ver, ser considerado um movimento de sem-teto. Estes dois movimentos apresentaram elementos importantes para a análise quando realizamos um “olhar cruzado” com os movimentos dos sem-teto brasileiros: um devido a sua maior proximidade com estes e o outro devido a sua distância. As fontes da pesquisa com os movimentos franceses foram a leitura da bibliografia especializada, análise dos documentos oficiais dos movimentos e algumas entrevistas que realizamos com lideranças e membros destes movimentos na cidade de Paris.

Palavras-chave: sem-teto; movimentos sociais; classes sociais; moradia

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Abstract The focus of this research is to study the homeless movements from two different countries, Brazil and France, with their respective characteristics of neoliberal capitalism development. The objective was to perform a characterization of homeless movements from Brazil, considering four main elements: social basis, complaints, political-ideological orientation and forms of action. The research from Brazil side was based on many thesis of homeless movements already available, mainly regarding on the movements that act on metropolitan regions of São Paulo, Rio de Janeiro and Salvador cities. We could conclude that there is a diversification of political-ideological orientation from homeless movements, although there is a common claim: the necessity of a worthy home. We also could conclude that the social basis are also similar: the families of homeless workers. We also analyzed two French movements: Droit au Logement (DAL) which is the main movement that claims for right to housing in France, and the Jeudi Noir (JN), that, although it is a movement for right to housing, cannot be considered a homeless movement in our point of view. These two movements presented important elements for our analysis when we make a “cross check” between them and Brazilian ones: one is so similar (“closer”) and the other is more different (“far”). The sources of information from France movements were a specialized bibliography, movements official documents and interviews performed with some leaders and members of these movements in Paris city. Keywords: homeless; social movements, social class, right to housing

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Sumário Introdução Geral .................................................................................................................................... 12

Parte 1 - Os movimentos dos sem-teto no Brasil .................................................................................. 26

Introdução ......................................................................................................................................... 27

Capítulo 1. Os movimentos dos sem-teto nos anos 1990 e 2000 e seus posicionamentos político-

ideológicos ......................................................................................................................................... 32

Os movimentos dos sem-teto frente aos governos federais e a política federal Minha Casa, Minha

Vida – Entidades ............................................................................................................................ 32

Movimento dos Sem Teto de Salvador (MSTS) e Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB) ...... 58

Capítulo 2. “Ocupar, resistir e construir”. A importância das ocupações na luta dos sem-teto ... 69

As formas de ação dos movimentos dos sem-teto ........................................................................ 70

“Ocupar, resistir e construir” .................................................................................................... 81

Por que ocupar? .......................................................................................................................... 102

Capítulo 3. Análise das reivindicações e das bases sociais dos movimentos dos sem-teto no Brasil

......................................................................................................................................................... 106

Trabalhadores sem-teto e a reivindicação de classe ................................................................... 106

A base familiar e suas implicações para a análise dos movimentos dos sem-teto ...................... 121

Parte 2 - O caso francês: contrapondo alguns pontos ......................................................................... 135

Introdução ....................................................................................................................................... 136

Capítulo 4. Droit au Logement (DAL): movimento dos sem-teto na França .................................... 144

Reivindicações ............................................................................................................................. 144

Organização: DAL enquanto sindicato de sem-teto? ................................................................... 149

Base social: as famílias de trabalhadores sem-teto ..................................................................... 159

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Orientação político-ideológica ..................................................................................................... 184

Métodos de Lutas ........................................................................................................................ 189

Capítulo 5. Jeudi Noir (JN): um outro tipo de movimento de moradia ........................................... 196

Reivindicações e organização ...................................................................................................... 196

Base social: jovens “ativos” e estudantes de classes médias .................................................. 198

Orientação político-ideológica e métodos de luta ....................................................................... 204

Conclusão ............................................................................................................................................ 209

Bibliografia ........................................................................................................................................... 215

ANEXO ................................................................................................................................................. 236

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Introdução Geral

Objeto e objetivos

No Brasil, as lutas sociais urbanas são antigas, existindo desde o início da

urbanização do país. Dentre estas lutas, os movimentos de moradia merecem destaque por sua

grande capacidade de organização popular. No entanto, a carência habitacional de uma grande

parte das famílias das classes trabalhadoras tem permanecido.

Entendemos que existem diferentes tipos de movimentos de moradia, cada qual

com sua base social, forma de organização, métodos de lutas, plataforma reivindicativa,

territorialidades, apoios políticos e orientações ideológicas.

Dito de outra maneira, os movimentos de moradia são multiformes e diversos.

Assim, por exemplo, o movimentos de moradia vinculado às favelas são diferentes dos

vinculado às ocupações. Estes movimentos ganham “posicionamentos distintos – talvez em

virtude mesmo da tipologia dos problemas enfrentados” (LOPES, 2011, p. 47).

No entanto, podemos afirmar que estas lutas estão todas relacionadas e buscam,

em seu conjunto, a conquista de moradia digna para as famílias de baixa renda. Há ainda um

acúmulo de experiência por parte dos movimentos que vão aprimorando as práticas de ação e

as utilizando conforme a conjuntura política e socioeconômica.

Para não ir muito longe, nos anos 1980, por exemplo, algumas formas de luta são

retomadas de décadas anteriores enquanto outras são transformadas. Devido à crise

econômica então vigente e o aumento dos valores dos alugueis, a luta dos inquilinos, tão

importante na primeira metade do século XX, foi então, em certa medida, retomada tanto por

moradores de aluguel de casas unifamiliares quanto por aqueles que viviam em casas

coletivas (cortiços). Foi neste período também que a luta pelo acesso à terra e à habitação

passou a ser realizada com as ocupações coletivas e planejadas, diferentemente do que

acontecia nas favelas, por exemplo (GOHN, 1991).

Já nos anos 1990 e início dos anos 2000, ganham notoriedade os ditos

“movimentos dos sem-teto”. Surgiu, então, essa denominação nova, estabelecida pelos

próprios movimentos.

Mas, por que usar esta nomenclatura? Os movimentos dos sem-teto se

diferenciam de outros movimentos de moradia?

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Entendemos que os movimentos dos sem-teto representam um tipo de movimento

de moradia. Esses movimentos, apesar de possuírem fortes ligações com os movimentos de

moradia dos anos 1970 e 1980, inovam em alguns aspectos. Fazendo um balanço do que a

bibliografia1 aponta como “inovação” ou “traços característicos” dos movimentos dos sem-

teto, podemos destacar três pontos, a saber, a identidade, a forma de luta e o tipo de

reivindicação.

Primeiramente, ao enunciar o movimento a partir da palavra “sem”, o movimento

constrói sua identificação inicial pela ausência de um direito ou bem2. Neste sentido, é

fortalecida e ideia de que: “Somos todos sem-teto, esta é a grande privação que nos une”

(BARBOSA e PITA, 2006). Essa privação, como veremos no capítulo 1, tem fortes relações

com o contexto político e econômico em que os movimentos se constituem e se desenvolvem.

Contexto este de implantação e consolidação do modelo de capitalismo neoliberal.

Em segundo lugar, é importante lembrar que as ocupações de terrenos e imóveis

vazios não são ações novas e tampouco exclusivas dos movimentos dos sem-teto. No entanto,

é verdade que as ocupações realizadas por estes movimentos se destacam por serem ações

amplamente organizadas, coordenadas, articuladas e contínuas. Um único movimento

coordena, por exemplo, diferentes ocupações e pode estabelecer uma articulação entre elas.

As ocupações realizadas pelos movimentos dos sem-teto proporcionam grande visibilidade à

questão habitacional e podem ser entendidas enquanto meio de pressionar os governos para a

elaboração e efetivação de políticas de habitação de interesse social.

Em terceiro lugar, as reivindicações dos movimentos dos sem-teto estão,

geralmente, atreladas ao direito à moradia digna. E, no caso dos movimentos que atuam no

centro das grandes cidades, passa-se a lutar pelo “direito ao centro da cidade”, onde as

famílias de sem-teto podem, ao morar na região central, desfrutar da infraestrutura ali

existente.

Entendemos ainda que movimentos dos sem-teto são compostos por famílias de

trabalhadores que passam constantemente pelo dilema entre pagar aluguel ou se alimentar3. A

1 Para citar apenas alguns trabalhos, podemos mencionar: Rodrigues (2002), Gohn (2003), Frúgoli Jr.(2006), Miagusko (2008), Neuhold (2009) e Oliveira (2010). 2 Falamos aqui de identidade inicial, pois entendemos que ao longo do processo de luta os sem-teto vão construindo a sua identidade e esta pode assumir traços variados. Ela pode, por exemplo, se consolidar na questão da privação de moradia; pode caminhar para a ideia de pertencimento às classes trabalhadoras e, neste caso, os membros do movimento se reconhecem como “trabalhadores sem-teto”, entre outras. Trataremos da questão identitária dos movimentos dos sem-teto no capítulo 1 da tese. 3 Uma das frases mais conhecidas entre os sem-teto no Brasil é: “Se comer, não paga aluguel. Se pagar aluguel, não come”.

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conquista de uma moradia se faz, portanto, para estas famílias, como algo urgente. É esta

caracterização que nos permite entender os movimentos dos sem-teto como “movimentos de

urgência”. Para tanto, partimos das ideias de Mouriaux (2002) sobre as “lutas de urgência”, as

quais são definidas a partir do caráter de suas reivindicações, ou seja, são lutas por condições

básicas e urgentes que garantam minimamente a existência física.

Assim como defendemos em nossa dissertação de mestrado (OLIVEIRA, 2010),

entendemos que ser sem-teto é contribuir para uma construção identitária que se dá no

cotidiano da luta pela moradia e, portanto, na militância dos movimentos dos sem-teto.

Diríamos então que o sem-teto se define não apenas por ser uma pessoa com uma condição

socioeconômico desfavorável e não possuir uma moradia, mas também pela sua ação política,

por estar participando de um movimento que tem como reivindicação principal a conquista de

uma moradia. Assim, a noção que utilizamos aqui de sem-teto deve ser entendido em sua

dimensão política e econômica, o sem-teto é fruto de condições objetivas, mas só pode ser

entendido em sua amplitude quando pensamos em sua constituição enquanto sujeito político.

Nesta pesquisa refletimos sobre os movimentos dos sem-teto atuantes nas

principais cidades brasileiras durante os anos 1990 e 2000. Buscamos entender e, até mesmo,

enfatizar os traços comuns destes movimentos sem, contudo, deixar de apontar a suas

diversidades e especificidades.

A pesquisa teve ainda seu escopo ampliado quando realizamos um estágio

doutoral na França. Naquela ocasião, tivemos a oportunidade de entender que a sociedade

francesa, com características muito diversas da brasileira, também tem passado por uma crise

habitacional e que a luta por moradia, assim como outras lutas de urgência, como bem frisou

Mouriaux (2002), tem conquistado um espaço de relevância dentre as lutas sociais francesas

contemporâneas4.

Investigamos, então, dois movimentos de moradia franceses que trazem pontos

pertinentes para a nossa análise e auxiliam na compreensão das especificidades dos

movimentos dos sem-teto brasileiros. Um desses movimentos é o “Direito à Moradia” (Droit

Au Logement – DAL) que é um movimento que, ao organizar a luta por moradia das famílias

de trabalhadores pobres, possui muitas características similares aos movimentos dos sem-teto

4 Esta nova realidade repercutirá diretamente na sociologia e ciência política francesas, as quais, a partir dos anos 1990, intensificaram as análises sobre os movimentos sociais, em especial, sobre as “mobilizações dos setores precarizados” (mouvements de précaires), também denominados como grupos com “poucos recursos” (groupes à faibles ressources), ou ainda, “mobilização dos improváveis” (mobilisations improbables), ou conhecidos como os “movimentos dos sem”: sem trabalho, sem moradia e sem documento (mouvements des “sans”).

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brasileiros. No entanto, esse movimento tem características próprias, as quais também

destacamos em nossa análise. O outro movimento francês, mais precisamente, parisiense, é o

“Quinta-feira negra” (Jeudi Noir – JN). Como argumentaremos em nossa análise, esse é um

movimento de moradia, mas não de sem-teto. Esse movimento nos interessou por demarcar

grandes diferenças em relação aos movimentos dos sem-teto que estamos estudando aqui.

Assim, objetivamos neste trabalho fazer uma caracterização geral dos movimentos

dos sem-teto no Brasil (no nível nacional) e, ainda, contrapor alguns pontos entre os

movimentos brasileiros e franceses. Centramos nossa análise em basicamente quatro aspectos

dos movimentos: as bases sociais, reivindicações, orientações político-ideológicas e métodos

de luta.

A inclusão dos dois movimentos franceses em nossa trabalho possibilitou que

muitas das hipóteses discutidas para os movimentos dos sem-teto brasileiros fossem

aprofundadas. Discussões de grande relevância para a nossa análise - como por exemplo, a

importância das classes sociais para o estudo dos movimentos sociais ou, ainda, o

entendimento de que as formas de ação estão relacionadas com o objetivo da luta travada pelo

movimento e, também, com as condições sociais do setor mobilizado - foram valorizadas e

enriquecidas com o estudo dos movimentos de moradia franceses.

Metodologia e fontes de pesquisa

Ao analisarmos os movimentos de moradia e sem-teto brasileiros e franceses não

objetivamos realizar um estudo comparativo, no sentido estrito do termo. Realizamos

comparações pontuais entre os dois casos, mas não sistemáticas. Nosso objetivo está mais

próximo do que Kowarick (2009, 2011) denominou de “olhares cruzados”5, onde se busca

ver, a partir das diferenças e de eventuais semelhanças, a especificidade do caso brasileiro e

compreendê-lo melhor. Entendemos que, ao refletirmos sobre o caso francês, estamos, na

realidade, aprofundando a nossa análise em relação aos sem-teto brasileiros, já que no

processo de analisarmos e compreendermos “o do outro” acabamos por conhecer mais

profundamente “o nosso”.

5 Kowarick apresenta esta definição ao explicar em que constitui sua análise sobre as vulnerabilidades sociais e pobrezas nos casos brasileiro, francês e norte-americano em que realiza no livro “Viver em risco. Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil”.

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Quando iniciamos nossa pesquisa de doutorado sobre os movimentos dos sem-teto

brasileiros, nós já havíamos estudado os movimentos dos sem-teto de São Paulo em pesquisas

anteriores (iniciação científica, na época da graduação, e na pesquisa de mestrado), em que

realizamos trabalho de campo, entrevistas e conversas com lideranças e sem-teto das bases,

visitas às ocupações e participação em manifestações. Além disto, em algumas ocasiões,

principalmente em congressos nacionais, pudemos conhecer pesquisadores dos movimentos

de moradia de outros estados brasileiros e debater algumas questões sobre o tema com eles.

Diferentemente, ao iniciar a pesquisa sobre o caso francês, tínhamos pouco conhecimento

sobre a realidade dos movimentos de moradia na França. Assim, como o estágio de

conhecimento que nós possuíamos sobre os movimentos de moradia e sem-teto no Brasil e na

França era muito diverso, a opção metodológica para cada caso também foi diferenciada.

No caso brasileiro, diante de nosso objetivo mais amplo, que era encontrar

características comuns e diferenças entre os movimentos no Brasil, entendemos que não

devíamos concentrar nossas análises apenas em dois ou três estudos de casos. Apostamos que,

quanto maior fosse nossa capacidade de analisar mais e diferentes movimentos, mais

consistente seria nossa reflexão.

Assim, a realização de uma pesquisa que tivesse na bibliografia especializada sua

fonte principal se mostrou como a opção metodológica mais indicada e que poderia viabilizar

o contato com diferentes movimentos e estados brasileiros diversos. Assim, optamos por

analisar dissertações e teses já que se trataria de trabalhos mais detalhados e completos. Isto

foi possível porque já existe um acúmulo de bibliografia sobre os movimentos dos sem-teto,

em especial sobre os movimentos das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e

Salvador.

Primeiramente, consultamos as dissertações e teses disponíveis no Banco de Teses

da Capes (http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/Teses.do). Ao iniciar a leitura dos trabalhos

selecionados, notamos que tais trabalhos citavam alguns outros que não estavam presentes em

nosso banco de teses e, por isso, neste momento, realizamos um novo levantamento

bibliográfico nos bancos de teses de algumas bibliotecas virtuais das principais e maiores

universidades brasileiras estaduais e federais. Ao longo do processo de pesquisa, tivemos

conhecimento de outras dissertações e teses mais recentes. Assim, fomos atualizando e

refinando um banco de dissertações e teses para o nossa pesquisa. Nosso banco contém cerca

de 60 teses e dissertações a respeito dos movimentos dos sem-teto atuantes nas décadas de 90

e 2000 (a lista das teses e dissertações está ao final deste trabalho, no Anexo).

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Além da pesquisa bibliográfica, realizamos uma pesquisa documental. Esta

baseada em fontes primárias, tais como documentos oficiais dos movimentos dos sem-teto,

notas públicas, entrevistas dadas por lideranças a jornais escritos e a canais online, além de

vídeos. Alguns movimentos possuem página eletrônica, outros possuem contas em páginas de

serviço de rede social, como o Facebook.

Em relação aos movimentos franceses, além da leitura da bibliografia

especializada e dos documentos oficiais dos dois movimentos já citados, “Direito à Moradia”

(Droit au Logement - DAL) e “Quinta-Feira Negra” (Jeudi Noir - JN), havia a necessidade de

conhecer mais de perto uma realidade que conhecíamos pouco. Assim, realizamos trabalho de

campo. A observação in loco foi viabilizada graças a um estágio doutoral naquele país, entre

setembro de 2012 e março de 2013, enquanto membro da equipe da pesquisa “Conflitos

sociais, trabalho e política. O Brasil e a França na mundialização neoliberal”, financiada

pelo Convênio Capes-Cofecub.

Realizamos, então, algumas entrevistas com lideranças e membros destes dois

movimentos na cidade de Paris. Pudemos ainda visitar a sede do DAL Paris e a ocupação

organizada por este movimento juntamente com o JN, chamada de “Requisição de Ouro”

(Réquisition d’Or).

As entrevistas foram baseadas em um questionário semiestruturado, o qual foi

elaborado por mim e discutido com a professora Sophie Béroud, estudiosa dos movimentos

sociais franceses e quem supervisionou meu estágio na França. No entanto, a responsabilidade

das entrevistas e das informações coletadas são minhas.

As polêmicas teóricas da pesquisa

De maneira bem sintética, apresentaremos a seguir nossos pressupostos teóricos e

os principais conceitos utilizados para a realização desta pesquisa. Ao nos localizarmos no

debate, evidenciaremos as principais polêmicas teóricas envolvidas, sem, no entanto,

aprofundá-las. O objetivo desta parte do texto é o de apenas indicar ao leitor de onde partimos

para realizar a pesquisa e não fazer um “estado da arte” das teorias a respeito dos movimentos

sociais.

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Adotamos o referencial teórico marxista em nossa pesquisa. Se esta abordagem

teórica era muito presente até meados dos anos 1980, com o passar dos anos, veio perdendo

terreno para as outras teorias e abordagens sobre os movimentos sociais.

Em relação às pesquisas francesas sobre os movimentos de moradia

contemporâneos, mais especificamente as que tratam dos dois movimentos que estudamos,

nenhuma das que tivemos acesso possui referencial teórico marxista. Já as pesquisas

brasileiras com os movimentos dos sem-teto, muitas delas partem da abordagem marxista, no

entanto, muitas outras têm priorizado outros referenciais, como a teoria dos Novos

Movimentos Sociais (NMS), em que se destacam os autores europeus, como o francês Alain

Touraine e o italiano Alberto Melucci, e também a teoria da Mobilização Política (MP),

representada, por exemplo, pelos norte-americanos Sidney Tarrow e, em certa medida, por

Charles Tilly, com uma abordagem mais histórica6.

Grande parte das análises sobre os movimentos sociais têm desconsiderado ou

considerado de pouca pertinência os conceitos marxistas, tais como classes sociais, conflitos

de classes ou conflito entre capital e trabalho, para se estudar os movimentos sociais no século

XXI. Nossa pesquisa e análise vão, entretanto, em direção oposta. Evidenciaremos a

contribuição do marxismo para o estudo dos movimentos sociais e, no nosso caso, dos

movimentos dos sem-teto.

Em meados dos anos 80, muitos autores passaram a defender a tese de que as

contradições sociais existentes no capitalismo contemporâneo não se reduzem aos conflitos de

classe e tampouco aos conflitos relacionados ao trabalho. Touraine (1989), reconhecido

teórico francês dos movimentos sociais, difundiu a tese de que os conflitos estão

generalizados.

Estas teses atacam diretamente os autores marxistas, principalmente os da vertente

histórico-estrutural, tais como Manuel Castells (1975), Jordi Borja (1975) e Jean Lojkine

(1981). Estes autores demarcam fortemente a importância das classes sociais para se

compreender os movimentos sociais, de modo a refletir sobre o pertencimento de classe da

base social e a relação disto com os interesses e reivindicações dos movimentos, assim como

com a sua posição política. Os movimentos sociais são compreendidos enquanto expressões

das lutas de classes.

6 Para um boa recapitulação dos paradigmas teóricos sobre os movimentos sociais, seus principais representantes e ideias, conferir Gohn (2000 e 2014).

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Trazendo uma espécie de renovação dos estudos marxistas, aparecem, nos anos 90 e

2000, alguns autores que enfrentam o desafio de se pensar os movimentos sociais na

sociedade capitalista contemporânea considerando os diversos conflitos e contradições, no

entanto, sem deixar de enfatizar a importância analítica (e evidentemente empírica) dos

conflitos de classes sociais. Para dar alguns exemplos, podemos dizer que esta renovação é

representada com as obras coletivas “Movimento social na França. Ensaio de sociologia

política”, de Mouriaux, Béroud e Vakaloulis (1998); e “Marxismo e movimentos sociais”, de

Colin Barker, Laurance Cox, John Krinsky e Alf Gunvald (2013). No Brasil, apesar de não

comporem uma obra coletiva, alguns artigos podem ser destacados, como o de Andréia

Galvão (2011) e Jair Pinheiro (2010), entre outros.

Galvão (2011), em busca de uma definição marxista dos movimentos sociais,

apresenta três proposições. A primeira delas se refere à possibilidade de “relacionar a eclosão

desses movimentos à posição de classe de seus participantes. A relação entre classes e

movimentos sociais pode ser apontada pelo analista, ainda que esse elemento não apareça

claramente no discurso dos movimentos” (GALVÃO, 2011, p. 113). A segunda proposição

indica que os movimentos não são homogêneos no que se referem à sua composição e

demandas, neste sentido, a autora entende que os movimentos podem ser uniclassitas, mas

também pluri ou policlassistas, ou seja, compostos por membros de diferentes classes sociais.

Nesses casos, entendemos que devemos analisar os impactos da base social policlassista nas

reivindicações e posição política dos movimentos. A terceira proposição reconhece que nem

todo conflito se reduz ao conflito de classe, mas que há uma imbricação entre os conflitos do

trabalho e os de cunho societal.

Estamos de acordo com os três pontos. Em especial, para o caso dos estudos dos

movimentos dos sem-teto, dois deles (o primeiro e o terceiro) se apresentam de grande

relevância e, por isso, os comentaremos a seguir.

Neste momento, é preciso deixar claro, mesmo que muito sucintamente, o que estamos

entendendo por movimentos sociais e classes sociais.

Entendemos que um movimento social é uma ação coletiva (lembrando que nem toda

ação coletiva é um movimento social), mais ou menos duradoura, organizada por um grupo

social que cria uma solidariedade a partir de suas reivindicações. A importância da oposição

de classes na estruturação do movimento também é considerada uma de suas características

(Béroud, Mouriaux, Vakaloulis (1998); Galvão (2008)). É importante ainda considerar que os

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movimentos podem buscar a manutenção, reforma ou revolução da ordem social

(MACHADO, 2015).

Compreendemos que a classe social7 é um fenômeno, ao mesmo tempo, econômico,

político, objetivo e subjetivo. O plano objetivo está relacionado com a posição dos agentes na

estrutura econômica. Condição esta fundamental para se definir uma classe social. No entanto,

uma classe só se constitui enquanto tal nos conflitos, nas lutas, no processo de mobilização

política que passa pela capacidade de agregar interesses e construir solidariedades. Assim, ao

falarmos de classes, estamos, na realidade, tratando das relações de classes8.

Sobre a relação das classes sociais e movimentos sociais é importante fazer uma

diferenciação entre movimento de classe (caráter de classe) e movimento classista.

Entendemos que o caráter de classe pode ser identificado no movimento a partir da sua base

social e de sua demanda ou objetivo, mesmo que, como já foi alertado, os membros deste

movimento não façam esta identificação. Já os movimentos classistas, como argumenta

Pinheiro (2010), são definidos a partir da orientação ideológica que adotam, ou seja, são

movimentos que possuem uma perspectiva ou projeto político de classe considerando o lugar

que sua base social ocupa nas estruturas sociais de produção.

Os movimentos classistas se identificam e se apresentam enquanto tais e isto é

confirmado em suas práticas. Assim,

a demanda desses movimentos é por eles utilizada como veículo da sua orientação ideológica. Registre-se que isto torna a conquista da demanda um momento particularmente delicado e ambíguo para tais movimentos classistas, pois, como a literatura registra, há uma tendência à desmobilização após a conquista da reivindicação, mas o objetivo a que se propõem os obriga a um esforço para manter a base mobilizada, assim como, dar à demanda conquistada um tratamento diferente do habitual, compatível com o objetivo visado, o que encontra toda sorte de dificuldade na medida em que atuam sob as condições que querem transformar (PINHEIRO, 2010, p.111).

A distinção entre movimento de classe e movimento classista é importante, pois

possibilita a reflexão a respeito da “defasagem existente entre as práticas econômica, política 7 O debate a respeito do conceito de classe social no interior do marxismo é muito intenso. Aqui, nos limitamos a esclarecer a definição que utilizamos e a dizer que ela está embasada em alguns textos de Marx, do marxista Poulantzas (1977) e das discussões travadas no interior do grupo de pesquisa “Neoliberalismo e relações de classes”, coordenado pelo professor Armando Boito Junior, grupo este alocado ao Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) da Unicamp. 8 Entendemos que a sociologia das classes sociais passa por grandes desafios hoje, tais como teorização do conceito de classes médias, não se ter uma visão economicista, introduzir elementos culturais na análise. Mas, em nenhum momento negamos que a posição do agente na estrutura produtiva não é mais importante para se analisar a sociedade contemporânea.

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e ideológica” (POULANTZAS, 1977; PINHEIRO, 2010). Tal distinção fortalece, portanto, a

tese de que entender que a ação política está vinculada a interesses materiais e ao

pertencimento de classe, não significa estar de acordo com determinismos em relação à base

social e posição política. Negamos, então, ideias como “o operariado é sempre um sujeito

revolucionário” ou “as classes médias possuem ideologia conservadora e reacionária”.

Assim, “compreender o posicionamento de classe requer, pois, a análise das condições

materiais e da conjuntura política, do impacto da ideologia dominante, [e] da relação com as

outras classes” (GALVÃO, 2011, p. 112). Neste sentido, o marxismo traz uma importante

contribuição à análise dos movimentos sociais ao relacionar política e economia, assim como

ideologia e classe (GALVÃO, 2008).

A nosso ver, a análise marxista possibilita ainda, ao se desvendar a situação de

classe dos membros dos movimentos, entender a própria razão da existência destes. Assim, a

partir da identificação do caráter de classe do movimento, podemos encontrar indicações para

a compreensão de suas reivindicações, ações políticas e dos conflitos sociais que os cercam.

Em relação à ideia de que os conflitos sociais não se resumem aos conflitos de

classes, estamos de acordo. No entanto, como indicam Béroud e Mouriaux (2005, p. 165-

166), ao questionarem a perspectiva de Alain Touraine sobre os “novos movimentos sociais”,

as lutas sociais e as lutas trabalhistas não possuem fronteiras bem delimitadas e os conflitos

de trabalho e outros mais transversais estão articulados.

Pensando, então, na transversalidade dos conflitos e das relações, agregamos à

nossa análise, além das relações de classes, relações de gênero, raça/etnia e geração para se

compreender, por exemplo, a condição social da base que compõe os sem-teto. Passamos,

então, a utilizar a ideia de imbricação das relações sociais. A discussão sobre a articulação das

relações sociais embora seja antiga, é atualmente um objeto de interesse renovado e de debate

(Crenshaw (2002), Falquet (2006(b)), Piscitelli (2008,) Kergoat (2010), Hirata (2014))9.

Neste debate, nós nos aproximamos das ideias de Kergoat (2010) e Hirata (2014),

embora com algumas ressalvas.

Kergoat (2010) defende a tese de que as relações sociais são consubstancias e

coextensivas. Por consubstancialidade das relações sociais se entende “unidade de

substância”, no sentido de que as relações sociais “formam um nó que não pode ser desatado 9 Diversas são as polêmicas em torno deste debate. Piscitelli (2008) faz um bom resumo sobre algumas delas. Hirata (2014), por sua vez, recupera alguns dos pontos principais sobre a diferenciação existente entre os conceitos de interseccionalidade (defendido por Crenshaw, entre outros) e consubstancialidade (elaborado por Kergoat).

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no nível das práticas sociais, mas apenas na perspectiva da análise sociológica” (KERGOAT,

2010, p. 94). Dito de outa maneira: “não se trata de fazer um tour de todas as relações sociais

envolvidas, uma a uma, mas de enxergar os entrecruzamentos e as interpenetrações que

formam um “nó” no seio de uma individualidade ou um grupo” (KERGOAT, 2010, p. 100).

No que se refere à coextensividade das relações sociais, o que se destaca é o dinamismo das

relações sociais e o fato de tais relações se reproduzirem e se coproduzirem mutuamente.

Sobre as relações sociais de sexo/gênero, evidencia-se a existência de relações

entre homens e mulheres, em especial, as relações de poder e dominação. As relações sociais

de gênero, assim como o conjunto das relaçoes sociais, são mutáveis e, por isso, rompem com

qualquer naturalismo10.

O conceito de raça, quando tratamos das relações sociais de raças, por sua vez, é

utilizado aqui como categoria socialmente construída e não com um sentido biológico. Assim

como Falquet (2008, p. 123), entendemos que raça “reagrupa notadamente as relações de

poder relacionadas à “cor” e à etnicidade, mas também à nacionalidade e ao status legal”11.

Para a nossa análise ainda consideramos que o conceito pode ser ampliado para compreender

a questão da regionalidade e da migração interna ao país12. No caso dos movimentos dos sem-

teto brasileiro isto é importante para entender, por exemplo, as relações entre os sem-teto

migrantes nordestinos e o preconceito de alguns paulistanos.

Por fim, em relação ao termo geração, o entendemos como uma construção social

da periodização das experiências dos sujeitos (MACÊDO, 2010, p. 145). Assim, infância,

adolescência e velhice representam construções sociais e papéis que devem ser

desempenhados.

É interessante ressaltar que há aqui um debate a respeito de se a categoria geração

deveria ou não ser entendida da mesma maneira que sexo, raça e classe. Isso porque a geração

é entendida muitas vezes como uma “contradição menor” que tende a homogeneizar

experiências e pode, até mesmo, “diluir” diferenças, como às relacionadas à gênero ou classe

10 O conceito de relações sociais de sexo é desenvolvido principalmente na França, a partir dos anos 80, e está fortemente vinculado à ideia de divisão sexual do trabalho e relações de classe. Sobre as diferenças e semelhanças entre a conceitualização de “gênero” e “relações sociais de sexos”, consultar Pfefferkorn (2007). As autoras francesas, como Kergoat e Hirata, utilizam ora uma nomenclatura, ora outra. Utilizaremos aqui as duas expressões sem diferenciação de significado. 11 No entanto, diferentemente das pesquisadoras francesas do tema, em especial Falquet (2008) e Kergoat (2010), dispensamos o uso das aspas ao utilizar a noção de raça. Ao deixarmos claro o que entendemos pelo conceito – mesmo sabendo da sua polissemia e polêmicas -, não vemos sentido em utilizá-lo entre aspas. 12 Hirata (2014) abre brechas para ampliarmos esta noção neste sentido quando estuda as cuidadoras brasileiras, ou melhor, o trabalho do care.

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(MACÊDO, 2010, p. 145). Não concordamos com esta ideia. Entendemos que “a geração não

dilui os efeitos de classe, de gênero ou de raça na caracterização das posições sociais, mas

conjuga-se com eles” (Sarmento (2005) apud MACÊDO, 2010, p.146).

As gerações também são entendidas aqui de uma perspectiva relacional, ou seja,

gerações se relacionam, se contrapõem e se opõem. As gerações não têm as mesmas

experiências e trajetórias de vida, portanto, os conflitos entre elas podem ser múltiplos.

Na teoria da consubstancialidade, Kergoat (2010) e Hirata (2014) levam em

consideração em suas análises apenas três relações (as de classe, gênero e raça) que são

consideradas relações de produção. Excluem, portanto, as relações de idade/geração. Como

veremos, as relações de geração serão pertinentes para a nossa análise para entender as

relações que transpassam as bases sociais dos movimentos dos sem-teto, no caso das crianças

e dos idosos. A questão geracional ainda é reivindicada no caso de um dos movimentos

franceses estudados e, portanto, deverá ser analisada.

O conceito de consubstancialidade não admite ainda colocar uma hierarquização

de uma ou outra destas relações sociais. De nossa parte, entendemos que determinadas

relações podem ganhar maior ou menor relevância de acordo com o contexto social e cultural

no qual estão inseridos os agentes analisados.

Diante destas observações, se utilizamos a ideia de consubstancialidade, pedimos

ao leitor que tenha estas observações guardadas. Eventualmente, podemos também utilizar as

expressões de imbricação ou transversalidade das relações sociais.

As novidades da pesquisa

A importância e visibilidade que os movimentos dos sem-teto brasileiros

conquistaram ao longo das últimas décadas e, principalmente, nos últimos anos, aponta que

este se trata de um objeto muito contemporâneo e de grande vigor social, sobre o qual os

cientistas sociais precisam refletir. Isto já justificaria a importância de uma pesquisa como a

que buscamos realizar. No entanto, apostamos que nossa investigação pode ainda trazer

algumas contribuições mais específicas para as pesquisas sobre os movimentos sociais

urbanos, em especial, os movimentos de moradia, o que ajudaria ainda a justificar a realização

do nosso trabalho.

Desta maneira, destacamos especificamente três contribuições:

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1. Realização de um estudo nacional, no caso brasileiro, sobre os

movimentos dos sem-teto, com o objetivo de destacar algumas características

comuns a estes movimentos

Este exercício de análise é desafiador e muito pouco realizado. Os

trabalhos encontrados em nosso levantamento bibliográfico tem se dedicado a

estudos no nível local, estudos de casos, descrições das ocupações e da maneira de

organização de um movimento, entre outros. Assim, ao nos apropriarmos dos

estudos de caso já existentes, iniciamos uma nova fase na pesquisa sobre os sem-

teto: a fase do balanço geral.

2. Realização de um estudo que, por inserir e interpretar a luta

reivindicativa dos movimentos dos sem-teto em um contexto histórico e político-

econômico, é capaz de contrapor algumas características dos movimentos de

moradia franceses e brasileiros. Isto é importante já que os movimentos de

moradia na França são quase desconhecidos no Brasil.

Há uma diversa bibliografia que analisa de maneira articulada a questão

habitacional e/ou urbana francesa e brasileira13. No entanto, o que precisamos

evidenciar aqui é que não existe ainda um acúmulo de trabalhos que analisem os

movimentos de moradia e dos sem-teto brasileiros e franceses estudados em nossa

tese. Na realidade, em nosso levantamento bibliográfico, encontramos apenas uma

referência, que se trata de um obra coletiva, organizada pelo Instituto Polis e AITEC

(Conferir SAULE JÚNIOR, Nelson et. al., 2006). Aqui estaria, portanto, uma

importante contribuição do nosso trabalho.

13 Para mencionar alguns dos diversos trabalhos que tratam das questões e populações urbanas brasileiras e francesas, podemos citar desde estudos clássicos da sociologia urbana, como o do sociólogo Manuel Castells (1983), que apresenta uma análise da questão urbana na América Latina e Europa, nos anos setenta, ou ainda, Lúcio Kowarick (2009) que contrapõe a situação urbana no Brasil, Estados Unidos e França, nos últimos anos; até as teses de doutorados e diferentes estudos de jovens pesquisadores franceses e brasileiros, como D’Arc (1997) que compara os impactos da globalização neoliberal no que se refere à integração (acesso à propriedade) e exclusão (em relação à moradia e trabalho) nas grandes cidades, como Paris e São Paulo; Nehls Dias (2004) que realiza um estudo comparativo das políticas habitacionais brasileiras e francesas e das representações que ocupam o imaginário social sobre habitação dos moradores de habitações populares em Mans e Florianópolis; Camila Giorgetti (2006) que realiza uma análise comparativa entre as populações em situação de rua (ou “moradores de rua”, como a autora prefere dizer) brasileiras e francesas; Vuaillat (2010) analisa os condomínios fechados em Recife e Nantes; Gonçalvez, Simões e Freire (2010) discutem a influência da Igreja católica na questão habitacional brasileira e francesa no século XX; Scocuglia (2010) trata da requalificação de antigos centros urbanos no Brasil (João Pessoa) e na França (Lyon); e Elaine Amorim (2012) que apresenta um estudo sobre os movimentos dos desempregados no Brasil, França e Argentina.

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Uma outra contribuição de nossa pesquisa se dá com a apresentação de

alguns conceitos que vem sendo utilizado pelos estudiosos franceses para a análise dos

movimentos de moradia. Estes conceitos podem ter usos sugestivos entre os estudiosos

brasileiros sobre o tema.

3. Realização de um estudo que reconhece a contribuição do

marxismo dos séculos XIX e XX para as análises dos movimentos sociais e, ainda,

que apresenta e evidencia a renovação e a importância da análise marxista para o

estudo dos movimentos sociais de hoje e, em especial, para os movimentos dos

sem-teto.

A organização do texto da tese

O presente texto está organizado em duas partes. Na primeira delas, analisamos os

movimentos dos sem-teto brasileiros e, na segunda, nós nos debruçamos sobre os movimentos

de moradia franceses.

Na primeira parte, temos três capítulos. No capítulo 1, tratamos das orientações

político-ideológicas dos movimentos dos sem-teto, buscando evidenciar a existência de uma

heterogeneidade entre essas. No capítulo 2, ao descrevermos as principais formas de lutas dos

movimentos dos sem-teto, analisamos em especial as ocupações de terrenos e imóveis vazios,

buscando entender os diversos significados dessas ocupações para a luta pela por moradia

travada pelos referidos movimentos. No capítulo 3, refletimos sobre as bases sociais dos

movimentos dos sem-teto apontando, em especial, características comuns a eles como, por

exemplo, o seu caráter de classe e a composição das bases por famílias de trabalhadores sem-

teto.

A segunda parte da tese está dividida em dois capítulos. No capítulo 4, analisamos

o que consideramos como o mais importante movimento social que luta por moradia na

França nos últimos anos, o “Direito à Moradia” (Droit au Logement - DAL). E, no capítulo 5,

analisamos um movimento de moradia que tem se destacado muito no cenário francês e que

apresenta características muito distintas das presentes nos movimentos dos sem-teto no Brasil,

trata-se do “Quinta-Feira Negra” (Jeudi Noir - JN).

Ao final, na Conclusão, resumimos as principais conclusões da pesquisa.

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Parte 1 - Os movimentos dos sem-teto no Brasil

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Introdução

Hoje, existem centenas de movimentos dos sem-teto mobilizados em todo o

Brasil. O que indica que o problema da falta de moradia não é algo exclusivo de uma ou outra

cidade, mas sim um problema nacional.

Estes movimentos se organizam em nível municipal, estadual ou até mesmo

nacionalmente. A seguir, destacaremos os principais movimentos de atuação nacional.

Temos quatro entidades nacionais que reúnem associações e movimentos de

moradia (entre eles os movimentos dos sem-teto) de diversos estados e municípios brasileiros

e que possuem uma tradição de luta de cerca de trinta anos. Estamos falando aqui da

Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), da União Nacional por

Moradia Popular (UNMP), do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e da

Central de Movimentos Populares (CMP). Estas entidades, por sua vez, compõem o Fórum

Nacional de Reforma Urbana (FNRU).

O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), que existe desde 1987, é

composto por movimentos populares, associações de diferentes categorias profissionais,

organizações não-governamentais (ONGs) e instituições de pesquisa que objetivam promover

a reforma urbana. O Fórum tem se destacado por sua atuação junto ao Congresso Nacional e

pela regulamentação dos artigos da Constituição que tratam da política urbana, como a

aprovação do Estatuto da Cidade. Na questão urbana, o Fórum tem sido um dos principais

interlocutores dos governos federais do Partido dos Trabalhadores (PT) devido ao

compartilhamento histórico de projetos políticos entre o referido partido e os atores daquele

(SERAFIM, 2013).

Dentre as quatro entidades mencionadas, a CONAM é a mais antiga. Ela foi

constituída em 1982 e teve como motivação inicial “a avaliação de que o movimento das

associações de moradores/bairros necessitava de uma presença nacional para fazer avançar

suas lutas e um caminho para ampliar a representatividade e influência de suas propostas no

cenário nacional” (FERREIRA, 2014, p.73). Hoje, a CONAM já realizou 11 congressos

nacionais e está atuante em 23 estados da federação mais o Distrito Federal.

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Bandeiras das quatro grandes entidades nacionais e do Fórum Nacional de

Reforma Urbana

A União Nacional por Moradia Popular (UNMP) foi articulada em 1989 e se

destaca por defender uma proposta de política autogestionária, além do direito à moradia e à

cidade e a participação popular nas políticas públicas. Ela se encontra atuante em 19 estados,

tendo em sua base, como um de seus principais movimentos a União de Movimento de

Moradia de São Paulo (UMM-SP) 14.

O Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) foi forjado em 1990, tendo

como um dos objetivos centrais a articulação dos diversos movimentos para a luta pela

moradia e reforma urbana (FERREIRA, 2014). Este movimento também está articulado em

18 estados brasileiros diferentes.

Temos ainda a Central de Movimentos Populares (CMP), criada em 1993, “após

um amplo processo de discussão desencadeado pela Articulação Nacional dos Movimentos

Populares e Sindical (ANAMPOS) que entendia que, assim como na área sindical, era

necessária a existência de uma central para reunir os movimentos populares” (SILVA,

14 Disponível em: http://www.unmp.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=44& Itemid=54. Acessado em fevereiro de 2016.

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WANDERLEY, PAZ, 2006, p. 44). A CMP não agrega apenas movimentos de moradia em

suas bases, mas sim um leque diversificado de movimentos populares, como por exemplo, o

de mulheres, de negros, de saúde, de indignas e outros.

Um outro movimento que tem conquistado visibilidade no cenário nacional nos

últimos anos é o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) emerge de um esforço de

organização e ampliação da luta travada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-

Terra (MST)15. Este movimento se forjou na cidade de Campinas, no interior do estado de São

Paulo, no ano de 1997 e, depois, foi se consolidando em outras cidades e outros estados do

Brasil. Mas é fato que, durante muitos anos, a organização maior deste movimento estava no

estado de São Paulo e, principalmente, na região metropolitana da cidade de São Paulo

(Guarulhos, São Bernardo do Campo, Osasco, Itapecerica da Serra e outras).

Nos últimos anos, o movimento vem se nacionalizando, ou seja, se organizando

em diferentes cidades brasileiras de modo a socializar formas de organização e discutir os

seus princípios comuns. Hoje, este movimento se encontra atuante em diferentes estados, a

15 As razões para o interesse do MST nas lutas urbanas são entendidas de diferentes maneiras, de acordo com as distintas lideranças (verificar Benoit (2002), Lima (2004), Cassab (2004), Oliveria (2010) e Goulart (2011)). Uns dizem que, diante da mudança do perfil da população camponesa, do aumento do êxodo rural e da concentração da vida nas cidades, uma alternativa para o fortalecimento da luta do campo pudesse ser realizada com a participação dos marginalizados da cidade. Outros afirmam que a luta pela reforma agrária e a reforma urbana deveriam ser travadas juntamente, daí a necessidade da criação de um movimento na cidade que pudesse fortalecer a luta. Ainda tem os que dizem que a proposta de criação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto foi uma alternativa diante da necessidade de redefinir a linha de ação do MST, na região do Pontal de Paranapanema, no estado de São Paulo, frente à mudança de orientação política do governo do estado no enfrentamento do conflito fundiário.

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saber, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Brasília (Distrito Federal), Amazonas,

Roraima, Pará, Tocantins e Pernambuco e Ceará16.

É importante frisar que, apesar dos movimentos dos sem-teto brasileiros estarem

presentes em diferente estados, a sua organização não se dá ao mesmo tempo e de maneira

igual em todo o território brasileiro. Deve-se levar em consideração o contexto local, as

correlações de forças, a experiência das lutas sociais e, principalmente, da luta por moradia

em uma determinada cidade ou estado. A emergência dos movimentos dos sem-teto no

sudeste, por exemplo, acontece primeiro que no nordeste do país17.

A produção bibliográfica sobre o tema também não está distribuída igualmente

por todas as regiões do Brasil. Os trabalhos acadêmicos têm se voltado muito mais aos

estudos sobre os movimentos dos sem-teto de três regiões metropolitanas, a saber, São Paulo,

Rio de Janeiro e Salvador. Se isto pode ser explicado pela existência de um alto déficit

habitacional nestas regiões, assim como pela grande mobilização dos movimentos, deve-se

somar ainda nesta conta o fato de que nestas localidades, ou muito próximo delas, existem

muitas universidades com diversos centros de pesquisa.

Em termos comparativos é fato que a região metropolitana de São Paulo é o local

de maior mobilização dos movimentos dos sem-teto. Neste caso, além da carência

habitacional (em níveis absolutos é esta a região com o maior déficit habitacional do Brasil,

cerca de 700 mil moradias (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2014)), é importante que se

destaque o acúmulo de experiência dos movimentos de moradia nesta região. Ao longo dos

últimas décadas, estas lutas têm se desenvolvido em suas diversas expressões, tais como luta

dos moradores de favelas, luta dos moradores de loteamentos clandestinos, luta dos locatários,

luta dos moradores de cortiços, luta dos sem-teto, luta da população em situação de rua e

outras.

Em nosso levantamento bibliográfico há uma ausência de trabalhos sobre os

movimentos dos sem-teto da região norte. Encontramos apenas um artigo sobre um

movimento na cidade de Manaus, no estado do Amazonas18. Se é verdade que a organização

dos movimentos dos sem-teto na região norte não têm a mesma força e visibilidade que os 16 Disponível em: http://mtst.org/index.php/noticias-do-site/350-mtst-ceara. Acessado em julho de 2015. 17 Em relação ao estado de Alagoas, em particular, estudos apontam a dificuldade de organização de movimentos sociais diante de uma forte rede de controle avessa às manifestações populares que “vincula-se a uma tradição coronelista, com fortes raízes agrárias, que ainda hoje reproduz uma matriz ideológica de domínio e controle da participação popular nos processos políticos, através de mecanismos de intimidação e medo, próprios à estrutura de mando secularmente montada no estado” (Vasconcelos, 2006: 19 apud Nobre, 2010: 62). 18 Conferir Sales (2013).

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movimentos do sudeste, por exemplo, não significa que estes movimentos sejam inexistentes.

Temos conhecimento, por exemplo, do Movimento de Mulheres por Moradia Orquídea –

MMMO, em Manaus, que está ligado à União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e que,

inclusive, é um movimento que tem sido beneficiado pelas moradias que fazem parte do

“Programa Minha Casa, minha vida - Entidades” (SALES, 2013). Existem ainda diversos

movimentos estaduais, como a União por Moradia Popular de Rondônia, a União Nacional

por Moradia Popular do Pará, a União por Moradia Popular do Tocantins – todos estes

filiados à União Nacional por Moradia Popular (UNMP). O Movimento dos Trabalhadores

Sem-Teto (MTST) também tem organizado lutas nos estados do Amazonas, Roraima e Pará.

Estudos sobre estes movimentos são, portanto, necessários.

Por fim, para familiarizar e informar ao leitor, gostaríamos de nomear alguns dos

movimentos dos sem-teto que possuem atuação local e que tiveram alguns de seus aspectos

estudados por nós a partir da análise das pesquisas que compõem o nosso “banco de dados”.

A listagem não é exaustiva, mas ilustrativa. Na região metropolitana de São Paulo, há o

Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), o Movimento Sem-Teto do Centro

(MSTC), Movimento de Moradia do Centro (MMC), Unificação das Lutas de Cortiços

(ULC), Fórum de Cortiços e o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto da Região Central

(MTSTRC). Já na região metropolitana do Rio de Janeiro, temos o Movimento Nacional de

Luta por Moradia (MNLM), Frente de Luta Popular (FLP) e a Central de Movimentos

Populares (CMP). Na região metropolitana de Salvador, destacamos o Movimento Sem Teto

de Salvador (MSTS) e o Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB). Em Recife, existe o

Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto de Recife19. Na cidade de João Pessoa, há o

Movimento de Direito à Moradia (MDM), a Confederação Nacional das Associações de

Moradores (CONAM) e, uma vez mais, o Movimento Nacional de Luta por Moradia

(MNLM). Em Teresina, citamos a Federação das Associações de Moradores e Conselhos

Comunitários do Piauí (FAMCC). Na cidade de São Luís, apontamos o Fórum de Moradia.

Em Porto Alegre, destacamos, novamente, o Movimento Nacional de Luta pela Moradia

(MNLM).

19 Este movimento não é filiado ao movimento nacional de mesmo nome, mas sim à União Nacional por Moradia Popular (UNMP).

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Capítulo 1. Os movimentos dos sem-teto nos anos 1990 e 2000 e seus

posicionamentos político-ideológicos

Neste capítulo, analisamos as orientações político-ideológicas dos movimentos dos

sem-teto, testando a hipótese de que existe uma diversidade entre elas.

Dividimos o texto em duas partes. Na primeira delas (subdivida por alguns itens),

analisamos brevemente a posição de alguns movimentos frente aos governos federais de

Fernando Henrique Cardoso, de Lula da Silva e de Dilma Rousseff (primeiro governo).

Buscamos aqui entender principalmente o posicionamento dos movimentos dos sem-teto em

relação à política habitacional federal dos governos Lula e Dilma, a saber, o Programa Minha

Casa, Minha Vida, lançado no ano de 2009.

Na segunda parte, para aprofundar a análise sobre as orientações político-ideológicas,

selecionamos dois movimentos: o Movimento dos Sem Teto de Salvador (MSTS) e o

Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), os quais constituíam, no passado, apenas um único

movimento. A cisão ocorreu justamente devido a divergências ideológicas e políticas entre

suas lideranças.

Os movimentos dos sem-teto frente aos governos federais e a política federal Minha

Casa, Minha Vida – Entidades

O modelo capitalista neoliberal no Brasil pode ser suscintamente definido como uma

pressão dos Estados imperialistas sobre a nossa economia dependente e também como uma

ordem social resultante de uma luta de classes que objetiva assegurar o poder e a renda das

classes capitalistas (BOITO JR., 1999, 2012 (b); DUMÉNIL e LEVY, 2006). Trata-se do

“restabelecimento da hegemonia da finanças, isto é, frações superiores das classes capitalistas

e instituições financeiras” (DUMÉNIL, 2007, p. 185-186).

Diferentes medidas são adotadas para garantir esta nova ordem social. Podemos

destacar três delas, consideradas como pilares da plataforma política neoliberal: abertura

comercial e desregulamentação financeira; privatização de empresas e de serviços públicos; e

desregulamentação das relações de trabalho e supressão dos direitos sociais (Boito Jr, 1999).

Entendemos ainda que o modelo de capitalismo neoliberal brasileiro pode ser dividido

em dois grandes períodos. O primeiro deles é denominado por um neoliberalismo

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puro/ortodoxo que passa pelos governo Collor, Itamar Franco e, principalmente, Fernando

Henrique Cardoso. O segundo se trata dos ditos governos de coalizão do Partido dos

Trabalhadores (PT), ou seja, dos dois governos Lula e do primeiro governo Dilma,

caracterizados por um neoliberalismo reformulado.

A seguir, buscamos apresentar alguns elementos sobre a posição dos movimentos dos

sem-teto frente ao governos mencionados, em especial aos governos petistas e suas políticas.

Os movimentos dos sem-teto frente aos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC)

Os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) são marcados pela

consolidação do modelo de capitalismo neoliberal no Brasil. Modelo este que se contrapõe ao

Estado desenvolvimentista “e representa os interesses da grande burguesia e do imperialismo

numa ofensiva contra a proteção dos trabalhadores e contra a proteção das economias

dependentes”. (BOITO JR., 2015, p. 5).

As políticas habitacionais dos governos FHC, seguindo a linha neoliberal de redução

dos gastos sociais, podem ser definidas pelo seu baixo orçamento. Elas devem ser

caracterizadas ainda por manterem a tradição excludente e elitista das políticas habitacionais

até então, como aconteceu, por exemplo, com a política habitacional do Banco Nacional da

Habitação (BNH). Desse modo, investiu-se pouco em moradias para as famílias de renda

mensal inferior a três salários mínimos (MARICATO, 1998; ZAMBONI, [s.d.]; FAGNANI,

2006).

De acordo com Bonduki (2008), o déficit habitacional brasileiro teve um crescimento

de 19,9% entre os anos de 1991 e 2000. E foram as famílias de baixa renda as que mais

tiveram o seu déficit habitacional aumentado: nas faixas de renda inferior a 2 salários

mínimos houve um crescimento de 40,9% do déficit.

O elevado déficit não significa que não exista um estoque de moradias no Brasil.

Existe sim. Aliás, de acordo com o Censo do IBGE, em 2010, existiam mais de 6 milhões de

imóveis vazios. No entanto, muitos destes estão submetidos à especulação imobiliária, ou

seja, estão esperando que o seu valor de mercado aumente.

Os anos 1990 foram marcados ainda pela redução dos direitos sociais, a precarização

do trabalho, o aumento do desemprego e a queda de salários de algumas ocupações. Tudo isso

compõe uma série de importantes elementos que nos ajudam a entender a existência de

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trabalhadores muito explorados, trabalhadores muito pobres que não conseguem garantir

minimamente as condições de sobrevivência de sua família.

A base social dos movimentos sem-teto, como veremos no capítulo três, é composta

por trabalhadores da massa marginal20, setor que se expandiu sob o capitalismo neoliberal.

Temos, portanto, aqui a base objetiva dos movimentos dos sem-teto. Mas, lembramos

que, se se a privação da moradia é a condição necessária para a organização dos movimentos

dos sem-teto, não o é suficiente. É preciso que os sem-teto percebam que esta privação se

trata de uma carência comum (e não algo resultante de idiossincrasias individuais) e entendam

que a participação em um movimento social – em que diversas pessoas que estão na mesma

situação lutam pelo mesmo objetivo – é uma boa estratégia para conseguir o que se busca. É

isto que faz com que as bases sociais dos movimentos sejam construídas e multiplicadas.

Consequentemente, estamos tratando aqui da dimensão objetiva e subjetiva da luta por

moradia.

É neste contexto, final dos anos 1990 e início dos anos 2000, que os movimentos dos

sem-teto ganharam grande visibilidade e ampliaram significativamente suas bases sociais.

Logo, esses movimentos são, de certa maneira, resultado e reação ao modelo capitalista

neoliberal. Isto não significa, no entanto, que esses movimentos façam, necessariamente,

oposição a este tipo de capitalismo.

Se por um lado, existem movimentos que possuem um caráter antineoliberal,

criticando as políticas neoliberais e os governos que as adotam, por outro lado, existem

movimentos que não colocam a crítica ao modelo neoliberal como algo evidente ou de

relevância para a luta por moradia. Existem movimentos que não associam esta luta a uma

luta contra as políticas neoliberais. Neste último caso, os movimentos estão geralmente mais

interessados em conquistar moradia para os sem-teto de suas bases e não ambicionam

mudanças nas políticas habitacionais.

Esta observação é importante, pois aponta para o fato de que os objetivos e

posicionamentos políticos dos movimentos dos sem-teto brasileiros são diversos.

A título de exemplos, podemos citar os seguintes movimentos como sendo aqueles que

possuem um perfil antineoliberal: em nível nacional, falamos da Central dos Movimentos

20 No capítulo três, discutiremos o conceito de massa marginal. Por isso, neste momento, apenas esclarecemos que os trabalhadores da massa marginal possuem uma inserção marginal nas estruturas de produção, ou seja, estão fora do tipo dominante de organização produtiva. Dentre os trabalhadores da massa marginal podemos destacar os desempregados e aqueles que vivem de “bicos”, dentre outros.

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Populares (CMP) e do o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST); e em nível

municipal, temos o Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), atuante na cidade de São Paulo,

entre outros. Com isto queremos dizer que esses movimentos possuem um entendimento

político de que há uma relação sistemática entre as carências dos trabalhadores sem-teto e o

modelo de capitalismo vigente no Brasil e colocam, assim, como objetivo mais amplo a

eliminação desse modelo econômico. No entanto, é bom que fique claro que esta luta

antineoliberal se apresenta sempre subordinada à luta principal dos movimentos, a saber, a

luta por moradia social.

A análise de algumas edições do Jornal da Central de Movimentos Populares (CMP)21

apresenta alguns exemplos da crítica realizada por esta entidade aos governos de Fernando

Henrique Cardoso, claramente identificados com as políticas neoliberais. A CMP, nos anos

1990, também organizou duas caravanas de movimentos populares a Brasília, realizadas em

1995 e 1997, e participou da “Marcha dos 100 mil”, em 1999, organizada pelo Fórum Nacional

de Luta - por Trabalho, Terra, Cidadania e Soberania - e pela Frente Democrática e Popular

(organizada por diferentes partidos políticos, como o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido

Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Socialista Brasileiro

(PSB) e Partido Democrático Trabalhista (PDT)). Vejamos os exemplos da crítica:

Estamos realizando esta caravana como forma de resistência ao projeto neoliberal, contra a violência do governo que se traduz no desemprego, privatizações, sucateamento do setor público e diminuição de investimentos principalmente nas áreas sociais - saúde, habitação, educação etc. Como alternativa propomos reforma agrária, reforma urbana, geração de empregos e investimentos nas áreas sociais, para que num futuro próximo não caiamos na barbárie social!

JORNAL DA CMP, nº5. Junho de 1997.

(...) Ou os movimentos populares, os partidos de esquerda e progressistas, os sindicatos e o MST assumem a tarefa de mobilizar milhões de pessoas para pôr fim ao governo de Fernando Henrique ou ele continuará destruindo o País e empobrecendo, cada vez mais, o povo brasileiro. Por isso, nossa palavra de ordem, no momento, é uma só: 'Fora daqui o FHC e o FMI! Eleições já!"

JORNAL DA CMP. Edição especial. Junho de 1999.

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MSTC), filiado à Central de Movimentos

Populares (CMP) e um dos movimentos que mais teve visibilidade na cidade de São Paulo, na

21 Diferentes edições do Jornal da CMP, assim como um diverso material sobre os movimentos sociais urbanos se encontram no Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro, disponíveis na seguinte página eletrônica com livre acesso: http://www.cpvsp.org.br/index.php.

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primeira década do século XXI, também apresentava um discurso antineoliberal em seus

primeiros boletins.

O movimento se declarava contra as políticas neoliberais, “recusando qualquer tipo

de atitude que implique em apoio à política neoliberal vigente no país, causadora da

profunda miséria em que o povo está mergulhado”22. Na época, relacionava constantemente e

diretamente o modelo neoliberal ao governo de Fernando Henrique Cardoso. As críticas ao

“Governo FHC” sustentavam que a política governamental produzia mais “exclusão social,

desemprego, fome e violência”. O movimento ainda destacava que o governo teria atendido

aos interesses exclusivos dos capitalistas produzindo “lucros fabulosos”.

A questão da supressão dos direitos sociais também aparece no discurso do

movimento: Não vamos ficar de braços cruzados, assistindo à política neoliberal de

Fernando Henrique e de seu representante estadual, o governo Alckmin, atropelar

impunemente o nosso direito constitucional à moradia!23

Para completar o quadro da diversidade das posições políticas dos movimentos de

moradia diante das políticas e governos neoliberais cabe mencionar o caso da Associação dos

Trabalhadores Sem Terra de São Paulo (ATST). Esta associação apresenta características bem

atípicas quando comparada com os movimentos de sem-teto analisados nesta tese24. Ela não

realiza ocupações de terrenos ou imóveis e tem como principal estratégia a “compra coletiva”,

ou seja, a compra de lotes por seus associados e a construção da casa própria. Aqui, a maneira

de se conseguir a moradia é a partir da autoconstrução e autofinanciamento, o que é

assegurado pelas economias individuais dos membros da base e não por financiamento e

subsídio do governo.

A ATST tem suas principais lideranças filiadas ao Partido da Social Democracia

Brasileira (PSDB), partido representante da ideologia neoliberal no Brasil. E a base social

deste movimento é persuadida a votar nos candidatos deste partido. Inclusive, uma das

22 Boletim: Luta por Moradia. MSTC. Nº 1 – agosto de 2000. Disponível em: www.mstc.org,br. Acessado em julho de 2005. 23 Boletim: Luta por Moradia. MSTC. Nº 5 – abril de 2001. Disponível em: www.mstc.org,br. Acessado em julho de 2005. 24 Questionamos se este seria um movimento de sem-teto, conforme buscamos definir na Introdução deste trabalho. Ou ainda, como faz Pereira (2005), poderíamos questionar até mesmo se esta associação pode ser considerada de fato um movimentos social. Para saber mais a respeito da Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo (ATST), consultar os trabalhos de Marcoccia (2007) e Pereira (2005).

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principais lideranças, Marcos Zerbini25, já foi eleito para vereador da cidade de São Paulo e

também deputado do estado de São Paulo.

Os movimentos dos sem-teto frente aos governos Lula e Dilma

De nossa parte, entendemos que nos anos 2000, a disputa entre um projeto político

neoliberal ortodoxo e um neodesenvolvimentista impactou as políticas econômicas e sociais

brasileiras26. Compreendemos que os governos federais petistas buscaram consolidar um

programa neodesenvlvimentista que, como Boito Jr (2012b) definiu, pertinentemente, seria “o

desenvolvimentismo da época do capitalismo neoliberal”. Assim, não há uma superação do

capitalismo neoliberal, mas tampouco há uma manutenção do neoliberalismo ortodoxo como

o conhecido nos anos 1990.

Seguindo a definição de Boito Jr. (2012b), entendemos que o neodesenvolvimentismo

é um “programa de política econômica e social que busca o crescimento econômico do

capitalismo brasileiro com alguma transferência de renda, embora o faça sem romper com os

limites dados pelo modelo econômico neoliberal ainda vigente no país”.

Em busca do crescimento econômico, os governos Lula e Dilma adotaram as seguintes

medidas políticas, as quais, é bom frisar, estavam ausentes nos governos de Fernando

Henrique Cardoso:

(i) políticas de recuperação do salário mínimo e de transferência de renda que aumentaram o poder aquisitivo das camadas mais pobres, isto é,

25 É interessante notar que Zerbini e sua companheira, Cleuza Ramos, que são duas das principais lideranças da referia associação, eram filiados ao Partido dos Trabalhadores e participavam da União dos Movimentos de Moradia (UMM). No entanto, eles romperam com a UMM no momento em que este movimento passou a realizar efetivas ocupações na cidade de São Paulo, no final dos anos 1980, e se dedicou à organização dos mutirões autogestionários. Nesta ocasião, o casal também se desligou do Partido dos Trabalhadores (PT) e, posteriormente, se filiou ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) (MARCOCCIA, 2007). 26 A ideia de que as políticas econômicas e sociais brasileiras adotadas pelos governos petistas fazem parte de um projeto neodesenvolvimentista é muito polêmica. Para uma crítica e esta noção, ver, por exemplo, Sampaio Jr. (2012) e Gonçalves (2012). Para autores como Sader (2013) e Pochmann (2013), os governos Lula e Dilma podem ser caracterizados como pós-neoliberais em razão dos elementos centrais de ruptura com o modelo neoliberal e possuem os seguintes traços: “priorizam as políticas sociais e não o ajuste fiscal; priorizam os processos de integração regional e os intercâmbios Sul-Sul e não os tratados de livre comercio com os Estados Unidos; priorizam o papel do Estado como indutor do crescimento econômico e da distribuição de renda, em vez do estado mínimo e da centralidade do mercado” (SADER, 2013, p.138). Já Sanchez (2009) e Andrioli e Schmalz (2006) falam de social-liberalismo. O social-liberalismo mantém as políticas econômicas neoliberais, como austeridade fiscal e superávit primário, no entanto, investe em políticas compensatórias o que traz uma redistribuição de renda de “forma superficial isto é, sem mexer nas raízes da concentração de renda (como a questão agrária, por exemplo)” (SANCHEZ, 2009).

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daqueles que apresentam maior propensão ao consumo; (ii ) elevação da dotação orçamentária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) para financiamento da taxa de juro subsidiada das grandes empresas nacionais; (iii ) política externa de apoio às grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil para exportação de mercadorias e de capitais; (iv) política econômica anticíclica – medidas para manter a demanda agregada nos momentos de crise econômica (BERRINGER; BOITO JR., 2013, p. 32).

Para as classes trabalhadoras, em especial para os trabalhadores sem-teto, dentre as

consequências mais importantes desta reformulação do modelo neoliberal estão: a diminuição

do desemprego (de 2003 até 2014, houve uma redução na taxa de desocupação de 12,3% para

4,8%, de acordo com os dados do IBGE de 2015); o aumento real do salário mínimo de 73%,

considerando o período de janeiro de 2003 até março de 2010 (MARICATO, 2011); e a

redução do déficit habitacional total para o Brasil (considerando o período de 2007-2012, o

déficit passou de 6,102 milhões de unidades em 2007 para 5,792 milhões em 2012

(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2014). Além disso, existiu o crescimento das políticas

sociais compensatórias, como o programa Bolsa Família, e a implantação de uma “nova”

política habitacional federal voltada para as famílias de mais baixa renda, o programa “Minha

Casa, Minha Vida”. Desta maneira, podemos afirmar que, em certa medida, os governos Lula

e Dilma são governos que “moderaram” os efeitos negativos do modelo do capitalismo

neoliberal no que diz respeito às condições de vida dos trabalhadores.

Seguindo ainda a reflexão de Boito Jr. (2012a; 2012b), ao longo dos anos 2000,

consolidou-se uma frente política desenvolvimentista, integrada por diferentes classes e

frações de classes sociais. Esta frente representa prioritariamente os interesses da burguesia

interna brasileira (grandes empresas de diferentes setores da economia), no entanto, o

programa neodesenvolvimentista contempla alguns interesses das classes trabalhadoras. É

preciso frisar que os ganhos e o atendimento de interesses das distintas frações de classes são

muito desiguais, cabendo aos trabalhadores os menores ganhos.

Na frente neodesenvolvimentista,

as classes e frações que a integram não estão, necessariamente, organizadas como forças sociais distintas, não possuem, necessariamente, um programa próprio e podem não ter consciência de que participam de uma empreitada comum; suas contradições internas são mais importantes e a sua unidade é muito mais frouxa ou, dito de outro modo, o compromisso de cada força integrante da frente com as demais é frouxo (BOITO JR. 2012c).

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Dentre as frações de classes que compõem a referida frente podemos mencionar a

grande burguesia interna, que se encontra “distribuída por diversos setores da economia –

indústria, mineração, construção pesada e a cúspide do agronegócio que são as empresas

exportadoras de produtos agropecuários” (BERRINGER; BOITO JR., 2013, p.32). Esta é a

fração que mais se beneficia do programa neodesenvolvimentista e é considerada a força

dirigente. Já no campo das classes dominadas, integram a frente o operariado urbano e a baixa

classe média, organizados nos sindicatos, o campesinato dos movimentos de luta pela terra e

os trabalhadores da massa marginal. Em relação aos trabalhadores da massa marginal, que nos

interessa aqui diretamente, Berringer e Boito (2013) fazem uma diferenciação entre uma parte

deste setor que está organizada em movimentos sociais (como é o caso dos movimentos dos

sem-teto) e outra que é social e politicamente desorganizada e foi incluída na frente graças à

política de transferência de renda dos governos Lula e Dilma. Esse setor serve de base

eleitoral para os candidatos da frente neodesenvolvimentista de modo a manter a tradição

populista da política brasileira27.

De nossa parte, entendemos que se podemos dizer que os movimentos dos sem-teto

integram a frente neodesenvolvimentista o fazem de uma maneira diferenciada, ou seja, de

acordo com suas orientações político-ideológicas a adesão a essa frente pode ser maior ou

menor.

Nesta direção, é importante lembrar que o Partido dos Trabalhadores (PT) possui uma

relação forte com os movimentos de moradia no Brasil. Ao definir o PT, Kowarick e Singer

(1994, p. 281) dizem que “trata-se de um partido com grande número de militantes que, nos

anos 80, ajudou a construir os movimentos sindicais e populares e ao mesmo tempo foi por

eles construído”. Assim, muitas das lideranças mais antigas dos movimentos de moradia

foram ou ainda são filiadas ao Partido dos Trabalhadores (PT), participaram da história desse

partido, compartilhando valores, ideologias e lutas. Dentre os movimentos mais atuantes

atualmente, temos aqueles que permanecem próximos deste partido e outros que dele se

afastaram – exemplificaremos este processo com o caso dos movimentos baianos, na última

parte do capítulo.

Vale lembrar aqui que o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) e as quatro

entidades nacionais que dele fazem parte (a Central de Movimentos Populares (CMP), a

27 O populismo não é entendido aqui como demagogia. Os trabalhadores possuem ganhos reais, embora limitados, na relação política populista “e os seus beneficiários mantêm-se política e ideologicamente dependentes das iniciativas do governo” (BERRINGER; BOITO JR., 2013, p. 34).

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Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM), o Movimento Nacional de

Luta por Moradia (MNLM) e a União Nacional por Moradia Popular (UNMP)) mantiveram,

desde o início do governo Lula, uma relação de proximidade em virtude do compartilhamento

histórico de projetos políticos que tinham com o Partido dos Trabalhadores (PT) (SERAFIM,

2013). Isto contribuiu para que estes movimentos aderissem à frente neodesenvolvimentista.

O que não significa, no entanto, que esses não façam críticas aos governos petistas e as suas

políticas ou tenham deixado de se mobilizar e realizar ocupações.

A criação do Ministério das Cidades, logo no primeiro ano de governo, e a nomeação

do ministro Olívio Dutra, do Partido dos Trabalhadores (PT), foram vistas por muitos

movimentos como um sinal do comprometimento do governo Lula com o projeto de reforma

urbana e de ampliação da participação popular. Além disso, lideranças e intelectuais do

Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) foram indicados para cargos de alto escalão no

Ministério. No entanto, a participação dos movimentos não se limitava a esta instância e

militantes do movimento atuaram como consultores em projetos específicos e reuniões informais ocorriam regularmente com representantes de movimentos de moradia, ONGs, organizações de profissionais do setor, acadêmicos. A política de proximidade acompanhou a expansão da participação institucionalizada, ambas impulsionadas por uma crescente presença de militantes de movimentos na burocracia. (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA, 2014, p. 336-337).

No entanto, em 2005, esta situação se modificou diante da “crise do mensalão”28.

Dentre as medidas tomadas pelo partido do governo para reagir à crise está uma reforma

ministerial em julho de 2005, a qual admitia maior presença do Partido Progressista (PP) e o

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) para estabelecer a base aliada. Isto

terá reflexos na composição do Ministério das Cidades: substituição de Olívio Dutra (PT) por

Márcio Fortes (PP) (MARTUSCELLI, 2015).

Esta mudança representou um retrocesso para a relação dos movimentos sociais e o

governo federal (BONDUK (2008), SERAFIM (2013), FERREIRA (2014)). Isso porque:

Durante o mandato de Olívio Dutra no Ministério, o Conselho e a

Conferência tornaram-se arenas centrais na definição da política urbana. O ministro e lideranças do FNRU mantinham um acordo informal de que as decisões tomadas no Conselho, seguindo as diretrizes aprovadas na Conferência Nacional das Cidades, seriam adotadas pelo ministério. A

28 A crise do mensalão decorre das denúncias feitas pelo deputado Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), a respeito de um esquema de compra de votos de parlamentares que compunham a base aliada em troca de seu apoio ao governo federal do Partido dos Trabalhadores (PT).

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situação modificou-se após 2005, quando Márcio Fortes, do Partido Progressista (PP) substituiu Dutra, no contexto do chamado mensalão. Fortes provinha de uma tradição política bastante distinta, descrita por entrevistados como baseada em relações personalistas, bilaterais e mesmo clientelistas. Com a saída de Dutra, boa parte do corpo técnico proveniente do FNRU foi substituída por técnicos de perfil mais “tecnocrático” e alheios à construção da plataforma pela reforma urbana. Esta reconfiguração diminuiu a importância da participação institucionalizada na tomada de decisões, apesar de os espaços terem permanecido ativos. (ABERS, SERAFIM, TATAGIBA, 2014, p. 337).

Apesar deste desgaste, os movimentos de moradia continuaram participativos e

pressionando o governo para que se tivesse avanços nas políticas urbanas e habitacionais, no

sentido de atenderem aos interesses da população de mais baixa renda.

Os movimentos dos sem-teto e a luta pelo Programa Minha Casa, Minha Vida-Entidades

O Programa Minha casa, Minha Vida foi lançado, em março de 2009, durante o

segundo governo Lula. Foi uma medida do governo brasileiro para combater e amenizar os

efeitos da crise econômica mundial agravada em 2008. Os principais objetivos do pacote são

implementação do Plano Nacional de Habitação, construindo um milhão de moradias;

aumento do acesso das famílias de baixa renda à casa própria e geração de emprego e renda

por meio do aumento do investimento na construção civil.

Em maio de 2011, primeiro ano do governo Dilma, foi lançado o Programa Minha

Casa, Minha Vida 2, tendo como meta a construção de mais dois milhões de casas29.

No PMCMV 1, 40% do total das unidades a serem construídas estavam previstas para

às famílias da “faixa 1”, faixa de renda mais baixa em que a renda mensal familiar pode ser de

até 1600 reais. Já no PMCMV 2, houve um aumento na focalização e 60% das unidades

estavam destinadas para estas famílias de renda mais baixa30.

De acordo com a Fundação João Pinheiro (2013), 66,6% do déficit urbano brasileiro

no ano de 2010 estava concentrado nas famílias com renda mensal de zero a três salários

mínimos. Isto indica que há um real processo de focalização da política habitacional para as

29 Utilizaremos a seguinte sigla para nos referirmos ao programa habitacional “Minha casa, minha vida” PMCMV. No que se refere à primeira fase do programa, lançada durante o governo Lula, denominamos de PMCMV 1. Para a segunda fase, que aconteceu no primeiro governo Dilma, falaremos de PMCMV 2. Para o Programa Minha casa, minha vida-Entidades, utilizaremos a sigla PMCMV-Entidades. 30O PMCMV atende três faixas de renda: famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.600,00 (faixa 1); até R$ 3.275,00 (faixa 2); e de R$ 3.276,00 até R$ 5.000,00 (faixa 3). Disponível em: http://minhacasaminhavida.pro.br. Acessado em janeiro de 2016.

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famílias que mais necessitam. Diferentemente do que ocorria, por exemplo, com as políticas

habitacionais anteriores. É importante notar também que o subsídio destinado a tais famílias é

realmente alto, chegando até 96% do valor da unidade habitacional.

Seguindo esta reflexão, a conclusão de um estudo realizado em seis estados brasileiros

traz a seguinte ideia:

[PMCMV] Trata-se de um programa que representou uma grande ruptura em relação às práticas anteriores, por trazer a questão da habitação para o centro da agenda governamental, pela escala de intervenção, pelo volume de recursos empregados, pelas concessões de subsídios de até 96% para as camadas com renda de até R$1.600,00 e de subsídios parciais para as camadas de renda de até R$5.000,00, viabilizando o acesso à moradia para os setores de mais baixa renda, historicamente excluídos dos financiamentos para aquisição da casa própria (AMORE, SHIMBO, RUFINO, 2015, p.417).

O PMCMV tem atendido, portanto, famílias de trabalhadores que, em sua maioria,

dificilmente acessariam uma moradia no mercado imobiliário formal antes da existência desta

política.

No entanto, entender o PMCMV como uma política distributiva requer atenção já que

não estamos tratando aqui de uma distribuição direta. O subsidio para as famílias de mais

baixa renda é alto, chegando até 96%, entretanto, é preciso entender as intermediações sobre o

recurso e a lucratividade das construtoras. O valor do metro quadrado pago pelo Estado à

construtora chega a ser de duas a três vezes superior ao custo do metro quadrado dos mutirões

autogeridos dos movimentos populares, por exemplo (ARANTES e FIX, 2009)31.

Para a parcela de renda mais baixa o programa funciona da seguinte maneira:

Uma produção "por oferta" significa que a construtora define o terreno e o projeto, aprova junto aos órgãos competentes e vende integralmente o que produzir para a Caixa Econômica Federal, sem gastos de incorporação imobiliária e comercialização, sem risco de inadimplência dos compradores ou vacância das unidades. A Caixa define o acesso às unidades a partir de listas de demanda, cadastradas pelas prefeituras. Assim, os projetos não são formulados a partir do poder público ou da demanda organizada, não são licitados, não são definidos como parte da estratégia municipal de desenvolvimento urbano e podem inclusive contrariá-la. São estritamente concebidos como mercadorias, rentáveis a seus proponentes. Mesmo que submetidas à aprovação dos órgãos competentes, estes estão pressionados em todas as instâncias a obter resultados quantitativos para cumprir as metas do programa (ARANTES e FIX, 2009).

Já para as faixas de 3 até 10 salários mínimos a comercialização é feita diretamente

pelas empresas e construtoras. 31 Outras críticas pertinentes ao PMCMV podem ser encontradas em Arantes e Fix (2009), assim como em Rolnik e Kazuo (2009).

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A questão da focalização e do alto subsídio para as famílias de renda mais baixa é uma

demanda antiga dos movimentos sociais. E, como vimos, isto foi contemplado. Esta

focalização pode ser entendida, então, como uma resposta à reivindicação dos movimentos

sociais urbanos brasileiros.

Em quais outros aspectos os movimentos influenciaram esta política?

Respondemos: na divisão do programa em duas partes, ou seja, uma voltada para o

financiamento das construtoras e outra para os movimentos sociais.

A bibliografia especializada e os movimentos de moradia apontam que o Programa

Minha casa, Minha Vida - Entidades (PMCMV-Entidades) surgiu como resultado da pressão

dos movimentos. Enquanto o PMCMV conta com recursos do Fundo de Arrendamento

Residencial (FAR), o PMCMV-Entidades possui recursos proveniente do Orçamento Geral da

União, alocados no Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), e não são retornáveis. No

entanto, a modalidade Entidades representa apenas 3% do valor total investido no PMCMV.

Isto aponta para o seu caráter residual em relação ao programa como um todo.

O PMCMV-Entidades funciona por meio da concessão de financiamentos a

beneficiários organizados de forma associativa por uma Entidade Organizadora (EO), tais

como associações, cooperativas, movimentos sociais e outros. São estas que elaboram a

proposta de intervenção habitacional, desde a compra do terreno até a seleção das famílias a

serem beneficiadas. Os beneficiários devem ter uma renda familiar bruta mensal de até 1600

reais. Os regimes de construção são por autoconstrução assistida, mutirão assistido,

administração direta e empreitada global. O PMCMV-Entidades valoriza, portanto, a

autogestão e a participação dos movimentos sociais.

A construção de habitação de interesse social a partir de mutirão autogerido é, uma

reivindicação antiga dos movimentos de moradia e que, a partir do governo Lula, passou a ser

uma política de nível federal, sendo o programa mais importante o PMCMV-Entidades32.

A partir de 2003, durante os três governos do Partido dos Trabalhadores, a política

habitacional de autogestão passou ao nível federal. De 2003 até 2014 foram construídos três

programas de habitação de interesse social, voltados para a autogestão, a saber, Programa

32 A experiência paradigmática em São Paulo, com o Funaps Comunitário (FUNACOM), programa autogestionário da Prefeitura Municipal de São Paulo (1989-1992), durante o governo petista de Luiza Erundina, foi muito rica, trazendo pontos importantes para o desenvolvimento do debate sobre a autogestão. De acordo com algumas lideranças das entidades nacionais de movimentos de moradia, foi aquela experiência que possibilitou aprofundar e expandir a pauta de reivindicação de autogestão na habitação no nível federal (Ferreira, 2014, p. 172).

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Crédito Solidário (PCS), Ação de Apoio à Produção Social da Moradia (APSM) e o Minha

Casa, Minha Vida- Entidades (MCMV –E)33.

Mutirão Autogestionário A bibliografia a respeito dos mutirões é extensa. Apenas para mencionar algumas referências sobre o assunto, citamos: Maricato (1979); Bonduki (1992); Oliveira (2006); Lopes (2006); Ferro (2006); Lopes e Rizek (2006); Rodrigues (2006); Percassi (2009; s.d.); Lago (2012, 2015); Miagusko (2012) e USINA (s.d.). Estas pesquisas abordam diversas questões e dimensões do mutirão, mas gostaríamos de destacar, em especial, duas delas. Um tema muito debatido se refere às possibilidades emancipatórias do mutirão autogerido quando comparado com outras políticas habitacionais impostas pelo Estado. É importante frisar aqui o termo “possibilidade” para que não se estabeleça uma relação mecânica entre mutirão e emancipação. Em certos contextos, os mutirantes podem realmente ser sujeitos e não apenas objetos das ações planejadas. Tocaremos nesse ponto no capítulo 3, quando trataremos da participação das mulheres nos movimentos dos sem-teto e nos programas de mutirão autogestionário. Outra questão muito analisada pela bibliografia é a relação perversa da autoconstrução e o trabalho, ou seja, o mutirão rebaixa o custo da reprodução do trabalhador já que é este mesmo quem assume o custo da construção de sua moradia com seu próprio trabalho (não remunerado). Destaca-se ainda que o mutirão pode ser, na verdade, uma estratégia para o Estado diminuir seu ônus econômico e político em relação à questão habitacional já que repassaria aos movimentos sociais a responsabilidade de gerir a escassez de recursos. Esta última análise possibilita-nos entender, por exemplo, porque governos com orientações político-ideológicas neoliberais podem (e realmente o fazem) implantar programas de mutirão. Vide, por exemplo, o governo estadual de Goiás, principalmente durante os dois governos de Iris Rezende, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), o primeiro de 1983 até 1986 e o segundo de 1991 até 1994. “O Programa Mutirão preconizava a utilização da mão de obra dos futuros beneficiários como estratégia para baratear os custos e fortalecer a iniciativa individual e os mecanismos de ajuda mútua, embora nem sempre os beneficiários de fato participassem do processo construtivo” (FERRREIRA, 2012b, p. 149). Em 2001, durante o governo de Marconi Perillo, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi lançado o programa que ficou conhecido como “Cheque Moradia”:

(...) programa que opera com a transferência de parte da arrecadação de impostos do Estado para famílias com renda de até 3 salários mínimos, para construção, reforma e ampliação de suas casas, em loteamento realizado pela prefeitura conveniada ou em lote do próprio beneficiário, havendo a contrapartida de que este doe sua mão-de-obra no processo

33 Para uma análise detalhada sobre os dez anos (2003-2013) destes três programas habitacionais autogestionários, conferir a tese de doutorado de Ferreira (2014). Uma análise sistemática do Programa Crédito Solidário pode ser encontrada ainda na dissertação de mestrado de Moreira (2009).

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construtivo (BARROS, 2011, p. 116 apud FERREIRA, 2012b, p. 149-150).

Ferreira (2014), ao analisar alguns dados do Ministério das Cidades (2013) e cruzá-los

com suas entrevistas e trabalho de campo, traz uma interessante relação das unidades

construídas a partir do PMCMV-Entidades e que estão vinculadas aos movimentos nacionais

de moradia e reforma urbana. É importante lembrar que a autora considera aqui apenas os

quatro movimentos nacionais filiados ao Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU): a

Central de Movimentos Populares (CMP), a Confederação Nacional de Associações de

Moradores (CONAM), o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e a União

Nacional por Moradia Popular (UNMP), além da ONG Habitat para a Humanidade, também

ligada ao referido Fórum.

Estes movimentos têm empreendimentos em 14 dos 19 estados da federação que

possuem projetos de construção de moradia ligados ao Programa Minha Casa Minha Vida –

Entidades. Neste programa, 60% do total de unidades são de empreendimentos vinculados aos

referidos movimentos de moradia e reforma urbana organizados nacionalmente (Ferreira,

2014, p. 152-153). Os estados com maior número de unidades habitacionais vinculados aos

movimentos mencionados são: São Paulo (5540 unidades habitacionais construídas); Rio

Grande do Sul (4620 unidades), Pernambuco (2447 habitações) e em Goiás (2351 moradias).

O mapa abaixo, por sua vez, permite identificar a distribuição dos empreendimentos (e

não as unidades habitacionais) no território nacional e sua relação com os movimentos sociais

estudados por Ferreira (2014).

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Retirado de Ferreira, 2014, p. 156.

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Como era de se esperar, a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) é a que mais

tem empreendimentos, chegando ao número de 48. Isto porque os movimentos filiados a ela,

em especial a União de Movimento de Moradia (UMM) de São Paulo tem no mutirão de

autogestão uma de suas principais bandeiras. Seguindo a relação dos movimentos que

possuem mais empreendimentos vinculados ao PMCMV-Entidades, temos a Confederação

Nacional de Associações de Moradores (CONAM), com 17 empreendimentos. A Central de

Movimentos Populares (CMP) e o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM)

possuem 14 empreendimentos cada e, por fim, a ONG Habitat para a Humanidade, da rede

nacional do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) tem 5 empreendimentos.

Infelizmente, Ferreira (2014) não inclui em sua lista o Movimento dos Trabalhadores

Sem-Teto (MTST) e também não tivemos acesso aos dados referentes aos empreendimentos e

às unidades habitacionais vinculadas a esse movimento.

Apenas a título indicativo, podemos afirmar que o Movimento dos Trabalhadores

Sem-Teto (MTST) tem reivindicado constantemente participação no referido programa e que

possui, dentre outros, um empreendimento em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, que

contará com 1100 unidades habitacionais, das quais 192 já foram entregues34.

Citamos aqui o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) pois entendemos

que hoje este movimento tem atingido um alto grau de visibilidade e mobilização no cenário

nacional, além de estar pressionando o governo por mudanças e ampliação no PMCMV.

Os movimentos dos sem-teto e suas críticas ao Programa Minha Casa, Minha Vida-Entidades

Apesar da criação do PMCMV-Entidades ser entendida como uma vitória dos

movimentos de moradia, estes possuem inúmeras críticas ao programa. Debruçar-nos-emos

sobre algumas delas, buscando entender a concepção dos movimentos de moradia diante deste

cenário. Partimos das críticas mais gerais que são mais ou menos compartilhadas por grande

parte dos movimentos. E, em seguida, analisaremos críticas mais especificas, talvez, de cunho

mais estrutural, que são realizadas por movimentos mais críticos aos governos petistas e que

fazem oposição a esses.

34 Disponível em: http://mcmv.caixa.gov.br/mtst-inaugura-empreendimento-do-minha-casa-minha-vida/. Acessado em novembro de 2015.

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As críticas mais gerais e recorrentes tecidas pelas lideranças das quatro grandes

entidades nacionais supramencionadas se referem: a) à gestação do programa fora do

Ministério das Cidades e sem considerar a participação popular b) a não realização de uma

reforma fundiária que impeça o aumento da especulação; c) à burocratização que dificulta a

participação dos movimentos no Programa; d) questionamento do caráter supostamente

autogestionário do Programa. Acrescentamos ainda um item e) que não se refere à uma

crítica, mas a uma auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos.

a) Gestação do programa fora do Ministério das Cidades e sem considerar a

participação popular

O PMCMV foi elaborado no âmbito da Casa Civil e do Ministério da Fazenda, e não

no Ministério das Cidades. Neste sentido, foram desconsiderados diversos avanços

institucionais na área de desenvolvimento urbano, assim como a interlocução com os

movimentos sociais.

Desta maneira, se é verdade que o Ministério das Cidades foi uma conquista por parte

dos movimentos no primeiro mandato do governo Lula já que pretendia articular as políticas

de habitação, saneamento, transportes e desenvolvimento urbano, é fato que tal ministério foi

posto de lado na gestação do programa. Ademais:

a Secretaria de Habitação [que] havia sido parcialmente preservada e seguia atuante, inclusive com a elaboração do Plano Nacional de Habitação, entregue alguns meses antes do anúncio do pacote – que o ignorou em sua quase totalidade. O Estatuto da Cidade, de 2001, resultado da luta pela reforma urbana no Brasil e que até o momento foi pouquíssimo implementado, não é um elemento definidor dos investimentos (municípios que o aplicam poderiam ser priorizados ou ter condições mais favoráveis). O Conselho das Cidades, órgão deliberativo mais importante do Ministério, sequer foi consultado a respeito do pacote. O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), que até então deveria concentrar todos os recursos da política habitacional, de modo a uniformizar os critérios de acesso, bem como seu Conselho, foram dispensados (ARANTES e FIX, 2009).

b) Não realização de uma reforma fundiária que impeça o aumento da especulação

Um dos aspectos mais questionados, tanto pelos movimentos quanto por estudos

acadêmicos, se refere ao componente fundiário do PMCMV.

Este programa foi desenhado de maneira (bem previsível) a estimular o crescimento

do preço da terra, “favorecendo ainda mais a especulação imobiliária articulada à segregação

espacial e à captura privada de investimentos públicos” (ARANTES e FIX, 2009).

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De acordo com Mineiro e Rodrigues (2012, p. 33),

O que se percebe é a ausência de uma política pública fundiária em todos os níveis. Ao deixar para o mercado de terras a função de regular onde e como será a produção habitacional, o poder público renunciou a um de seus principais papeis na sociedade. Os instrumentos construídos coletivamente e presentes no Estatuto da Cidade não têm tido chance de serem implementados diante da voracidade da especulação imobiliária e da falta de intervenção do poder público. O debate federativo sobre o tema é praticamente inexistente e os municípios, com poucas exceções, praticamente não tem conseguido enfrentar o problema.

O valor da unidade habitacional é invariável. Assim, vence a lógica do terreno mais

barato, ou seja, quanto menos se gastar na terra, mais sobrará para a construção da unidade,

no caso do PMCMV-Entidades, e, maior poderá ser o lucro das construtoras, no caso do

PMCMV.

A valorização imobiliária, estimulada pelas políticas de fomento ao setor da

construção civil (tanto os Programas de Aceleração do Crescimento de investimento em

infraestrutura quanto o Programa Minha Casa, Minha Vida), repercutiu diretamente no valor

do aluguel dos imóveis. Desta maneira, é sintomático que, desde 2008, o componente do

déficit habitacional denominado de ônus excessivo do aluguel tenha aumentado, ou seja, o

alto valor do aluguel tem adensado as fileiras das pessoas sem moradia (FUNDAÇÃO JOÃO

PINHEIRO, 2014).

c) Burocratização que dificulta a participação dos movimentos no Programa

Problemas operacionais e burocráticos são frequentemente enfrentados pelos

movimentos de moradia. Muitas vezes os entraves burocráticos inviabilizam o acesso de

grupos e entidades à participação no PMCMV-Entidades. De acordo com Ferreira (2014, p.

177):

As lideranças acabam por ter boa parcela do seu tempo absorvida na busca por viabilizar os projetos. Os bloqueios são inúmeros, começando na documentação necessária para pleitear o financiamento, passando pela falta de recursos para a elaboração dos projetos ou pela dificuldade de disponibilidade de terra ou prédios públicos para o empreendimento, à demora dos órgãos públicos para as licenças ambientais e de construção e à demora dos cartórios para os registros.

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A crítica dos movimentos sociais ao MCMV-Entidades e “as pressões exercidas

através de mobilizações, jornadas de lutas e da atuação no Conselho das Cidades, vêm

acarretando algumas mudanças nas regras, de forma a aproximar mais os programas à

realidade das entidades que estão ligadas à autogestão” (FERREIRA, 2014, p. 179).

Uma das importantes mudanças conquistadas pelos movimentos foi a criação da

Modalidade Aquisição de Terrenos e Projeto, conhecida como Compra Antecipada, que

possibilita contratar em duas etapas: primeiramente liberando recursos para a compra do

terreno e elaboração do projeto e, depois, a segunda contratação para a construção da casa

(MINEIRO e RODRIGUES, 2012).

d) questionamento do caráter supostamente autogestionário do Programa

Os programas autogestionários, como descrevemos anteriormente, são demandas dos

movimentos sociais de moradia. “A ideia de autogestão está associada à autonomia do grupo e

à sua capacidade de gerir os processos que envolvem a produção social da moradia, em todas

as suas etapas” (FERREIRA, 2012). No entanto, lideranças tem questionado se o PMCMV-

Entidades é de fato autogestionário posto que, da maneira como o Programa foi elaborado e

está sendo executado, algumas das características importantes da autogestão não são

cumpridas, como por exemplo, o real gerenciamento por parte dos futuros moradores ou a

construção de solidariedades entre eles.

e) auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos.

Ao participar do PMCMV-Entidades os movimentos se envolvem em tarefas

burocráticas que demandam grande esforço e tempo para serem cumpridas. Com isto

atividades consideradas estratégicas para reivindicar avanços no desenvolvimento de políticas

urbanas podem estar sendo deixadas de lado, assim como alguns objetivos que são/eram

importantes para o movimento podem ficar para trás. Estas são algumas ponderações que as

lideranças dos movimentos têm feito.

A seguir, reproduziremos algumas falas de lideranças que exemplificam as críticas

sintetizadas acima. Os depoimentos são de lideranças dos 4 grandes movimentos nacionais

que compõem o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), a saber, a Central de

Movimentos Populares (CMP), a Confederação Nacional de Associações de Moradores

(CONAM), o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) e a União Nacional por

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Moradia Popular (UNMP)35. Essas falas pertencem às entrevistas realizadas por Ferreira

(2014).

Entrevista realizada em

Membro da Coordenação Nacional da/do

Tema da crítica Conteúdo da crítica

Janeiro de 2014

CMP Burocratização (na participação)

A questão da assessoria técnica também deixa muito a desejar por mais que se tenha aprovado uma Lei de Assistência Técnica que não está efetivada em nenhum momento. Então, a gente tem muita dificuldade com isso. Os próprios técnicos também não conseguem compreender a autogestão.

Janeiro de 2014

CMP Burocratização (no financiamento)

[...] As regras da Caixa ainda são as regras do [mercado] financeiro internacional. Ela trata a questão da moradia popular, da relação com o movimento, da mesma forma [como trata] o cliente de banco. Esse modelo da Caixa não serve. Essa é uma luta, criar um modelo de banco, ou criar um outro órgão para que o apoio ao movimento popular na produção de moradias não tenha essas regras do mercado financeiro habitacional.

Dezembro de 2013

CMP Caráter supostamente autogestionário do programa

Esse processo [das experiências de autogestão], ele acaba meio que se pulverizando pelo país afora e com diferentes nuances: tem certos espaços em que ele atua de fato com os princípios, as características mais próximas daquela discussão mais originária da autogestão. E tem lugar que ele se transveste por processo de empreiteira.

Janeiro de 2014

CMP Auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos

Não dá pra gente ficar pegando um monte de projeto. Eu, particularmente, acho que a questão da moradia deve ser resolvida pelo poder público. Claro que o movimento é fundamental, para pressionar, para construir a política, mas o movimento não tem como assumir essa responsabilidade com a política geral do país. Esse é um problema muito sério, porque aí o governo usa desse mecanismo até pra abafar um pouco as mobilizações, as reivindicações, quando ele empurra: ‘- o quê que vocês querem, é casa?’

35 É importante lembrar que as quatro entidades mencionadas nãos são homogêneas, cada qual possui sua especificidade, sua bandeira principal e relações partidárias distintas. Além disso, estas quatro organizações possuem movimentos sociais filiados a elas com posicionamentos políticos diversos, embora, evidentemente, eles compartilhem dos princípios mais importantes de suas entidades.

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Aí, se ele dá 100 mil casas para o movimento construir, pra você fazer esse processo [...] você acaba virando gestor pequeno.

Dezembro de 2013

CMP Gestação do programa fora do Ministério das Cidades e sem considerar a participação popular

A gente tem que lembrar que o MCMV passou por cima da luta do movimento, dessa articulação do Fundo de Habitação, do FNHIS, disso tudo. Quando foi finalmente aprovado, não contemplava os movimentos. Depois, contemplou.

Dezembro de 2013

CMP Caráter supostamente autogestionário do programa

Eu tenho minhas dúvidas se o que acontece com o programa Minha Casa, Minha Vida– Entidades pode-se chamar de processo de autogestão do jeito que nós concebemos a autogestão, que é você estabelecer no processo de produção social da moradia processos coletivos e solidários, para você construir bairros coletivos num processo de ajuda mútua. A autogestão que pudesse avançar no debate da propriedade coletiva. Enfim, com aquela concepção que a gente construiu a partir da FUCVAM, a partir de São Paulo, da gestão da Luiza Erundina.

Janeiro de 2014

CONAM Auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos

[...] Nós acreditamos nos projetos e ecoamos nele numa forma de mostrar que é possível atender às famílias, com recursos, com projeto diferenciado, com a qualidade das casas. [...] Mas, que o governo assuma isso para o futuro. Não nós. Isso é o que nós temos claro para o MCMV- Entidades: nós não queremos fazer disso motivo da nossa bandeira de luta; a nossa bandeira de luta é o direito à moradia adequada, não construir.

Janeiro de 2014

CONAM Gestação do programa fora do Ministério das Cidades e sem considerar a participação popular

[...] Acho que o MCMV é uma experiência interessante, mas o que nós gostaríamos é que isso não fosse uma experiência desconectada dentro do próprio Ministério das Cidades, do Conselho das Cidades. Ele não é gestado dentro deste fórum, ele foi gestado fora e continua sendo apenas parte da discussão. Então, o nosso objetivo é que se tenha o Sistema Nacional da Política Urbana, o Conselho e que se tenha um Fundo. E que este Sistema e Fundo Nacional de Habitação de Interesse social esteja dentro

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do Sistema e Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano. Que se tenha recursos para outras políticas, como a de saneamento e que isto tenha uma regra definida e gestada a partir do Conselho das Cidades.

Dezembro de 2013

MNLM Auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos

A gente tinha muito claro que o nosso grande instrumento de luta era a ocupação dos vazios urbanos, era obrigar que os imóveis vazios, não utilizados e sub-utilizados tivessem uma destinação social. Era a gente forçar uma gestão do solo urbano onde tivéssemos poder deliberativo. [...] Mas, hoje, a nossa principal bandeira que é a função social da propriedade e da cidade, por conta da reforma urbana, acaba, na prática, virando uma briga por maiores investimentos no MCMV- Entidades, por exemplo. Já nem falamos mais em FNHIS.

Dezembro de 2013

MNLM Auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos

[...] A gente ocupava e lutava por moradia digna. Quem falou que a forma de fazer isso era pegando o dinheiro, virando ONG, foi o governo. De autogestão não tem absolutamente nada.

Dezembro de 2013

MNLM Reforma fundiária e aumento da especulação

[...] Como a terra pública já é um embaraço por si só, que nunca vem, então começam os movimentos entrando na lógica do eu quero terra, não importa de onde vem. E a gente quebra o outro princípio que é o da democratização do acesso a terra, entrando no mercado imobiliário para ir comprar a terra. E estamos dizendo que a compra antecipada do Minha Casa Minha Vida– Entidades é para fazer autogestão. Nós vamos entrar no mercado, estamos comprando a terra e estamos nos transformando em mutuário. Não estamos fazendo a gestão: quem faz a gestão, de fato, é o governo, é a Caixa Econômica.

Dezembro de 2013

MNLM Caráter autogestionário do programa

[...] Empreitada global é um outro mecanismo que o governo inventou para nos transformar em empreiteira; então, a gente finge que está administrando, entrega tudo para a empreiteira de porta fechada e recebe uma taxinha administrativa da empreiteira.

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Dezembro de 2013

MNLM Auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos

Nós temos o desafio de implantar o sistema nacional de desenvolvimento urbano e de parar as remoções e enfrentar a privatização das cidades, principalmente num momento de megaeventos e de megaprojetos. Isso é no debate teórico, porque se você for falar levante a bandeira estratégica, teórica de vocês, nós vamos levantar essa. Mas se você for acompanhar nossa prática, você vai perceber que não é bem assim. Na verdade é o pragmático que está falando mais, mais, mais, mais alto. Aí, o pragmático é o Minha Casa Minha Vida– Entidades, o pragmático é mais recurso, o pragmático é aumentar o valor das unidades habitacionais, o pragmático, nesse momento, é a compra antecipada de terra, antecipar o preço pra comprar terra. Então, o pragmático tá sendo isso.

Dezembro de 2013

MNLM Gestação do programa fora do Ministério das Cidades e sem considerar a participação popular

[...] É mais coerente a gente dizer que a gente inventou o Minha Casa, Minha Vida– Entidades, para não ficar 100% fora do Minha Casa Minha Vida. Onde é que nós vamos dialogar dentro do Minha Casa Minha Vida.

Dezembro de 2013

MNLM Auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos

Se todo mundo disser: nós não aceitamos, isso tem que ser assim, assim e assim e vocês têm que enquadrar o programa à realidade do movimento organizado e da comunidade organizada que está lá... Se todo mundo disser isso, aí, eu vou te dizer, mesmo que a gente receba um não, nós estamos construindo, porque nós estamos confrontando o que nós queremos com o que o governo está oferecendo. Mas, nós não estamos confrontando [...] porque o afã de cumprir meta de casa do governo é muito grande e o afã nosso de disputar quem é que constrói mais casinha, também é muito grande. O afã do movimento: é como se a gente nunca tivesse visto a possibilidade de ter dinheiro para nós fazermos as casas. A gente ainda não percebeu que nós estamos a um passo de virarmos todos empreiteiros.

Dezembro de 2013

MNLM Auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos

Porque o que tem pra hoje é comprar terra, o que tem pra hoje é fazer casa, o que tem pra hoje é cumprir normativas da Caixa Econômica com relação à habitação, que nos adéqua cada dia mais às empreiteiras. É ter CNPJ de sociedade civil e prática de construtora. É isso que está pegando todos nós, e é essa corrente é que está, nos últimos

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três anos, carregando os movimentos.

Junho de 2012

UNMP Burocratização A questão da própria comprovação da entidade: tem coisas que são terríveis, é quase um raio x na vida da entidade. Tem questões burocráticas de documentação. A gente tem que estar tirando certidão negativa mensalmente para isso e para aquilo. Então, tem coisas que a gente está querendo dialogar com o governo para que seja melhorado dentro do MCMV- Entidades.

Dezembro de 2013

UNMP Burocratização Os cartórios também prejudicam. A gente ficou um ano dentro do cartório para registrar um contrato para liberação de recursos. Um ano, entendeu?

Junho de 2012

UNMP Auto avaliação sobre os objetivos, ações e resultados dos movimentos

[...] a tentação de ficar reproduzindo casa é muito grande, muito grande, pela quantidade de dinheiro que tem. Nós estamos vivendo um momento hoje em que se acaba esquecendo um pouco a organização em alguns estados e privilegiando o fazer casa. Isso é muito difícil, muito complicado para gente.

Fonte: elaboração própria a partir dos dados de Ferreira (2014, p. 173, 176-186).

Buscamos ainda entender quais são as críticas que os movimentos que fazem uma oposição

maior aos governos federais realizam ao Programa. Para isto utilizamos o exemplo do

Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST)36, movimento que integra, por sua vez, à

Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos. Esta Frente é uma articulação de

movimentos populares de diferentes estados no Brasil que lutam por reforma urbana e direitos

dos trabalhadores nas cidades. Ela se apresenta como uma organização classista, ou seja, é

composta por trabalhadores que buscam construir uma identidade ou um projeto de classe.

De acordo com Pinheiro (2004 e 2005, p. 164-165) a perspectiva política do

Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

(...) vai além da conquista da casa própria, como a da maioria dos movimentos habitacionais. Ele coloca na agenda a necessidade da reforma urbana, juntamente com o questionamento do caráter

36 Para citar alguns dos trabalhos acadêmicos sobre o MTST, mencionamos: Lima (2004), Cassab (2004), Miagusko (2008), Oliveira (2010), Goulart (2011), Lorena (2012), Elias (2014) e Pinheiro (2004 e 2005, 2007 e 2008).

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mercantil da produção do solo urbano a partir da prevalência da função social da propriedade.

Assim, se podemos dizer que a reivindicação de urgência é a moradia, o MTST tem

uma plataforma reivindicativa mais ampla e tem, na realidade, um objetivo último de

transformação social, superando a ordem política e social e capitalista. Neste sentido, o MTST

possui não só uma posição antineoliberal, mas também um caráter anticapitalista (PINHEIRO,

2004 e 2005; OLIVEIRA, 2010; GOULART, 2011).

Este movimento segue com duras críticas aos governos federais petistas, embora

marque a existência de diferenças entre os projetos políticos dos governos federais do Partido

da Social Democracia Brasileira (PSDB) e do Partido dos Trabalhadores (PT).

Podemos destacar as seguintes críticas do MTST e da Resistência Urbana ao

PMCMV: 1. o conteúdo de mercado desse projeto, no sentido de que o seu objetivo principal

é aquecer o mercado da construção civil e combater o desemprego, sendo a diminuição do

déficit habitacional brasileiro um objetivo subordinado; 2. se o número de um milhão de

moradias pode parecer uma grande cifra, diante da demanda por moradia no Brasil ele é

pequeno, lançando umas contra as outras as famílias que reivindicam o direito constitucional

à moradia. De acordo com o movimento, o programa conta com 18 milhões de pessoas

cadastradas37; 3. o comprometimento maior dos governos Lula e Dilma com frações das

classes capitalistas do que com as classes trabalhadoras.

Esta última crítica é aprofundada em diferentes momentos pelo movimento e suas

lideranças. Vejamos:

A campanha acontece exatamente no momento em que o Programa do Governo Federal Minha Casa, Minha Vida exerce o papel de conter a crise financeira através da injeção de mais de 30 bilhões de reais num programa que beneficia claramente empreiteiras, construtoras e incorporadoras e deixa uma migalha para a auto-organização dos movimentos; isso sem falar no caráter eleitoreiro (Documento MTST: Jornada Nacional de Lutas Populares, 2010)38.

O MCMV tem seus méritos. Foi a primeira vez que se deu um

subsídio maciço e se deixou de tratar a moradia popular na lógica do financiamento. Atendeu a uma reivindicação histórica dos movimentos, mas no grosso, o MCMV foi feito para o capital imobiliário, para resgatar parte do capital perdido pelas construtoras na bolha mundial de 2008, não para atender o déficit de moradias brasileiro. No primeiro MCMV, o Lula prometeu e fez 1 milhão de moradias. Só que o número de inscritos foi de 18 milhões. O MCMV está enxugando gelo. É um programa que fortalece a

37 Disponível em: http://www.mtst.info/?q=node/99. Acessado em janeiro de 2010. 38 http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/03/468714.shtml. Acessado em maio de 2010

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lógica imobiliária, porque as empreiteiras continuam especulando (Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST - entrevista para El Pais, 2014)39.

As conquistas obtidas pelo MTST de 2009 a 2014, no Brasil todo, não chegam a 8 mil moradias, somando as contratadas e as somente acordadas. Só a MRV Engenharia, nos primeiros dois anos do programa, recebeu financiamento público para 40 mil moradias. Apenas entre 2009 e 2011! E estamos falando de uma entre as dezenas de construtoras que recebem financiamento pelo programa. Quem manda mesmo na política de habitação? (BOULOS, 2015, p. 29).

Entendemos que esse conteúdo diferenciado das críticas mais recorrentes dos

movimentos reflete as diferenças nas orientações político-ideológicas existentes entre os

movimentos e as suas consequentes relações com os partidos políticos, governo e Estado40.

Assim, as críticas mais frequentes realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-

Teto e direcionadas ao PMCMV-Entidades são críticas relacionadas à própria formulação,

objetivos e a estrutura desta política habitacional. O movimento evidencia constantemente o

claro favorecimento de uma fração das classes dominantes com a execução do programa.

Neste sentido, o MTST não adere ao projeto neodesenvolvimentista. No entanto, em

momentos de crise, quando a frente neodesenvolvimentista está realmente ameaçada por uma

ofensiva neoliberal ortodoxa, o movimento pode vir a aderi-la ou apoiá-la. Isto aconteceu, por

exemplo, no segundo turno das eleições de 2014, em que o movimento defendeu o voto à

candidata Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), para que o candidato Aécio

Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), representante da ideologia

neoliberal mais ortodoxa, não vencesse.

Já em relação aos quatro outros movimentos nacionais mencionados aqui, os quais,

como já dissemos, compõem o Fórum Nacional de Reforma Urbana, entendemos que são

movimentos que, desde o início do governo Lula, estiveram próximos dos canais mais

institucionais estabelecidos pelo governo e compondo a frente neodesenvolvimentista. No

entanto, como vimos, muitas das lideranças destes movimentos se encontram em um

momento de auto avaliação e de questionamento: Como conseguir conciliar a participação no

PMCMV-Entidades e persistir nas mobilizações estratégicas para que a luta por moradia

continue a avançar? 39 http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/27/politica/1390859331_258001.html. Acessado em janeiro de 2016. 40 Lembramos que estamos falando das críticas que mais se evidenciam nos discursos das lideranças. Isto não significa que o conteúdo de uma crítica seja exclusivo de um ou outro movimento.

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“O MCMV-E é o que tem para hoje” (Tatagiba, et.al., 2015). É o que as lideranças

dos movimentos de moradia têm afirmado já que muitas delas têm clareza dos limites destas

políticas. Ora, o que se tem hoje pode ser modificado, mas como isto será feito? A questão

está aberta.

Movimento dos Sem Teto de Salvador (MSTS) e Movimento dos Sem Teto da Bahia

(MSTB)

A fundação do Movimento dos Sem Teto de Salvador (MSTS) se deu no ano de 2003.

Ano de grande mobilização popular na capital baiana já que foi neste mesmo período que

também aconteceu a Revolta do Buzu41, momento importante para o movimento por

transporte público e para a organização futura do Movimento Passe Livre (MPL).

Conforme descrevemos na primeira parte deste capítulo, no início dos anos 2000, o

cenário nacional estava marcado por reformas neoliberais que representaram um ataque aos

direitos e políticas sociais voltadas aos trabalhadores, assim como o aumento do desemprego

e do déficit habitacional.

Em 2003, ainda o primeiro ano do governo Lula, as expectativas eram grande entre as

bases e as lideranças dos movimentos dos sem-teto, principalmente entre aqueles que

possuíam forte relações com o Partido dos Trabalhadores, sendo filiados ou tendo relações de

proximidade com vereadores e deputados deste partido. Este era o caso, por exemplo, de

algumas das principais lideranças do Movimento dos Sem Teto de Salvador (MSTS). Estas

lideranças faziam parte do que Cloux (2008, p. 105) nomeia “esquerda do PT”, que seria um

grupo crítico “ao partido e ao governo após a assunção do presidente Lula e suas medidas

impopulares”. Dentre estas medidas impopulares, lembramos, por exemplo, a reforma da

previdência realizada em 2003, retirando direitos previdenciários do setor público.

O depoimento abaixo aponta o posicionamento crítico das lideranças do então

Movimento dos Sem Teto de Salvador (MSTS):

Pelo menos por enquanto somos filiados [ao PT]. Temos muitas críticas depois que Lula assumiu, o governo se elegeu para beneficiar os movimentos sociais e agora vemos o engessamento da esquerda (...) O PT está em fase de esgotamento. Parte da esquerda sucumbiu ao poder. Não fazemos oposição, mas temos posição crítica pelo rumo que o governo vem

41 A Revolta do Buzu foi um movimento organizado principalmente por estudantes que lutavam contra o aumento da tarifa de transporte público em Salvador.

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tomando (Pedro Cardoso in TRIBUNA DA BAHIA, 18/05/2004. p.9 apud CLOUX, 2008, p. 105).

Em 2003, o prefeito de Salvador era Antonio Imbassahy (ex-Partido da Frente Liberal

(PFL), atualmente no Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB)) e o governador do

estado da Bahia era Paulo Souto (ex-Partido da Frente Liberal (PFL), atualmente Democratas

(DEM)) (MIRANDA, 2008, p.102). Diante desta composição de governos, o movimento fazia

a leitura de que, naquele momento, o aliado mais próximo (ideologicamente) estava no

governo federal.

De 2003 para 2004, o Movimento dos Sem Teto de Salvador (MSTS) passou a

conquistar grande notoriedade na cidade já que sua organização se intensificou, passando a

aumentar muito tanto o número de famílias cadastradas em suas bases, quanto o número de

ocupações realizadas.

De acordo com Cloux (2008, p. 139), o movimento realizou 44 ocupações ao longo

dos seus dois primeiros anos de existência. A justificativa para esse alto número estava no

fato de que havia muitas famílias cadastradas ao movimento e já estava ocorrendo

superlotação nas ocupações realizadas. Ademais, as famílias de sem-teto que realmente não

tinham outro lugar para ficar a não ser em uma ocupação, quando saíam de um imóvel

ocupado devido a um processo de reintegração de posse, por exemplo, já se deslocavam para

outra ocupação organizada pelo movimento. Neste sentido, evidencia-se tanto a gravidade do

déficit habitacional em Salvador, quanto a existência de uma pressão da base dos movimentos

dos sem-teto para que as ocupações fossem realizadas constantemente.

Até o ano de 2006, as ocupações aconteciam tanto em terrenos baldios quanto em

prédio vazios. No entanto, com o tempo, o movimento passou a dar preferência às ocupações

de terrenos, acreditando que nestas o tempo de permanência poderia ser maior.

O Movimento Sem-Teto de Salvador (MSTS) continha em seu interior dois grupos de

lideranças com posicionamentos políticos diferenciados, os quais foram se evidenciando ao

longo dos primeiros anos de existência do movimento. Até que ocorreu uma cisão no

movimento e cada grupo passou a se organizar separadamente. Um deles continuou utilizando

o nome Movimento Sem Teto de Salvador (MSTS) e o outro passou a ser denominado de

Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB). Vejamos como foi este processo de cisão e os

posicionamentos de cada grupo.

Um dos grupos é denominado por Miranda (2008) e por Souza (2011) “Campo A”.

Esse grupo via no movimento a possibilidade de, para além da conquista da moradia e da luta

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por política habitacional, construir uma identidade entre os sem-teto da base que fortalecesse

a luta por uma transformação social. Para isto, este grupo difundia a ideia de um novo projeto

de sociedade baseado nas “Comunidades do Bem Viver”42. Miranda (2008) relata também

diferenças na relação destas lideranças com a base. As lideranças deste grupo buscavam

construir relações menos hierárquicas no interior do movimento.

Além disto, uma outra diferença importante entre os dois grupos estava no

relacionamento do movimento com os governos. O “Campo A” buscava manter a autonomia

do movimento em relação a governos e partidos políticos. Isto não impede, no entanto, que

algumas das lideranças sejam filiados a partidos políticos. E, neste caso, o que parece se

evidenciar é que algumas das principais lideranças deste grupo, diante da crise do mensalão,

em 2005, e da consolidação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), deixam o Partido dos

Trabalhadores (PT) e se filiam ao novo partido.

O outro grupo Miranda (2008) e Souza (2011) denominam “Campo B”. Esse grupo

tinha uma outra visão da luta por moradia, entendendo que o movimento deveria se restringir

às demandas emergenciais da base. Este grupo aposta na conquista de espaço institucionais e

entende que manter boas relações com os governos é fundamental para se avançar nas

conquistas (MIRANDA, 2008, p. 136). No plano partidário, este grupo, por sua vez, possuía

relações mais estreitas com políticos ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT).

Uma questão importante que está por detrás do debate da cisão deste movimento se

refere à autonomia. Entendemos que um movimento perde sua autonomia (ou “está

engessado” como preferem dizer as lideranças dos sem-teto da Bahia) quando sua luta está

subordinado à agenda governamental. A diferença não está, portanto, entre um movimento

que faz ocupações e outro que participa institucionalmente, mas sim nos princípios que

seguem todo o processo de negociação. Tratando do movimento sindical, Andréia Galvão

apresenta uma ideia que podemos utilizar para a análise dos movimentos de moradia. Nas

palavras de Galvão (2015):

42 A concepção de “Bem Viver” ou “Viver Bem”, que tem suas origens entre os indígenas andinos, vem sendo debatida em diferentes contextos (como nos textos constitucionais da Bolívia e do Equador, nas ciências sociais e na teologia), e por diferentes atores (como os ambientalistas, ecossocialistas, anticapitalistas e membros de movimentos sociais urbanos). Diversas leituras podem ser feitas em torno deste conceito. Uma delas é aquela que aproxima o Bem Viver a uma crítica ao desenvolvimento e ao consumo vigentes e se coloca em busca de alternativas para tais (GUDYNAS; ACOSTA, 2012). Existe aqui uma preocupação com os recursos finitos da natureza e, por isso, defende-se um outro tipo de relação com esta, como por exemplo, a sua desmercantilização. Discutiremos mais à frente de que maneira as lideranças e membros do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB) concebem a ideia de “Comunidades do Bem Viver”.

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o sindicalismo de contestação também negocia, participa, do mesmo modo que o sindicalismo de negócios ou de parceria social também mobiliza e faz greves. O que os diferencia são os pressupostos que orientam o diálogo e a negociação. O sindicalismo de parceria tende a minimizar as diferenças, a atenuar o conflito de interesses entre capital e trabalho em nome do compromisso entre “parceiros”; admite mais facilmente a possibilidade de se obter consensos e de celebrar pactos com o Estado e o patronato com vistas a reformar o existente, deixando de lado a perspectiva de superá-lo.

A ideia de parceria e pactos com o Estado aparece entre as lideranças do “Campo B”:

Graças a Deus, o movimento a cada dia que passa avança nas conquistas; não tá atrelado ao governo, mas nós somos parceiros e o PSOL não vai pra canto nenhum. Parceiros nos três níveis. Porém, eu fiz uma crítica a João Henrique e à secretária Ângela Gordilho, mas a gente não deixa de ser parceiro (entrevista [de Jhones Bastos] ao autor) (MIRANDA, 2008, p. 136) (grifo nosso).

Lideranças deste grupo ainda parecem atrelar a sua agenda de luta e de reivindicações

à agenda dos governos:

Antes, criávamos acampamentos, assentamentos, como forma de pressão aos governos para que se houvesse uma política de habitação. Hoje já há uma política, o governo Lula criou o Ministério das Cidades, junto ao Ministério criou a política nacional de habitação, criou, a partir daí, a política estadual de habitação, e a política municipal de habitação e o Fundo de Habitação é um exemplo disso. O município tem chamado à responsabilidade de ter uma contrapartida, e tendo a contrapartida tem tido recursos, tem tido a realização de obras habitacionais (entrevista [de Walter Sena] ao autor) (MIRANDA, 2008, p. 136-137).

A liderança Walter Sena conclui a fala:

Acreditamos que a partir daí, pelas políticas e pelas respostas que os governos têm dado aos movimentos sociais, ao Movimento dos Sem Teto, a gente acredita que não precisamos mais ocupar como forma de pressão (MIRANDA, 2008, p. 137).

Já as lideranças do “Campo A”, prezando a autonomia do movimento, defendem que

as ocupações são importantes, pois forçam o governo a negociar as reivindicações dos

movimentos (PRONZATO, 2014).

A ocupação da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder),

em 2006, foi o episódio decisivo para o “racha” entre os dois grupos de lideranças

(MIRANDA, 2008 e PRONZATO, 2014). Enquanto o grupo do “Campo B” vinha fazendo

um trabalho de negociação com a referida companhia para ter as demandas de moradia das

famílias de uma de suas ocupações atendidas, o “Campo A” resolveu radicalizar e pressionar

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o governo ocupando a sede da Conder. Vale a pena lembrar que esta ocupação aconteceu

conjuntamente com diversos outros movimentos de moradia da cidade de Salvador.

Durante algum tempo, os dois grupos ainda utilizaram indistintamente a sigla MSTS.

Posteriormente, o “Campo A” passou a utilizar a denominação de Movimento Sem Teto da

Bahia (MSTB) e hoje este movimento integra a Resistência Urbana – Frente Nacional de

Movimentos, juntamente com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), entre

outros. Já o “Campo B” permaneceu organizado em torno do Movimento Sem Teto de

Salvador (MSTS). Este grupo, de acordo com Miranda (2008), possui apoio do Fórum

Nacional de Reforma Urbana (FNRU) e de suas entidades nacionais e estaduais principais

como, por exemplo, a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) e União de Moradia

Popular (UMP-BA).

Ainda no que se refere à análise das orientações político-ideológicas destes

movimentos, é interessante entender qual a identidade construída pelos movimentos. A

bibliografia (Bochicchio (2008), Cloux (2008), Miranda (2008), Souza (2011), Barreto

(2014)) se debruça especialmente sobre o caso do Movimento dos Sem Teto da Bahia. Será,

portanto, esse movimento que trataremos aqui.

Na construção da identidade do MSTB aparecem elementos relacionados às classes

sociais, raça e sexo/gênero.

Em relação à questão de gênero, diversos militantes se empenham na consolidação do

grupo “Guerreiras Sem Teto”43. Esta é uma organização que se insere no interior do MSTB e

onde os sem-teto, em especial as mulheres sem-teto, discutem a posição das mulheres na luta

por moradia e na sociedade contribuindo para a formação política. Neste sentido,

As militantes têm construído um projeto das mulheres, na perspectiva de gênero (porém, em nenhum momento se reconhecem ou se colocam enquanto “feministas”...), dentro do projeto mais amplo do movimento. Para elas não se trata de empreender ações “paralelas” aos objetivos coletivos do MSTS ou promover qualquer tipo de lógica separatista em relação aos homens. Pelo contrário, trata-se de complementar o projeto político do MSTS, com base em um hiato que sempre as incomodou - apesar de serem maioria no movimento, como já foi colocado anteriormente, as desigualdades de gênero sempre oneram as mulheres (SILVA, 2009).

43 “Guerreiras Sem Teto” faz parte ainda de um coletivo maior que envolve outros movimentos, denominado de “Guerreiras Zeferinas”.

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A questão racial também é invocada e se constitui como elemento importante para a

formação da luta dos sem-teto baianos. E, como poderemos verificar, os depoimentos e notas

abaixo apresentam a consubstancialidade das relações raciais e classistas:

O que nos inspira no processo de luta? É exatamente esse processo de organização que remonta às lutas históricas. Aqui no Brasil, no caso, o período dos índios e tal, que lutaram aí contra a ocupação portuguesa, depois disso a vinda dos negros pra cá, todos esses processo de resistência são elementos inspiradores do movimento, porque, se não, o que iria nos inspirar? Seria os cabra lá... da Europa? Não, tem que ser de nossa história, porque se não, não tem significado. A gente pega a partir desse processo de resistência e a gente se considera também parte disso. Quem são aqueles que tão na favela? São os índios, são os negros. São as pessoas pobres que tão na favela. Então foram essas pessoas que resistiram durante esse período todo, foram mais de trezentos anos de escravidão no Brasil, é rica a história de resistência, o negro não aceitou a sua condição de escravo, e nem nós aceitamos nossa condição de, hoje, escravos do capitalismo, porque nós somos escravos do capitalismo, e não aceitamos, além de sermos escravos ainda não temos onde morar? Resistiremos como os índios e negros resistem até hoje! A gente pretende, nas ocupações que a gente faz, criar verdadeiros quilombos de resistência. Eu não sei se você lembra, a gente denominou todas as ocupações de quilombo! (PEDRO CARDOSO [liderança do MSTB]) (BARRETO, 2014, p. 313).

Muitas são as possibilidades de inspiração ideológica do MSTB, se considerarmos a história de luta de nosso povo. Das primeiras revoltas indígenas e formação de mocambos, passando pela Conspiração dos Alfaiates, pelo 2 de Julho, pela resistência do Quilombo do Urubu, da Revolta dos Malês, da Sabinada e da Luta de Canudos, os sonhos de liberdade dos oprimidos da Bahia irromperam pelos mais diversos momentos de sua trajetória. A reflexão sobre o significado destes processos constitui uma das mais promissoras formas de construção identitária de nosso Movimento.

(MSTS, 2005)44.

Mas o MSTB resistiu, cresceu e se tornou muito forte. A organização popular baseada na mística da resistência indígena, negra e popular foi a alma deste processo, tendo por base os princípios da autonomia, horizontalidade e independência frente a partidos e governos. Em nossos espaços de atuação, temos como projeto a construção das Comunidades do Bem-Viver, que visa a criação de novos valores e elementos culturais que se contraponham aos valores capitalistas nas ocupações e conjuntos habitacionais que fazem parte do MSTB.

(MSTB, 2013)45

44 Esta nota faz parte do documento: “Quem somos nós e para onde vamos?”, elaborado para o I Congresso do Movimento Sem Teto de Salvador/Bahia. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/01/303765.shtml. Acessado em janeiro de 2015. 45 Este trecho está no documento: “Apoio para o III Congresso do MSTB". Disponível em: http://ceas.com.br/?p=1604. Acessado em janeiro de 2015.

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Entendemos que devemos mobilizar estes diferentes elementos para entender a

constituição da identidade do MSTB. No entanto, o que a bibliografia (em especial Miranda

(2008) e Barreto, 2014) tem destacado é a identidade classista deste movimento. Isto pode ser

entendido, pois, como discutiremos no capítulo 3, é a classe social que unifica os sem-teto em

torno da reivindicação por moradia popular46.

O MSTB, de acordo com Barretos (2014), possui uma clara posição classista. O

movimento “se pensa enquanto classe”. A identificação se dá pela relação do sem-teto

enquanto trabalhadores explorados e desempregados. Ademais, há uma busca de se refletir

sobre a divisão de classes da sociedade, a sua estrutura e, ainda, o Estado enquanto mediador

desta luta e representante dos interesses das classes dominantes.

As classes vem de uma divisão na sociedade, entre os que tem a riqueza, a propriedade privada, as empresas e o Estado, e usam isso para obrigar os trabalhadores a produzirem o que dá mais lucro, pagando um salário sempre pequeno e deixando muitos sem ter nem mesmo este pequeno salário pra sobreviver, por isso existe uma divisão: as elites (burguesia) e os explorados (trabalhadores e desempregados). Quem somos nós nessa história? Somos os explorados que se organizam e lutam pra mudar isso, que em cada época encontram um jeito: já foram quilombos, anarquistas, sindicatos, partidos e hoje boa parte se organiza em movimentos sociais, como o MSTB. (MSTB, 2008 apud. BARRETO, 2014, p. 348).

Ao destacar a identidade classista do movimento, percebemos a existência de

elementos anticapitalista na ideologia do MSTB. As passagens abaixo apontam isto.

Todas as lutas e todas as relações do Movimento tem como objetivo a

construção das Comunidades do Bem Viver, que são para nós a semente de uma sociedade mais igualitária, menos desigual, a contraposição ao Estado burguês (este que defende a propriedade privada e um modelo de sociedade e de família que só se organiza em torno do patrimônio material, do capital) (MSTB, 2008 apud. BARRETO, 2014, p. 348).

O fato de você horizontalizar as discussões, o fato de você socializar

os debates, as coisas, as decisões, você forja uma nova cultura. Você, forjando essa nova cultura, você leva a comunidade a um outro patamar de compreensão da realidade, certo? E ai fica mais próximo de você romper com as estruturas do capitalismo. Então, a gente quer construir verdadeiras comunidades, né? A intenção é ir forjando esses valores, trabalhar nas comunidades a questão do racismo, da violência contra a mulher, e ir construindo um conjunto de ações que avance nessa perspectiva de melhorar a consciência crítica das pessoas pra gente poder avançar, então, a estratégia

46 Neste momento, é importante lembrar que muitos dos movimentos dos sem-teto no Brasil não possuem esta identificação de classe. A identidade do movimento está mais baseada na existência de uma carência ou privação de moradia.

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consiste nisso, construir verdadeiras comunidades que sejam símbolo de resistência, que se contraponha a essa estrutura que tá ai. (PEDRO CARDOSO [entrevista com liderança do MSTB]) (BARRETO, 2014, p. 348-349).

Diante desta discussão, em que apontamos convergências nas ideias expostas nos

documentos oficiais do movimento e na fala de suas principais lideranças, algumas questões

se fazem pertinentes: como tudo isto é percebido pela base social do movimento? Em que

consiste de fato o anticapitalismo do movimento? O que são as “comunidades do vem viver”?

Esta última questão foi colocada por Silvia Bochicchio (2008) para os seus

entrevistados, tanto as lideranças quanto os sem-teto da base.

Bochicchio (2008, p. 115) notou que 60% dos entrevistados, ou seja, a maioria não

soube responder esta questão. De nossa parte, entendemos que a constatação de que a maior

parte dos entrevistados sem-teto desconhece a ideia de “comunidade de bem viver” proposta

pelo movimento pode indicar limites no processo de formação política do próprio movimento

e também impasses e disputas existentes no que se refere às orientações ideológicas.

Um dos militantes do MSTB interpreta de maneira bem realista esta situação:

Eu tenho a impressão muito forte que isso não chega na base não, velho. Minha sincera e honesta impressão é que não chega na base, fica na boca dos principais militantes e dos militantes que poderíamos chamar militantes médios, que vieram do próprio processo de formação direta do movimento e se construíram nele, e de algumas lideranças locais, no máximo, entendeu? Mas falta clareza, por exemplo, do que é essa ideia de comunidade do bem viver entre todos esses militantes, minha sincera leitura é que as pessoas não sabem o que é comunidade de bem viver. Se você chega pra fazer a pesquisa, e você fez a pesquisa, deve ter percebido isso, ninguém sabe direito o que é a comunidade do bem viver, as pessoas tão ali porque querem uma casa, para ganhar uma casa, e o termo é esse: ganhar a casa. A gente tem que disputar bastante para discutir “não, você não ganhou porra nenhuma, você ocupou dez anos o negócio ai, então você conquistou sua casa”. Até o verbo é alvo de disputa, porque... pra o Estado é muito melhor que saia como “ganhei casa”. (IURI FALCÃO) (BARRETO, 2014, p. 353).

Os 40% dos entrevistados que consideraram saber o que era a Comunidade do Bem

Viver apresentaram diversas respostas. Algumas destas estão abaixo47. Vejamos.

47 As respostas compiladas nos quadros abaixo foram retiradas dos trabalhos de Bochicchio (2008) e também de Cloux (2008).

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Relatos dos sem-teto da base do Movimento Sem-Teto Salvador/Bahia:

“É uma comunidade mais justa, que tenha benefícios para todos” (José Barreto, 54 anos, Quilombo da Lagoa – Fazenda Coutos) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 116). “As pessoas viverem bem, ter bastante união e ajudar o próximo” (Lázaro J. Souza Reis, 38 anos, Quilombo da Lagoa – Fazenda Coutos) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 116). “Uma comunidade unida, sem violência” (Jocilene Nascimento, 32 anos, Quilombo da Lagoa – Fazenda Coutos) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 116). “Uma comunidade para as pessoas que estão nas ruas” (José Carlos de Jesus, 37 anos, IPAC II) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 116). “Lugar em que a gente more sem medo, que consiga trabalhar sem esperar cestinha básica de ninguém, saúde e que as pessoas não olhem pra gente como se a gente fosse bicho, ter paz!” (Acidália A. dos Santos, 38 anos, Cidade de Plástico) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 116). “Aqui mesmo é uma comunidade. As pessoas viverem assim unidas, ajudar o outro, participar das coisas que existem” (Maria José O. da Costa, 47 anos, Cidade de Plástico) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 116). “Comunidade é uma união de famílias. Se a gente não tiver união, não convive em comunidade” (Irene C. D’Hora, 50 anos, Cidade de Plástico) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 116). “Nós temos que ter consciência, nos unirmos pra chegar a um ponto ideal” (Ana Cristina dos Santos, 40 anos, Cidade de Plástico) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 116).

Relato das lideranças do Movimento Sem-Teto Salvador/Bahia:

Construir uma comunidade mais justa, mais igual, uma comunidade diferenciada, que ela permita a sustentabilidade, que ela defenda a solução dos problemas da comunidade, o coletivo. Uma comunidade que não dependa dessas estruturas dos governos que estão aí e só enganam o povo... Uma comunidade autônoma... uma comunidade que se construa com as suas próprias pernas, que ela se eduque, que ela não esteja atrelada a essa estrutura (...) Infelizmente, a gente ainda precisa dessas estruturas porque é imenso, mas o projeto é esse, de uma comunidade que se sustente, que garanta, assim (...) cooperativas (...) e que se virem, que se sustentem, que possam gerir seus próprios recursos a partir daquilo que produzem (Joquielson Batista, 23 anos) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 117). Uma estratégia nossa é a construção de comunidades que façam contraponto ao modo de produção capitalista. Ou seja, a gente... porque nossa luta não é só pela moradia. A gente utiliza a moradia como um meio para galgar transformações sociais. Então, como a demanda da moradia é uma demanda grande, é um problema crônico na sociedade brasileira, então a gente utiliza esse meio que é a luta por moradia para elevar o nível de consciência crítica das pessoas e na perspectiva de dizer que é possível você, organizando o povo, certo, abrir os horizontes e dizer que é possível, é necessário que se tenha mudanças estruturais... então nossa estratégia é construir comunidades que construam contraponto ao capitalismo, comunidades que se organizem e que gerem valores que se contraponham a esse sistema que tá aí (Pedro

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Cardoso, 53 anos) - (BOCHICCHIO, 2008, p. 117). “Nossa luta é ideológica, temos que romper com o paradigma capitalista. Que é podre e nojento. Não temos futuro se continuar do jeito que ta aí”. (TAI – Vivaldo Santos Neto – em Entrevista ao Autor, 2007) - (CLOUX, 2008). “A estratégia central do MSTS48 é a construção das Comunidades do Bem Viver. Comunidades que mesmo dentro dos limites do capitalismo construam uma contra hegemonia no sentido de valores e ações que apontem para uma ruptura e construção de um projeto socialista. Então objetivo é o resgate histórico-cultural de iniciativas socialistas e de construção de comunidades que se contraponham ao sistema capitalista. O fomento de valores como o ecumenismo, o cooperativismo, o associativismo e a vivencia coletiva são elementos norteadores de nossa ação”. (Pedro Cardoso em Entrevista ao Autor, 2007) - (CLOUX, 2008).

Bochicchio interpreta as falas da seguinte maneira:

Percebemos, a partir das afirmações supracitadas, que a ideia principal, por estar muito presente, é de união. Outras estão relacionadas aos benefícios que devem ser coletivos, à ajuda ao outro. Quanto aos moradores que não souberam responder, constatamos que desconheciam que o movimento utiliza estes termos. Todavia, também falavam sobre união, solidariedade nas demais respostas das entrevistas (BOCHICCIO, 2008, p. 117).

A nosso ver, quando comparamos a definição da “Comunidade do Bem Viver” dada

pelas lideranças e por parte da base dos sem-teto, podemos observar que, no limite, existe

uma aspiração de mudança comum, de se viver de uma outra maneira. A partir das respostas

dadas (“comunidade mais justa, que tenha benefícios para todos”, “comunidade unida, sem

violência”; “Lugar em que a gente more sem medo, que consiga trabalhar sem esperar

cestinha básica de ninguém”), estes sem-teto demonstram que não estão contentes com o

modo em que vivem e reclamam por mudanças, encontrando espaço para lutar por estas junto

com seus congêneres de luta por moradia. No entanto, é fato que a defesa de um projeto (eco)

socialista não aparece entre os anseios dos sem-teto da base entrevistados.

É verdade ainda que não há uma definição bem clara do que seria a Comunidade do

Bem Viver. Neste sentido, a fala de um dos militantes é interessante e conclusiva ao expressar

a ideia de processo e construção de projeto político:

A construção de um projeto político coeso e definitivo, elaborado pelas lideranças do Movimento, significaria na própria cassação da voz dos demais sem-teto, a quem caberia a tarefa de

48 O entrevistado menciona MSTS e não MSTB porque, possivelmente, no momento da entrevista, os dois grupos ainda utilizavam a mesma sigla.

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meramente executar (FALCÃO, 2013, p. 96) (apud. BARRETO, 2014, p. 359).

Com o exposto verifica-se, portanto, a existência de diferenças político-ideológicas

marcantes entre o que hoje denominamos Movimento dos Sem Teto de Salvador e o

Movimento dos Sem Teto da Bahia. Ora, se ambos os movimentos apresentam uma base

social e uma reivindicação de urgência semelhante, vimos que os objetivos e posicionamentos

políticos são diferentes. O MSTS, tem uma posição política mais próxima do projeto

neodesenvolvimentista dos governos petistas. Já o MSTB se distancia mais desta linha,

apresentando, embora de maneira muito frágil e fragmentada, um projeto político mais

ambicioso de transformação social, baseado na formação política da base social e nas ideias

de coletividade das Comunidades do Bem Viver. Poderíamos dizer ainda que o MSTB é um

movimento classista - conceito definido por Pinheiro (2010) e discutido na Introdução Geral

desta tese.

O exemplo do movimento baiano também é interessante para demonstrar que os

movimentos não são um bloco monolítico. Diferentes posicionamentos existem no interior

dos movimentos. Neste sentido, faz-se pertinente lembrar que o que hoje se configura como o

MSTB também existem conflitos de ideias, embora se tenha concordância nos princípios

considerados como centrais. O mesmo vale para outros diferentes movimentos dos sem-teto.

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Capítulo 2. “Ocupar, resistir e construir”. A importância das ocupações na luta dos

sem-teto

Entendemos que as formas de ação são importantes para a compreensão de um

movimento social, mas elas devem ser analisadas de maneira combinada aos outros aspectos

do movimento. O que se torna especialmente útil quando identificamos que um mesmo

método de luta pode ser utilizado por movimentos distintos com reivindicações, bases sociais

e ideologias diversas. Um exemplo disto na sociedade brasileira contemporânea é o uso de

abaixo-assinados, de um lado, por movimentos que lutam contra a redução da maioridade

penal e, do outro lado, por aqueles que lutam pela redução. Daí a necessidade de se analisar o

movimento em suas diversas dimensões, formas e conteúdos.

Na perspectiva teórica marxista, as formas de ação estão correlacionadas ao

desenvolvimento econômico, social, político e cultural, assim como à situação das classes

sociais e a correlação das forças em luta. Compreende-se, então, que elementos da estrutura e

da conjuntura são importantes tanto para a constituição das formas de lutas quanto para

entender as suas variações ao longo do tempo, ou seja, sua historicidade. A nosso ver, a

análise deve ainda estar atenta à importância dos sujeitos e, principalmente, à sua experiência

na determinação da forma e do conteúdo da ação política.

Para analisar as formas de luta dos movimentos dos sem-teto no Brasil, dividimos este

capítulo em três partes. Na primeira delas, apresentamos e descrevemos as distintas formas de

ação utilizadas pelos sem-teto. Na segunda parte, exploramos os significados de uma “palavra

de ordem”, a qual vários movimentos dos sem-teto brasileiros se identificam: “Ocupar,

resistir e construir”. O objetivo aqui é discutir diferentes aspectos das ocupações de terrenos

e imóveis vazios. Já na última parte do capítulo, concluímos nossa análise sobre o porquê dos

sem-teto recorrem a estas ocupações.

Neste capítulo, optamos por analisar de maneira mais profunda as ocupações dos sem-

teto já que elas constituem o método de luta mais característico dos movimentos dos sem-teto

nos anos 1990 e 2000 e, inclusive, conforme anunciamos na Introdução deste trabalho,

existem autores que as consideram como elemento importante/fundamental para a definição

destes movimentos. Ora, é fato que todos os movimentos dos sem-teto realizam ou

realizaram, com maior ou menor frequência, as ocupações49.

49 Em nossa pesquisa encontramos um movimento que não realiza ocupações de imóveis (seja ela tática ou estratégica) e é radicalmente contrário a este método de luta. Trata-se da Associação dos Trabalhadores Sem

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A afirmação anterior não implica em dizer que outros métodos de luta não existam ou

não sejam importantes para os sem-teto. Estes sujeitos políticos, como veremos, possuem um

conjunto de formas de ações mais ou menos estabelecidas. Neste sentido, é sintomático o

aumento da bibliografia que analisa diferentes métodos de lutas, em especial as ações

institucionais que passaram a ser muito frequentes nos anos 200050.

Assim, a advertência de Lenin (1906) ainda é válida: é importante não subjugar o

movimento a uma forma de luta única e determinada. Ou seja, ações variadas são utilizadas

por um mesmo movimento e, ainda, novos tipos de ações podem ser construídos no decurso

do processo de luta.

Esclarecemos, finalmente, que não são apenas os movimentos dos sem-teto que

utilizam as ocupações como método de luta, vide, por exemplo, as ocupações dos movimentos

dos sem-terra e dos movimentos dos desempregados brasileiros e as ocupações dos locais de

trabalho por operários em greve.

As formas de ação dos movimentos dos sem-teto

Esclarecido que diferentes formas de luta são utilizadas pelos movimentos dos sem-

teto, podemos mencionar dentre as principais ações as ocupações estratégicas de imóveis e

terrenos vazios, um outro tipo de ocupação que são as ocupações táticas, as passeatas ou

marchas, os atos públicos, os “trancaços” (fechamento) de rodovias, acampamento em frente

às prefeituras, secretarias ou instituições ligadas à questão habitacional e a participação em

espaços institucionais, como os conselhos municipais de habitação.

Ao comentarmos cada uma das formas de ação daremos alguns exemplos reais, no

entanto, estes não devem ser tidos aqui no sentido de “exemplar” ou “modelo”. Selecionamos

Terra de São Paulo (ATST), que, como já mencionamos anteriormente, tem como principal estratégia a compra de lotes por seus associados e a autoconstrução da casa própria. 50 Apenas para citar alguns trabalhos que têm se debruçado na análise sobre este método de luta e a sua utilização pelos movimentos de moradia, podemos destacar: Tatagiba e Teixeira (2007) que fornecem uma das primeiras análises sobre o Conselho Municipal de Habitação (CMH) da cidade de São Paulo e apontam algumas questões sobre a atuação dos movimentos sociais neste âmbito; Cibele Rodrigues (2009), a partir do estudo de dois movimentos de Maceió, apresenta a sua tese sobre a relação destes com o governo-Estado e as possibilidades de participação destes movimentos na Conferência e o Conselho Nacional das Cidades; Francine Hirata (2010) por sua vez trata dos limites da participação popular no Conselho Municipal de Habitação de São Paulo; Blikstad e Tatagiba (2010) discutem as eleições do referido Conselho; Karin Blikstad (2012) investiga os investimentos do movimento de moradia no Conselho Municipal de Habitação de São Paulo; Serafim (2013), ao estudar as políticas urbanas e a criação e desenvolvimento do Ministério das Cidades, analisa a relação entre os movimentos sociais urbanos e o Estado, durante a Era Lula.

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apenas alguns casos para colocar “um pouco de vida” às ações dos sem-teto, ou seja, de

história concreta.

Passeatas, marchas e atos

Os atos ocorrem, geralmente, nas regiões onde estão localizadas instituições

importantes para a luta pela moradia, como por exemplo, prefeitura, câmara municipal, sede

administrativa da Caixa Econômica Federal, secretaria municipal ou estadual de habitação,

dentre outros locais. Ao passar por esses endereços, as lideranças, em cima ou ao lado de

caminhões de som, fazem discursos para os sem-teto da base e pressionam as autoridades para

receber uma comissão representativa dos manifestantes. Quando as manifestações são bem

sucedidas, as autoridades recebem os sem-teto e estes apresentam, oficial e formalmente, sua

pauta de reivindicações e debatem sobre as possibilidades reais destas serem atendidas.

As passeatas que são organizadas pelos movimentos dos sem-teto do centro possuem

como trajeto uma distância relativamente pequena já que, geralmente, os manifestantes

partem das ocupações realizadas na região central e vão até as sedes das principais

instituições ligadas às políticas habitacionais, as quais se concentram, na maioria dos casos,

nesta mesma região da cidade. Já os militantes dos movimentos que atuam na periferia,

quando partem de suas ocupações, têm muitos quilômetros para caminhar até chegar aos

locais onde se dará o desfecho das marchas.

O Movimento Sem-Teto Salvador/Bahia (MSTS), por exemplo, realizou uma

caminhada de trinta quilômetros, partindo de uma de suas ocupações, localizada na Estrada

Velha do Aeroporto, até a praça municipal, no centro da cidade de Salvador. De acordo com

Cloux (2008, p. 62),

foi utilizado um elemento simbólico religioso no convencimento das pessoas [para participar da marcha]. Como a maior parte dos integrantes era evangélica, associou-se a luta pela moradia à luta pela Terra Santa de Moisés. Daí, se Moisés levou quarenta anos para achá-la, trinta quilômetros poderiam ser “facilmente” superados.

A quantidade de pessoas mobilizadas nas marchas também é algo variável: desde

poucas dezenas até mais de vinte mil manifestantes como tem sido, por exemplo, as

“Quintas-feiras vermelha”51, organizada pela Resistência Urbana – Frente Nacional de

51 Entre o conjunto de manifestações populares nas ruas que ficou conhecido como “jornadas de junho de 2013” e os protestos contra a Copa do Mundo no ano subsequente, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto passou a organizar muitas manifestações às quintas-feiras. Nos atos mais recentes, as principais reivindicações dos sem-teto têm sido a 1. defesa do resultado das eleições democráticas brasileiras do ano de 2014, em um contexto em

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Movimentos, da qual o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) faz parte. Nas

diversas manifestações, é notória a participação dos diferentes segmentos da base social

(homens e mulheres com seus filhos pequenos, jovens e idosos).

Em geral, os atos realizados pelos movimentos dos sem-teto são agendados com

alguma antecedência e comunicados às autoridades da cidade de modo que as passeatas sejam

escoltadas por policiais, os quais têm como tarefa garantir a segurança da caminhada e, ainda,

organizar o trânsito nas avenidas por onde os sem-teto passam. No entanto, existem casos em

que ocorrem tumulto e repressão policial sobre os manifestantes.

Geralmente as passeatas são únicas, isto é, acontecem em um único ponto da cidade.

Nestes casos o objetivo é juntar o máximo de pessoas possível em uma localidade, chamar a

atenção da imprensa e, então, possuir uma cobertura midiática que viabilize a realização de

uma maior pressão sobre os governos.

Mas, em algumas ocasiões, existe a realização de “passeatas simultâneas”, ou seja,

manifestações simultâneas em diferentes pontos da cidade. A simultaneidade das ações – seja

de passeatas, trancamentos de rodovias ou ocupações – pode aumentar a visibilidade do

movimento diante dos moradores de uma cidade ou país posto que estes têm a possibilidade

de presenciarem estas mobilizações em pontos próximos de seus locais de trabalho ou

residências. Este tipo de ação reflete, por sua vez, a capacidade de organização e articulação

dos movimentos que lutam por moradia já que ela só pode ser realizada com sucesso quando

se tem um alto número de manifestantes envolvidos, o que ocorre, geralmente, quando há a

participação conjunta de diferentes movimentos e organizações.

Existem ainda manifestações em frente aos prédios das empresas de energia elétrica

(na cidade de São Paulo, a Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S.A.

(Eletropaulo); na cidade do Rio de Janeiro, a Light Serviços de Eletricidade S.A. (Light); e

em Salvador, a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA)) para a

reivindicação de tarifa social ou restabelecimento de energia elétrica dos locais ocupados, os

quais se encontram, frequentemente, sem eletricidade ou com “gatos” (ligações clandestinas).

Exemplo disto se deu na cidade do Rio de Janeiro, em frente ao prédio da Light, em

que moradores da ocupação Chiquinha Gonzaga reivindicavam o restabelecimento da luz no

que parte da população defende um golpe ou impeachment da presidente eleita; 2. luta pelo fim do ajuste fiscal; 3. pressão para o governo federal cumprir as promessas de campanhas e realizar algumas reformas efetivas: como a reforma política, reforma urbana e reforma agrária; 3. exigência da continuação do programa habitacional federal com o lançamento do “Minha casa, minha vida 3”.

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prédio ocupado. Este esteve fechado durante vinte anos. E, antes disto, na época em que ele

ainda era utilizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), tinha

uma dívida com a Light (MAMARI, 2008)52.

Mais recentemente, em janeiro de 2015, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

(MTST) realizou sete manifestações simultâneas na Grande São Paulo, próximas a terminais

de ônibus, metrô e trens contra o aumento das tarifas do transporte público.53

Além de energia elétrica e transporte público, os sem-teto também lutam por água. Foi

isto que aconteceu, por exemplo, em fevereiro de 2015, no contexto de crise hídrica do estado

de São Paulo. Nesta ocasião, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) reuniu cerca

de oito mil manifestantes54. A crítica que se fazia é que eram os bairros periféricos, onde

habitam as famílias mais pobres, os mais penalizados pela falta de água nas grandes cidades

que acontecia, segundo o movimento, pela falta de planejamento da gestão do governador

Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Estes exemplos nos remetem à discussão a ser realizada no capítulo 3 em que

trataremos das bases sociais e das reivindicações dos movimentos dos sem-teto. Defendemos

que os movimentos dos sem-teto possuem como reivindicação principal uma moradia digna,

mas existem outras reivindicações latentes que estão atreladas a esta. Aqui temos o exemplo

da luta pela eletricidade, pelo transporte público e pela água. Ou seja, são reivindicações de

urgência realizadas pelos trabalhadores da massa marginal.

Trancaço

O trancaço55 também é uma forma de luta utilizada pelos movimentos dos sem-teto.

Geralmente, os manifestantes bloqueiam, simultaneamente, duas ou três das principais

rodovias de acesso a uma grande cidade, ou, ainda, “trancam” suas principais avenidas, 52 Mouriaux (2002) trata da luta pelo reestabelecimento de eletricidade como uma luta de urgência. Neste sentido, lembramos que a discussão sobre o acesso à energia elétrica e a luta pela redução da tarifa desta estão presentes não apenas entre os movimentos dos sem-teto, mas também entre outros movimentos sociais populares brasileiros, como os sem-terra e os desempregados. A título de curiosidade, no caso francês, o direito à energia também é debatido entre os movimentos sociais e isto possibilitou uma inovação da prática de ação conjunta entre um sindicato do setor de energia, a Confederação Geral do Trabalho – Energia/CGT Energia (Confédération générale du travail), e os movimentos dos desempregados, no ano de 2004. Para uma análise desta ação, verificar Sophie Béroud (2009). 53 Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-01/mtst-faz-sete-manifestacoes-na-grande-sao-paulo. Acessado em julho de 2015. 54 Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/2015-02-26/mtst-volta-as-ruas-e-reune-milhares-em-protesto-contra-falta-de-agua-em-sp.html. Acessado em julho de 2015. 55 Nos últimos meses, o Movimento dos Trabalhadores Sem-teto (MTST), que é um dos principais movimentos que utiliza esta forma de ação, tem utilizado a expressão “trancamento” ou “travamento” para se referir a esta forma de luta, assim como vem aparecendo na imprensa.

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causando assim um grande congestionamento, chamando a atenção da população para o

problema habitacional e pressionando os governos para que suas reivindicações sejam

atendidas.

Dentre os gritos de protesto do trancaço, destacamos o seguinte: “Parem os despejos,

ou paramos a cidade”, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Este

movimento justifica a utilização desta ação da seguinte maneira:

(...) uma forma de ação que é estratégica para o MTST são os bloqueios de rodovias e avenidas importantes. Por essas vias circulam as mercadorias das fábricas até os locais de venda, o que faz com que nossos bloqueios representem para o capital algo parecido a uma greve: não conseguem vender suas mercadorias. Estas ações, por isso, afetam o coração do sistema, gerando enormes prejuízos aos ricos e fazendo com que nossas reivindicações ganhem uma importância maior. (Cartilha de Princípios do MTST)56.

Um dos trancaços que teve grande repercussão na mídia aconteceu em abril de 2007.

Um grupo de um mil e quinhentos sem-teto pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores

Sem-Teto (MTST) bloqueou simultaneamente três das principais rodovias de acesso à cidade

de São Paulo, a saber, Raposo Tavares (o principal corredor de ligação entre a capital paulista

e o estado do Mato Grosso do Sul); Régis Bittencourt (rodovia que faz a ligação de São Paulo

com o estado do Paraná) e Castelo Branco (rodovia que liga a capital ao sudoeste do interior

paulista). Em cada ponto de interdição foram colocados pneus incendiados. Nesta ação

aconteceu um incidente: um motorista furou o bloqueio e jogou o carro sobre os sem-teto, de

modo que três pessoas ficaram feridas.

Ao longo dos anos, este movimento permaneceu com esta prática de ação. No ano de

2015, a Frente de Resistência Urbana, em que o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

(MTST) é um dos seus membros, realizou trancaços simultâneos em sete estados brasileiros:

São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Paraíba, Paraná e Bahia.

Para se ter uma ideia da coordenação e amplitude desta ação, citamos os locais de

bloqueamento. No estado de São Paulo, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST)

se responsabilizou pelo travamento da rodovia Raposo Tavares, Regis Bitencourt, Via

Anchieta, Marginal Pinheiros, Marginal Tietê, Avenida Assis Ribeiro, Avenida Giovani

Gronchi/Estrada de Itapecerica, Avenida Aricanduva e Radial Leste. O Nós do Sul bloqueou a

Avenida Teotônio Vilela. Já o Movimento Urbano Sem Teto (MUST), em São José dos

56 Disponível em: http://www.mtst.org/ index. Php /o-mtst/ cartilha -de-principios. Acessado em julho de 2015.

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Campos trancou a rodovia Presidente Dutra. No estado do Rio de Janeiro, o Movimento dos

Trabalhadores Sem-Teto (MTST) trancou a BR 101, em Niterói. Em Minas Gerais, o

travamento das BR 50, BR 365 e BR 165 em Uberlândia foi organizado pelo Fórum das

Ocupações (CPT). Em Belo Horizonte, o movimento Brigadas Populares bloqueou a MG 010,

BR 040 e o anel viário da cidade. No Ceará, em Fortaleza, a BR 116 foi trancada pelo

Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Na Paraíba, em João Pessoa, aconteceu o

bloqueio da Avenida Tacio Pessoa, organizado pelo Terra Livre. No Paraná, em Curitiba, o

Movimento Popular por Moradia (MPM) bloqueou o Contorno do Sul. Por fim, na Bahia, em

Salvador, o Movimento Sem-Teto da Bahia (MSTB) trancou a Avenida Paralela57.

A amplitude desta ação pode ser entendida como, com o passar do tempo, o trancaço,

enquanto prática de ação, foi se desenvolvendo, foi se aproveitando do savoir faire do

movimento e trazendo algumas modificações e aprimoramentos. Se o trancaço era realizado

pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto em uma cidade apenas, a partir dessa ação esta

forma de luta deixa de ser local e passa a ser uma mobilização no território nacional,

combinando o trancamento de rodovias com o travamento de importantes avenidas de

algumas cidades grandes. Isto acontece na medida em que o movimento se nacionaliza e se

alia com movimentos de outros estados. Neste contexto, o seu interlocutor principal passa a

ser o governo federal, de modo que as reivindicações também se dão neste esfera, como por

exemplo, a demanda pelo lançamento imediato do Programa “Minha casa, minha vida – 3”.

Entende-se aqui, portanto, como a conjuntura política e a experiência do movimento

influenciam na dinâmica dos métodos de luta.

Acampamentos táticos

Chamamos de acampamentos táticos aqueles acampamentos que são organizados

pelos sem-teto não com o intuito de ali morar definitivamente, mas para pressionar o governo

para atender as suas reivindicações. Esses acampamentos são montados em locais de grande

visibilidade, como por exemplo, em frente às prefeituras ou sede de instituições ligadas às

políticas habitacionais ou, ainda, são erguidos em frente a um imóvel ocupado que passou

pelo processo de reintegração de posse já que, muitas vezes, as famílias de sem-teto que

participam das ocupações sem sucesso não têm para onde ir.

57 Estes dados estão disponível em: http://www.mtst.org/index.php/noticias-do-site/1243-jornada-nacional-por-reforma-urbana-realiza-22-travamentos-em-7-estados-do-pais. Acessado em outubro de 2015.

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Estes acampamentos são, em muitos casos, uma última tentativa de negociação ou, no

limite, contribuem para denunciar a situação de miséria em que os sem-teto vivem,

demonstrando, literalmente, a existência de famílias sem moradia enquanto existem imóveis

vazios sem cumprir sua função social.

Esta forma de ação é comum a vários movimentos dos sem-teto do Brasil e sua

tipologia é variada, ou seja, há acampamentos em que os sem-teto, após reintegração de

posse, ficam na rua com seus pertences e colocam colchões sobre as marquises dos prédios

das prefeituras ou câmaras municipais; existem acampamentos em que tendas são erguidas a

partir de lonas plásticas e, ainda, aqueles que são constituídos por barracas de camping

individuais.

Em muitos destes acampamentos, os movimentos organizam uma cozinha comunitária

no local (quando isto é possível) ou elaboram uma logística para distribuir comida para os

sem-teto acampados.

Esta forma de ação é realizada por diferentes segmentos da base dos sem-teto de modo

que há presença de crianças. E, assim como as ocupações, os acampamentos não estão livres

de conflitos com policiais e guardas municipais, podendo, em alguns casos, resultar até

mesmo em violência e pessoas feridas.

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Acampamento realizado pela Frente de Luta por Moradia (FLM), no viaduto do Chá, em frente à prefeitura da cidade de São Paulo

Legenda original: Famílias acampam no Viaduto do Chá (Foto: Débora Miranda/G1). Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2010/04/sem-teto-aguardam-reuniao-com-prefeitura-acampados-no-viaduto-do-cha.html. Acessado em julho de 2015.

Acampamento realizado pelo Movimento dos Sem Teto do Sacomã (MSTS), no viaduto do Chá, em frente à prefeitura da cidade de São Paulo

Legenda original: Cerca de 300 famílias sem-teto estão acampadas no viaduto do Chá, no centro de SP. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013 /12/ 13 86244-sem-teto-acampados-na-porta-da-prefeitura-ameacam-aumentar-ocupacao.shtml. Acessado em julho de 2015.

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Acampamento realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), em frente à câmara municipal de São Paulo

Legenda original: Acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto em frente à Câmara Municipal de São Paulo - Marcos Alves / 25-06-2014 / Agência O Globo Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/vereadores-de-sp-aprovam-plano-diretor-projeto-de-lei-que-beneficia-sem-teto-13084657#ixzz3smqmLKUc. Acessado em julho de 2015.

Ações institucionais

Outro tipo de luta pela moradia tem sido pela via institucional e aqui estamos nos

referindo a opção dos movimentos em participar de instituições e órgãos estatais visando

influenciar as diretrizes das políticas habitacionais e, ainda, assumir um maior controle social.

Como discutimos no capítulo anterior, a bibliografia sobre o assunto tem apontado que as

ações institucionalizadas passam a conquistar espaços mais efetivos nos anos 2000,

principalmente durante os Governos Lula.

No que se refere à luta institucional, seguindo algumas das indicações das

pesquisadoras do tema, Abers, Serafim e Tatagiba (2011 e 2014), destacamos algumas

práticas principais. A primeira delas é a participação institucionalizada. Lembrando que, “no

Brasil, três modelos de participação institucionalizada tornaram-se predominantes: o

orçamento participativo, os conselhos de políticas públicas e as conferências” (ABERS;

SERAFIM; TATAGIBA, 2014, p. 332). Existe ainda a política de proximidade que se define

através de contatos pessoais entre atores de Estado e os movimentos sociais. “Os militantes

frequentemente avançam suas bandeiras e objetivos através da negociação direta com os

tomadores de decisão, tanto no Legislativo quanto no Executivo. Isso é facilitado quando

ligações diretas entre os movimentos e o Executivo ampliam-se” (ABERS; SERAFIM;

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TATAGIBA, 2014, p. 333). Por fim, há a ocupação de cargos na burocracia, ou seja,

militantes dos movimentos ocupam posições no governo para avançar em suas reivindicações

e conquistas. Esta rotina torna-se mais frequente quando os governos são progressistas.

No caso dos movimentos dos sem-teto, podemos observar a existência de todas estes

práticas, embora, cada movimento apresente suas particularidades e selecione a prática que

mais lhe convenha e/ou esteja de acordo com suas orientações político- ideológicas.

Apenas para dar alguns exemplos, citamos a “União” - União dos Movimentos de

Moradia (UMM) - que é uma organização que agrega diversos movimentos de moradia e

sem-teto do estado de São Paulo. Os movimentos filiados à “União” possuem membros com

uma “tripla militância”, ou seja, militam no movimento, no partido político e participa do

governo do seu partido. Referimo-nos aqui, em especial, aos militantes petistas, filiados ou

simpáticos aos Partidos dos Trabalhadores. Estes militantes ocuparam, por exemplo, a função

de chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das

Cidades, durante o primeiro governo Lula ou, ainda, assessorias na secretaria de habitação da

cidade de São Paulo, durante o governo da prefeita Marta Suplicy, do Partido dos

Trabalhadores. A “União” também apoia e incentiva a participação de seus militantes nas

eleições do Conselho Municipal de Habitação de São Paulo, além de lançar seus próprios

candidatos em tais eleições.

A “União” transita bem entre as diferentes práticas institucionais e as ações diretas,

como por exemplo, as ocupações. O mesmo parece acontecer com o Movimento Nacional de

Luta por Moradia (MNLM). O relato de uma de suas lideranças é bem ilustrativo:

Nós temos dois pontos: nós temos a luta de massa, de mobilização e reivindicação; nós temos a luta institucionalizada, a briga pelos projetos de lei, a briga pra aprovar projeto, pra construir casa, junto ao governo e à Caixa Econômica. Nós temos esses pontos de luta, hoje nós achamos que este casar das lutas: mobilização e institucionalização, elas tem que ser casadas. Dentro da institucionalização a gente tem que pautar as políticas e é isso que a gente tá fazendo quando a gente vem a uma conferência, quando a gente tá num conselho das cidades, quando a gente faz uma política de iniciativa popular (liderança MNLM). (RODRIGUES, 2009, p. 275).

Já os militantes do Movimento dos Trabalhadores dos Sem-Teto (MTST) não têm se

candidatado às eleições dos conselhos municipais de habitação e tampouco ocupado cargos na

burocracia do Estado. Isto não implica afirmar que este movimento não tenha aliados

políticos, por exemplo, deputados e vereadores que se identificam com a luta pela moradia e

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as ideias do movimento. Na carta de princípios do referido movimento isto aparece da

seguinte maneira:

As formas de atuação do MTST estão centradas na luta direta contra nossos inimigos. Isto é importante porque nos diferencia da maioria dos movimentos urbanos, que optaram por focar suas ações na participação institucional: negociações de projetos com o Estado, participação em Conselhos (conselho de habitação, das cidades, orçamento participativo, etc.) e parcerias com os governos. Embora, o MTST também saiba negociar, para nós esta parte do processo está sempre em função das mobilizações e ações diretas de pressão.

Nossa forma de ação mais importante são as ocupações de terras urbanas (CARTILHA DE PRINCÍPIOS DO MTST)58.

Apesar das particularidades apontadas, podemos afirmar que a luta institucional tem se

apresentado muito frequente entre os movimentos de moradia e tem apontado conquistas

principalmente no que se refere ao avanço legislativo da questão urbana.

Encontramos em nossa pesquisa dados interessantes (e que são poucos explorados pela

bibliografia sobre os movimentos de sem-teto) relacionados à presença de membros dos

movimentos dos sem-teto em outros conselhos municipais que não o de habitação ou de

política urbana. Lideranças dos sem-teto da cidade de São Paulo, por exemplo, ocupam

cadeiras em diferentes conselhos municipais, como por exemplo, no Grande Conselho

Municipal do Idoso, no Conselho Tutelar e no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e

do Adolescente. A hipótese que levantamos aqui é que esta inserção variada se deve ao fato

primeiro de que os movimentos de moradia são compostos por famílias de trabalhadores que,

como discutiremos no capítulo três desta tese, apresentam diferentes segmentos, com

necessidades distintas. E que a questão geracional, por exemplo, tem grande relevância e

influência nas reivindicações latentes destes movimentos. Daí a inserção de sem-teto nos

conselhos de idosos e de crianças59.

Acorrentamento e greve de fome

Acorrentamentos e greve de fome realizados por alguns sem-teto fazem parte do

conjunto de formas de lutas especialmente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

58 Disponível em: http://www.mtst.org/index.php/o-mtst/cartilha-de-principios. Acessado em julho de 2015. 59 Não conseguimos aprofundar esta hipótese em nossa pesquisa. Seria preciso um trabalho de campo e realização de entrevistas com os diferentes “conselheiros sem-teto” para compreender como é a atuação destes nos diversos conselhos mencionados, quais as suas reivindicações e se estas passam, direta ou indiretamente, pela questão da moradia. Fica aqui registrada, portanto, uma temática para ser estudada futuramente

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(MTST). Embora estas práticas sejam pouco frequentes, é interessante destacá-las para

apontar o grau de criatividade dos sujeitos em relação a suas formas de ação.

Estas formas de luta envolvem ações diretas e extremas e acontecem em momentos em

que há pouca ou nenhuma negociação com o governo ou, ainda, em momentos de grande

repressão.

Os sem-teto quando acorrentados em um acampamento em frente à prefeitura, por

exemplo, dormem, comem, e fazem suas necessidades fisiológicas ali. Geralmente, esses sem-

teto acorrentados são vistos pelos seus congêneres com admiração e respeito, já que eles são

capazes de se sujeitar a este tipo de ação pela causa da moradia, pela luta coletiva dos sem-

teto.

Em relação à greve de fome realizada por sem-teto brasileiros, temos notícia de apenas

um episódio e que foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto de São Paulo.

Isto aconteceu em dezembro de 2005, na véspera do natal, quando sete sem-teto improvisaram

uma barraca em frente ao prédio onde se localizava o apartamento do então presidente Lula,

em São Bernardo do Campo, e decidiram fazer greve de fome até que o governo federal

ajudasse a evitar a reintegração de posse da Ocupação Chico Mendes, na cidade de Taboão da

Serra (Grande São Paulo), onde existiam oitocentas famílias de sem-teto. Um adiamento no

processo de reintegração marcou o fim da greve de fome, após três dias do seu início.

A greve de fome, da maneira como foi realizada pelos sem-teto, se trata, na realidade,

de uma privação de alimento de caráter público associada a uma reivindicação que pode ser

atendida pelos interlocutores dos movimentos. Siméant (2010) destaca bem esta ideia nas

ações dos movimentos dos sem-documento na França, os quais também utilizam a greve de

fome como método de luta60.

“Ocupar, resistir e construir”

A utilização da palavra “ocupação” (ao invés de ‘“invasão”) marca uma posição

política que entende que os sem-teto não são invasores de propriedades onde outras pessoas

estão habitando, ou seja, não tomam as moradias alheias. Os sem-teto ocupam os prédios ou

60 Análises aprofundadas sobre a utilização de greves de fome por movimentos sociais podem ser encontradas em Siméant (1993, 1994, 2010).

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terrenos que estão vazios e sem cumprir a função social da propriedade61. É por compartilhar

este entendimento que utilizamos em nosso trabalho o termo “ocupação”.

Lembramos, uma vez mais, que a realização de ocupações de terrenos urbanos e

prédios vazios não é algo novo e tampouco exclusivo dos movimentos dos sem-teto. No

entanto, estes movimentos inovam, em meados dos anos 1990, quando passam a organizar

essas ocupações de maneira articulada, coordenada e contínua, dando grande visibilidade para

a questão do problema habitacional brasileiro e atrelando sua reivindicação principal ao

direito à moradia digna e, no caso particular dos movimentos que atuam no centro da cidade,

à luta pelo centro, por viver no centro (RODRIGUES (2002); FRÚGOLI JR. (2006);

NEUHOLD (2009) e OLIVEIRA (2010).

Mas, o que significa ocupar para os sem-teto? Como são as suas ocupações? Existe

consenso em torno delas? Estas são algumas das questões que buscamos responder a seguir.

O ocupar...

Ocupar para os sem-teto pode ter sentidos diversos, como por exemplo, ocupar

espaços na democracia participativa, a partir dos conselhos municipais ou, ainda, fazer com

que a luta por moradia ocupe um lugar de destaque entre as lutas sociais brasileiras. No

entanto, o sentido de ocupar mais recorrente para os sem-teto é o de realizar ocupação. E é

este que analisaremos aqui.

Os movimentos dos sem-teto, no Brasil, atuam principalmente nas grandes cidades e

realizam ocupações tanto em grandes terrenos baldios localizados, geralmente, nas periferias,

quanto em edifícios vazios nas regiões centrais das cidades. Existem movimentos, como é o

caso do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto de São Paulo, que atuam especificamente

nas periferias das cidades. Há ainda outros, como o Movimento Sem-Teto de Salvador/Bahia,

que realizam ocupações por todas as partes da metrópole. E existem os movimentos, como o

Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) em São Paulo, que se dedicam mais (ou

exclusivamente) às ocupações na região central das cidades e, por isso, lutam pelo direito à

moradia, mas também pelo “direito ao centro”, no sentido de usufruir de toda a infraestrutura

já disponível neste espaço, como por exemplo, maiores possibilidades de trabalho, escolas

para as crianças e lazer. 61 A função social da propriedade urbana é definida pela Constituição Brasileira de 1988 e pelo Estatuto da Cidade de 2001 para garantir que todo imóvel tenha um uso e não fique vazio, subutilizado ou abandonado.

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As ocupações dos sem-teto são marcadas por sua diversidade. Diversidade esta que

passa por muitos aspectos. Sobre o tamanho, existem ocupações pequenas com cerca de dez

famílias, enquanto outras possuem centenas ou milhares. Em relação ao local da ocupação,

pode ser terreno vazio pequeno ou muito grande que, posteriormente, pode vir a se

transformar em um bairro; prédio de um antigo hotel; imóvel de fábrica desativada; um

casarão antigo; prédios públicos vazios ocupados anteriormente por secretarias de estado,

entre outros. As ocupações podem se dar em um imóvel que nunca foi ocupado ou em locais

que são ocupados reincidentemente (como aconteceu, por exemplo, com o prédio localizado

na Avenida Prestes Maia, na região central da cidade de São Paulo). As ocupações podem ser

definidas como totalmente urbanas, como o são as realizadas em imóveis no centro da cidade,

até ocupações que podem ser denominadas de “rururbana”, que são aquelas organizadas em

grandes terrenos periféricos, onde há espaço para fazer hortas, plantar verduras e criar

galinhas – a ideia do “rururbano” pode ser entendida como uma alternativa criada para a

subsistência imediata das famílias de sem-teto que possuem dificuldade de comprar comida

no mercado formal de alimentos (BENOIT, 2002).

A arquitetura do imóvel ocupado pode também vir a contribuir com a definição de

algumas utilizações dadas ao espaço de modo a propiciar maior diversidade entre as

ocupações. Por exemplo, há prédios em que existe um grande espaço no térreo ou subsolo e

que pode ser reservado para a construção de uma oficina de trabalho, espaço para seleção de

materiais de reciclagem ou, ainda, para a construção de uma área de lazer ou educação, como

uma sala de reforço escolar, biblioteca ou espaço para as assembleias.

Em relação à duração, existem ocupações que duram apenas algumas horas enquanto

outras duram muitos anos.

Temos ocupações que se formam primeiramente e, depois, se aproximam de um

movimento. Nestes casos, é importante refletir sobre a “espontaneidade” das ações, ou

melhor, a necessidade que os sem-teto possuem de realizar uma ocupação para solucionar,

mesmo que provisoriamente, o problema habitacional pelo qual passam e pensar também

sobre a pressão que os sem-teto da base podem fazer diante das lideranças dos movimentos

para que mais ocupações sejam organizadas. Existem também aquelas ocupações que são

planejadas e organizadas pelos movimentos desde seu início até o desfecho. E, ainda,

ocupações que se afirmam enquanto importantes coletivos ou associações ao longo do

processo de luta, ou seja, mesmo que os sem-teto que estão vivendo em um imóvel ocupado

tenham relações com um movimento de moradia mais amplo, o coletivo formado no interior

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da ocupação se fortalece e passa a ter traços de autonomia em relação ao movimento que deu

origem ou apoiou a ocupação.

No entanto, em meio às distintas características das ocupações, podemos encontrar

características comuns ou gerais. Assim, ao longo de nossa pesquisa, distinguimos

basicamente dois tipos de ocupação de acordo com os seus objetivos. De um lado, teríamos as

“ocupações estratégicas” (BOITO JR., 2002) ou “ocupações reais” (PÉCHU, 2010); e, de

outro, teríamos “ocupações táticas” (BOITO JR., 2002) ou “ocupações simbólicas” (PÉCHU,

2010).

A ocupação estratégica remete-se bem ao lema: “Ocupar, resistir, construir”. Trata-se

aqui de uma “ação direta de expropriação com o objetivo de converter um edifício ou terreno

desabitado em local de moradia definitiva do grupo que realiza a ocupação” (BOITO JR.,

2002, p. 36). Com este tipo de ocupação, os sem-teto buscam ser beneficiados por políticas

habitacionais e transformar o local ocupado em uma moradia digna.

Já a ocupação tática tem o objetivo de “demonstrar a força do movimento e chamar a

atenção dos governos para o problema da moradia” (BOITO JR., 2002, p. 36-37). Nestes

casos, os sem-teto ocupam locais, como repartições públicas ou até mesmo prédios vazios,

somente para chamar a atenção dos governantes e da população e não para morar no lugar em

definitivo. Um dos meios mais eficazes para pressionar os governos é adquirindo visibilidade

e isto é possível através da divulgação do movimento na mídia. Divulgação esta que tem a

probabilidade de ocorrência aumentada com a realização destas ocupações.

Os movimentos dos sem-teto realizam ocupações em imóveis públicos e privados. A

escolha do local a ser ocupado depende de uma série de fatores e é um processo que exige

estudo e planejamento.

Antes de realizar a ocupação, geralmente, a coordenação dos movimentos preocupa-se

em produzir um mapeamento do local a ser ocupado, levantando, inclusive, a situação jurídica

do imóvel e realizando especulações sobre quem é o proprietário. Tudo isso é feito sob um

grande sigilo para evitar que qualquer informação vaze e possa vir a frustrar a realização da

ocupação.

Dentro deste mapeamento do local, no caso os movimentos que atuam na periferia das

grandes cidades, está incluída a análise e percepção das necessidades de moradia pelas

famílias do próprio bairro onde se localizará a futura ocupação. Isso porque se a ocupação

acontece em um bairro onde o problema habitacional é grande, tal ocupação terá maiores

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chances de agregar mais pessoas em seu interior e aproximá-las do movimento, podendo,

assim, forjar novos militantes.

Os imóveis urbanos privados que são escolhidos para a realização das ocupações não

cumprem a sua função social e, geralmente, não têm seus impostos pagos há muitos anos,

portanto, possuem uma situação irregular e de inadimplência. Alguns dos terrenos baldios que

são ocupados eram antes locais de tráfico, lugares para enterrar cadáveres e espaços para

desmontar carros roubados.

Os movimentos dos sem-teto elaboram, cada qual a seu modo, estatutos internos que

estabelecem diretrizes para a participação dos sem-teto nas diversas atividades do movimento

e também regras gerais para se conviver nas ocupações. Cada ocupação, por sua vez, possui

diferentes tipos de coordenações que garantem a sua organização, assim como existem

também assembleias deliberativas sobre as questões do seu dia a dia. No entanto, é importante

lembrar que estas assembleias podem ser mais ou menos participativas dependendo caso a

caso.

A gestão da ocupação aparece, então, como uma característica importante para a

definição dos movimentos dos sem-teto analisados aqui neste trabalho. Esse dado leva alguns

autores a falarem de “ocupação autogestionária”, no sentido de busca de “autonomia real e a

reinserção ativa dos participantes nas decisões do coletivo, na qual se promove a igualdade do

poder decisório” (MELLO, 2012, p. 227).

Para exemplificar, utilizamos aqui o Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) e as

regras de suas ocupações nos prédios ocupados no centro da cidade de São Paulo62.

Nestas ocupações existe divisão de tarefas que consistem principalmente em dois

tipos: segurança e limpeza. A segurança se refere ao revezamento dos sem-teto para cuidar da

portaria do edifício. Os sem-teto têm o controle de quem entra e quem sai do prédio. Os

porteiros são aqueles que devem verificar também se os ocupantes estão embriagadas e, em

caso positivo, devem impedi-las de entrar no prédio. Em relação à limpeza, essa tarefa está

mais destinada às mulheres sem-teto e elas devem manter o interior do edifício limpo.

Geralmente, existem poucos banheiros nos prédios ocupados e isso faz com que diversas

famílias tenham que dividir um mesmo banheiro, daí a importância de se manter o local

limpo.

62 Os dados apresentados a seguir foram colhidos e analisados durante nosso trabalho de campo da pesquisa de mestrado com os movimentos da Grande São Paulo. Para mais detalhes, conferir Oliveira (2010).

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Percebe-se assim que os sem-teto devem dividir as tarefas de modo a todos

participarem e contribuírem para a organização dos prédios ocupados. Esse esforço e essa

disciplina mostram a capacidade organizativa do movimento e a seriedade com que travam a

sua luta.

Sobre a organização das ocupações, o Movimento Sem-Teto do Centro, da cidade de

São Paulo, possui um documento que após aprovação em Assembleia Geral ficou conhecido

como Lei de Ocupação ou Regulamento Interno de Ocupação.

Este documento determina duas instâncias de decisão nos prédios ocupados, a saber, a

Assembleia Geral das famílias moradoras, que é o órgão máximo e soberano, e a

Coordenação Geral da Ocupação, que é composta por representantes dos andares (escolhidos

em reuniões das famílias de cada andar), por responsáveis pelas comissões de trabalho e por

coordenadores indicados pelo movimento – todos estes nomes devem ser aprovados em

assembleia.

Todas as famílias devem participar de todas as atividades visando o bem comum do

prédio e, ainda, a família que não possuir nenhum representante em três assembleias gerais

consecutivas poderá perder o direito de continuar morando na ocupação.

Sobre a segurança interna, a Lei de Ocupação não admite que os participantes da

ocupação pratiquem furtos, roubos, receptação ou guarda de objetos roubados dentro dos

edifícios ocupados. É proibido andar com qualquer tipo de arma dentro do prédio, assim como

traficar droga e vender bebida alcoólica.

Sobre as finanças, há uma taxação mensal específica para as famílias moradoras dos

prédios ocupados (espécie de condomínio) para custear as despesas da Ocupação. Essa taxa é

estabelecida em Assembleia Geral e recolhida por pessoas autorizadas.

Há ainda um item sobre punição, de modo que, se as regras descritas acima não forem

obedecidas, caberá à assembleia geral decidir e aplicar a punição necessária. As punições

variam de advertência pela infração cometida, reparo do dano causado ou ainda expulsão da

ocupação.

Sobre as atividades de lazer e cultura, podemos citar as confraternizações nas distintas

ocupações do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), onde ocorrem bingos, “comes e

bebes” (comidas e bebidas para o desfrute dos sem-teto), forrós, brincadeiras, saraus e

músicas. Na ocupação Prestes Maia, os sem-teto construíram uma biblioteca com cerca de dez

mil livros, revistas e gibis que despertou muita atenção da grande imprensa e contribuiu para a

difusão de uma imagem positiva dos sem-teto.

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Devido à localização privilegiada das ocupações, região central da cidade de São

Paulo, as crianças conseguem com mais facilidade creches e escolas e os jovens também têm

mais chances de encontrarem alguns cursos profissionalizantes gratuitos. As ocupações

Prestes Maia e Mauá, por exemplo, estão muito próximas da Pinacoteca do Estado de São

Paulo o que facilita o acesso dos sem-teto a este local.

Retomando a discussão mais geral sobre as ocupações, podemos dizer que os nomes

destas são escolhidos a partir de diferentes critérios de acordo com cada movimento. Existem

aqueles movimentos, como por exemplo, o Movimento de Moradia do Centro (MMC)63, que

nomeiam as ocupações de acordo com os nomes das ruas onde se localizam os prédios

ocupados. A Ocupação do Ouvidor, localizado na rua homônima, e a Ocupação Presidente

Wilson, que fica na avenida de mesmo nome, são alguns exemplos.

Já existem outros movimentos, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

(MTST), que possuem uma grande preocupação em politizar a sua base e a nomenclatura de

suas ocupações já sinalizam isso. As ocupações recebem nomes de revolucionários, tais como

Anita Garibaldi, Santo Dias e Rosa Luxemburgo - estes são nomes de ocupações localizadas

na Região Metropolitana de São Paulo. Existem ocupações com nomes que fazem referências

às lutas dos escravos negros, como por exemplo, Zumbi dos Palmares. No processo de

entender o nome da ocupação, os sem-teto trocam conhecimentos a respeito dessas

personalidades e refletem sobre revoltas históricas e a possibilidade de contestação ao sistema

vigente, ampliando e aprofundando temas importantes para a politização dos militantes.

Existem ainda aqueles movimentos, como o Movimento Sem-Teto de Salvador/Bahia

(MSTS), em que os nomes das ocupações se referem aos proprietários ou ao negócio que

funcionava no passado nos imóveis das ocupações, por exemplo, Ocupação IPAC I, IPAC II,

tratando-se de prédios pertencentes ao Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural do Estado

da Bahia (IPAC), ou ainda, “Ocupação da Tóster”, referência ao prédio da antiga fábrica de

tecidos do mesmo nome.

Entre alguns movimentos de Teresina, capital do estado Piauí, ligados à Federação das

Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí (FAMCC) e Federação das

Associações de Moradores do Estado do Piauí (FAMEPI) costuma-se homenagear pessoas de

expressiva notoriedade, tanto pelo seu reconhecimento quanto como recurso para facilitar as

negociações entre os sem-teto e os governos. Por exemplo, ao dar o nome de uma ocupação o

63 Há alguns meses, este movimento alterou seu nome para Movimento de Moradia da Cidade de São Paulo. A sua sigla permanece MMC, no entanto, a área territorial de atuação talvez se amplie.

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nome do prefeito da cidade, como Vila Wall Ferraz, o movimento pretende com isto

conquistá-lo como aliado na luta ou, ao menos, despertar uma atitude solidária com os sem-

teto. “A denominação de algumas ocupações comunicam muito do seu processo. Algumas

receberam o nome de deus articuladores, confirmando a personalização ou até mesmo o

patrocínio de todo o processo da ocupação” (Viana, 1999:103). Imbuído de um componente

de religiosidade, algumas ocupações também são designadas com nomes de padres ou de

santos. E, por fim, ainda existem ocupações com nomes que refletem o significado da luta ou

objetivo que os sem-teto desejam atingir, como “vila da Paz”, por exemplo (Viana, 1999:

103).

O resistir...

Quando se trata da situação dos sem-teto, “o resistir” assume diferentes sentidos.

Nesta parte, destacamos as resistências dos sem-teto relacionadas aos dilemas enfrentados em

uma ocupação.

Alguns setores da sociedade - por exemplo, os grandes proprietários de imóveis, os

políticos pertencentes a partidos mais conservadores que buscam manter a ordem social atual

ou, ainda, jornalistas que compartilham de uma ideologia de defesa irrestrita à propriedade

privada - dizem que o método de luta da ocupação é algo retrógrado e autoritário. Afirma-se

que, em tempos de democracia, outros métodos deveriam ser empregados, como por exemplo,

os mais institucionalizados. Neste sentido, Trindade (2014, p. 162-163) nota que a

legitimidade dos métodos institucionais acaba por deslegitimar a ação direta dos sem-teto:

A legitimidade alcançada pela ideia de participação institucional contribuiu, ao mesmo tempo e paradoxalmente (paradoxalmente porque isso nunca foi intenção dos movimentos sociais que lutaram pela criação dos espaços participativos), para criminalizar a luta popular quando ela transborda os limites da institucionalidade.

Alguns governantes e gestores da área habitacional apontam as ocupações como uma

espécie de “fura-fila” das pessoas que “civilizadamente” fazem suas inscrições nos programas

habitacionais para conquistarem a tão sonhada casa própria e aguardam, durantes anos, ser

atendidas.

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Assim, encontramos uma resistência em relação à realização das ocupações por parte

daqueles setores mais conservadores da sociedade capitalista, mas não só. Curiosa e

intrigantemente existe uma resistência entre os próprios sem-teto.

É muito comum encontrarmos uma resistência inicial entre as famílias que chegam aos

movimentos no que se refere à participação e realização de ocupações. Aparece aqui o

pensamento de se estar fazendo algo errado e ilegal. É interessante notar que muitos dos sem-

teto que se recusam a realizar as ocupações o fazem por defenderem o direito à propriedade

privada.

Ivaneti Araújo, hoje uma das mais importantes lideranças dos movimentos dos sem-

teto de São Paulo, relata que ela própria compartilhou desta resistência inicial:

(...) Imagina! Pra mim, fazer uma ocupação? Quê isso! Eu tava tomando algo de alguém. Não podia ocupar. Porque se tinha um prédio, existia um dono (AQUINO, 2009, p. 81).

Outro relato aponta para esta mesma resistência, mas também esclarece que a

ocupação se impõe como uma necessidade, já que os trabalhadores mais pobres não

conseguem pagar os aluguéis impostos pelo mercado imobiliário.

“Eu não queria vir. Porque (o terreno) não é nosso, filha. Só

estou aqui porque faz um ano que não consigo pagar o aluguel da casa onde moro. É R$150, mas não tenho, não adianta”. Doente, osteoporose em estado avançado, um filho de 11 anos, Iraci é catadora de papelão. Os médicos já lhe disseram que a função é incompatível com a situação de seus ossos, que ela tem de parar. (“Em 2 semanas, sem-teto erguem favela”. In: Folha de S. Paulo – Cotidiano. 31 de março de 2007).

A pesquisa de Tatagiba, Paterniani e Trindade (2011, p. 411) aponta que 32% dos

entrevistados (militantes dos movimentos de moradia do estado de São Paulo ligados à União

dos Movimentos de Moradia (UMM)) são contrários à realização de ocupações64. As

justificativas para esta posição são: por ser algo perigoso e violento e devido ao medo da

repressão policial (34%), pelo desrespeito à propriedade privada (25,5%), porque colocaria a

opinião pública contra o movimento (17%), por se tratar de uma ação radical e sempre se deve

buscar primeiramente o diálogo (4,3%).

Por outro lado, a maioria dos militantes sem-teto entrevistados (57,8%) se declaram

favoráveis às ocupações e entre estes:

64 Embora esta pesquisa trate apenas de um conjunto de movimentos do estado de São Paulo e nossa discussão ambiciona aqui abordar os movimentos dos sem-teto no nível nacional, consideramos importante citá-la para trazer algumas indicações sobre o tema.

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49,4% justificaram sua posição afirmando que a ocupação é instrumento político legitimo e eficaz para pressionar o governo a garantir os direitos dos cidadãos e chamar atenção de outros setores da sociedade para os problemas concernentes a moradia. “São necessárias para abrir negociação, como as greves nas fabricas”, foi uma das respostas que ouvimos. Já para 27,3% dos entrevistados favoráveis a ocupação, o argumento principal foi de natureza pragmática: há na cidade de São Paulo muitos imóveis ociosos e, ao mesmo tempo, pessoas precisando de moradia (TATAGIBA; PATERNIANI; TRINDADE, 2011, p. 411).

Este percepção de que há uma injustiça social no que se refere à questão habitacional -

de um lado imóveis vazios, de outro, existência de famílias sem moradia-, está muito presente

entre os sem-teto brasileiros e este pensamento contribui para a legitimação das ocupações.

Percebe-se, então, que, muitos dos sem-teto, ao ingressarem nos movimentos de

moradia devido à necessidade de encontrar um local para morar dignamente com sua família,

acabam por redefinir alguns ideais e morais que estão no seio da sociedade capitalista, como

por exemplo, o direito inalienável da propriedade privada. No entanto, é preciso que fique

claro que “as ocupações não questionam o direito de propriedade em si mesmo, mas sim o direito

irrestrito de propriedade das classes dominantes na sociedade” (TRINDADE, 2014, p.196).

Além da legitimidade da luta por moradia, as lideranças dos sem-teto têm buscado

apontar um caráter legal das ocupações, invertendo assim o discurso dominante que

criminaliza as ocupações e os movimentos dos sem-teto. Isto se viabiliza porque, no Brasil, o

arcabouço legal é avançado no âmbito da política urbana. Tivemos, por exemplo, em 2000, a

inserção do direito à moradia no artigo sexto da Constituição federal que trata dos direitos

sociais e, no ano subsequente, a aprovação do Estatuto da Cidade que vem reforçar a ideia de

função social da propriedade. Assim, os sem-teto passam aos seguintes questionamentos: qual

é o mais legítimo dentre os direitos: o direito à propriedade privada ou direito social à

moradia? Qual deles o Estado deve se empenhar em garantir? Como fica a previsão da

Constituição brasileira e do Estatuto da Cidade de que toda propriedade deve cumprir uma

função social?

Guilherme Boulos, uma importante liderança do Movimento dos Trabalhadores Sem-

Teto (MTST), aponta o caráter de legitimidade e de legalidade das ocupações da seguinte

maneira:

No nosso caso, as ocupações de terras vazias são no Brasil, ao mesmo tempo, legítimas e legais. A principal das leis de nosso país, a

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Constituição Federal, afirma nos artigos 5 e 170 que toda a propriedade tem que cumprir sua função social.

(...) Isto significa que, ao deixar terras ociosas, os proprietários estão

agindo de forma ilegal e criminosa. (...) (...) com base na Constituição Federal do Brasil, os grandes

proprietários e especuladores é que são criminosos. Neste sentido, por mais estranhos que pareça ao discurso dominante, ocupar uma terra que não tenha função social é fazer cumprir a lei.

Ocupar não é crime, é um direito. Os trabalhadores sem-teto que ocupam estão exigindo o cumprimento da função social da propriedade e reivindicando legitimamente o direito à moradia digna, também previsto na Constituição.

(...) (...) Ocupar não é uma escolha, é uma necessidade para muita gente.

(BOULOS, 2012, p. 45-46).

Assim, a argumentação das lideranças no sentido de legitimar as ocupações e até

legalizá-las, somada à necessidade urgente de uma moradia por parte dos sem-teto da base

acabam por levá-los a realização das ocupações.

A partir de nossa pesquisa, foi possível verificar a existência de entendimentos

diversificados entre os coordenadores e lideranças dos diferentes movimentos dos sem-teto

em relação à realização das ocupações, sua importância e destino.

De um lado, temos lideranças de movimentos que entendem que a ocupação é algo

fundamental já que pode solucionar, mesmo que de maneira paliativa, a necessidade urgente

dos sem-teto e, além disso, são importantes instrumentos para pressionar os governos a

elaborarem políticas habitacionais efetivas.

Aparece ainda, outra razão para justificar as ocupações – razão esta mencionada,

geralmente, por lideranças que buscam travar lutas sociais que ultrapassem a questão da

moradia. Para algumas lideranças, as ocupações também podem ser vistas como local onde se

tem um fecundo trabalho de base com os sem-teto e potencialidade de construção de uma

coletividade com novos valores e ideologias. Entende-se aqui que é no dia a dia das

ocupações que os sem-teto vão se conscientizando da gravidade do problema habitacional e

vão percebendo que este não é um problema individual, mas é algo social e que deve ser visto

de uma maneira mais ampliada. Com isto, vai se construindo, em alguns casos, uma

identidade fortalecida entre os trabalhadores sem-teto o que tende a influenciar as lutas

sociais.

Por outro lado, existem lideranças que apontam os problemas e inconvenientes das

ocupações de modo a sinalizarem que tal método de luta não é muito eficiente e que, portanto,

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não deveria ser utilizado. Assim, por exemplo, ao invés das ocupações estratégicas, algumas

lideranças sugerem a realização com mais frequência de ocupações táticas (aquelas que

geralmente duram poucas horas e servem para pressionar os governos e não para os sem-teto

ali morarem) e investir mais em outros tipos de ações, tais como manifestações de rua,

acampamento em frente a alguma instituição governamental e ação institucional.

Vejamos alguns depoimentos:

[...] nós tivemos várias experiências concretas de ocupar e depois,

assim, transformava aquilo num verdadeiro carma na vida da gente. Porque, por exemplo, a Nove de Julho, que ficou ocupada ali um bom tempo. Aí as pessoas não conseguiam pagar a conta de água, as pessoas não conseguiam pagar conta de luz e cada vez que não conseguiam, vinham, cortavam e a gente tinha que ficar lá o tempo todo, fazendo conta, fazendo conta, para ver o quanto chegava para conseguir pagar. E, por outro lado, assim, a gente percebia que morar todo mundo naquele prédio, duas, três famílias [dividindo o mesmo cômodo], cozinhar conjuntamente e fazer tudo conjuntamente, estava construindo mais um cortiço, e por isso chegamos à conclusão de não ocupar para ficar e sim pra reivindicar e negociar (Coordenadora da UMM: depoimento, 2005) (NEUHOLD, 2009, p. 89-90).

[...] porque viver em ocupação é viver sem dignidade, é ser sofrido, é

mais um cortiço, só com a diferença que é cortiço vertical. [...] Por isso é que surgiram as primeiras ocupações, porque a gente vivia indignado de ver aquele povo morando em cortiço... é vida desumana, ali é uma vida triste. Só que nas ocupações não tem muita diferença, gente! A diferença é que eles [os integrantes do movimento que vivem nas ocupações] não são explorados (Coordenadora do MMC: depoimento, 2005) (NEUHOLD, 2009, p. 89-90).

Estas concepções distintas a respeito das ocupações refletem que, apesar de estas

serem um dos métodos mais importantes de luta por moradia, elas não representam consenso

entre os sem-teto no que se refere a sua realização e aos seus desdobramentos.

A nosso ver ainda, as diferentes posições apresentadas apontam para a existência de

uma heterogeneidade nas orientações político-ideológicas das lideranças e dos próprios

movimentos. Isso porque, por exemplo, enquanto algumas lideranças enxergam nas cozinhas

coletivas a possibilidade de maior integração, solidariedade e socialização entre os sem-teto, o

que pode vir a construir uma coletividade com novos valores de vida; por outro lado, existem

lideranças que assemelham as cozinhas coletivas com as cozinhas precárias dos cortiços

brasileiros e que, portanto, não deveriam existir.

A situação em uma ocupação de prédio é difícil: lixo, falta de infraestrutura, “gatos”

(instalações irregulares de eletricidade), perigo de incêndio, fraturas e acidentes, dificuldades

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em subir e descer as escadarias carregando coisas pesadas, já que, geralmente, os elevadores

(quando existem) estão em péssimos estados e a sua manutenção é cara. Dessa maneira,

muitos dos sem-teto dizem que vivem nessas condições porque não têm onde morar.

Nas ocupações em terrenos baldios, vive-se sob uma barraca, muitas vezes com

crianças pequenas, sem infraestrutura, com banheiros e cozinhas improvisadas, poucas

condições de higiene e muitas vezes em meio ao lixo, já que a prefeitura só disponibiliza a

coleta de lixo depois de muita luta. A insegurança e o medo de uma reintegração de posse

violenta também são constantes. Mas, geralmente, os sem-teto estavam em uma situação tão

vulnerável que a opção da ocupação aparece, para muitos, como melhor quando comparada

com a situação em que viviam anteriormente.

Outras adversidades devem ser enfrentadas pelos sem-teto ao longo das ocupações,

dentre elas se destacam o tráfico de drogas e a presença de viciados. Um exemplo disse

ocorreu na ocupação do antigo hotel Dumont, na Rua Mauá, localizado perto do Parque da

Luz, no centro da cidade de São Paulo:

O Santos Dumont fica grudado na “cracolândia”, região conhecida pelo consumo aberto de crack, e que a prefeitura pretende transformar em polo de tecnologia. Cerca de 100 usuários de crack tentaram entrar no edifício. Foram impedidos pelos sem-teto. “Nós revistamos todo mundo. Se tentar entrar com drogas, é expulso na hora do movimento”, disse Hamilton Silvio de Sousa, 45, coordenador geral do MSTRC. (“Famílias sem teto invadem prédio abandonado na região central de São Paulo”. In: Folha de S. Paulo – Cotidiano. 27 de março de 2007).

A resistência também acontece quando os sem-teto estão em uma ocupação e são

constantemente ameaçados de despejo e, para se evitar a chegar a este momento, muitas

atitudes são tomadas pelos sem-teto: desde as ações judiciais elaboradas pelos advogados dos

movimentos até manifestações nas ruas, acampamentos em frente às prefeituras ou secretarias

de habitação, pedido de ajuda e solidariedade dos governantes e deputados mais populares.

O processo de reintegração de posse sempre é tenso e desgastante e, em muitos casos

violentos, resultando em muitos feridos e até mesmo, nos casos mais drásticos, em mortes.

Este é mais um momento delicado para os sem-teto.

O resistir aqui se refere à própria resistência física contra a polícia em momentos

críticos de algumas manifestações ou reintegrações de posse violentas.

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Citamos aqui o violento processo de reintegração de posse pelo qual passou a

ocupação Sonho Real, na cidade de Goiânia, em 2005. Vejamos o depoimento de uma das

sem-teto que vivia na referida ocupação:

Quando tentava localizar meu irmão, que estava do lado de fora da ocupação, vi Pedro, que a gente chamava de Lugar, ser baleado (...). Víamos aquele batalhão vindo em nossa direção, pareciam tratores, vinham chutando quem tivesse na frente e cantavam: faca na caveira, vou beber teu sangue. Atiravam em tudo. Corríamos em grupos de pessoas mas eu não conseguia sair pois tinha muita gente ficando pra trás, mulheres que não queriam deixar suas casas, mães com filhos feridos ou perdidos, pessoas escondidas dentro de casa, muita gente estava ficando (...). A gente já estava fora do acampamento e eles continuavam atirando. Corríamos em grupo e o Wagner e sua mãe estavam com a gente, nos escondemos atrás de uma casa pra nos protegermos dos tiros, mas a mãe do Wagner desmaiou e a polícia chegou, mandou a gente fazer uma fila mas eu não levantei pois não podia deixar a mãe dele jogada no chão, um dos policiais começou a me chutar e me chamava de vagabunda, ele tinha uma 7,65 cromada e deu um tiro num cachorro que estava ao meu lado, pensava que era meu. Quando olhei, o Wagner já estava agonizando e os policiais não deixaram que a gente socorresse ele e nos mandaram seguir. Olhei pra trás e o Wagner estava sendo espancado (...). Meu barraco foi todo queimado, eu perdi tudo. Fui para a delegacia junto com minhas filhas. (ENTREVISTA, 30/09/2007) [Entrevista de uma sem-teto da ocupação Sonho Real] (SANTOS, 2008, p. 102-103).

Um outro caso emblemático de resistência, reintegração de posse e violência é o da

ocupação Pinheirinho, organizada pelo Movimento Urbano dos Sem-Teto (MUST), na cidade

de São José dos Campos, em janeiro de 2012. Este episódio obteve repercussão nacional e

internacional. Existiam na ocupação entre seis e nove mil moradores, dezenas de sem-teto

ficaram feridos, além do fato de que “cerca de seiscentos processos foram abertos contra

o estado de São Paulo em nome de ex-moradores do Pinheirinho, (...) que afirmam ter sofrido

abusos durante a reintegração de posse pela Polícia Militar” 65.

É importante notar que diferentes matérias de jornais falam das armas dos policiais e

dos sem-teto como se fossem e tivessem o mesmo peso e medida. Os sem-teto defendem seu

direito à moradia com pau, pedra e pneus, enquanto isso, os policiais defendem a propriedade

privada com armas relativamente sofisticadas (como bomba de efeito moral e bala de

65 Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Desocupa%C3%A7%C3%A3o_do_Pinheirinho#cite_note-73. Acessado em agosto de 2014.

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borracha). E, em muitas vezes, há abusos: violência física e humilhação verbal praticada por

policiais. Vejamos um exemplo:

Usando gás lacrimogêneo e balas de borracha, a Polícia Militar retirou ontem, em operação que durou uma hora, os cerca de 200 invasores que estavam no antigo hotel Terminus, na Avenida Ipiranga, centro de São Paulo.

(...) Quatro escudos de policiais, segundo a PM, foram quebrados por objetos arremessados pelos sem-teto. (...) Não foram encontradas armas. (....) [os sem-teto] ”jogaram madeiras e objetos nos policiais”.

(...) A polícia levou 42 integrantes do movimento ao 3º DP (Santa

Ifigênia), apontando-os como supostos responsáveis por danos ao prédio e resistência. Foi aberto inquérito policial sobre. Ninguém foi preso. Segundo o delegado Nilton César de Araújo Franco, dois sem-teto tinham passagem pela polícia. (“Polícia retira invasores de hotel na Ipiranga”. Folha de S. Paulo – Cotidiano. 2 de agosto de 2003).

Outro sentido de resistência relacionado aos movimentos dos sem-teto está em relação

direta com a organização e divisão desigual de bens na sociedade. Como vimos, os

movimentos criticam a existência de especuladores imobiliários enquanto há milhões de

famílias sem-teto que dependem de políticas habitacionais, as quais, por sua vez, são

apresentadas como incapazes de solucionar o problema habitacional na sociedade capitalista

brasileira. Este tipo de argumentação tem forte relação com a orientação político-ideológica

dos movimentos, conforme discutimos no capítulo anterior.

Uma forma de resistência às desigualdades sociais dentro das ocupações pode ser

exemplificada pela fala de uma coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia

(MNLM), movimento que organizou a ocupação Manoel Congo, no centro da cidade do Rio

de Janeiro. A referida liderança defende que as melhorias realizadas na ocupação devem

contemplar a todos, evitando, assim, reprodução da desigualdade no interior da ocupações.

Assim, os valores sociais de solidariedade e do coletivo se contrapõem aos valores mais

individualistas:

O dinheiro aqui não circula, (...) A gente nunca quis reproduzir a diferença lá de fora aqui dentro. (...) trabalhamos para que todos consigam respeitar as diferenças e vencer as barreiras. Mas o que é diferença socioeconômica, a gente combinou de não reproduzir aqui. (...) Tinha gente que ‘”tava” empregado e podia chegar e dar uma arrumada no espaço. A gente teve que trabalhar, primeiro, que isso aqui não é sua propriedade; segundo, que o seu vizinho que não tem nem o que comer, vai estar ao seu lado e a gente vai estar reproduzindo o que está lá fora aqui dentro [se cada um só se preocupar

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consigo] (...) Toda melhoria que vai ter aqui, vai ser uma melhoria coletiva (MELLO, 2012, p. 226-227).

O construir...

Assim como “resistir”, os significados também são diversos quando pensamos no

“construir” relacionado ao processo de luta dos sem-teto. Vejamos alguns deles.

Uma ocupação vitoriosa ou uma ação bem sucedida para os movimentos significa a

existência de uma negociação entre sem-teto e governo. Isto implica, geralmente, no

atendimento da reivindicação do movimento: moradia para as famílias de sem-teto de sua

base.

Este atendimento pode ser feito a partir de diferentes maneiras, variando caso a caso.

Desde o conhecido “bolsa aluguel” - um programa de aluguel social, geralmente executado

pelos governos municipais, que realiza o pagamento total ou parcial do aluguel para as

famílias sem-teto durante um tempo determinado -, até a aquisição de uma casa própria a

partir de financiamento e subsídio concedidos pelo Estado.

Se, de um lado, o desenho das políticas, a construção em si, o tipo de financiamento, o

projeto arquitetônico e urbanístico, todas estas características variam de acordo com o

programa habitacional selecionado. De outro lado, é fato que as políticas habitacionais

brasileiras, ao longo de toda a sua história, podem ser caracterizadas pelo seu caráter

mercadológico e pela construção das casas realizadas majoritariamente por grandes

construtoras.

Diante destas constatações, queremos apontar aqui a existência de um tipo de política

habitacional minoritário, é verdade, mas que tem sido de grande importância nas pautas de

debates e reivindicações de muitos dos movimentos dos sem-teto brasileiros. Estamos falando

de uma política em que são os futuros moradores que constroem, eles mesmos, suas próprias

casas e são eles que têm controle da gestão de todo o processo de construção. Trata-se das

políticas de autogestão. Políticas que vão na contramão das políticas habitacionais que

atendem aos interesses das grandes construtoras e do capital imobiliário.

Temos, portanto, aqui um importante sentido de “construir” para os sem-teto.

A política de autogestão ficou muito conhecida no Brasil a partir do programa de

mutirão autogestionário denominado de FUNAPS Comunitário (FUNACOM), que ocorreu na

cidade de São Paulo, entre 1989 e 1992, na gestão da prefeita Erundina do Partido dos

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Trabalhadores (PT). Hoje, este tipo de política passa a conquistar, ainda que muito

modestamente, lugar na política habitacional no nível federal, com o programa “Minha casa,

minha vida”, na modalidade “Entidades”. Estes dois programas foram elaboradas, portanto,

em contextos diversos, com desenhos distintos e trazem impactos variados aos movimentos

dos sem-teto.

É importante ainda que fique claro que há uma diferença entre mutirão e mutirão

autogestionário66.

O mutirão relacionado à construção de casas é tradição entre os brasileiros das classes

trabalhadoras, principalmente entre os moradores das periferias das grandes cidades. Estes

chamam seus compadres e amigos para, no final de semana, auxiliarem na construção da sua

casa, podendo, ao final do dia, compartilharem de um churrasquinho e cerveja. Quando

falamos de programas de mutirão, estamos nos referindo à construção de casas realizada por

seus futuros moradores, trata-se de uma ajuda mútua prestada gratuitamente. E, nestes casos,

os futuros moradores são os executores, mas não são necessariamente os gestores dos

projetos.

Já no mutirão autogestionário são os mutirantes que gerem o seu projeto, participando

da elaboração, execução e fiscalização da obra. Trata-se, portanto, de autogestão na

construção da habitação. Dito de outra maneira:

A autogestão na habitação corresponde a ações em que a produção habitacional ou a urbanização de uma área se dá através do controle da gestão dos recursos públicos e da obra pelos movimentos populares, associações e cooperativas. É a própria comunidade gerindo o processo da produção da solução de sua habitação. Falamos do controle em todas as etapas, desde a definição do terreno, do projeto, da equipe técnica que os acompanhará, da forma de construção, compra de materiais, contratação de mão de obra, organização do mutirão, prestação de contas e organização da vida comunitária (MINEIRO e RODRIGUES, 2012, p. 21).

A criação de conjuntos habitacionais em regime de mutirão autogestionário no Brasil é uma proposta influenciada pela experiência uruguaia de construção de habitação de interesse social através de cooperativas habitacionais autogestionárias, desenvolvidas pela Federação Uruguaia de Cooperativas de Moradia por Ajuda Mútua

66 O mutirão autogestionário é considerado por alguns autores, como por exemplo Tatagiba, Paterniani e Trindade (2012), como uma das estratégias principais do repertório de ação dos movimentos de moradia de São Paulo. De nossa parte, objetivamos destacar o mutirão autogestionário enquanto política pública habitacional reivindicada pelos movimentos de moradia e sem-teto. Um interessante crítica a respeito do mutirão se tornar uma política pública, ou seja, uma prática geral, pode ser encontrada em Francisco de Oliveira (2006).

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- Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivenda por Ayuda Mútua (FUCVAM) (CAVALCANTI (2006); LOPES e RIZEK (2006); FERREIRA (2014)).

No entanto, há uma diferença importante existente entre o caso brasileiro e o uruguaio: a questão da propriedade coletiva. No Uruguai, a propriedade do imóvel é da cooperativa e não do indivíduo, ou seja, “as unidades habitacionais são escrituradas em nome da cooperativa de habitação ao invés da escritura em nome de cada indivíduo” (FERREIRA, 2014, p. 166). Já no Brasil, se alguns (poucos) movimentos ou lideranças apresentam em seus discursos um interesse pela existência da propriedade coletiva, os sem-teto da base objetivam, na realidade, uma propriedade privada e individual. A cultura política brasileira está muito embasada na questão da casa própria de modo a evidenciar o valor de troca da moradia.

A experiência da FUCVAM na produção de moradias por ajuda mútua a partir de princípios autogestionários e a sua influência sobre os movimentos de moradia brasileiros, em especial da região sul e sudeste do país, com destaque para a cidade de São Paulo, é apontada por grande parte da bibliografia. No entanto, como destaca Lopes e Rizek (2006), a experiência de outro país latino-americano, o Peru, quando relatada e analisada pelo arquiteto John Turner, também serviu de influência e orientação para o Brasil, destacando em especial os estados da região nordeste.

São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza são exemplos de cidades que tiveram experiências importantes de mutirões autogestionários como políticas habitacionais (LOPES e RIZEK, 2006; MIAGUSKO, 2012, p. 124). Elas “são as únicas cidades brasileiras em que ações voltadas para a produção habitacional por ajuda mútua, orientadas a partir de pressupostos autogestionários, articularam-se na forma de programas e no bojo de planos habitacionais mais orgânicos” (LOPES e RIZEK, 2006, p. 59).

É importante ressaltar, no entanto, que as diferenças de contextos sociais e políticos, trazem experiências diversas nas políticas de mutirão das cidades.

Outro aspecto que consideramos da relação entre os sem-teto e “o construir” contém

um sentido menos material e muito importante: construção de solidariedades e um sentido de

comunidade entre os sem-teto. E, como observamos, isto se dá no dia a dia das ocupações.

O relato de Jomarina, uma das coordenadoras do Movimento Sem-Teto do Centro

(MSTC) de São Paulo, apresenta algumas pistas sobre as relações de vizinhanças e a

construção de uma solidariedade entre os sem-teto em uma ocupação:

Tem gente, ai a gente pensa assim né, aí vamos pra bolsa aluguel,

vamos, cada um vai ter sua pia dentro de casa, seu banheiro dentro de casa, mas isso aí também a gente até se preocupa, nossa, a gente vai até sentir falta da área comunitária, tenho certeza, porque hoje em dia eu falo assim não consigo mais viver assim sozinha né, por isso que minha vida é bem agitada, to aqui em baixo, to lá em cima, desço, subo, sai né. Eu não consigo mais, se for pra mim alugar, pegar a minha bolsa aluguel e alugar um lugar sozinha, uma casa sozinha, eu acho que eu não consigo. E a maior parte das pessoas não consegue mesmo.

(Relato de Jomarina Pires da Fonseca moradora da ocupação Prestes Maia, entrevista gravada em 04/03/2007) (RAMOS, 2009, p. 80).

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De acordo com o estudo de Tatagiba, Paterniani e Trindade (2011), quando os

militantes dos movimentos do estado de São Paulo filiados à “União” são questionados sobre

a avaliação que fazem em relação a sua participação nos movimentos, quase metade dos

entrevistados (49,7%) sugerem que ganharam uma formação política importante para as suas

vidas, ou seja, tratam aqui de consciência política, maior conhecimento dos direitos, maior

sensibilidade para questões sociais e da política habitacional. Isto é percebido em frases como

“aprendi que precisa lutar”, “que precisa se organizar”, “que a ação é necessária”, “que a

gente tem que se unir para conseguir um objetivo”. Outra categoria frequente de respostas

(19,1% dos entrevistados) destaca “a recuperação da autoestima, o crescimento pessoal, a

autoconfiança e a maior capacidade de comunicação (“perdi o medo de falar”)”

(TATAGIBA; PATERNIANI; TRINDADE, 2011, p. 409).

Os depoimentos dos sem-teto do Rio de Janeiro estão nesta mesma direção:

É uma luta que me fez crescer. Além de eu ter conseguido um espaço para morar sem precisar pagar aluguel, me fez crescer pessoalmente, me fez ter vontade de voltar a estudar, de entender mais as dificuldades das outras pessoas, até por fazer parte também dessas dificuldades. (...) Às vezes eu achava que as coisas só aconteciam comigo, comigo, comigo e hoje eu percebo que não é [assim] (Moradora entrevistada 10). [Entrevista realiza com uma sem-teto da Ocupação Manoel Congo, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), no centro da cidade do Rio de Janeiro] (MELLO, 2012, p. 229). Antes eu não entendia de nada, se tinha direito [ou não] ... nunca corri atrás dessas coisas, porque a gente termina se acostumando àquele modo de vida. Você sabe que está errado, que tem algo a se fazer, mas só você sozinha, você fica parada, fica na sua. Muitas vezes eu cansei de ver injustiça, mas eu sozinha não podia bancar, não tinha força. (...) (Moradora entrevistada 10). [Entrevista realiza com uma sem-teto da Ocupação Manoel Congo, do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), no centro da cidade do Rio de Janeiro] (MELLO, 2012, p. 230).

Verifica-se, assim, que no processo de luta por uma moradia digna, os movimentos

dos sem-teto podem contribuir com uma importante politização de sua base. Assim, “uma

reivindicação concreta e urgente – de gozo individual – tem potencialidade para ativar outros

sentidos e motivações” (TATAGIBA; PATERNIANI; TRINDADE, 2011, p. 407).

O estudo de Débora Costa (2009) também aponta para a criação de uma maior

solidariedade e sentido de comunidade entre os sem-teto que participam ou participaram, em

algum momento de sua vida, dos movimentos de moradia.

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Costa realizou uma pesquisa em cinco imóveis reformados pela política do Programa

de Arrendamento Residencial (PAR) na cidade de São Paulo. O objetivo da autora foi o de

analisar a pós-ocupação, ou melhor, a gestão pós-ocupação de modo a compreender como as

famílias moradoras destes prédios se relacionam, convivem e vivem. Nestes prédios, existiam

famílias que tinham participado anteriormente de um movimento de moradia e tinham, enfim,

conquistado um moradia digna e, por isso, estavam ali. Mas, existiam também famílias que

nunca participaram dos movimentos de luta por moradia.

A autora constatou que o fato de as famílias terem pertencido aos movimentos de sem-

teto possibilitou uma melhora da convivência entre os vizinhos, o que, por sua vez, contribuía

com a solução mais rápida de problemas e menores desentendimentos. “A existência de uma

liderança, muitas vezes moradora do edifício, mantém o sentimento e as características do

grupo, o que não ocorre em prédios nos quais os moradores se conhecem somente após a

mudança” (COSTA, 2009, p. 137).

A partir dos relatos acima, podemos perceber que a construção de uma identidade

entre os sem-teto que estão nas bases dos movimentos e, ainda, que passaram por experiências

de ocupação, é algo que realmente pode implicar em consequências para a vida nos prédios

reformados, na gestão pós-ocupação.

Outro sentido de construir pode ser encontrado em alguns movimentos dos sem-teto

que buscam ampliar a luta para além da moradia. Este é o caso, por exemplo, do Movimento

dos Sem Teto da Bahia (MSTB) que aponta em seu discurso oficial a intenção de construir as

“Comunidades do Bem Viver”, ou seja, após a conquista da moradia, o movimento busca a

criação de um “outro tipo” de convivência entre os sem-teto. Ou, ainda, o Movimento dos

Trabalhadores Sem-Teto (MTST) que objetiva, além da moradia digna, “criar poder popular”.

Os sentidos de construir outra sociabilidade para os sem-teto no que se refere às

“comunidades do bem viver” foram explorados na última parte do capítulo anterior ao

analisarmos as orientações político-ideológicas dos movimentos.

Em relação ao poder popular, este é um dos temas centrais para o Movimento dos

Trabalhadores Sem-Teto (MST) desde a sua fundação. É interessante notar que tanto o debate

sobre o poder popular quanto a sua prática são entendidos em estado de construção constante.

De acordo com Goulart (2011, p. 209), a ideia de poder popular pode ser entendida de

três maneiras, como:

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forma de organização (decisões horizontalizadas), objetivo (construção do poder popular nas áreas ocupadas, nos núcleos, etc., e como exercício de uma nova sociabilidade) e como formação política para a ação militante.

Como forma de organização, por exemplo, o poder popular se expressa na construção

de espaços de discussão e definição coletiva das decisões nas comunidades e nos

acampamentos. Neste sentido, a forma de organização contribui com a formação militante e

política, preparando os trabalhadores para as mais diversas lutas sociais em busca de uma vida

mais digna. Sobre a ideia de poder popular como objetivo do movimento, esta ultrapassa a

questão da moradia e se relaciona intimamente com ideias mais ambiciosas de transformação

social.

Para compreendermos melhor o que significa o “poder popular” para o movimento,

recorremos às definições contidas nos documentos oficiais do movimento e as dadas por

alguns militantes. Vejamos o quadro abaixo:

Podemos resumir esta meta na seguinte ideia: construção de poder popular. Ou seja, a realização efetiva do princípio de que só os trabalhadores podem resolver os problemas dos trabalhadores. Na prática, isso significa estimular e valorizar as iniciativas autônomas, construir formas de organização e de decisão coletivas, lutar por nossas reivindicações e direitos; enfim, não esperar nada de ninguém a não ser de nós mesmos. Assim, podemos dizer que nosso objetivo maior é a construção do poder popular, contra o capital e seu Estado. Trecho da Cartilha de Princípios do MTST. Disponível em: http://mtst.org/index.php/o-mtst/cartilha-de-principios. Acessado em julho de 2014. “Criar poder popular” é mais do que um grito de ordem, é nosso grande objetivo. Somos a maioria, mas o poder não está com a gente e sim com os capitalistas. Construir o poder popular, que é o nosso poder, é a forma de transformar isso. Como? Com muita organização e luta. Precisamos nos organizar nos bairros, nas ocupações, no trabalho, em todos os lugares. Levando adiante a idéia de que só precisamos da nossa força para mudar a realidade. Trecho da Cartilha de Princípios do MTST. Disponível em: http://mtst.org/index.php/o-mtst/cartilha-de-principios. Acessado em julho de 2014. A cidade privada para poucos é a cidade da privação para a maioria. Essa mudança passa por uma profunda reforma urbana, que não virá do Congresso, com seus parlamentares financiados até o pescoço pelo capital imobiliário. Ela vem de baixo. A história dos povos ensina que as transformações são resultado de movimentos populares de massa, que enfrentam as relações de poder constituídas. Chamamos isso de poder popular. É isso que quer o MTST. Texto escrito por Guilherme Boulos, Josué Rocha e Maria das Dores, membros da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e da Frente de

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Resistência Urbana. Disponível em: http://mtst.org/index.php/noticias-do-site/1226-o-que-quer-o-mtst. Acessado em julho de 2015. A construção do poder popular passa por muitas coisas. Desde o corte de classe que a gente tem até as questões subjetivas do trabalhador. Praticamente, o que a gente procura fazer é criar condições que ele possa decidir, que saia dessa lógica perversa de patrão e trabalhador, que ele possa decidir no local onde ele está, que ele possa interferir no que é que vai ser construído no espaço que ele trabalha, que ele tenha cultura, que ele tenha lazer. [...] Isso é uma coisa que está em constante construção dentro do Movimento, então, para a gente as formas de decisão hoje é o que mais a gente consegue visualizar o poder popular, mas o poder popular passa por questões da produção, pelas questões de reprodução [...] A criação do poder popular é um trabalhador no poder, tomando as decisões, criando as condições de tomar as decisões e valorizando seus objetivos [...] Hoje, criar o poder popular é criar instrumentos para que o povo tenha a consciência, a condição de compreender a sua realidade e de questionar a forma onde ele está inserido e, é claro, nessa construção o objetivo maior é a superação dessa sociedade. (ANA PAULA, 2010). [Trecho de entrevista da militante Ana Paula, do MTST, realizada pelo pesquisador Elton Lorena] (LORENA, 2012, p. 194-195). (...) Poder popular tem de ser um poder paralelo dos trabalhadores, operários, desempregados, no território, consolidado em núcleos, em conselhos, ou seja, em vários instrumentos façam com que o povo tenha vez e voz na sociedade que não seja através da eleição. (JOTA, 2010). [Trecho de entrevista do militante Jota, do MTST, realizada pelo pesquisador Elton Lorena] (LORENA, 2012, p. 195).

Se por um lado, o discurso do movimento e de seuas lideranças estão mais ou menos

afinados em relação ao que entendem por porder popular enquanto objetivo do movimento,

por outro lado, seria interessante analisar como os sem-teto da base deste movimento

entendem isto. Até o momento, está é uma questão que as pesquisas têm deixado em aberto.

Por que ocupar?

Até aqui apresentamos diversos aspectos das ocupações dos sem-teto e fornecemos

alguns elementos para que o leitor pudesse visualizar concretamente este método de luta e,

ainda, entendesse suas características principais e contradições.

Para finalizar este capítulo, gostaríamos de enfatizar que, para nós, a razão principal

para que os movimentos dos sem-teto tenham nas ocupações um dos seus métodos de luta

mais importantes se deve ao fato de que a ocupação, ela mesma, já responde, mesmo que de

maneira provisória (é importante lembrar disto), à reivindicação de moradia realizada pelos

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sem-teto. E, ao mesmo tempo, as ocupações são maneiras de pressionar os governos para que

intervenham no problema do déficit habitacional.

Estas características das ocupações dos sem-teto podem ser explicadas a partir dos

conceitos de ação direta e ilegalismo setorial.

Entendemos aqui que ação direta é aquela que que objetiva resolver os problemas com

as próprias mãos. É uma ação sem intermediários ou representantes. Ela não está mediada

pela institucionalidade. A ação direta se definiria como “o conjunto de práticas de luta que

são, basicamente, conduzidas apesar do Estado ou contra o Estado, isto é, sem vínculo

institucional ou econômico imediato com canais e instâncias estatais” (Souza, 2012). Assim, a

ação direta se diferencia da ação institucional, embora, como vimos com o exemplo dos

movimentos dos sem-teto, elas não sejam incompatíveis.

De acordo com Rebón (s.d.), a ação direta pode expressar tanto a tentativa direta de

resolver um problema quanto uma maneira de procurar estabelecer uma posição de força que

busque uma resolução institucional favorável. Entendemos que estas duas dimensões estão

presentes nas ocupações realizadas pelos sem-teto.

Neste sentido, consideramos pertinente o conceito de ilegalismo setorial, forjado por

Péchu (1997; 2006(a), 2006(b)) ao analisar as ocupações de um movimento de moradia na

França.

De acordo com Péchu, os ilegalismo setorial se refere à realização de ações ilegais por

um movimento social que viabilizam o atendimento imediato da reivindicação proposta pelo

movimento e, simultaneamente, colocam tal reivindicação em evidência.

O complemento “setorial” é dado porque a ilegalidade (ação ilegal) está em relação

direta com as reivindicações específicas do movimento e se limita a esta esfera, a este setor.

Assim, se é verdade que os movimentos dos sem-teto utilizam ações consideradas ilegais, não

são quaisquer ações, mas tão somente aquela que está relacionada diretamente ao setor de sua

reivindicação e que tem o potencial de responder, ela mesma, à demanda. Por exemplo, no

caso dos sem-teto, temos a questão das ocupações dos imóveis que soluciona o problema

urgente da moradia. Já no caso dos desempregados, temos a apropriação ilegal de mercadorias

nos supermercados para saciar a fome daqueles trabalhadores que não podem comprar

alimentos porque não possuem dinheiro já que estão desempregados.

Gostaríamos ainda de enfatizar que o caráter de urgência da reivindicação dos sem-

teto faz com que a característica das ocupações de resolução imediata do problema seja tão

importante.

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Muitas das famílias de sem-teto não têm onde morar e, por isso, a necessidade de uma

moradia é algo urgente e que precisa ser suprida imediatamente, o que pode acontecer com a

realização das ocupações.

Na fala a seguir há passagens interessantes que nos levam a compreender um pouco

mais o sentido de “urgência” da moradia para os sem-teto. Esta passagem faz parte de uma

entrevista de Manoel del Rio, advogado e um dos fundadores do Movimento Sem-Teto do

Centro (MSTC), movimento atuante no centro da cidade de São Paulo.

Manoel Del Rio: O movimento luta muito pelo interesse imediato. (...). O Osmar andou falando isso aí: “-Vamos ocupar as Zonas de Especial Interesse Social” Eu disse: “-Osmar, vai devagar”. Porque é o seguinte nas áreas de especial interesse social você tem moradores e você não consegue mobilizar gente para fazer isto. Mobiliza assim, aquele prédio está vazio, vamos ocupar porque o cara vislumbra a possibilidade de morar lá. Você sabe que é uma violência, uma dificuldade o cara fazer isto. Veja bem, toda ideologia não mexa na propriedade, é a ideologia, ta na cabeça do cara. Eu lembro que quando nós começamos a ocupar o prédio foi uma dificuldade imensa a adesão da própria população e hoje novamente nós estamos com esta dificuldade. Por quê? Porque está na cabeça dele que o prédio é do outro e não dele. Se ele tem que conseguir a moradia dele, ele tem que conseguir de outro jeito, não ocupando uma propriedade. Eu me lembro que na época quando não estava aprovado o Estatuto da Cidade e nem o direito constitucional à moradia eu usava a figura do “estado de necessidade”. Exclui o crime de uma pessoa que está em estado de necessidade, então se você rouba para comer não é crime, pois você está em estado de necessidade. Então eu fazia todo o raciocínio explicando o que era o estado de necessidade e mostrava para o sem-teto o estado de necessidade, e que não era crime ocupar. Então, esta luta mais abrangente, de atacar a causa, vamos dizer assim, é muito difícil. De lutar pela reforma urbana. (...) Que ele só se mobiliza se ver que ali tem possibilidade de ter sua casa. Se você falar assim “-vamos lutar pelas áreas de interesse social”, você não leva ninguém! Porque claro, não dá para condenar o povo, ele tem uma vida sofrida, a luta pela sobrevivência dele, ela gasta as energias todas para sobreviver. E uma sobrevivência péssima. (AFFONSO, 2010, p. 290-291) (grifo nosso).

A existência de ocupações “espontâneas”, aquelas que são realizadas, ao menos

incialmente, sem a coordenação de um movimento social organizado; a pressão que a própria

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base social faz sobre as lideranças para que novas ocupações sejam realizadas e, ainda, o

rápido crescimento de uma ocupação, ou seja, a chegada de “novos” sem-teto às ocupações

quando o movimento permite, todos estes fatos são importantes indicadores que ajudam a

fortalecer esta ideia de que as ocupações respondem às necessidades mais urgentes dos sem-

teto.

Diante do exposto, entendemos que há uma relação entre a ação direta (e o ilegalismo

setorial), a reivindicação de urgência e a base social dos movimentos. Aprofundaremos a

análise sobre as bases sociais no próximo capítulo, mas, por ora, basta dizer que o lugar que a

base social dos movimentos dos sem-teto ocupa nas relações sociais de produção determina a

sua carência por moradia. Esta carência, por sua vez, ao longo de um processo de construção

de luta, se transforma em uma reivindicação de urgência que deve ser suprida rapidamente e

isto acontecerá a partir da realização de ocupações, mesmo que isto signifique ter que agir

ilegalmente.

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Capítulo 3. Análise das reivindicações e das bases sociais dos movimentos dos

sem-teto no Brasil

Compreender qual é o objetivo de um movimento social, saber pelo o que se luta e

identificar quais são suas reivindicações são tarefas essenciais para um pesquisador que se

propõe a refletir sobre o tema.

Lembramos ainda que, de acordo com a análise marxista, além da identificação de

quais são os interesses comuns que levam os sujeitos à organização de uma ação coletiva, é

importante entender se estes interesses estão relacionados ao lugar do grupo social (base do

movimento) nas relações de classes. Ou seja, é importante verificar se a mobilização está

relacionada ao pertencimento de classe dos atores mobilizados. Aí estaria, portanto, uma das

chaves para compreender, não apenas quais são os interesses comuns, mas o porquê (a raiz)

destes interesses e da organização do movimento social.

Além das classes sociais, introduzimos em nosso estudo sobre a base social dos

movimentos dos sem-teto, o conceito de família. Entendemos que as famílias devem ser

identificadas por sua condição de classe e, também, devem ser entendidas como locais

privilegiados de análise das relações sociais de sexo e de geração. Pensando ainda na teoria da

consubstancialidade das relações sociais de classe, sexo e raça discutida por Kergoat (2010),

as questões raciais também se apresentaram como importantes para a análise dos sem-teto.

Foram, portanto, estes elementos que levamos em consideração na reflexão das bases

sociais dos movimentos dos sem-teto no Brasil (e na França também, como pode-se conferir

na segunda parte do texto da tese).

Neste capítulo, tratamos, então, da discussão sobre a plataforma reivindicativa e as

bases sociais dos movimentos dos sem-teto no Brasil. Dividimos a exposição em duas partes.

Na primeira delas, evidenciaremos a importância das classes sociais para a análise dos sem-

teto. E, na segunda, discutiremos a respeito das famílias de trabalhadores sem-teto.

Trabalhadores sem-teto e a reivindicação de classe

Ao nos questionarmos sobre qual a principal reivindicação dos movimentos dos

sem-teto, ou seja, qual a sua reivindicação de urgência, a resposta pode parecer evidente: “um

teto”. Mas o que isto significa efetivamente?

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No caso brasileiro (diferentemente do caso francês, como veremos na segunda

parte deste trabalho), “o teto” ou a “moradia digna” reivindicada se trata da aquisição de uma

casa própria.

O “sonho da casa própria” é muito difundido na cultura brasileira e, entre os sem-

teto isto não é diferente. Dentre as razões para tal, está por exemplo o fato de que a aquisição

da casa própria é entendida como o fim do pagamento do aluguel, despesa esta que, nas

famílias de trabalhadores, compromete muito o orçamento familiar. Além disso, com a casa

própria não existe a possibilidade de despejo em consequência do não pagamento do aluguel.

Situação essa muito recorrente entre as famílias de sem-teto.

A casa própria também significa para o sem-teto uma ascensão social e a

possibilidade de não ser mais reconhecido pela carência ou pela privação da moradia, ou seja,

como “sem-teto”. Neste sentido, é importante lembrar que, na maioria dos casos, quando os

trabalhadores sem-teto conquistam a sua moradia, eles acabam deixando de participar dos

movimentos de moradia por não mais se identificarem com a luta. Esta é uma questão que os

movimentos enfrentam constantemente.

O “sonho da casa própria”, quando contextualizado, se justifica ainda pelo fato de

que, as políticas habitacionais brasileiras trataram, majoritariamente, as moradias como

mercadorias a serem produzidas e comercializadas nos moldes capitalistas (MARICATO;

1979, 1996). Ao voltar às origens da habitação social, Bonduki (1998), aponta que a difusão

da ideologia da casa própria está presente há muito tempo no Brasil. No período da ditadura

militar, por exemplo, as escolhas políticas apontaram para as políticas de construção de casas

próprias e incentivo à indústria da construção civil.

Engels, em seu clássico texto, Contribuição ao problema da habitação, ao

analisar as diferentes soluções para os problemas habitacionais, já destacava que a

transformação do inquilino (no nosso caso, do sem-teto) em proprietário da sua casa poderia

trazer consequências no que se refere à mobilidade deste trabalhador, ou seja, o apego à

propriedade privada poderia se transformar em uma cadeia para o operário, que se negaria a

procurar outro trabalho ou mudar de cidade, por exemplo, para não deixar sua casa. No caso

brasileiro, as próprias regras das políticas habitacionais auxiliam no engessamento do

beneficiário. No Programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, os beneficiários que têm

renda familiar mensal de até R$ 1.600, ou seja, aqueles considerados da Faixa I do Programa, não

podem comercializar ou alugar a residência antes de terminar o prazo de dez anos do

financiamento. Se o trabalhador conseguir quitar o financiamento antes deste prazo, ele pode

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vender a casa, mas, levando em consideração a sua situação financeira, isso dificilmente

acontece. E mais, caso o trabalhador consiga vender a sua casa ele não poderá ser mais

beneficiário do Programa em outro local, pois cada cidadão brasileiro, que se enquadra nos

critérios da Faixa I, pode participar apenas uma vez do Programa67.

É importante que fique claro ainda que, quando os movimentos dos sem-teto

reivindicam moradia digna, a luta vai além da conquista de moradia para os sem-teto da sua

base. A luta passa por políticas habitacionais mais gerais, que atendam a população brasileira

de mais baixa renda, aquela que possui uma renda familiar de até três salários mínimos, que é

onde se concentra a maior parcela do déficit habitacional.

A luta pela moradia também é uma luta por um direito. Isto porque a moradia

adequada é um direito fundamental reconhecido pela Constituição Brasileira (ainda que

tardiamente, visto que a moradia foi incluída no artigo sobre os direitos sociais somente no

ano 2000) e pelos compromissos internacionais assinados pelo Brasil, como a Declaração

Universal dos Direitos Humanos da ONU. É importante ainda lembrar que a moradia digna

não significa apenas uma casa, mas sim uma casa dotada de boa estrutura física e localizada

próxima à infraestrutura urbana.

É ainda comum aparecer nas plataformas reivindicativas dos movimentos o direito

à cidade e à reforma urbana. Apesar destas reivindicações possuírem significados mais ou

menos distintos de acordo com as posições ideológicas dos movimentos, podemos dizer que,

de maneira bem geral, os movimentos dos sem-teto têm entendido por direito à cidade a ideia

de que todos os moradores, sendo rico ou pobre, têm direito a desfrutar efetivamente da

cidade, ou seja, possam ter uma moradia digna, saneamento básico, saúde, educação,

transporte público de qualidade, áreas de lazer e outras coisas que garantam o seu bem estar.

Em relação à reforma urbana, o que se destaca na maioria das vezes é a

democratização do direito à cidade e, ainda, a existência de uma gestão democrática da

cidade. Nas palavras do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), movimento nacional

que tem em suas bases as grandes confederações nacionais dos movimentos de moradia, se

fundamenta a partir de três princípios: 1. Direito à Cidade (entendendo que todos os

moradores da cidade têm direito à moradia digna, aos meios de subsistência, ao saneamento

ambiental, a saúde e educação, ao transporte público e à alimentação, ao trabalho, ao lazer e à

informação); 2. Gestão Democrática das Cidades (incentivo da participação dos cidadãos nas

67Estes dados estão disponíveis em: http://www20.caixa.gov.br/Paginas/Noticias/Noticia/ Default.aspx?newsID=618. Acessado em julho de 2015.

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decisões políticas e controle das ações dos governos, como por exemplo, o estimulo da

participação popular nos conselhos municipais); 3. Função Social da Cidade e da Propriedade

(entende-se com isso que tanto a cidade quanto a propriedade devem atender primeiramente

aos interesses coletivos das grandes maiorias)68.

Alguns movimentos dos sem-teto estão mobilizados ainda para outras questões

além da moradia, mas que se definem dentro do âmbito das reivindicações urbanas, tais como

água e eletricidade, por exemplo. Estas reivindicações se expressam de maneira mais precisa

durante as ocupações. De acordo com Péchu (1997: 142), a gestão cotidiana de uma ocupação

faz aparecer de maneira escancarada o fato de que a necessidade por moradia recobre, na

realidade, inúmeras outras necessidades. Seguindo a sugestão de Péchu (1997) denominamos

estas demandas de reivindicações latentes. Alertamos ao leitor que, quando analisarmos os

diferentes segmentos da base familiar dos movimentos, outras reivindicações latentes se farão

presentes entre os movimentos dos sem-teto.

Entendido, então, qual é a reivindicação de urgência do sem-teto, questionamo-

nos: a carência comum (a moradia) não possui relação direta com a estrutura e os conflitos de

classes? Esta é uma reivindicação de classe, no sentido de que tem por traz um interesse

comum de uma classe social? Importa aqui saber a qual classe social os sem-teto pertencem?

Por quê?

Para responder a esta questão faz-se importante entender quem são os sem-teto

brasileiros, no que se refere às suas condições sociais e à sua situação de classe. E, ainda, se

pensamos em uma análise em nível nacional, temos que estar atentos para a existência (ou

não) de diferenças nestas condições dos sem-teto dos distintos movimentos.

Convidamos, então, o leitor a fazer esta reflexão a partir de um passeio pelas

ocupações dos movimentos de diversas regiões do Brasil para conhecer quem são os sem-teto

e suas condições sociais.

Rodrigues (2002) aplicou mais de trezentos questionários em oito ocupações do

Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) de Recife69, capital do estado de

Pernambuco, entre outubro de 2001 e janeiro de 2002. A pesquisadora constatou que:

O dado mais revelador da condição social é a renda, entre as respostas válidas, 75,2% declara que ganha menos de um salário mínimo.

68 Disponível em: www.forumreformaurbana.org.br/_reforma/pagina.php?id=733. Acessado em janeiro de 2010. 69 Atualmente, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto de Pernambuco (MTST PE) é filiado à União Nacional por Moradia Popular (UNMP). Ele não faz parte do movimento homônimo, o MTST, o qual temos abordado ao longo desta tese.

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Existindo entre estes, famílias que declaram viver de doações e de esmola. Entre os demais 21,3% estão na faixa de um a dois salários; 3,2% entre dois e cinco salários; existindo uma pessoa (0,3%) que declarou ganhar entre 5 e 10 salários. A média é de quatro pessoas por unidade habitacional, sendo o mínimo de uma e o máximo de doze. A maioria das pessoas (61,6%) declarara-se casadas; 4,8% viúvas e 33,6% solteiras (RODRIGUES, 2002, p. 95).

Rodrigues (2002) ainda acrescenta que apenas 23,1% dos entrevistados que

diziam estar trabalhando possuíam carteira assinada. Outros estão desempregados e/ou

“fazendo biscate”.

Ressaltando que grande parte dos sem-teto possuem trabalhos precários e

provisórios, conhecidos como “bico” ou “biscate”, Dowling (2006) defende que a melhor

definição para os sem-teto de uma ocupação em João Pessoa, capital do estado da Paraíba,

seria a de “multi-biscateiros”. Esta denominação, de acordo com Dowling (2006, p. 117) seria

capaz de expressar a “alternância entre os vários “trabalhos” e a disponibilidade de mudar de

um para outro, de acordo com a circunstância”. A autora descreve a condição socioeconômica

dos sem-teto da ocupação de um imóvel do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS),

organizada pelo Movimento de Direito à Moradia (MDM) e a Confederação Nacional das

Associações de Moradores (CONAM) da seguinte maneira:

Entre as famílias entrevistadas, um conjunto de 116 adultos, sobressai a questão do desemprego ou da não inserção no mercado de trabalho: 63 dessas pessoas (ou 54,3%) estão desempregadas ou, como se trata de desemprego de longa duração, permanente, excluídas do mercado de trabalho. Muitos, principalmente as mulheres e as mais jovens, nunca tiveram qualquer inserção no mercado de trabalho e se declararam apenas como “domésticas” (ou seja, “prendas domésticas”). Algumas delas se declararam “empregadas domésticas”, embora nenhuma trabalhasse como tal.

Raros são os casos de trabalho assalariado formal ou legal: apenas 3 ocorrências, sendo 2 vendedoras e 1 auxiliar de produção. Alguns autônomos, de fato, ainda que obtenham uma renda tão baixa quanto aqueles que sobrevivem dos vários “bicos”: vendedores de CDs/DVDs, artesão estatuetas/vidro, cabelereiro ambulante e um eletricista. O conjunto daqueles que sobrevive de “bicos” e trabalhos eventuais é mais expressivo (29 pessoas ou 25%), reunindo auxiliares de pedreiro, pintor, eletricista, borracheiro; vendedores de churrasquinho, café, frutas (laranjas, mas sazonalmente, ouras); lanches/almoço; vendedores ambulantes; faxineiras; reciclagem lixo; faxineiras; lavadeira e ainda a “venda-mendicância” de balas, chicletes. Ainda que um tema tratado com dificuldade, registram-se também alguns

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casos de trabalhos ilícitos ou degradante: prostituição, tanto masculina quanto feminina” (DOWLING, 2006, p. 114)70.

Dowling (2006) investigou também uma outra ocupação na cidade de João

Pessoa, esta localizada na periferia da cidade, próxima de um ponto turístico. Sobre as

famílias da ocupação denominada Comunidade do Cajueiro (ocupação que teve seu início de

maneira espontânea e, depois de algum tempo, entrou em contato com o Movimento Nacional

de Luta por Moradia (MNLM)), a pesquisadora afirma que:

Nem sempre é o pai o chefe da família; [existem] muitas mães

solteiras; crianças órfãs criadas por parentes ou avós; duas famílias migraram de Pernambuco; avós constituem a força e o comando da família; crianças trabalham catando lixo durante dois expedientes (tarde e noite), porém, durante a manhã frequentam a escola. Grande parte das famílias se alimenta do próprio lixo coletado; não só se alimenta como reaproveita e reutiliza objetos e todo o material possível de ser reciclado para fins caseiros, ou até brinquedos, livros e material escolar reaproveitados para as crianças. Muitos casos de alcoolismo e uso de drogas foram constatados.

Além da coleta de lixo, alguns ainda são “pastores de carros”, mas a realidade dos ocupantes da Comunidade caracteriza-se predominantemente pelo desemprego e pela exclusão do mercado de trabalho (DOWLING, 2008, p. 125).

Silva (1999) entrevistou cinquenta trabalhadores sem-teto que organizaram uma

ocupação no bairro Jockey Club, na cidade de Fortaleza, capital do Ceará. Dentre as

atividades econômicas principais dos responsáveis pela manutenção financeira das famílias,

encontramos as seguintes: bombeiro hidráulico, servente, pintor, pedreiro, carpinteiro,

vigilante, agente de saúde, lavadeira, zelador, empregada doméstica, serviços temporários,

frentista, polidor de carro, treinador de cavalos, pintor publicitário, comerciário, motorista

moto taxista, operário têxtil, costureira, aposentado e pensionista (SILVA, 1999, p.125). Em

relação à renda familiar, “a pesquisa revelou que 52% das famílias vivem com um salário

mínimo, 36% destas ganham mais de um salário mínimo ou igual a dois salários e apenas

12% vivem com renda superior a dois salários ou igual a três salários mínimos” (SILVA,

1999, p. 126).

Viana (1999, p. 139), por sua vez, ao apresentar sua análise sobre as atividades

dos moradores da ocupação Vila da Paz, em Teresina, capital do estado do Piauí, uma

ocupação que se deu de uma maneira espontânea e, depois, passou a ser coordenada pela

70 Apenas para alertar o leitor, lembramos que a prostituição no Brasil não é uma atividade ilícita. Os crimes relacionados à prostituição são ações que colocam a prostituta ou o prostituto como vítima, como por exemplo, tráfico internacional de pessoas.

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Federação das Associações de Moradores e Conselhos Comunitários do Piauí (FAMCC),

marca que, no mercado formal, sobressai-se o emprego na construção civil, já no informal e

“subemprego” (vocabulário usado pela autora), estão os ambulantes, domésticas, lavadeiras e

lavador de carros. Existem ainda aposentados e desempregados. Em relação aos salários,

Viana (1999) nota que poucas são as famílias que recebem mais que três salários mínimos por

mês.

Dal Maso (2004, p. 92), ao analisar a ocupação Canudos71, organizada pelo Fórum

de Moradia, na periferia de São Luís, capital do estado do Maranhão, aponta que

(...) as formas de emprego / trabalho prevalecentes em Canudos pela ordem quantitativa são: a) pedreiros e serventes de pedreiro; b) empregadas domésticas; c) ambulantes / camelôs; d) seguranças / vigilantes; e) balconistas e ajudantes de serviços gerais; f) garçons, entre outros. De certa forma, é possível dizer que os moradores de Canudos são “condenados” a esse tipo de trabalho.

No período em que o levantamento foi realizado, 58,77% do total dos responsáveis pelos domicílios possuíam algum tipo de emprego remunerado, ao passo que o restante, ou seja, 41,23 % do total, estava desempregado. Considerando o universo daqueles que de alguma forma exerciam algum tipo de trabalho, 29,25% do total tinham carteira assinada e o restante ganhava por serviço prestado. Analisada na perspectiva das unidades familiares, a situação era a seguinte: 46,20% afirmaram viver do salário auferido graças ao emprego de alguns de seus membros; 36,84% da prestação de serviços; 8,77% da aposentadoria ou pensão de alguém da família e 8,19% de ajuda e doações. Em termos quantitativos, 87,14% das unidades familiares viviam com até no máximo dois salários mínimos mensais por unidade, sendo que 22,52% destes dispunham de um valor inferior ao salário mínimo mensal. Em decorrência desse quadro, 95,03% das unidades pesquisadas não possuíam plano de saúde.

Mello (2012, p. 226) descreve da seguinte maneira a base social da ocupação

Manoel Congo72, organizada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), na

cidade do Rio de Janeiro, capital do estado de mesmo nome:

A ocupação é formada por 42 famílias de baixa renda (0 a 3 salários mínimos). A maioria de seus integrantes não terminou o ensino médio, sendo que uma parte expressiva sequer concluiu o ensino fundamental. Há, entretanto, uma moradora que está fazendo mestrado, um morador que já terminou uma especialização, uma que tem o ensino superior completo e outra, incompleto. Muitos moradores são desempregados e a

71 A ocupação Canudos, organizada em 1998, é hoje um bairro da cidade de São Luís e conta com cerca de 400 famílias. 72A ocupação Manuel Congo, organizada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), teve seu início em 2007 e ainda existe. Ela se localiza no centro da cidade do Rio de Janeiro, em um prédio do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) que estava desocupado havia onze anos.

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grande maioria dos que trabalham atua nos postos mais baixos da economia urbana; há, por exemplo, ambulantes, costureiras, operadores de máquinas, trabalhadores da construção civil e ascensoristas (MELLO, 2012, p. 226).

Ao descrever a ocupação Zumbi dos Palmares73, também na cidade do Rio, e os

seus ocupantes, Freire (2011, p. 64) relata:

No segundo andar, por exemplo, morava uma viúva – empregada doméstica em uma casa de família‖ em Copacabana - com seus nove filhos. Seu marido foi gerente do tráfico de drogas da Mangueira durante muitos anos. Quando faleceu eletrocutado, enquanto tentava pegar cobre em um bueiro bem ao lado da Ocupação, ele vivia de bicos catando latinha, carregando quilos de papelão, vendendo cerveja. No terceiro andar, morava uma família de peruanos que estava no Brasil fugida da polícia de lá. No quarto andar, morava um casal de mulheres que se conheceram na própria ocupação e que trabalhavam na Rua do Ouvidor entregando panfletos e segurando placas de venda. No quinto andar, residia uma conhecida prostituta da Praça Tiradentes, internada, várias vezes, com laudos de esquizofrenia. No andar acima, um baiano, solteiro, ocupava um quarto pequeno com uma bela vista da cidade. Ele trabalhava vendendo isqueiros e giletes de barbear na entrada da estação Central do Brasil. Seu vizinho do sétimo andar também morava sozinho e trabalhava como ajudante de camelô em uma barraca na Praia do Flamengo, cujo dono morava na própria ocupação, no quarto andar.

Em relação aos sem-teto da base do Movimento dos Sem Teto de Salvador

(MSTS), Bochicchio (2008, p. 101) ressalta que:

Os integrantes do Movimento são, sobretudo, pessoas que moravam de aluguel, em casa de parentes ou de conhecidos, e/ou em condições precárias, em casa condenadas, em áreas de risco de deslizamentos e que têm uma renda insuficiente para pagar aluguel ou adquirir um imóvel. Isto foi dito quando perguntamos o que é um sem-teto, nesse contexto. Estas pessoas são em sua maioria empregadas domésticas, biscateiros, catadores, camelôs e, em torno de 80%, têm uma renda mensal de até R$ 300,00. De todo modo, muitos não possuem renda e tentam sobreviver com a ajuda de outros. Observamos que é habitual que alguns se alimentem na “casa” dos vizinhos da ocupação.

Ainda em relação ao Movimento dos Sem Teto de Salvador, mas tratando

especificamente dos sem-teto de uma de suas ocupações, a saber, ocupação da Estrada Velha

do Aeroporto (EVA- Km 12), em Salvador, capital do estado da Bahia, Cloux (2008, p.69)

cita a seguinte passagem presente no documentário de Pronzato (2004) em que uma das

coordenadoras do movimento afirma:

73 A ocupação Zumbi dos Palmares, organizada pela Frente de Luta Popular (FLP) e a Central dos Movimentos Populares (CMP), teve seu início em 2005 e seu desfecho em 2011. Ela se localizava na área portuária da cidade do Rio de Janeiro.

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KM 12 é nossa maior ocupação (...) ocorreu no dia 13 de agosto de 2003. E lá ta concentrado mais de 500 famílias. São pessoas pobres, que catam latas, saem para pescar, maioria de mães solteiras que não tem fonte de renda. Ou quando trabalha é empregada doméstica e ganha 100 reais para se sustentar (Luciana Moura).

Hernández (2008, p. 138), por sua vez, destaca que quase 80% dos chefes das

quarenta famílias da ocupação João de Barro II, em Belo Horizonte, capital do estado de

Minas Gerais, exercem trabalhos na construção civil, tais como: marceneiros, carpinteiros,

eletricistas, pedreiros, forneiros, pintores e outros.

Um estudo organizado por professores e estudantes da Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo (FAU - USP), com a colaboração das lideranças e membros do Movimento de

Moradia do Centro, traz alguns dados sobre uma das ocupações deste movimento de grande

visibilidade na época, a saber, a Ocupação do Ouvidor, localizada no centro da cidade de São

Paulo:

Quanto à ocupação, o que se constata é que 69,9% dos chefes estão trabalhando na ocupação considerada principal, ou seja, na qual dedicam maior número de horas na semana. Os desempregados somam 13,7% e 12,3% vivem de bico. Há ainda 4,1% de chefes aposentados.

(...) Com relação às ocupações principais dos chefes de família que

trabalham, as mais frequentes são: ambulante (31,4%), ajudante geral (27,5%) e autônomo (17,6%). Aparecem também outras profissões como: catador de papel, motorista, serviços domésticos, construção civil e serviços de vigilância, entre outras, com porcentuais mais reduzidos (SANTOS et al., 2002, p. 75-76).

Em nossa pesquisa de mestrado (OLIVEIRA, 2010, p. 174), elaboramos uma

listagem das principais atividades dos sem-teto que apareceram tanto em nossas entrevistas e

conversas com os sem-teto de três diferentes movimentos de sem-teto atuantes na cidade de

São Paulo e em sua Região Metropolitana, quanto nas reportagens sobre os sem-teto

publicadas pela grande imprensa. Na ocasião, constatamos que muitos dos sem-teto se

encontravam desempregados e dentre as atividades apareciam: pedreiro, ajudante/servente de

pedreiro, auxiliar de entregas, cobrador de lotação, caminhoneiro, garçom, lavador de carros,

camelô, ambulante, comerciante, catador de material reciclado, ajudante geral, auxiliar de

serviços gerais, mecânico, pintor de paredes, soldador, doméstica, diarista, cozinheira,

garçonete, auxiliar de enfermagem, aposentada, costureira, ex-lavradora e dona de casa.

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A bibliografia sobre os sem-teto no Brasil tem destacado como uma das principais

atividades dos sem-teto, a catação de materiais sólidos para reciclagem. E, como

consequência, os movimentos dos sem-teto têm tido uma preocupação de garantir esta fonte

de renda aos sem-teto de suas bases. Assim, muitas das ocupações dos prédios vazios

realizadas pelos movimentos acabam por reservar um espaço para que os catadores guardem

estes materiais e, posteriormente, façam sua seleção.

Outra atividade que aparece com bastante frequência na bibliografia é a de

vendedor e vendedora ambulante. O material que é vendido pelos sem-teto camelôs é variado:

frutas, balas, doces, bolsas, brinquedos e outros. Por exemplo, Ramos (2009) relata como se

dava a montagem de bonecas de plástico dentro de uma das ocupações no centro de São Paulo

e que, posteriormente, estes brinquedos eram vendidos pelos sem-teto.

Notamos ainda a existência de muitas empregadas domésticas e aí esta se desataca

como uma atividade das mulheres sem-teto. Já as atividades de pedreiro ou de outros serviços

ligados à construção civil são ocupadas majoritariamente pelos homens sem-teto. A

contradição se revela aqui de maneira bem cruel: o sem-teto que também é um pedreiro

constrói casas, mas não tem possibilidade de ter a sua.

As atividades realizadas pelos trabalhadores sem-teto variam de acordo com as

condições das cidades em que vivem. Neste sentido, a pesca é para alguns dos sem-teto

soteropolitanos e baianos uma atividade que traz renda e uma maneira de garantir o alimento

da família. Já os trabalhadores sem-teto que estão no centro da cidade de São Paulo, por

exemplo, a atividade de vendedor ambulante é interessante já que estão muito próximos de

grandes centros comerciais com grande movimentação. No entanto, é importante afirmar que,

como vimos, os sem-teto dos diferentes movimentos dos sem-teto estudados pela bibliografia

são todos eles trabalhadores e possuem uma condição instável e precária de trabalho, com

baixa remuneração.

Os sem-teto são, portanto, trabalhadores “muito pobres”. Mas, entendemos que

podemos precisar melhor quem são estes trabalhadores sem-teto. Aliás, esta é uma

preocupação que aparece em alguns trabalhos da bibliografia analisada, em especial, entre os

trabalhos que possuem uma abordagem teórica marxista.

Para citar alguns, mencionamos o trabalho de Francine Hirata (2010, p. 82) que

analisa os sem-teto como pertencentes à superpopulação relativa e, mais precisamente, ao

exército industrial de reserva, conceitos trabalhados por Marx. Débora Goulart (2011, p. 154),

por sua vez, apresenta uma releitura do conceito de subproletariado, anunciado originalmente

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por Paul Singer. Miranda (2008) fala de “classe-que-vive-do-trabalho”, noção forjada pelo

sociólogo brasileiro Ricardo Antunes. Existem ainda alguns autores, como Andrade (2010),

que utilizam o termo classes populares, acreditando que não há como precisar melhor quem

são os trabalhadores sem-teto.

De nossa parte, identificamos os sem-teto como trabalhadores da massa

marginal74. Entendemos que este conceito é mais pertinente para a análise dos sem-teto, pois

traz uma atualização do conceito marxista de exército industrial de reserva, além de ser

pensada para o contexto latino-americano, levando em consideração a menor capacidade que

o capitalismo dependente tem de integrar a população trabalhadora quando comparado com o

capitalismo dos países centrais.

Seguimos, portanto, com a mesma hipótese de nossa dissertação de mestrado

Oliveira (2010) a respeito da situação de classe das famílias de sem-teto e o seu atrelamento

ao debate sobre a marginalidade. O interessante agora é que comprovamos que não são apenas

os sem-teto da grande São Paulo, mas os sem-teto de movimentos de diferentes estados do

Brasil que podem ser caracterizados como trabalhadores da massa marginal.

O conceito de marginalidade75 é utilizado aqui dentro de uma vertente histórico-

estrutural e se refere a um modo específico de inserção nas estruturas de produção. Trata-se,

assim, de se pensar a marginalidade dentro do conjunto de relações entre capital e trabalho e

não no sentido de que está “de fora” ou “excluída” da economia capitalista. Estes

trabalhadores, por exemplo, consomem e vendem mercadorias produzidas pelas empresas

capitalistas. Eles podem, assim, contribuir para a realização da mais-valia, mas, é fato, que

não são eles os trabalhadores produtores de mais-valia.

De acordo com Nun (1972, 1978), os trabalhadores que estão inseridos na massa

marginal são os desocupados e também os que não se encontram no setor das grandes

corporações monopolistas (fora do tipo dominante de organização produtiva).

Os trabalhadores da massa marginal seriam os desempregados, trabalhador

intermitente e trabalhador de setores produtivos estagnados ou decadentes (produção artesanal,

indústria a domicílio), empregados domésticos, trabalhador autônomo do comércio de

mercadorias (ambulantes) e prestação de serviços. Os trabalhadores da massa marginal não

74 Escrevi um artigo juntamente com Carolina Filho, onde buscamos refletir sobre a atualidade do debate a respeito da massa marginal na América Latina. Conferir Filho e Oliveira, 2012. 75 Destacamos os seguintes autores que refletem sobre a marginalidade: o brasileiro Lúcio Kowarick (1975), o argentino José Nun (1972, 1978, 2000) e o peruano Aníbal Quijano (1978, 2000).

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possuem uma posição estável. Ora estão desempregados, ora fazem “bicos”, ora são

subcontratados.

Os sem-teto pertencem, então, a uma mesma classe social, são trabalhadores da

massa marginal. Mas qual a relevância desta informação?

A nosso ver, a existência da carência por uma moradia e a transformação desta em

reivindicação do movimento estão estritamente relacionadas com a situação de classe dos

sem-teto. Assim, estes trabalhadores quando chegam aos movimentos dos sem-teto se

encontram numa mesma situação socioeconômica e percebem isso. Eles partilham as mesmas

carências e lutam pela mesma coisa, no limite: uma moradia digna para suas respectivas

famílias.

Dito de outra maneira, a reivindicação por uma moradia digna, ou seja, a

possibilidade de conquistar uma moradia apenas com o auxílio e subsídio do Estado, acontece

porque os trabalhadores, devido à sua inserção particular na estrutura produtiva e,

consequentemente, seus baixos salários e precárias condições de vida, não conseguem

comprar ou alugar uma casa pelo preço de mercado. Trata-se aqui, portanto, de uma

reivindicação de classe, uma reivindicação que está estritamente relacionada com o

pertencimento de classe de quem a apresenta.

Podemos dizer ainda que a luta por moradia expressa conflitos de classes. De um

lado, temos os trabalhadores sem-teto realizando ocupações, reivindicando que o Estado faça

valer a função social dos imóveis, de outro, estão os capitalistas imobiliários deixando

justamente seus imóveis vazios a espera de valorização, à mercê da especulação imobiliária.

De um lado, temos trabalhadores sem-teto reivindicando políticas habitacionais do Estado que

sejam caracterizadas pela autogestão realizada pelos movimentos sociais, de outro lado, estão

os interesses das grandes construtoras e do setor da construção civil para construírem

moradias sociais e lucrarem com isto. De um lado, temos trabalhadores demandando uma

regularização dos valores dos alugueis por parte do Estado, de outro, estão proprietários de

imóveis buscando alta lucratividade com os alugueis de suas propriedades.

Nossa pesquisa identifica, portanto, um caráter de classe dos movimentos dos

sem-teto, ou seja, sua reivindicação principal e sua base social estão fortemente vinculadas às

classes trabalhadoras76.

76 Isto não significa dizer que os movimentos possuem (necessariamente) uma identidade de classe. Muitos movimentos não constroem sua identidade em torno do pertencimento de classe, apesar do movimento possuir um caráter de classe. Isto será melhor exemplificado com os estudos dos movimentos franceses.

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Esta conclusão debate fortemente com teses centrais da Teoria dos Novos

Movimentos Sociais. Em especial, como uma das ideias de Touraine (1989, p.13) em que se

defende que há uma generalização do conflito de modo que este “não está mais associado a

um setor fundamental da atividade social, à infraestrutura da sociedade, ao trabalho em

particular, ele está em toda parte”. Em acordo com Galvão (2008), entendemos que a

“consequência dessa formulação [de Touraine] é que os conflitos de classe teriam sido

ultrapassados e a luta de classes não seria mais uma categoria analítica relevante”.

Não é isto que indica o estudo dos movimentos dos sem-teto no Brasil, os quais,

como vimos “teimam em fazer lutas de classes” (Machado, 2006, p. 12), mesmo que sejam

em moldes diferentes do movimento operário mais tradicional. Estamos falando aqui,

portanto, de luta política, de luta dos trabalhadores da massa marginal que confrontam

indiretamente o capital, quando reivindicam que o Estado atenda os seus interesses.

A capacidade dos movimentos dos sem-teto organizarem um setor da massa

marginal contraria, ainda, a ideia de que os trabalhadores mais precários e vulneráveis não

poderiam ou não conseguiriam se constituir em agentes políticos. No entanto, é importante

frisar que grande parte da massa marginal brasileira permanece desorganizada social e

politicamente.

A análise das classes sociais é, assim, fundamental para se compreender as bases

sociais dos movimentos dos sem-teto. No entanto, não nos satisfaz por inteiro. A base social

destes movimentos é complexa e faz-se necessário considerar outro elemento em nossa

análise: as famílias.

Ao analisarmos as famílias, centraremos nossas observações nas relações de

classe, gênero e geração. Por isto, antes de passarmos para esta análise efetivamente,

gostaríamos de tecer alguns comentários a respeito das questões raciais - as quais estão

certamente relacionadas com a discussão sobre classe e o gênero - presentes nos movimentos

dos sem-teto.

Trabalhadores/trabalhadoras, negros/negras e migrantes nos movimentos dos sem-teto

A grande presença dos trabalhadores/trabalhadoras, negros/negras e migrantes

entre os sem-teto é notória. Este fato certamente está relacionado com a maneira com que as

relações de produção são organizadas na sociedade brasileira.

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Muitas das mulheres sem-teto são negras - isto é destacado principalmente entre

os pesquisadores dos movimentos dos sem-teto da Bahia (CLOUX, 2008; MACEDO FILHO,

2010; SOUZA, 2011). E muitas das que estão nos movimentos dos sem-teto de São Paulo e

Rio de Janeiro são negras e migrantes, geralmente mulheres da região nordeste do país. Estes

elementos trazem questões importantes para pensarmos a consubstancialidade das relações de

classe, gênero e raça (Kergoat, 2010).

De acordo com Cloux, estudioso do Movimento dos Sem-Teto de Salvador, a

maioria das pessoas que estão dentro das ocupações dos sem-teto são afro-brasileiros, dado

que contribui com a tese que contesta a existência de uma democracia racial brasileira. Ao

definir os sem-teto baianos, Cloux (2008, p. 55) afirma:

Os Sem-Teto são oriundos do processo histórico de exclusão de grande parte da população, dos negros e negras, das comunidades indígenas, dos caboclos do meio rural, que foram expulsos juntos com os negros após o 13 de maio de 1888, sem qualquer direito sobre as terras em que cultivavam e criavam gado ou a qualquer assistência social ou de previdência, sem acesso à alimentação adequada, trabalho e moradia.

Assim, podemos entender a existência de muitos sem-teto negros como

consequência da formação da sociedade brasileira, a existência da escravidão negra e a

posterior abolição desta de modo que há uma desigualdade de inserção no interior da ordem

social. Dessa maneira, a ocupação de serviços mais precarizados e menos prestigiados é feita

majoritariamente por negros.

A diferença salarial entre brancos e negros aponta claramente que os primeiros

levam vantagens sobre os segundos, isto é, os brancos, em diferentes tarefas, possuem um

salário maior que os negros (SANTOS, 2005). No caso particular das mulheres negras, os

salários delas são menores ainda.

Existe aqui, então, uma transversalidade entre as relações de classe, gênero e raça.

As mulheres sem-teto negras, além de terem que enfrentar o estigma da pobreza, ainda sofrem

com o preconceito racial e a dominação masculina. Entrecruzam-se aqui exploração,

dominação e opressão.

Gostaríamos de notar ainda que as trabalhadoras (muitas vezes as domésticas)

sem-teto que são migrantes nordestinas ainda têm que enfrentar uma espécie de preconceito

cultural por parte de alguns paulistas e paulistanos, que responsabilizam os migrantes pela

existência dos problemas sociais (dentre eles o habitacional) da cidade de São Paulo.

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Verri (2008) defende que os trabalhadores nordestinos não se organizam

politicamente enquanto migrantes:

Esses migrantes constituem outra categoria estruturante dos movimentos pela moradia, que embora desprezados, marginalizados, ridicularizados, vistos como os párias da sociedade, eles não se constituem em comunidades reivindicativas enquanto tal, mas se integram e aderem às lutas dos diversos setores da população, assumindo, na maior parte dos casos, um papel relevante nos conflitos (Verri, 2008: 196).

A nosso ver, a identidade que se constrói nos movimentos dos sem-teto é pela

privação da moradia que, como vimos, tem fortes relações com o caráter de classe destes

movimentos. Dito de outra maneira, os migrantes não possuem moradia porque são

migrantes, mas sim porque são trabalhadores migrantes da massa marginal. É aí que está o

elemento que unifica toda a base.

As relações raciais ainda são importantes para se entender os movimentos dos

sem-teto quando constatamos que existem também, ainda que em pequeno número, é verdade,

imigrantes latino-americanos sem-teto. Encontramos, em especial, bolivianos e bolivianas nas

bases dos movimentos dos sem-teto que atuam na região central da cidade de São Paulo. O

trabalho realizado pelos bolivianos são, geralmente, muito precários e acontecem nas oficinas

de costura localizadas no centro da referida cidade.

Em diversos documentos oficiais dos movimentos, como estatuto e cartas de

princípios, aparece a ideia de rejeição e combate de qualquer tipo de discriminação, seja

racial, de gênero ou relativa à sexualidade. Vejamos alguns exemplos:

Artigo 6º. No desenvolvimento de suas atividades, a UNMP não fará distinção alguma quanto à raça, sexo, condição social, orientação sexual, credo político ou religioso.

Estatuto Social da União Nacional por Moradia Popular (UNMP)77.

Art. 1º – A Confederação Nacional das Associações de

Moradores – CONAM, fundada em 17 de Janeiro de 1982, (...) é uma entidade civil, sem fins lucrativos, de duração indeterminada, de caráter comunitário e popular, autônoma e democrática, sem preconceitos de raça, cor, político, partidária, opção sexual, filosófico ou religioso (...)

(...) Art. 6º – São deveres das entidades associadas:

77 Disponível em: http://www.unmp.org.br /index.php?option=com_content&view=article&id=52&Itemid=73. Acessado em novembro de 2015.

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(...) d) Vincular a execução dos seus programas de saúde, moradia,

educação ambiental, cultura, esporte, proteção à infância e adolescência, combate à discriminação de gênero, raça, idade, orientações e supervisão da diretoria nacional da CONAM.

Estatuto da Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM78.

Disciplina militante e valores socialistas – O militante do

MTST precisa ser coerente em sua conduta com a proposta do movimento. Deve ser exemplo para o conjunto. Isso significa também não reproduzir as ideologias que combatemos: opressões, discriminações (a mulheres, negros, homossexuais) e valores individualistas.

Cartilha de Princípios do movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST)79.

No entanto, é preciso entender o que se passa no dia a dia das ações dos

movimentos e também nas ocupações dos sem-teto para verificar, de fato, como são as

relações raciais no interior do movimento. E, infelizmente, a bibliografia sobre os

movimentos dos sem-teto não acumulou ainda análises sobre este tema tão importante.

As questões raciais dos movimentos dos sem-teto não têm sido objeto de

análises80. Situação diferente ocorre, por exemplo, como veremos adiante, com a bibliografia

sobre os movimentos dos sem-teto e as reflexões sobre as relações sociais de sexo/gênero,

divisão sexual do trabalho e emancipação feminina.

A base familiar e suas implicações para a análise dos movimentos dos sem-

teto

Diferentemente do sindicalismo, onde a base é de trabalhadores, no caso dos

movimentos dos sem-teto, a base social é composta por famílias, ou melhor, famílias de

trabalhadores sem-teto.

78 Disponível em: http://www.conam. org.br/estatuto/. Acessado em novembro de 2015. 79 Disponível em: http://www.mtst.org/ linhaspoliticaseorganizativas.pdf. Acessado em novembro de 2015. 80 Não encontramos nenhum trabalho que tenha a questão racial dos sem-teto como algo central na pesquisa. As relações raciais são abordadas, mas de uma maneira mais marginal. Vale a pena citar aqui que a situação se assemelha em relação aos estudos do Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Magrini, Lago e Minella (2013) destacam que “são raros os trabalhos que falam sobre a participação dos/as negros(as) na agricultura familiar, a não ser em trabalhos sobre comunidades remanescentes de quilombolas que cada vez são mais pesquisadas”. Dos mais de 500 trabalhos encontrados no Banco de teses da CAPES sobre o MST, apenas quatro abordam as relações raciais no referido movimento.

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Entendemos que a condição de sem-teto é familiar e a luta pela moradia pode ser

realizada por toda a família. Já a condição de assalariado, por exemplo, é individual, de modo

que é somente o assalariado contratado por uma empresa que pode fazer greve naquela local.

Ora, não é nova a constatação de que a luta por moradia é uma luta familiar.

Tampouco são recentes análises que destacam a família como um elemento importante para se

compreender os movimentos sociais populares e a posição política dos trabalhadores

(DURHAM, 2004). E mais, a presença das famílias nas bases dos movimentos dos sem-teto é

constatada praticamente por toda a bibliografia sobre o assunto. No entanto, este dado é muito

pouco explorado pelos pesquisadores. A família é apresentada como se fosse um epifenômeno

diante dos movimentos dos sem-teto.

O que defendemos aqui, e talvez esta seja uma das nossas principais

contribuições, é que a presença de famílias de trabalhadores na base de um movimento sem-

teto acaba por contribuir com a definição deste movimento nos seus diferentes aspectos,

principalmente no que se referem às suas reivindicações, estrutura organizativa e ações.

Assim, a participação da família na base social possui efeitos sobre os movimentos dos sem-

teto, os quais devem ser analisados. Entendemos ainda que a relação inversa também é

verdadeira, ou seja, a participação das famílias nos movimentos pode trazer mudanças no

interior das famílias.

A base familiar dos movimentos dos sem-teto é muito heterogênea, com a

presença de crianças, jovens, adultos, idosos, homens e mulheres. Neste sentido, trabalhamos

com as famílias a partir dos entrecruzamentos das relações sociais de classes, gênero e

geração.

Se falamos de relações sociais, isto implica em destacar os termos em relação.

Mas, como deve ter ficado evidente para o leitor, quando tratamos das relações sociais de

classes ao analisar a base dos movimentos dos sem-teto, tratamos dos trabalhadores sem-teto

e dos capitalistas imobiliários, no entanto, com uma ênfase muito maior nos trabalhadores.

Faremos o mesmo a seguir, estamos pensando em relações, mas enfatizaremos a situação da

mulheres/ mães, avós e filhas/ trabalhadoras/ sem-teto/idosas, jovens e crianças.

É importante que fique claro que isto é apenas uma estratégia expositiva. Trata-se

de uma escolha que fizemos para tentar aprofundar algumas das questões relacionadas à

imbricação das relações sociais e a sua importância para se compreender de maneira mais

profunda as bases sociais dos movimentos dos sem-teto no Brasil.

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Partindo da leitura de alguns textos da antropologia e sociologia da família (Bilac

(1981), Bruschini (1989), Durham, (2004)) e, especificamente, de algumas teses marxistas

sobre esta temática (Engels (1975), Horkheimer (1983), Almeida (1992), Neto (1982)),

entendemos que nossa análise sobre as famílias dos movimentos dos sem-teto deve privilegiar

as seguintes temáticas: 1. a situação de classe destas famílias, ou melhor, dos provedores

destas famílias; 2. as estratégias familiares de sobrevivência e o papel das famílias enquanto

estruturas de reprodução da força de trabalho, o que envolve três esferas: produção,

distribuição e consumo; 3. a família enquanto instituição de reprodução (ou não) da ordem

vigente (reprodução de valores e ideologia dominante), ou seja, família enquanto repressão

sexual, ideologia autoritária e estrutura conservadora; 4. a potencialidade da ação/formação

política das famílias dos “sem” quando organizados em movimentos sociais; 5. distribuição

de papéis e relações de poder dentro das famílias (destacando, principalmente as relações de

gênero e geração) e dentro dos movimentos; 6. e, por fim, a dinâmica do relacionamento entre

as famílias e os movimentos sociais de urgência, principalmente no que se refere às questões

de organização e reivindicações.

Famílias de trabalhadores e suas estratégias de sobrevivência

A estrutura familiar ou composição da moradia dos sem-teto é muito diversa.

Existem as famílias nucleares tradicionais, compostas por pais, mãe e filhos, onde o número e

a idade da prole é bem variável. Ao lado destas famílias estão aquelas compostas por casais

homossexuais, com ou sem filhos. Existem também as monoparentais, geralmente chefiada

por mulheres – sejam elas divorciadas, viúvas ou que jamais viveram com os pais das

crianças. Há ainda outros arranjos como, por exemplo, famílias em que os netos vivem com

os avós e são dependentes desses, casais vivendo com seus filhos, genro e noras, casais com

seus filhos adultos e alguns netos. Existem casais de idosos, existem casais jovens que se

conheceram nas ações dos movimentos ou se formaram dentro de uma ocupação e, inclusive,

não é raro, mulheres sem-teto darem a luz a seus filhos ainda vivendo neste local. Existem,

ainda, os solteiros e as solteiras jovens, adultos ou mais velhos81.

A diversidade das famílias também existe no que se refere às famílias de sem-teto

“nativos”, aquelas em que seus membros nasceram na cidade onde vivem e lutam por moradia 81 Não negamos a existência de solteiros entre as bases dos sem-teto, no entanto, é fato que a luta por moradia no Brasil é majoritariamente uma luta familiar. Condição diferente o é da população em situação de rua, por exemplo. Pesquisas e censo sobre esta população na cidade de São Paulo apresentam que ela é composta majoritariamente de homens que vivem sós (FIPE, 2015).

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atualmente e as famílias de migrantes (migração dentro do território nacional) que têm como

fluxos migratórios mais comuns a saída da zona rural para a cidade, de pequenas cidades para

a capital do estado ou, ainda, para outros estados do país. Dentre os fluxos migratórios

brasileiros, o mais conhecido é o de migrantes nordestinos para os estados da região sudeste,

em especial Rio de Janeiro e São Paulo. E isto acontece muito com os trabalhadores sem-teto.

É interessante notar ainda que há migração de trabalhadores sem-teto no interior

da região nordeste entre os seus estados e no interior de um mesmo estado, como demonstra,

por exemplo Dowling (2006, p 110) para o caso de João Pessoa, Dal Maso (2004, p. 91) para

São Luís e Viana (1999, p. 69) para a cidade de Teresina, mesmo o estado do Piauí sendo

caracterizado como área expulsória da população. Existem ainda as famílias de imigrante, em

especial latino-americanos, mas essas são minorias quando comparadas às famílias de

brasileiros.

As famílias possuem ainda relações diversificadas com os movimentos dos

sem-teto. Existem aquelas mais atuantes, que participam de grande parte das reuniões,

manifestações e, quando ocupam, fazem daquele local sua morada passando a viver ali toda a

sua família, inclusive as crianças. Existem aquelas que participam das ações dos movimentos

e quando ocupam evitam de levar seus filhos às ocupações por medo de repressão policial.

Existem aquelas que participam de reuniões e manifestações, mas não realizam ocupações.

Uma vez mais, é preciso lembrar que, apesar de toda a heterogeneidade no que se

refere às famílias dos sem-teto, existe algo que as une e isto está no fato de serem famílias de

trabalhadores da massa marginal que são sem-teto, ou seja, famílias de trabalhadores muito

pobres que se encontram em uma situação de carência extrema e privação de moradia. São

famílias que ao perceberem esta carência comum se juntam e se organizam em movimento

reivindicatório de moradia.

As famílias dos sem-teto passam a adotar estratégias diversas para sanar suas

necessidades. Estas estratégias estão relacionadas ao desenvolvimento do sistema econômica

e sua absorção de força de trabalho.

Assim, dentre as estratégias das famílias de sem-teto a migração é uma das mais

recorrentes. Muitos trabalhadores se mudam de suas terras natais em busca de uma vida mais

digna para a sua família. Durham (2004) destaca que a conquista de uma casa própria no local

para onde o trabalhador se mudou é vista pelos migrantes como sinal de um processo

migratório bem sucedido. Levando em consideração este critério, os trabalhadores sem-teto

seriam considerados migrantes sem sucesso.

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Podemos destacar também uma outra estratégia de sobrevivência das famílias de

sem-teto, a saber, quando mulheres e crianças passam a trabalhar para contribuírem com o

orçamento familiar, na tentativa de suprir as necessidades mínimas da família. Como

consequência, há um rompimento da assimilação do pai enquanto o provedor (econômico) da

família, embora, mesmo nestes casos, o pai possa ainda manter a posição de autoridade dentro

do núcleo familiar. No entanto, este rompimento não acontece sem conflitos (SARTI, 1994).

Como a bibliografia tem demarcado já exaustivamente, as mulheres passam assim

a enfrentar uma dupla jornada de trabalho: fora de casa (no nosso caso, fora da ocupação) e

dentro de casa (no nosso caso, nos barracos improvisados no interior dos prédios e terreno

ocupados). E, ainda, ao tratarmos especificamente da mulher trabalhadora sem-teto, podemos

traçar a “terceira jornada”: a dedicação às atividades dos movimentos dos sem-teto.

De acordo com Gonçalves (2003), a categoria de trabalhos não qualificados se

feminiza cada vez mais. O setor terciário é gueto ocupacional feminino e a concentração é,

sobretudo, no emprego doméstico. A inserção da mulher no mercado de trabalho se dá em

condições precárias e de inseguranças, má remuneração e perda da proteção oferecida pela

legislação. Entendemos que são essas trabalhadoras mal remuneradas e sem grande

qualificação profissional, diríamos, trabalhadoras da massa marginal, que são as mulheres que

participam dos movimentos dos sem-teto.

Em relação às crianças sem-teto, quando elas entram no mercado de trabalho

também já se inserem de maneira marginal nas relações de produção. Geralmente, são

pequenos vendedores de doces nas ruas.

As relações sociais de classe e de sexo nas famílias e nos movimentos dos sem-teto

Souza-Lobo (2011, p. 242), nos anos 1980, ao refletir sobre as mulheres nos

movimentos sociais, apontou que “muitos foram os estudos sobre os movimentos sociais no

Brasil, poucos se perguntaram por que, nesses movimentos, os atores eram, principalmente,

atrizes”.

No caso da bibliografia sobre os movimentos dos sem-teto, “as atrizes” têm sido

reconhecidas. Isto acontece tanto em trabalhos que se propõe a debruçar de maneira mais

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atenta às relações de gênero82 quanto aos trabalhos que estão preocupados com outras

questões e temáticas

Mas, ora, por que as mulheres têm uma inserção particular nas lutas de caráter

popular que reivindicam o atendimento às necessidades urgentes, como moradia, creche e

posto de saúde? E, mais especificamente, por que existem tantas mulheres participando dos

movimentos dos sem-teto?

O início desta resposta está na ideia de que ainda prevalece em nossa sociedade

uma divisão sexual do trabalho em que cabe ao homem, a responsabilidade pela produção de

valores de troca e à mulher, a reprodução e a produção de valores de uso, na esfera privada.

A ideia de que é a mulher que tem que ficar em casa com os filhos (esfera

privada), enquanto o homem pode sair para a rua (esfera pública) ainda está presente em

diferentes setores da sociedade contemporânea brasileira. Assim, o espaço privado é tido

como “lócus da realização das potencialidades femininas”. A fala de uma mulher sem-teto de

uma ocupação na cidade de Teresina é ilustrativa:

(...) Os homens pareciam ter medo ou receio, vergonha de vir [participar do movimento] e as mulheres vinham, até por que as mulheres sentem mais necessidade de morar, eu avalio assim. No meu caso, por exemplo, o meu marido não estava nem aí, por que ele ia para casa da mãe dele, ia passear, ia para qualquer lugar e eu é que tinha que ficar em casa com os filhos, então eu tinha que lutar pela minha casa (nosso grifo) (VIANA, 2005, p. 93).

Não é raro encontrarmos relatos das mulheres que se aproximam primeiramente

dos movimentos enquanto os maridos possuem uma desconfiança, descrença ou descaso em

relação a isto. As mulheres assumem assim um papel de vanguarda na luta por moradia.

Podemos indicar que o principal fator que está na origem da participação das

mulheres nos movimentos dos sem-teto é a sua necessidade de moradia. Sobre as mulheres

sem-teto é importante destacar que em muitas famílias elas são as chefes, ou seja, são as

provedoras econômicas da família e, portanto, quem garante a sobrevivência dos filhos.

Poderíamos justificar ainda a existência de tantas mulheres entre os sem-teto a

partir da questão da maternidade - e aí é importante também entender que existe a paternidade

82 Para citar alguns trabalhos que tratam especificamente das relações de gênero nos movimentos dos sem-teto, mencionamos: Macedo Filho (2010); Macedo Filho e Regino (2007, 2010); Viana (1999, 2005); Souza (2011) e Santana (2000).

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e muitos sem-teto homens também justificam estar ali para dar uma vida melhor aos seus

filhos. Muitas mulheres diziam estar naquela luta, nas situações precárias das ocupações, por

causa de seus filhos, como tentativa de dar uma vida mais digna para eles. É comum

encontrarmos a presença de inúmeras mulheres grávidas ou com bebês, que participam das

ocupações, inclusive, algumas delas entram em trabalho de parto durante os momentos

críticos das ações de reintegrações de posse83.

Outro fator que pode justificar a grande participação das mulheres nas ocupações

é a violência doméstica. Muitas mulheres tomam coragem e saem de casa com seus filhos e

vão para as ocupações dos sem-teto, onde são acolhidas. Dentre as normas da organização

interna de muitas ocupações, a violência contra a mulher é uma das coisas mais intoleráveis,

podendo levar o agressor à expulsão da ocupação.

Além de ser notória a presença das mulheres nas bases dos movimentos dos sem-

teto no Brasil, é comum serem elas as coordenadoras dos movimentos e as grandes lideranças

das ocupações e acampamentos. No entanto, é necessário destacar que, na maioria dos

movimentos, esta coordenação é partilhada entre homens e mulheres. Uma exceção talvez se

apresente no Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) de São Paulo, no momento em que

realizamos nosso trabalho de campo para a pesquisa de mestrado (OLIVEIRA, 2010), em que

poucos eram os coordenadores homens do movimento.

Para exemplificar como a base familiar, em especial a participação das mulheres

mães sem-teto traz implicações nas reivindicações dos movimentos, lembramos que são as

mulheres que, frequentemente, quando se separam dos seus companheiros, ficam com a

responsabilidade de cuidar das crianças e dos idosos de suas famílias. Assim, uma das

reivindicações das mulheres sem-teto tem sido a de que sejam elas as principais beneficiárias

das políticas habitacionais para que, por exemplo, mesmo após uma separação conjugal, ela

possa ter garantias de que a moradia conquistada será dela e de seus filhos. Esta demanda é

atendida hoje, em certa medida, pelo “Programa Minha Casa, Minha Vida” em que os

contratos estão sendo formalizados, preferencialmente, no nome das mulheres.

Em relação a alteração da organização do movimento devido a base familiar,

citamos o caso da preparação das atividades para a realização do mutirão de autoconstrução.

Quando os pais e mães sem-teto participam de um mutirão de construção autgestionário

organizado pelos movimentos, geralmente, eles vão para o canteiro de obra para construir eles

83 Uma parte da tese de Macedo Filho (2010) é dedicada a discussão sobre o maternalismo no Movimento de Sem-Teto de Salvador/Bahia.

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mesmos suas casas e a dos seus congêneres. No entanto, em muitos casos, os pais e mães não

têm onde deixar seus filhos no final de semana. Neste sentido, a coordenação de alguns

movimentos organizam um espaço seguro para o lazer das crianças enquanto os pais e mães

sem-teto trabalham na construção da moradia.

Se a base familiar influência nas reivindicações e ações dos movimento, é verdade

também que a participação das mulheres mães nos movimentos dos sem-teto também podem

alterar às relações familiares. Vejamos.

De acordo com Macedo Filho e Regino (2007), as mulheres quando participam

dos movimentos sociais podem romper com as relações de poder construídos no âmbito

familiar modificando assim o seu cotidiano e os padrões morais. Assim, a participação das

mulheres é quase sempre acompanhada de resistência por parte dos pais, maridos e filhos. Os

autores destacam ainda que, quando as mulheres se engajam nos movimentos dos sem-teto e

saem do privado para o público, elas se envolvem em novos saberes e novas relações.

Neste sentido, os relatos abaixo são exemplares:

A partir do momento que eu vim para o movimento, eu aprendi muita

coisa. Nossa, porque quando eu morava lá na periferia, que eu trabalhava em casa de família, chegava o final de semana, ai eu vou lavar roupa, fazer isso, cuidar de casa... a partir do momento que eu entrei pra vim pra dentro do MSTC, eu aprendi muita coisa, coisas que eu nem sabia que existia. Por exemplo, hoje em dia eu vou numa mesa de negociação, vou no gabinete do vereador, deputado, qualquer coisa... vou sem medo, né? Antigamente, meu Deus, pra chegar perto de um vereador, ou de um deputado era “a meu Deus, é coisa de outro mundo!”. Hoje não, hoje eu já vou sem medo (...).

(Relato de Jomarina Pires da Fonseca, moradora da ocupação Prestes Maia, entrevista gravada em04/03/2007) (RAMOS, 2009, p. 81).

Eu digo assim, por uma necessidade minha, eu consegui sair do corte da cana, do trabalho doméstico, vim para a luta, defender a causa social do trabalhador de baixa renda, consegui levar as propostas para fora, não saí de Guariba, de Ribeirão Preto para nada. Fui para Belo Horizonte discutir com outras entidades, fui para Brasília. Muitas vezes eu paro assim, quando a ficha cai, eu falo: “Meu Deus, hoje, eu tô sentada com o governo federal!” [com ênfase]. Discutindo propostas dentro de um âmbito para atender nossas famílias, que realmente necessitam. Estudo eu não tenho, mas o conhecimento, com o cacete que a gente vem tomando aí, pegou um certo conhecimento. [Ivaneti Araújo, uma das lideranças do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC)] (AQUINO, 2009, p. 80-81).

Os dois relatos ressaltam a questão de as mulheres sem-teto estarem hoje na esfera

pública, “sentada com o governo federal” ou “no gabinete do vereador, do deputado”.

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Mulheres que, por exemplo, deixaram de utilizar o domingo para fazer as tarefas domésticas e

passaram a organizar e presidir uma assembleia repleta de famílias de sem-teto.

A participação das mulheres nos movimentos dos sem-teto pode contribuir

também com modificações nas relações de sexo e dominação no interior das famílias. Neste

sentido, a fala abaixo é indicativa:

(...) Quem não gostou muito da minha mudança foi meu marido. Ele casou com uma pessoa e hoje eu sou totalmente diferente. Eu acho que não foi só comigo, mas com todas as mulheres. Meu marido notou a minha diferença e foi difícil de aceitar. Essa é a parte que a gente que entra para o movimento enfrenta dificuldade. É com o marido ou com a companheira. Eles percebem que a gente começa a descobrir coisas e pessoas. A gente começa a ser independente na nossa opinião. Só pra você ter uma ideia, eu antes votava em quem meu marido votasse! Quando tinha uma eleição meu marido falava: é esse aqui. Eu pegava, e votava naquele que meu marido mandou. Desde de que eu entrei para o movimento, eu e meu marido nunca concordamos sobre os candidatos. Ele começa a falar mal e eu começo a discursar sobre o meu candidato... Como pode, né? Hoje eu sou completamente diferente, hoje eu tenho opinião. Eu posso sentar e conversar sobre qualquer assunto...até mais do que ele. [Depoimento de Rose, mutirante e membro de um movimento de moradia de São Paulo] (PERCASSI, s.d.).

Assim como este último depoimento, existem muitos outros em que as mulheres

demonstram como a sua participação no movimento de sem-teto e em um mutirão

autogestionário pode contribuir na direção de uma maior politização, questionamento da

dominação masculina e, ainda, pode aumentar a sua autoeficácia. Muitas das mulheres que

participam de mutirão, ao adquirir um novo saber técnico, passam a acreditar que são capazes

de aprender tudo e, ainda surge a perspectiva de trabalhar na área de construção. Vejamos um

exemplo mais a este respeito:

Jade Percassi- Você já tinha trabalhado em construção antes? Cremilda- Não, foi a primeira vez. E eu falo pras meninas,

quando eu terminar meus estudos, que eu vou pro primeiro ano este ano, eu ainda vou fazer um curso, não sei de quê, se técnico ou se de mestre de obras... Tem, será. Mestre de obras mulher?

Jade Percassi - Se não tiver, você vai ser a primeira!!! Cremilda - O que eu aprendi aqui, trabalho na obra, não foi

difícil, sabe. Eu levei o DVD do documentário pro meu marido assistir em casa. Eu mostro e digo a ele “veja aí, a sua veia” (risos) Mas eu acho que até ele depois de ver passou a sentir orgulho de mim, porque aquela coisa de macho, né, ele jamais pensou que isso fosse acontecer. Porque sempre eu que venho de fim de semana, ele é pintor e trabalha por conta, então sempre tem trabalho pra fazer. E eu aprendi, aos poucos aprendi muito. E o que eu aprendi já dá pra pensar em trabalhar com isso mais tarde (PERCASSI, s.d).

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Compreendemos que estas reflexões e contestações, que podem levar a

importantes mudanças sociais, tudo isso se apresenta como um processo e que, por ora,

podemos apenas destacar suas potencialidades. É importante notar que este processo de

politização, de emancipação, não é algo que vai apenas em uma direção e em um mesmo

ritmo. Há constantes “idas e vindas” e que muitas das famílias sem-teto ainda são importantes

reprodutoras da ordem vigente.

Um primeiro exemplo disso é a essencialização do papel materno por parte das

jovens mães sem-teto. Souza (2011), ao realizar uma pesquisa somente com as mães jovens

sem-teto do Movimento Sem-Teto de Salvador/Bahia (MSTS/MSTB), percebe que as

crianças são encaradas como “filhos da mãe”. Em relação aos pais, estas mães esperam a

tarefa de prover o sustento da criança. Há assim uma “naturalização dos papéis de

mãe/cuidadora/privado e pai/provedor/público”.

A mãe da mãe, ou seja, a avó materna tem um papel fundamental, pois nas

relações desiguais de sexo existentes, cabem às mulheres os principais cuidados e

responsabilidades com os filhos, constituindo assim, nas relações familiares, uma “rede

feminina de solidariedade e apoio para cuidar das crianças” (DIAS; AQUINO, 2006, p. 448

apud SOUZA, 2011, p. 110). Dessa maneira,

A mãe e a avó materna são as figuras de destaque nas narrativas das

jovens entrevistadas. Elas estão presentes desde o momento da descoberta da gravidez e participam da decisão em interromper ou levar a gravidez adiante. E, na sequência do parto, nos cuidados com a prole. São as chamadas redes de apoio constituídas pelas mulheres sejam do grupo familiar ou não. (SOUZA, 2011, p.110).

Ainda para exemplificar as desigualdades nas relações de sexos dentro dos

movimentos dos sem-teto, podemos citar o fato de que muitas das mulheres sem-teto

permanecem submissas aos seus maridos, dependendo de suas permissões para poder

participar das reuniões e assembleias das ocupações e outras atividades propostas pelos

movimentos. O relato abaixo apresenta isto de maneira muito clara:

Ele [o meu companheiro] participa do Movimento mais do que eu, porque quando tem as reuniões é uma raridade ele deixar eu ir. Ele quer que eu fique dentro de casa olhando os meninos, ele não deixa eu sair, não tem jeito. Ele diz ‘fique aqui, vai fazer o que lá embaixo, não tem nada pra você fazer lá embaixo. Tem que ficar em casa’ E eu fico calada, porque se eu for falar alguma coisa a gente vai acabar se estranhando dentro de casa (Ametista – nome fictício de

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uma das integrantes do Movimento Sem-Teto de Salvador) (SOUZA, 2011, p. 103).

Uma última observação sobre as relações desiguais de sexos, consiste na divisão

sexual do trabalho que, por sua vez, encontra reflexos na divisão de tarefas nas ocupações de

prédios e terrenos realizadas pelos sem-teto. Geralmente, a portaria e segurança das

ocupações ficam por conta dos homens, enquanto a parte da limpeza fica para as mulheres. As

famosas cozinhas comunitárias, coletivas, são coordenadas principalmente por mulheres,

enquanto isso, os homens são naturalmente considerados como “retraídos para a cozinha”.

Relações sociais de classe e de geração nas famílias e nos movimentos dos

sem-teto

A presença das crianças, tanto em manifestações quanto nas ocupações dos sem-

teto, é notória. E, como era de se esperar, verificamos que a classe social da família e, ainda

mais, a condição de estar sem-teto influencia diretamente as condições de vida dos jovens e

das crianças sem-teto.

As condições precárias das ocupações, assim como os momentos de

enfrentamento entre sem-teto e policiais também são vividos pelas crianças:

“Esse tipo de rotina é ruim para todo mundo. As crianças,

por exemplo, já vivem assustadas, pois toda desocupação tem presença da polícia e, mesmo não tendo conflito, os meninos ficam assustados. (...).

(Ângela Maria de Souza in A TARDE, 16/02/2005. p.3) (CLOUX, 2008, p. 120).

Eu quero pedir para as autoridades competentes, eu não

sei pra quem falar...Que...que mandem psicólogos cuidar de nossas crianças porque eles ficaram com trauma dos aviões. Quando passa um avião em cima, no alto, eles se abaixam pensando que vai jogar bomba que nem aconteceu no Pinheirinho que jogaram bomba de gás lá para baixo.

Relato de ex-moradora da ocupação Pinheirinho, do Movimento Urbano dos Sem-Teto (MUST) de São José dos Campos - SP (PRONZATO, 2012).

Como exemplos de como a presença das crianças influenciam a ação dos

movimentos dos sem-teto, lembramos que, quando a criança está em uma ocupação, ela não

possui um comprovante de endereço e, por isso, tem dificuldades de se matricular em uma

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escola. Nestes casos, os movimentos, muitas vezes a partir de incitavas das lideranças, se

mobilizam para conseguir um endereço “provisório/alternativo” para que as crianças possam

estudar nas escolas.

Em decorrência da existência de muitas crianças nas ocupações, algumas destas

destinam, por exemplo, espaços para as crianças brincarem, estudarem e realizarem uma

espécie de reforço escolar. Em outras ocupações, existem atividades culturais organizadas

exclusivamente para as crianças, como apresentação de teatro e excursão a museus.

Além das crianças, existem muitos adolescentes e jovens para os quais alguns dos

movimentos dos sem-teto parecem estar atentos e viabilizando a sua inserção na luta pela

moradia.

Lideranças do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) da cidade de São Paulo,

buscam fazer de algumas reuniões um importante espaço para “instruir a juventude sobre a

luta por moradia” e buscam “botar na cabeça dessa molecada que eles [jovens] é que têm que

tocar isso aqui [o movimento]” (AQUINO, 2009, p.125-126). Enfatiza-se, assim, a

importância da participação ativa também dos jovens nas atividades do movimento dos sem-

teto e que o movimento precisa de renovação, que é preciso surgir novas lideranças e que

estas poderiam estar entre os jovens de sua base social.

Se é verdade que existem crianças e jovens entre os sem-teto, é fato também que

existem idosos sem-teto.

Devido às suas condições precárias de vida, os idosos penam para ter uma velhice

digna. Não é raro encontrarmos muitos idosos que estão há anos, ou melhor, décadas, na fila

de programas habitacionais a espera de sua moradia. Alguns deles vivem em habitações

precárias e com grande dificuldade para pagar um aluguel. Assim, depois de muitos anos de

vida e de lutas, os idosos ainda se sentem inseguros e fragilizados frente à sua própria moradia

e os despejos são realidades para eles.

É bom que fique claro que, dentre os diversos segmentos das bases dos

movimentos sociais comentados aqui, os idosos são minoria, apesar de estarem presente. Mas,

mesmo não sendo muito quantitativamente, este é um setor que pode ser ativo na luta por

moradia social e traz particularidades interessantes de serem analisadas.

Neste sentido, alguns movimentos têm se organizado exclusivamente em torno da

questão da moradia social para o idoso. Este é o caso, por exemplo, do Grupo de Articulação

para Conquista de Moradia para o Idoso da Capital (GARMIC), filiado à União de

Movimento de Moradia (UMM-SP) e que atua na cidade de São Paulo desde 2001. O “C” da

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sigla se tratava, na verdade, de “centro” e não de “capital”, mas, ao longo dos anos, a luta foi

se expandindo para diversas áreas da cidade e o movimento se ampliou.

É interessante notar que uma das principais lideranças deste movimento é Olga

Quiroga, uma mulher, imigrante chilena, idosa, aposentada tendo trabalhado no comércio

como vendedora. Ela é militante dos movimentos de moradias desde os anos 1980. Quiroga

foi eleita várias vezes conselheira municipal do idoso na cidade de São Paulo.

O GARMIC, que em 2007 tinha mais de 1500 idosos cadastrados em seu base,

trabalha na formação e organização política destes idosos a partir de reuniões mensais. “Do

total cadastrado, 55% é da região central, de onde surgiu o movimento de moradia para o

idoso”84. O morar no centro também é uma reivindicação dos idosos sem-teto. Muitos destes

preferem viver sozinhos do que morar com a família.

O problema habitacional, a privação de um moradia digna por parte dos sem-teto,

como vimos na primeira parte deste capítulo, não é uma questão geracional, mas sim uma

questão de classe, ou melhor, se deve às relações desiguais das classes sociais, a existência de

capitalistas especuladores e de trabalhadores que não possuem condições econômicas de

possuir uma moradia.

No entanto, quando tratamos dos idosos sem-teto, existe uma legislação especifica

para este grupo que toca, entre outras questões, na habitação. Trata-se do Estatuto do Idoso. O

artigo 37 do estatuto garante o direito à moradia e o 38 garante uma cota de 3% das unidades

residenciais dos programas habitacionais para atendimento ao idoso.

Os idosos sem-teto têm, ainda, refletido sobre as políticas de locação social como

sendo uma solução definitiva para o problema habitacional pelo qual passa. Temos um

exemplo deste tipo de política na cidade de São Paulo.

O Programa Vila da Dignidade é voltado para os idosos que possuem baixa renda,

que vivem sós, sem vínculos familiares e aptos para tarefas diárias. A Vila dos Idosos ou Vila

da Dignidade - o termo dignidade sugere uma “digna idade” – foi inicialmente uma política

municipal tímida sem grandes conquistas e publicidade. A Vila da Dignidade foi construída

primeiramente durante o governo Celso Pitta (1997-2000). No governo Marta Suplicy (PT), a

Vila da Dignidade foi incluída dentro de um projeto habitacional maior, que ficou conhecido

como “Morar no Centro” que objetivava a construção de moradia popular na região central da

84 Justus, Paulo. “Cabeças brancas pedem moradia no centro”. In: Blog Notas por aí. 8 de outubro de 2007. “Disponível em: http://paulojustus.blogspot.com.br/2007/10/cabeas-brancas-pedem-moradia-no-centro.html. Acessado em setembro de 2014.

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cidade para a população de baixa renda. Posteriormente, na gestão Kassab, o programa

apareceu novamente, circundado de publicidade, culminando na construção da Vila dos

Idosos, no Pari. Em abril de 2009, o governo do Estado de São Paulo lançou o programa Vila

da Dignidade no nível estadual, prevendo a construção de pequenas vilas voltadas para

pessoas maiores de 60 anos. A pós-ocupação é de extrema importância para este tipo de

programa, ou seja, quando o idoso vem a falecer, o imóvel deve ser ocupado por outro idoso

que preencha os pré-requisitos do programa e, assim, sucessivamente85.

A luta dos sem-teto idosos pelo aluguel social traz luz ao debate a respeito de que

o direito a morar com dignidade é diferente do se ter uma casa própria. Como veremos na

segunda parte deste trabalho, na França, a locação social é a principal reivindicação realizada

pelos sem-teto do DAL, movimento de moradia francês que estudamos.

85 Para uma análise crítica do projeto Vila da Dignidade e a sua interface com programas de saúde e assistência social, verificar Oliveira; Inoue; Guimarães (2009).

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Parte 2 - O caso francês: contrapondo alguns pontos

As ferramentas para construir moradias...

*Este é um dos diversos desenhos elaborados pelos cartunistas da Charlie Hebdo para apoiar ou ilustrar as lutas de moradia na França. Charlie Hebdo apoia as lutas do movimento “Direito à moradia” (Droit au

Logement – DAL) há mais de vinte anos.

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Introdução

Se, até este momento do texto, testamos e desenvolvemos hipóteses a respeito dos

movimentos dos sem-teto no Brasil, nesta segunda parte, verificamos se algumas das

hipóteses discutidas anteriormente podem ser aplicadas aos movimentos de moradia na

França, mais especificamente a dois deles: o “Direito à Moradia” (Droit au Logement - DAL),

e “Quinta-Feira Negra” (Jeudi Noir - JN)86.

No caso brasileiro, a análise se deu em um nível nacional e mais geral, já, no caso

francês, a análise se trata mais especificamente de dois estudos de casos de dois movimentos

de moradia atuantes na cidade de Paris.

Para cumprir os objetivos de nossa pesquisa, procuramos buscar respostas às seguintes

questões: como se apresenta a questão habitacional na França? Como são as políticas

habitacionais francesas? Existem movimentos de moradia franceses ou, mais especificamente,

movimentos dos sem-teto da maneira que estamos discutindo neste texto? Se sim, estes

movimentos podem ser caracterizados de que maneira? Quais são as aproximações e

distâncias em relação ao caso brasileiro? Há uma base familiar nestes movimentos? É possível

identificar um caráter de classe nos movimentos dos sem-teto na França? Os sem-teto são

trabalhadores? Eles se reconhecem como tal? Existe presença massiva de mulheres entre os

sem-teto franceses? E os imigrantes, eles participam dos movimentos dos sem-teto? Quais os

métodos de lutas utilizados? Há ocupação de imóveis vazios? E, em relação às orientações

político-ideológicas dos movimentos, como compreendê-las?

A seguir, faremos uma rápida contextualização, apresentando alguns dos impactos das

mudanças do modelo de capitalismo francês nas questões que influenciam as lutas populares

contemporâneas. Para, em seguida, passarmos para a análise dos dois movimentos de moradia

supramencionados.

Sem-trabalho, sem-teto, sem-documento, todos juntos por nossos direitos!87

A compreensão das lutas sociais diante do processo de implantação e desenvolvimento

do capitalismo neoliberal na França é, a nosso ver, fundamental para entender a organização e

o desdobramento dos movimentos sociais populares franceses hoje. Isto porque se, por um 86 Doravante, o movimento “Droit ao Logement” será designado por sua sigla “DAL” e o “Jeudi Noir” será assinalado como “JN”. 87 Este é um dos lemas elaborados por diversos movimentos populares franceses que organizaram, em 1995, uma ação conjunta denominada de “O chamado dos sem” (“L’appel de sans”).

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lado, as lutas por moradia, pelo emprego e até mesmo dos imigrantes são anteriores a este

processo, por outro lado, é fato que estas lutas assumem novos traços e passam a se destacar

nas lutas populares dos últimos anos.

O Estado francês era conhecido por ser socialmente forte, ou seja, um Estado de bem-

estar social efetivo, com a garantia de direitos sociais para os seus trabalhadores. No entanto,

há pelo menos três décadas, esta situação se modifica e o capitalismo neoliberal avança.

Certamente, não sem conflitos e resistências.

Para não nos alongarmos muito, citaremos apenas algumas das consequências das

modificações no tipo de capitalismo francês utilizando os exemplos das questões de trabalho,

moradia e imigração. Temáticas estas relacionadas aos movimentos de urgência ou

movimentos dos “sem”88: sem-trabalho, sem-teto e sem-documento89.

Chauvel (2002) aponta que existem diferenças importantes entre o período anterior à

Segunda Guerra Mundial e o período denominado de “Trinta Gloriosos” (1945-1975)90. Para

exemplificar isto, o autor cita:

É a distância econômica que separa o operário em favela, cortiços e vilas operárias daquele que reside em H.L.M.91 ou em casas de subúrbio, do operário que anda a pé do que tem automóvel, do operário cuja expectativa de vida é de 50 anos daquele para o qual ela é de 69 anos etc. (CHAUVEL, 2002, p. 60).

Os trabalhadores imigrantes, em especial os homens norte-africanos, a partir dos anos

1950, foram estimulados a ir à França para trabalhar nos setores de construção e

automobilismo. Eles eram, naquele momento, uma força de trabalho barata e explorada,

portanto, bem-vinda para os capitalistas franceses. Nos anos 1970, a legislação francesa

88 Nas referências aos movimentos dos « sem », três destes sempre aparecem : os sem-teto, os sem-documentos e os sem-trabalho. A depender dos autores, suas abordagens teóricas e objetivos de investigação e análise, outros movimentos podem ser inseridos. Como, por exemplo, os movimentos altermundialistas quando se utiliza a chave analítica dos movimentos dos « sem recursos políticos » (MOUCHARD, 2010). Ou ainda, como aparece na interessante manual sobre os movimentos sociais franceses organizado por Crettiez e Sommier (2006), além dos três movimentos citados anteriormente, aparecem o movimentos das prostitutas, da luta conda a Aids e dos movimentos de imigrantes (no sentido mais amplo que vai além dos imigrantes sem-documentos). 89 Os sem-documento são os imigrantes que não possuem visto de permanência na França, assim não podem trabalhar ou alugar uma casa no mercado formal. Eles lutam pela regularização de sua situação. 90 Béroud e Bouffartigue (2009, p. 12-13) relativizam a ideia de que o período dos “Trinta Gloriosos” teria sido um parêntesis histórico. Para os autores, a hegemonia da norma salarial teria sido relativa “já que ela jamais eliminou a instabilidade e a fragilidade salariais presentes no coração dos velhos países industriais” (Tradução nossa). O trabalho precário permaneceu e, então, “este período de estabilização teria sido a exceção confirmando a regra, visto que a precarização está no princípio da condição salarial” (Tradução nossa). 91 “As Habitations à Loyer Modéré (H.L.M.) são imóveis construídos pelo Estado. Seu aluguel é bastante inferior ao dos segmentos do mercado imobiliário” (N.T.) (CHAUVEL, 2002, p. 60).

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passou a permitir que as famílias destes trabalhadores fossem viver na França também. Deste

modo, as mulheres e os filhos destes trabalhadores imigrantes chegaram ao solo francês,

passando, assim, a constituir um grupo cada vez mais numeroso.

Ainda sobre as condições de vida dos trabalhadores e a situação de moradia, durante o

período de Estado de bem-estar social na França, podemos dizer que:

O acesso à moradia social, a serviços e atividades assegurados pelos municípios (cultura, esportes, etc.) era então considerado como um elemento da promoção das classes operárias. O nível de vida geral melhorava dessa maneira e não somente graças ao aumento dos salários. Era um “salário indireto”. Com a segurança social (acesso aos tratamentos, acidentes do trabalho) e a aposentadoria, a melhoria nas condições de moradia foi um elemento importante do “salário indireto” e da melhoria nas condições de vida dos trabalhadores até a crise dos anos 1970 (NOWERSTERN; SANTANA, 2006, p. 69).

Como forma de reação às reformas do Estado de bem-estar que impuseram limites ao

poder das classes capitalistas, estas, em especial as suas frações superiores e instituições

financeiras, buscam restabelecer sua hegemonia (DUMÉNIL, 2007). Isto se dá com a

consolidação do modelo de capitalismo neoliberal. Assim, os “Trinta Gloriosos” e o período

subsequente possuem dinâmicas distintas.

As políticas neoliberais foram adotadas na França em meados dos anos 1980. De lá

para cá, existiram momentos de maior ou menor seguimento às orientações neoliberais por

parte dos governos. Neste sentido, podemos destacar, para dar um exemplo mais recente, que

o governo do presidente Nicolas Sarkozy (de 2007 até 2012), pertencente ao partido político

denominado de “União por um Movimento Popular” (Union pour un Mouvement Populaire -

UMP)92, foi marcado por um processo de aceleração do programa neoliberal na França

(BOITO JR.; BOUFARTIGUE, 2011, p. 15-16).

A ofensiva das classes capitalistas resultou em perdas substanciais para as classes

trabalhadoras. A privatização de empresas estatais (indústrias e instituições financeiras) e de

serviços sociais (como os correios e as telecomunicações) gerou desemprego. A taxa de

desemprego é de 10,4% da população ativa na França (INSEE, 2014)). Ocorre ainda uma

feminização do trabalho precário, flexível e desvalorizado (FALQUET, 2011). Jovens

diplomados são sujeitos a trabalhos instáveis e mal remunerados e prevalece o baixo poder de

92 Em maio de 2015, a “União por um Movimento Popular” (UMP) foi dissolvida e sucedida pelo partido “Os republicanos” (Les républicains), dirigido por Nicolas Sarkozy.

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compra do salário líquido dos trabalhadores (CHAUVEL, 2002). Há endurecimento das

condições de entrada e visto de permanência no território francês, o que atinge a situação de

diversos trabalhadores imigrantes.

O desemprego, a precarização do trabalho e os baixos salários repercutem diretamente

na questão da moradia de modo que cerca de 3,5 milhões de pessoas na França estão sem

moradia ou vivendo em condições habitacionais muito precárias, sem conforto e em

habitações superpopulosas (FONDATION ABBÉ PIERRE, 2014). O contingente de “sem-

domicílio”93 aumentou em 44% entre os anos de 2001 e 2012 (INSEE, 2014, p. 124). Enfim,

tem-se aumentado as desigualdades sociais (NOWERSTERN; SANTANA, 2006).

Estas rápidas colocações apontam para as mudanças ocorridas nas condições de vida

das classes trabalhadoras na França, nas últimas décadas. Ocorrendo, assim, um grande

impacto “sobre a estrutura de classes francesa, que havia sido reorganizada no fim da Segunda

Guerra sob o Estado de bem-estar social” (AMORIM; ARIAS, 2009, p. 240). A reestruturação de

classes interfere diretamente nas classes trabalhadoras, tanto nas frações mais pobres que,

como analisaremos no capítulo 4, estão na base social do movimento DAL, como nas classes

médias, e o que nos interessa aqui é destacar o setor dos jovens de classe média decadente

que, como anunciaremos no capítulo 5, se encontram na base do movimento JN.

Diante desta ofensiva neoliberal, as classes trabalhadoras se organizam e resistem de

maneira ampla e diversificada. Diversos são os exemplos de movimentos de resistência. Só

para citar alguns, temos as greves e manifestações de 1995 contra o Plano Juppé, os protestos

contra o “Contrato do Primeiro Emprego” (Contrat Première Embauche - CPE) em 2006, as

manifestações contra a reforma da previdência de 2010, entre outros.

93 A terminologia francesa para designar os diferentes tipos de populações que possuem problemas habitacionais não é muito clara. Isto é, na verdade, um reflexo da própria definição e constituição destas populações, pois elas não possuem fronteiras bem definidas. No entanto, esquematicamente, poderíamos sintetizar as nomenclaturas das populações da seguinte maneira: os sem-teto (aqueles que possuem a privação de uma habitação digna, mas raramente vivem na rua, pois estão na casa de amigos e parentes ou em albergues ou quartos de hotéis subsidiados pelo serviço social) é, geralmente, denominado por dois termos em francês: “sans-logis” (sem-teto ou sem-moradia) e “mal-logés” (mal alojado). Existe ainda a população em situação de rua ou o morador de rua (aquelas pessoas que são privadas de moradia pessoal e que dormem em local não destinado à habitação (como a rua, jardim público, estação, etc.) ou, ainda, frequentam albergues ou quaisquer outras instituições de ajuda (INSEE, 2014, p. 123). Esta população é nomeada pelos termos “sans-domicile” (sem-domicílio) ou “sans-domicile fixe” (sem-domicílio fixo) ou, ainda, somente pela sigla: “SDF”. E, com menos frequência, utiliza-se também a expressão “sans-abri” (sem-abrigo).

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Explicaremos um pouco melhor em que consistiu o episódio do Plano Juppé e das

grandes manifestações no ano de 1995, pois este momento representa bem a posição e

organização dos movimentos dos “sem” diante da implantação de reformas neoliberais.

O Plano Juppé foi um projeto de reformas na seguridade social, trazendo modificações

nas aposentadorias dos trabalhadores do setor público, como o aumento do tempo de

contribuição (de 37,5 anos para 40 anos) e a “supressão dos regimes especiais (como o dos

ferroviários, cuja aposentadoria pode ser solicitada aos 50 anos de idade)” (GALVÃO, 2001,

p. 95). Além disso, propunha-se a limitação dos gastos na área da saúde, como por exemplo,

limitar o aumento das despesas com auxílio saúde, assim como as despesas hospitalares e

medicamentos reembolsáveis.

A reforma em questão foi apresentada pelo Primeiro Ministro, Alain Juppé,

pertencente ao antigo partido “Reagrupamento Para a República” (Rassemblement pour la

République - RPR)94, como a única maneira responsável de salvar a seguridade social e

deveria, ainda, ser realizada com rapidez. No entanto, o plano de reforma despertou grande

hostilidade e desacordo em diferentes setores da sociedade.

Foi, então, neste contexto que eclodiram as importantes greves dos ferroviários e

metroviários da “Sociedade Nacional das Estradas de Ferro” (Société Nationale de Chemins

de Fer - SNCF). E, ampliando as mobilizações do outono de 1995 em direção a outros

trabalhadores do setor público, mais greves foram realizadas pelos funcionários da companhia

de eletricidade (EDF-GDF), telecomunicações (France Télécom), agentes dos correios (La

Poste), professores e funcionários de hospitais. Um outro setor mobilizado neste contexto foi

o de trabalhadores do setor privado – apesar de estes realizarem greves apenas

esporadicamente, eles participaram ativamente das grandes manifestações (BÉROUD;

MOURIAUX; VAKALOULIS, 1998).

Enquanto que as greves seriam o motor deste movimento social, as manifestações

seriam o seu processo de reprodução ampliado. Enquanto havia cerca de setecentos mil

grevistas, as manifestações de ruas contaram com mais de dois milhões de pessoas

(BÉROUD; MOURIAUX; VAKALOULIS, 1998, p. 115).

As reformas propostas por Juppé afetariam não apenas negativamente as condições de

vida dos trabalhadores do setor público, mas também do setor privado e de outros setores da

94 O “Reagrupamento Para a República” (RPR) foi dissolvido e sucedido pela “União por um Movimento Popular” (UMP), a qual, por sua vez, se transformou em meados de 2015 no partido político denominado de “Os Republicanos”.

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sociedade ao limitar os serviços públicos (como os de saúde). Daí o lema do movimento do

outono de 1995: “Todos Juntos” (Tous ensemble!). Este lema “funcionou como catalisador e

síntese de um descontentamento social generalizado produzido por uma série de medidas que

afetavam a todos” (VAKALOULIS, 2005, p. 137).

Diante disto, ocorreram grandes manifestações entre novembro e dezembro de 1995,

as quais foram realizadas por diferentes setores: sindicalistas, jovens assalariados, mulheres,

estudantes, desempregados e sem-teto. No entanto, como atestam Béroud, Mouriaux e

Vakaloulis (1998, p. 116), os imigrantes e os jovens das periferias não participaram.

Neste sentido, a extensão da base objetiva do movimento de 1995 permitiu inscrever a

luta contra o plano Juppé em uma

(...) lógica de defesa não somente da proteção social, mas do serviço

público enquanto tal. O objetivo reivindicativo central é a reforma governamental relacionada à aposentadoria. Mas ele catalisa uma contestação política capital, aquela da modernização neoliberal do “Estado social” (BÉROUD; MOURIAUX; VAKALOULIS, 1998, p. 114 – tradução nossa).

Alguns movimentos sociais populares, como “Direito à Moradia” (Droit au Logement

– DAL), “Comitê dos Sem-Moradia” (Comité des Sans-Logis – CdSL), “Direitos à Frente!”

(Droits Devant!! – DD!!), se mobilizaram neste contexto e participaram ativamente das

manifestações, sempre buscando tecer relações entre os trabalhadores assalariados em greve e

os trabalhadores desempregados ou inseridos nas “margens da cidadania”. Naquela ocasião,

as lideranças destes movimentos defendiam a ideia de que os trabalhadores em greve, naquele

momento, poderiam ser os “sem” de amanhã e, muitos dos “sem” de hoje eram, de fato, os

assalariados de ontem. Daí a importância da solidariedade nas lutas.

No entanto, com o decorrer das manifestações, os movimentos dos sem-teto, sem-

trabalho e sem-documento perceberam que suas principais reivindicações estavam muito

perifericamente representadas ou, até mesmo, ausentes na plataforma reivindicativa do

movimento do outono de 1995.

Assim, os movimentos dos “sem”, todos juntos, ocuparam um local inusitado, o

Centro Georges-Pompidou (uma famoso museu e espaço cultural de Paris), com a proposta de

realizar um “fórum permanente sobre exclusão”, com inúmeros debates sobre a questão dos

“sem” na sociedade francesa, e tirar algumas diretrizes de ações dos movimentos para a luta

pela efetivação dos direitos sociais. Esta ocupação teve a duração de uma semana.

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Assim, em 20 de dezembro de 1995, foi lançado o Chamado dos “sem” (“L’appel des

sans”), organizado por “Direitos à frente!” (Droits Devant!! – Dd!!) e assinado por diferentes

movimentos sociais e associações ligados aos sem-teto, sem-trabalho e sem-documento.

Deste modo, no contexto de mudanças das políticas francesas que caminham na

direção de ataque ao Estado de bem-estar social, estes movimentos de lutas de urgência

começam a intensificar suas organizações. Nas palavras de Garcia (2005, p. 148), pesquisador

dos movimentos dos “sem” na França:

Este movimento [do outono de 1995], se ele não é propriamente falando um movimento centrado sobre a exclusão, vai, entretanto, agir como um operador de unificação das causas notadamente dos grupos de sem-teto, sem-documento, sem-trabalho em torno da denominação comum “sem”, contra a temática da exclusão social e, mais amplamente, poderíamos acrescentar contra a modificação neoliberal e securitária o Estado social (Tradução nossa).

Movimentos dos sem-teto (mouvement des sans-logis)

É, portanto, neste contexto de organização das lutas dos “sem” que se encontra um dos

movimentos que analisaremos aqui, o já mencionado “Direito à Moradia” (Droit au Logement

- DAL), movimento que foi criado no ano de 1990 e segue atuante até hoje.

Este movimento tem uma forte base na região parisiense, mas também tem atuação em

diversas cidades francesas, podendo assim ser considerado um movimento nacional. O DAL é

o movimento de moradia mais importante na França contemporânea. Isto se deve tanto à sua

luta para realojar as famílias de trabalhadores sem-teto de sua base, quanto sua luta para

ampliar e desenvolver a legislação francesa sobre o direito à moradia.

O DAL surgiu a partir de um grupo dissidente do Comitê de Mal Alojados (Comité

des mal-logés - CML). Este, por sua vez, foi fundado em 1987, com uma base de famílias de

trabalhadores essencialmente africanas, em especial vindas do Mali (PÉCHU, 2006, p. 341).

Existem ainda outros movimentos que possuem suas bases mais voltadas para a

população de rua e não para as famílias de trabalhadores sem-teto ou mal alojados, como

acontece com DAL. Citamos aqui, como exemplo, o “Comitê dos Sem-Moradia” (Comité de

Sans-Logis - CdSL), fundado em 1993. Este movimento foi forjado no interior do DAL para

atender a demanda dos « solteiros », ou seja da populaçao em situação de rua, enquanto DAL

se dedida às « famílias de sem-teto ».

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Outro exemplo é « Os filhos de Don Quichotte » (Les enfants de Don Quichotte) que

se destacou pela formação de acampamentos de barracas às margens do rio Senna, em Paris,

entre os anos de 2006 e 2007. O movimento teve breve duração, mas sua mobilização foi

notória durante o período de discussão e aprovação da Lei DALO, uma das mais importantes

leis contemporâneas relacionadas ao direito à moradia na França.

Em relação às formas de ação dos movimentos dos sem-teto na França é interessante

verificar o resgate da ação direta a partir da realização de ocupações. Ao longo dos anos 1990,

CdSL e DAL realizaram diversas ocupações, conjuntamente, com o objetivo de transformar o

local ocupado em moradia provisória, posto que as bases destes movimentos tinham urgência

em obter um local para morar.

Paralelamente a retomada das ocupações, a luta por moradia ganhou novo fôlego com

a criação dos jornais da população de rua. Os vendedores, eles mesmos fazendo parte da

população de rua, passaram a vender jornais com notícias sobre os seus cotidianos e a luta por

moradia. Assim, há uma espécie de politização destes sujeitos. De acordo com Péchu (1997,

p. 33 – tradução nossa), “a aparição destes jornais tem por consequência, dando um status e

um reconhecimento aos SDF95 enquanto grupo social, favorecer a mobilização”.

Jeudi Noir, um outro tipo de movimento de moradia, foi organizado em 2006, em um

contexto de acentuação da crise habitacional devido ao aumento dos preços dos imóveis e dos

valores dos aluguéis nos últimos quinze anos (FONDATION ABBÉ PIERRE, 2014),

crescimento das expulsões em virtude da falta de pagamento dos aluguéis e aumento do

número da população que vive sem moradia ou mal alojada (INSEE, 2014). Lembramos que

consideramos que JN é um movimento de moradia, mas não um movimento dos sem-teto.

Explicaremos isto no capítulo 5.

Passemos agora ao capítulo 4, onde aprofundaremos a discussão sobre o DAL.

95 Lembramos que SDF é a abreviação de “Sem-Domicílio Fixo” (Sans-Domicile Fixe), maneira pela qual os franceses costumam chamar a população de rua.

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Capítulo 4. Droit au Logement (DAL): movimento dos sem-teto na França

Bandeira do movimento “Direito à Moradia” (Droit au Logement – DAL)

Reivindicações

Conforme já apontamos anteriormente, “Direito à Moradia” (Droit au Logement –

DAL) é um dos principais movimentos sociais de luta por moradia na França. Hoje, este

movimento possui um status de federação, ou seja, agrega diversos comitês em diferentes

cidades francesas sendo, então, um movimento de atuação em nível nacional.

A principal reivindicação do DAL, apresentada em seus panfletos, manifestações e no

discurso dos militantes e dos sem-teto, é a garantia do direito à moradia para todos e, em

especial, o realojamento das famílias que estão em suas bases.

De acordo com DAL, a moradia digna pode ser conquistada quando há o cumprimento

de algumas leis francesas, como a “Lei de Requisição” e a “Lei DALO”. Nesse sentido, o

movimento luta constantemente pela aplicação efetiva destas leis e por adequações na

legislação que favoreçam aqueles que se encontram em situações de vulnerabilidade

habitacional.

Lei de Requisição (Loi de Réquisition) A Lei de Requisição se trata de uma legislação que foi elaborada, na França, em

1945, depois da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de enfrentar a falta de moradias, já que muitas destas haviam sido destruídas, durante o período de guerra.

A prescrição era de que as moradias públicas ou privadas, as residências

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secundárias ou principais e até mesmo os prédios utilizados como locais de trabalho, todos estes imóveis, estando desocupados por mais de seis meses, poderiam ser requisitados pelo Estado. A tomada da propriedade era feita por um ano podendo ser renovada quatro vezes (PÉCHU, 2010, p. 345).

Se a Lei de Requisição foi capaz de requisitar milhares de moradias nos anos seguintes à sua elaboração, é verdade também, que, depois de 1960, o número de moradias requisitadas caiu muito.

Nos anos 1990, momento de crise habitacional, organização popular para lutar por moradia (com destaque para as ações de DAL) e, consequente, aumento da pressão sobre os governos, tem-se uma retomada, ainda que tímida, das requisições dos imóveis.

Em 1998, uma segunda legislação sobre as requisições foi incluída na “Lei de luta contra as exclusões”. Segundo esta lei, as requisições podem acontecer somente quando os imóveis se encontrem vazios há mais de dezoito meses e sejam de propriedade de investidores institucionais (bancos, empresas de seguro, “mutuelles” e outros). O Estado, em troca, paga aos proprietários uma indenização com valores próximos ao dos aluguéis dos imóveis destinados à locação social96.

Assim, estes dois quadros legais – a legislação de 1945 e a de 1998 – coexistem, resultando em muitas polêmicas nos momentos de aplicação da lei.

Em 2013, a Lei Duflot apresenta mais dois artigos referente ao procedimento de requisição, com a intenção de diminuir o número de imóveis vazios. Um dos artigos determina que o período de vacância no qual uma propriedade pode ser requisitada seja reduzido para 12 meses, e não mais 18 meses como estava previsto na lei de 1998. O outro artigo objetiva evitar que os proprietários escapem do regime de requisição sob o pretexto de reformas em seu imóvel97.

DAL considera a aplicação desta lei fundamental para solucionar a crise de moradia na França. Isto porque existem muitos imóveis vazios à espera de sua valorização (especulação imobiliária), os quais poderiam ser transformados rapidamente em moradias. De acordo com os dados do INSEE, em 2013, 2,3 milhões de moradias estavam vazias98.

Neste sentido, a reivindicação do DAL permanece a mesma desde a sua fundação: pressionar os governos para que a Lei de Requisição seja aplicada.

Assim, o DAL nomeia as suas ocupações de “Requisição Cidadã” (Réquisition Citoyenne), fazendo uma clara referência à lei aqui discutida e demonstrando a existência de inúmeros imóveis vazios que devem ser requisitados e transformados em moradia social.

No entanto, a “requisição cidadã” realizada pelos sem-teto, diferentemente da requisição realizada pelo governo, não é autorizada legalmente e é considerada, sob o ponto de vista jurídico, um atentado aos bens de terceiros, ou seja, um atentado à propriedade privada. Assim, o que os sem-teto realizam é, nos termos da lei, uma “ocupação sem direito, nem título” (occupation sans droit ni titre), que é suscetível à penalidade jurídica. 96 Disponível em: /www.liberation.fr/societe/2013/12/11/pourquoi-aucun-logement-n-a-ete-requisitionne-depuis-un-an_965474. Acessado em novembro de 2014. 97 Ibidem. 98 O número referente ao parque de imóveis vazios engloba aqui realidades muito distintas. Por exemplo, moradias que estão à venda ou destinadas à locação, casas em reforma e também imóveis que estão vazios de fato, contribuindo para a especulação imobiliária. São, portanto, estes últimos que os movimentos de moradia reivindicam que sejam requisitados.

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Lei DALO ( Droit Au Logement Opposable) Uma outra importante lei francesa relacionada à questão habitacional é a Lei

DALO, Lei do Direito à Moradia Exequível (Droit Au Logement Opposable), que foi promulgada no ano de 2007.

Esta lei considera o direito à moradia como fudamental e atribui uma obrigação de resultado por parte do Estado. O dirieto é dito aqui exequível, pois o cidadão dispõe de vias de recursos para obter a sua aplicação efetiva99.

Assim, segundo esta lei, o Estado deve garantir moradias ou albergues para as pessoas reconhecidas como prioritárias pela comissão de mediação que trata deste assunto. É o dirigente administrativo de cada departamento (coletividade terriotiral) quem organiza as moradias sociais e as estruturas de albergues para realojar as pessoas100.

De acordo com o artigo 1 da lei DALO, esta se aplica a todas as pessoas que residam em território francês de forma regular (os sem-documentos estão, portanto, excluídos) e não possuem condições de acesso à moradia com os seus próprios meios.

Esta lei não é apenas destinada aos “sem-domicílio fixo”, mas a todos os cidadãos que estejam e comprovem uma das seguintes situações em que se encontram: sem nenhuma moradia; ameaçado de expulsão sem possibilidade de realojamento; vivendo em uma estrutra de albergue ou alojamento temporário; vivendo em locais inadequados para habitação, insalubres ou perigosos; estar em um moradia subocupada ou não digna e tendo sob sua responsabilidade aos menos um filho menor de idade ou uma pessoa deficiente ou, ainda, ser ele mesmo deficiente; demandatário de uma moradia locativa social há muito tempo (esta temporalidade varia de um departamento para outro e é fixada pelo dirigente adminitrativo de cada região)101.

Diversos movimentos (como “Direitos à Frente” (Dd!!), “Direito à Moradia” (DAL), Enfants de Don Quichotte e outros) e instituições (Fundação Abbé Pierre, Secure Catholique, entre outras) reivindicavam há anos uma política habitacional que realmente executasse o direito à moradia. Neste sentido, a conquista da Lei DALO pode ser vista como uma vitória dos movimentos populares.

No entanto, passados alguns anos da elaboração desta lei, os militantes de DAL a apresentam como pouco eficaz e destacam a insuficiência no número de moradia social. Milhares de sem-teto e mal alojados, que já foram classificados como prioritários pelo Estado a obter uma moradia social, estão à espera desta102.

De acordo com os dados oficiais do governo francês103, entre os anos de 2008 e 2014 (até o primeiro semestre), no nível nacional, mais de 146 mil famílias foram consideradas como prioritárias pela Comissão de Mediação. Destas famílias, 90 mil

99 Entendemos que a terminologia “direito exequível” é interessante e, ao mesmo tempo, problemática. Interessante, porque atesta que o direito à moradia na França não vem sendo respeitado e, por isso, necessita-se de uma lei que o trate como “exequível”. Problemática, pois abre precedentes para que existam direitos e leis que não sejam possíveis de serem praticáveis. 100Disponível em: http://www.territoires.gouv.fr/que-dit-la-loi-no-2007-290-du-5-mars-2007. Acessado em dezembro de 2014. 101 Ibidem. 102 Disponível em: http://www.alternativelibertaire.org/?Benoite-Bureau-Dal-Seulement-7-des. Acessado em outubro de 2014. 103 Estes dados estão disponíveis na página oficial do Ministério da Moradia, da Igualdade de Territórios e da Ruralidade. Disponível em: http://www.territoires.gouv.fr/que-dit-la-loi-no-2007-290-du-5-mars-2007. Acessado em dezembro de 2014.

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foram realojadas e mais de 55 mil ainda esperavam pelo realojamento. A demanda por moradia social é distribuída desigualmente pelo território

francês. Os pedidos relacionados à lei DALO, por exemplo, se concentram na região da Ilha de França (cerca de 60% do total da demanda). É interessante ainda notar que 90% das demandas são por moradia digna e apenas 10% se referem a pedidos de albergues provisórios104.

Os objetivos e reivindicações de DAL são sintetizados, pelo próprio movimento, da

seguinte maneira:

Unir e organizar os que estão mal alojados, os sem-teto, os locatários, os residentes de albergues, os habitantes de camping e de moradias móveis, todos os confrontados às dificuldades econômicas, à discriminação, ao racismo, a toda situação, portanto, que afeta o acesso ou manutenção de uma moradia digna, selecionada, acessível, econômica...

Fim das expulsões de toda forma de habitação e realojamento escolhido

Realojamento digno e estável de toda família e pessoa mal alojada ou sem-teto;

Aplicação e adequação das leis favoráveis às pessoas em dificuldade de moradia e aos locatários, em especial a lei de requisição, a lei DALO, o direito ao alojamento incondicional qualquer que seja a situação administrativa, os direitos dos locatários, etc.

De maneira mais geral, o apoio, a informação, a promoção de ações que têm por objetivos: remediar a crise de moradia, as dificuldades dos mal alojados, dos sem-teto e dos locatários; agir contra a especulação imobiliária e da terra, os aluguéis e as moradias caras, e todas as despesas associadas e contra a precarização dos “estatutos locativos”; resistir à mercantilização e privatização da moradia social, às políticas de moradia e de urbanismo contrárias ao interesse dos moradores dos bairros populares (LA CHARTE DE DAL – tradução nossa)105.

Na França, assim como no Brasil, as famílias realizam sua demanda por moradia

social ao Estado e ficam esperando por anos até que sejam atendidas. No entanto, como já

notamos antes, uma diferença importante em relação ao caso brasileiro deve ser destacada. A

moradia social reivindicada pelos sem-teto franceses que estão na base do DAL se trata de

uma habitação com um aluguel subsidiado e não a aquisição de uma casa, no sentido de

compra de propriedade privada.

Assim, quando DAL reivindica moradia para os sem-teto de sua base, ele demanda, na

realidade, um imóvel de aluguel social, ou seja, “uma HLM” (Habitação com Aluguel

104 Ibidem. 105 Disponível em: http:// http://droitaulogement.org/la-charte-du-dal. Acessado em agosto de 2014.

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Moderado - Habitation à Loyer Modéré - HLM)106, onde o sem-teto poderá garantir uma

moradia digna para sua família, pagando um valor de aluguel que não comprometa a renda

familiar.

Os movimentos dos sem-teto no Brasil, diferentemente, possuem como reivindicação

principal uma moradia, no sentido de uma casa própria, ou seja, há o objetivo de fazer do

beneficiado da política habitacional o proprietário do imóvel. Logo, enquanto no Brasil os

sem-teto cultivam o “sonho da casa própria”, na França, poderíamos falar do “sonho da

HLM”.

Estas considerações não nos permite afirmar que a reivindicação de locação social

esteja ausente da plataforma dos movimentos dos sem-teto no Brasil107. Como vimos na

primeira parte deste texto, alguns idosos sem-teto brasileiros têm refletido sobre este tema e

reivindicado uma política efetiva de locação social. Mas, é fato que tal reivindicação é

residual entre as famílias de sem-teto no Brasil.

A explicação para esta diferença no significado da reivindicação dos sem-teto nos dois

países em questão está, em grande medida, no fato de que em cada país, em decorrência do

próprio tipo de Estado, as políticas habitacionais possuem características muito distintas.

Neste sentido, argumentamos que a reivindicação por uma HLM deve ser entendida a

partir da política habitacional de locação social existente na França e que foi forjada em um

Estado de bem-estar social, ou seja, Estado forte, economicamente intervencionista e

promotor (e protetor) social. Desta maneira, a habitação é entendida enquanto um direito que

deve ser garantido pelo Estado, assim como a saúde e a educação108. Já no Brasil, não existiu

efetivamente um Estado de bem-estar social e as políticas habitacionais brasileiras sempre

106 Passaremos a utilizar adiante a sigla HLM para fazer referência tanto à política de habitação com aluguel moderado, quanto à própria moradia/imóvel de locação social. 107 Existe no Brasil diversas políticas de “auxilio aluguel”, no entanto, como destaca Milano (2013a, p.10), estas não correspondem a uma real política de locação social: “Não se tratam de programas efetivos de aluguel social aqueles em que o poder público oferece um “auxílio aluguel” temporário a famílias de baixa renda para que as mesmas encontrem suas moradias no mercado formal de imóveis para locação. Também não devem ser consideradas como aluguel social as moradias provisórias ofertadas pelo poder público paras as famílias que aguardam moradias definitivas com fins de propriedade. Essas modalidades de locação são bastante comuns, mas não auxiliam na redução do déficit habitacional brasileiro e não consideram o aluguel como uma opção de moradia definitiva. Logo, essas opções, chamadas aqui de auxílio-moradia, são condizentes com a prática de produção de moradias com fins de propriedade”. 108 Considerando uma média dos países que compõem a União Europeia, podemos dizer que 8,6% dos domicílios ocupados na Europa o são por locatários de moradia social. Este número aumenta quando tomamos como exemplos os países nórdicos, como por exemplo, Dinamarca (19% do total são de locatários sociais), Áustria (23% do total) e Holanda (32% do total). A França também fica entre os países acima da média, ou seja, cerca de 17% dos domicílios franceses ocupados o são por locatários de moradia social. Estes dados estão disponíveis em: http://www.liberation.fr/politiques/2014/05/20/bruxelles-a-une-position-restrictive-et-liberale-du-logement-social_1022466. Acessado em dezembro de 2014.

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apresentaram um traço de mercantilização da moradia social e favoreceram a ideologia da

casa própria.

A compra de uma casa até parece ser desejada entre as famílias de sem-teto, mas é

vista como algo muito difícil de ser realizado, principalmente para os sem-teto imigrante

africanos, devido ao seu alto valor:

O acesso à propriedade permite de escapar dos circuitos de atribuições dependentes do Estado ou dos organismos de moradia social ou dos locadores privados, mas ela é hoje freada pelos mecanismos cada vez mais capitalistas de construção de moradias e é dependente dos canais bancários. Ela [a propriedade] está sempre mais ligada à imigração de origem espanhola, portuguesa ou asiática, do que à imigração africana ou norte-africana, majoritária entre as famílias do DAL (HAVARD dit DUCLOS, 2002, p.273 – tradução nossa).

Além da reivindicação principal do movimento, ou seja, garantir o direito de moradia

a todos, existem as “reivindicações latentes”, conforme definiu Péchu (1996, 1997) e

debatemos na primeira parte deste texto, quando tratamos dos movimentos dos sem-teto no

Brasil.

Péchu (1997) destaca algumas das reivindicações latentes das famílias que compõem o

DAL, a saber, o acesso gratuito aos serviços de saúde, a escolarização das crianças e a suas

matrículas na escola, o direito a uma alfabetização por parte das mulheres africanas, entre

outras. Assim, demandas especificas dos diferentes segmentos da base são acolhidas pelo

movimento. Abordaremos esta temática mais à frente, quando tratarmos da base social do

DAL.

Organização: DAL enquanto sindicato de sem-teto?

O primeiro comitê DAL a ser organizado, foi o “DAL Paris e arredores”, em 1990.

Posteriormente, são organizados outros coletivos na região parisiense (em Clichy-la-Garenne,

Evry, Villeparisis, Conflans-Ste-Honorine, etc.). E, depois de 1992, são organizados comitês

em outras cidades da França, tais como: Montreuil, Toulouse, Montpellier, Marseille, Orléans,

Tours, Lyon, Grenoble, Nancy, Strasbourg, Amiens, Lille, Caen e Rennes (PÉCHU, 1997). E,

em janeiro de 1998, cerca de 30 comitês DAL passaram a constituir formalmente o que foi

denominado de “Federação DAL”109.

109 A “Federação DAL” é o que denominamos, ao longo de todo este texto, simplesmente como “DAL”. Doravante, o “comitê DAL Paris e arredores” será nomeado aqui como “DAL Paris”.

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Em relação aos diversos comitês DAL existentes no território francês é importante que

se entenda que eles são muito dinâmicos e que, de acordo com a conjuntura local, podem estar

mais ou menos organizados110.

Os comitês existentes podem ser divididos (geograficamente) da seguinte maneira:

França, Paris/Ilha de França111, além da existência de um comitê na Ilha da Reunião e outro

na Guiana Francesa112.

Comitês DAL na França

Fonte: Este mapa está disponível na página oficial do movimento, porém com outro título: “Carte des

comités”. Disponível em: http://droitaulogement.org/carte-des-comites2/. Acessado em agosto de 2014.

A crise habitacional francesa apresenta diversas dimensões, sendo uma delas os

imóveis destinados à locação social, tanto no que se refere à quantidade de moradias quanto à

qualidade.

110 É por isto que, quando realizamos o trabalho de campo desta pesquisa na França, entre 2012 e 2013, alguns dos coletivos DAL existentes nos anos 1990 e início de 2000 estavam pouco mobilizados ou até mesmo não existiam mais. Este foi o caso, por exemplo, em Lyon, uma das maiores cidades francesas. Por outro lado, naquela ocasião, DAL Paris e os comitês da região parisiense seguiam com grande organização, agregando mais sem-teto às suas bases, realizando manifestações e ocupações de imóveis. 111 Ilha de França (Île-de-France) é a denominação que se dá para uma das 26 regiões administrativas da França. As principais cidades desta região são: Paris, Pontoise, Versalhes, Évry, Melun, Nanterre, Bobigny, Montmorency, Mantes-la-Jolie, Saint-Germain-en-Laye, Rambouiillet, Palaiseau, Étampes, Meaux e Argenteuil. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Ilha_de_Fran%C3%A7a. Acessado em agosto de 2014. 112 Lembramos que tanto a Ilha da Reunião (localizada no Oceano Índico) quanto a Guiana Francesa (localizada no continente americano) são regiões e departamentos ultramarinos da República Francesa.

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Habitação de Aluguel Moderado (Habitation à Loyer Modéré - HLM) A política de locação social foi implantada e desenvolvida na França, a partir do

final do século XIX, com destaque para a “habitação econômica” (Habitation à Bon Marché – HBM). Após a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de reconstruir milhões de casas devastadas pela guerra, este tipo de política ganhou novo fôlego.

Assim, em 1948, criou-se o que conhecemos hoje como “política HLM” ou “sistema HLM”, ou seja, a construção de “habitações destinadas ao aluguel, iniciando-se um forte processo de financiamento estatal para este tipo de moradia” (ABIKO; GÓES; BARREIROS, 1994, p.5).

O sistema HLM conta com as seguintes fontes de financiamento: os próprios créditos orçamentários do Estado; Caixa de Depósitos e Consignações (Caisse des Dépots et Consignations - CDC), que é um estabelecimento bancário público nacional que financia a habitação social a partir dos recursos das cadernetas de poupança; esforço dos empregadores para a construção, o chamado “1% moradia” (1% logement), em que todas as empresas com mais de dez funcionários devem contribuir com, no mínimo, 1% do valor da folha de pagamento para a habitação de locação social; contribuição das coletividades, governos locais ou regionais, para complementar as operações de moradia financiadas pelo governo central (ABIKO; GÓES; BARREIROS (1994); DIOGO (2004)).

A promoção da moradia social está a cargo dos “órgãos HLM”, que podem ser órgãos públicos, sociedades anônimas e sociedades cooperativas. Da mesma maneira, o proprietário original do imóvel pode ser tanto o setor público, quanto o setor privado.

Sobre os auxílios e subsídios do Estado para as habitações destinadas à locação social, podemos destacar dois tipos: os “Auxílios à Pedra” (Aide à la pierre) destinados a viabilizar a construção de habitações sociais; e os “Auxílios à Pessoa” (Aide Personalisée au Logement) destinados aos locatários e/ou aos compradores de moradia social (NOWERSTERN; SANTANA, 2006).

Esta política, que foi construída e desenvolvida em um contexto de forte investimento estatal na área social, tinha nos trabalhadores com emprego estável o seu público alvo.

No entanto, hoje, a situação é diferente. Além do mais: há um processo de retração do mercado do trabalho que já

dura algumas décadas: desemprego, instabilidade, segregação, precariedade, trabalho informal, emprego da imigração clandestina, etc.

O mercado não permite aos setores sociais de baixa renda (nem de renda média) arrumar uma moradia. A demanda endereçada ao sistema de moradia social não pode ser satisfeita. A crise da moradia social atual é geral (...) (NOWERSTERN; SANTANA, 2006, p. 72).

É, então, neste contexto que diferentes organizações e movimentos de moradia

se unem e lutam contra a mercantilização da moradia social, reivindicando:

(...) o congelamento das demolições, a suspensão da venda das habitações sociais, o bloqueio da desregulamentação dos aluguéis HLM e da modificação dos modos de financiamento, a suspensão da privatização dos arrendadores sociais e da modificação do estatuto das HLM e de seus locatários, o retorno à vocação social de todas as

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moradias públicas (NOWERSTERN; SANTANA, 2006, p.78).

Dentre as críticas dos militantes do DAL em relação ao sistema HLM vigente, podemos destacar:

- constrói-se menos moradias por ano e, ainda, estas não estão totalmente voltadas para os mais pobres, sendo também destinadas para as classes médias – alguns sem-teto do DAL dizem que hoje existe uma “HLM luxo”;

- o sistema HLM tem se apresentado duplamente discriminador (PETIT, 2006). Uma discriminação social que pode ser observada no fato de as famílias mais abastadas economicamente (sejam famílias brancas ou negras) serem as que possuem mais facilidade de se beneficiarem de um realojamento em uma HLM. Discriminação racista em relação aos imigrantes por parte dos “locadores sociais”. Estes consideram que as famílias “não-europeias” podem trazer alguns riscos relacionados aos problemas financeiros (não pagamento dos aluguéis), culturais (hábitos e modos de vida diferentes dos franceses ou europeus) ou de insegurança (degradação do imóvel ou violência) (BONNAL; BOUMAHDI; FAVARD, 2013)

- os “imóveis HLM” têm passado por processos de demolição e reconstrução dos prédios antigos. Neste contexto, a crítica que militantes do DAL fazem é a de que tem se gastado mais no realojamento das famílias que já estavam em uma HLM, e pouco tem se investido na construção de novos empreendimentos para as famílias que estão em situação de vulnerabilidade habitacional e a espera de uma HLM (PETIT, 2006).

- O controle social às famílias mais pobres têm aumentado:

existe a ideia subjacente de que os mais pobres, os sem-teto e, entre eles, ainda mais os imigrantes, não são capazes de ocupar corretamente a moradia, suposição relacionada com a origem geográfica e social. Para passar da favela, ou da rua, para uma moradia “normal”, é preciso “aprender”, passando pela residência social ou a “locação deslizante” (a locação é renovada se “tudo vai bem”) (...). (PETIT, 2006, p. 22 – tradução nossa).

Diante do desgaste do “sistema HLM”, percebemos que DAL reivindica uma

adequação (ou readequação) desta política para que ela seja capaz de responder às necessidades habitacionais atuais de grande parte dos trabalhadores franceses.

De acordo com os militantes do DAL, a crise habitacional é agravada com a

mercantilização e privatização do parque de moradias sociais e isto é um reflexo da adoção de

políticas neoliberais no campo da habitação. Neste cenário, há, de um lado, aumento do

aluguel, dos gastos com taxas de eletricidade e do custo e vida e, de outro, há redução dos

salários, das pensões e das ajudas do Estado – destaque para os subsídios para se pagar os

aluguéis. Assim, o pagamento de um aluguel se torna, cada vez mais, uma tarefa difícil de ser

cumprida.

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Diante deste contexto, recentemente, foi criado oficialmente mais um novo segmento

no interior de DAL, trata-se do “DAL HLM”113, ou seja, uma organização destinada à defesa

dos interesses dos locatários que já vivem em moradias sociais, e não aos sem-teto.

Constroem-se, assim, comitês de locatários para se opor a mercantilização da moradia social.

Em manifesto, DAL declara:

Diante das ameaças que pesam sobre a moradia social, “Direito à moradia” [DAL] decidiu progressivamente se lançar ao lado dos locatários, de compartilhar sua experiência, sua notoriedade, sua imagem, de construir e se colocar ao serviço dos locatários HLM, de defender os moradores dos bairros populares (MANIFESTE DE DAL HLM - tradução nossa)114.

Todos os comitês federados ao DAL seguem algumas diretrizes determinadas em uma

carta do movimento115. Esta carta traz questões importantes para a organização da luta dos

comitês: desde o compartilhamento das formas de luta (manifestação, acampamento,

ocupação e requisição cidadã), passando pela manutenção financeira até a discussão sobre a

independência e autonomia do movimento. Mais adiante, quando tratarmos da orientação

político-ideológica do DAL, comentaremos a respeito da relação de autonomia que o

movimento busca ter com os governos e partidos políticos. Por ora, trataremos da organização

do movimento.

Para participar do DAL é preciso que o sem-teto faça sua inscrição, fornecendo alguns

dados pessoais, pague uma cotização anual116 e, ainda, tenha um número do registro de

113 De acordo com o manifesto DAL HLM, sua luta se dá em diferentes sentidos: a) dentro das moradias sociais já existentes, o DAL reivindica moradia decente e com um aluguel acessível para todos, assim como o fim das expulsões sem realojamento dos locatários HLM em dificuldades, facilidade da mobilidade no seio do parque (por exemplo, as famílias crescem e necessitam de espaço maior), serviços de qualidade, duráveis e econômicos (aquecimento, elevador, água, eletricidade, etc.), moradias adaptadas às questões ambientais (como produção de moradia com baixo consumo de energia), moradias que protejam a saúde de seus habitantes (evitando a contaminação por chumbo, por exemplo) e, ainda, tornar mais compreensível às cobranças de diferentes taxas; b) nos bairros populares onde os empreendimentos HLM se encontram, o DAL é contra os programas ditos de “renovação urbana” ou “melhora de habitat” que são contrários aos interesses dos locatários HLM. O DAL luta para que os responsáveis políticos escutem os locatários sobre suas necessidades nos bairros (equipamento público, transporte, educação e saúde) e luta pelo fim da discriminação social, familiar, étnica ou religiosa que justificam dispersar os habitantes de um bairro ou proibir os mal alojados de serem realojados); c) reivindicando mudanças gerais no sistema HLM atual, o DAL reivindica a realização massiva de moradias sociais, com o fortalecimento de fundos para financiá-las e o restabelecimento do papel social dos imóveis HLM; pela união entre todos os locatários; contra a moradia cara, a especulação, a limpeza social dos bairros populares, a repressão dos movimentos sociais, o flagelo das ideias racistas e xenófobas de extrema-direita. Estas informações estão em Manifeste de DAL HLM. Disponível em: http://droitaulogement.org/dal-hlm/. Acessado em outubro de 2014. 114 Disponível em: http://droitaulogement.org/dal-hlm/. Acessado em outubro de 2014. 115 A Carta DAL (“La charte de DAL”) está disponível no site oficial do movimento: http://droitaulogement.org/la-charte-du-dal/. Acessado em agosto de 2014. 116 De acordo com os documentos oficiais do movimento, esta cotização é fixada pelo DAL Paris em 20 euros e existem alguns comitês de outras cidades que fixam a taxa em 10 euros. Segundo a cotação do Banco Central do

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demanda de uma moradia social – este número é obtido por uma família após a realização

formal de um pedido de moradia a um dos órgãos públicos responsáveis.

Quando o sem-teto não possui este número porque ainda não deu início ao pedido,

DAL o auxilia no preenchimento da ficha que se refere, na verdade, como vimos no item

anterior, a uma demanda por uma moradia locativa social. Nos casos em que os sem-teto já

possuem este pedido, mas sem resultado, DAL os auxilia no preenchimento do dossiê

“DALO” (“Direito à moradia exequível”). O DALO não é, então, um novo pedido de

moradia, mas sim a constatação da ausência desta, apesar das demandas já realizadas e

atualizadas. É como se fosse um último recurso legal para a demanda de moradia social. E é

assim que DAL parece encará-lo já que as famílias que possuem um dossiê DALO sem

nenhuma resposta de realojamento por parte do Estado, são as que realizam as ocupações de

imóveis, ou nos termos do movimento, as “requisições cidadãs”.

Além desta ajuda no preenchimento e envio dos dossiês de demanda de moradia, DAL

oferece uma assistência jurídica gratuita para assuntos como atraso de aluguel, eminência de

despejos, etc.

É preciso entender que a adesão formal ao DAL não significa automática participação

nas atividades do movimento. O grau de participação e envolvimento das famílias de sem-teto

é diverso: desde os que apenas fazem parte “formalmente” do movimento, pois realizaram

uma inscrição e pagam a cotização, até aqueles que participam ativamente das reuniões,

manifestações e realizam as ocupações.

O movimento possui um modo de funcionamento que busca propiciar a criação de

uma real coletividade entre os seus membros. Assim, as famílias dos sem-teto que

participarão de um acampamento ou de uma ocupação, devem antes participar de outras

ações, como manifestações e reuniões, de modo a se conhecerem bem. Deste modo, vai se

criando solidariedade entre as famílias e identidades são compartilhadas.

Os sem-teto, enquanto “filiados” ao DAL, possuem uma carteira com seu nome e

sobrenome, assim como um número de filiação. A cada ação que o sem-teto participa, ele

recebe alguns pontos em sua carteira. Esta pontuação auxilia na seleção de quais famílias

ocuparão um imóvel ou estarão na lista de famílias prioritárias pelas quais DAL lutará. Este

Brasil, de 19 de setembro de 2014, um euro equivale a 3,05 reais. Sendo assim, com este valor de referência, as taxas anuais que os sem-teto pertencentes ao DAL devem pagar variam de R$30,55 até R$ 61,11. O valor bruto do salário mínimo francês (SMIC) era de $1.445,38 euros, em primeiro de janeiro de 2014, de acordo com o site “Smic horaire net” (http://www.smichoraire.net).

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procedimento tem, portanto, um papel chave na mobilização dos sem-teto funcionando como

grande incentivo para a ação.

Este aspecto organizacional de DAL, no que se refere à contagem dos pontos, se

aproxima muito da maneira como são organizados diversos movimentos dos sem-teto no

Brasil. A existência de pontuação no caso brasileiros também garante a frequência na

participação das ações dos movimentos e ajuda na seleção de quais as famílias que realizarão

as ocupações ou serão beneficiadas com moradia quando a reivindicações dos movimentos

dos sem-teto forem atendidas. A pontuação ajuda ainda a combater os “oportunistas”, ou seja,

aquelas pessoas que podem vir a se infiltrar no movimento para adquirir uma casa, mas que

não precisam desta para morar, não são sem-teto.

O DAL, a partir dos discursos de seus militantes, se apresenta como uma organização

de combate e de lutas de sem-teto. Neste sentido, ao conceber os sem-teto como os

verdadeiros atores, e não simples beneficiários da luta, o DAL busca se aproximar a um

“sindicato de sem-teto”. A fala de Marion, militante de DAL, é ilustrativa desta aproximação:

O funcionamento de DAL é como um sindicato, um sindicato de

sem-teto. É isto. Quer dizer que é o sem-teto que participa. DAL atua para organizar o sem-teto, para colocar todo mundo junto para fazer pressão sobre as instituições, os locadores, etc. para obter um realojamento, para avançar o direito à moradia ... Isto quer dizer que os sem-teto não são como dentro das associações caritativas, por exemplo, que se dá alguma coisa para o sem-teto (...). A gente [DAL] não tem moradia. A gente não tem nada. O que a gente tem é o conhecimento e o « savoir faire » para ajudá-los a se organizarem. Veja, são eles quem se organizam. Enfim, são as pessoas mesmas que participam para fazer avançar o direito à moradia...Não é o DAL sozinho que vai fazer, construir a moradia. DAL não tem moradia, não tem nada a não ser a sua capacidade de organizar os sem-teto.

Marion – militante do DAL Paris. Entrevista concedida à Nathalia Oliveira, em Paris, janeiro de 2013.117

Da mesma maneira que os sindicatos fixam objetivos precisos de luta pelo direito ao

trabalho (decente), DAL reagrupa aqueles que objetivam conquistar uma moradia digna e, por

isso, o movimento reivindica o direito à moradia para todos. Os militantes defendem que a 117 As entrevistas que fizemos com lideranças e sem-teto, na França, foram realizadas na língua francesa, mas optamos aqui por traduzi-las para o português já que todo o restante do texto está neste idioma. Os nomes dos entrevistados são fictícios para evitar problemas de quaisquer ordens para os próprios entrevistados, os quais, gentilmente, cederam seu tempo para compartilhar comigo parte de suas histórias de vida e de lutas por moradia. Deixo aqui, mais uma vez, meus agradecimentos a todos os militantes e membros da base de DAL e JN com os quais tive a oportunidade de conversar. Ao longo do texto, será possível perceber que citamos partes de entrevistas realizadas por outros pesquisadores, publicadas em trabalhos e artigos científicos ou em artigos da grande imprensa. Nestes casos, mantemos o nome dos entrevistados conforme os autores o fazem.

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luta é organizada pelos próprios sem-teto “com um sistema de representação democrática no

interior dos grupos” (PETIT, 2006, p.20 – tradução nossa).

Assim, a aproximação entre o DAL e o sindicato realizada por seus militantes parece

ser feita mais devido ao fato de que se entende que é o sem-teto quem realmente faz a luta, e

não apenas os “militantes”. Diferentemente do que ocorre com outras organizações sociais,

principalmente aquelas mais atreladas a uma postura assistencialista, de caridade e religiosa.

No entanto, como alerta Havard dit Duclos (2002), esta aproximação não é muito

exata. Para a autora, o DAL estaria entre a posição de um sindicato e uma associação

filantrópica.

Havard dit Duclos (2002) destaca que, de um lado, há, de fato, um movimento que,

como notamos anteriormente, se interessa por organizar a luta dos sem-teto por moradia

social na França, assim como fazem os sindicatos com os trabalhadores. No entanto, por outro

lado, existe uma dimensão mais pragmática do movimento que auxilia as famílias de sem-teto

da base na questão do preenchimento e seguimento dos dossiês de demanda por moradia,

apoiando as famílias diante dos escritórios HLM, auxiliando nas burocracias junto aos órgãos

regionais, enfim, tem-se uma organização que presta serviços e ajudas, atuação mais próxima

de uma associação caritativa. Assim, Havard dit Duclos (2002) conclui que as duas lógicas

(do sindicalismo e da filantropia) coabitam o mesmo movimento118.

A discussão sobre DAL enquanto sindicato de sem-teto ou associação filantrópica toca

em um ponto importante a respeito da relação entre base (“aderentes”) e lideranças

(“militantes”). Assim, surgem questões como: Quem são os “aderentes”, quem são os

“militantes”? Como são as relações entre as lideranças e os sem-teto119?

Para começar a responder estas questões, a ideia de um continuum dos sem-teto até os

“militantes”, elaborada por Péchu (2001), é interessante. Teríamos, em um polo, o sem-teto

(que a literatura francesa chama de “aderente” ou “filiado”), que está na base do movimento, e

se aproxima deste para encontrar uma solução para o seu problema familiar em relação à

118 Esta discussão entre as lógicas, de um lado, organização da base (de trabalhadores) para defender os seus interesses comuns a partir de uma ação coletiva reivindicativa e, de outro lado, a prestação de serviços em áreas diversas (tais como saúde, formação e educação, assistência jurídica, colônias de férias, etc.) para seus filiados, estas lógicas também aparecem e coabitam no interior dos próprios sindicatos. No caso brasileiro isto é muito presente. É neste contexto que foi forjado, por exemplo, o conceito de “sindicalismo de serviço” para se referir aos sindicatos em que predomina a segunda lógica aqui descrita. 119 Como um de nossos objetivos principais de pesquisa é justamente entender quem são os sem-teto franceses, dedicaremos todo o próximo item para analisá-los. Portanto, aqui, vamos apenas definir rapidamente quem são os aderentes e os militantes e suas relações, no sentido de aumentar a compreensão sobre a organização de DAL.

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moradia; e, em um outro polo, estão os ditos “militantes”, aqueles que não possuem problema

pessoal de habitação, mas que participam ativamente da luta por moradia.

Lembramos que, como se trata de um continuum, pode haver casos, por exemplo, em

que um sem-teto chega ao movimento e passa a ser um militante ativo e, depois, mesmo tendo

conquistado a sua moradia, continua participando efetivamente das ações de DAL e se torna

uma importante liderança.

Uma observação aqui se faz necessária. Entendemos que o termo “militante” apresenta

uma imprecisão, na medida em que, quando contraposta ao termo “sem-teto”, pode passar a

ideia de que estes últimos não são militantes do movimento, não participam de suas ações e

seriam simplesmente os “beneficiários”. A nosso ver, esta ideia é equivocada já que os sem-

teto militam sim no movimento DAL e, inclusive, são capazes de identificar quais os métodos

de luta mais eficazes para terem as suas reivindicações atendidas e pressionar para que as

lideranças os organizem. Isto aconteceu, por exemplo, no início da organização de DAL, em

que a proposta inicial dos militantes fundadores do movimento era a de não realizar

ocupações. Mas, com a pressão da base para realizá-las, o movimento passa “oficialmente” a

adotá-las. Existem, ainda, casos em que os sem-teto realizam uma ocupação de maneia mais

“espontânea” e, depois, é que entram em contato com o DAL para receber seu apoio e só,

então, passam a fazer parte de suas bases.

Devemos esclarecer ainda que o que a bibliografia tem chamado de “militantes” de

DAL, correspondem para nós às lideranças do movimento, mais os seus apoiadores e os

voluntários. Em relação às lideranças, são elas quem idealizam e organizam as mais

importantes manifestações e ocupações dos movimentos, são elas que se reúnem com

governos para negociações, fornecem informações e entrevistas para a imprensa, etc. De

acordo com as definições de Havard dit Duclos (2002), os voluntários, apesar de não serem

tocados pelo problema de moradia, estão fortemente presentes nas sedes do DAL (auxiliando,

por exemplo, no preenchimento dos dossiês de demanda por moradia social ou prestando

assessoria jurídica às famílias), no entanto, eles não participam ativamente das manifestações

de rua, delegando, assim, a luta aos outros militantes. Já os apoiadores são aquelas pessoas

que participam pontualmente das mobilizações.

Ainda sobre os “militantes”, podemos afirmar que, apesar de existir entre eles os que

estão desempregados e não possuem alto nível de escolaridade, esta não é a realidade da

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maioria. Ou seja, grande parte dos “militantes” de DAL trabalha e possui diplomas superiores

ao BAC120 (PÉCHU, 1996, p. 116)121.

A seguir, a título ilustrativo, apresentamos uma lista das ocupações, profissões e

formações de alguns “militantes” do DAL: bibliotecária e pertencente ao setor de gestão da

Air France; estudos na área de administração econômica e social; religiosa católica; CAP122

de eletricidade; professor de filosofia na Universidade Católica; trabalhador temporário sem

dados sobre formação escolar; formação em letras e psicologia; trabalhador no setor de

hotelaria; enfermeiro argelino que trabalha como maqueiro; “BAC tecnológico”123, CAP de

marcenaria; advogado; trabalhador aposentado no setor de gestão de política habitacional;

professor de escola aposentado; desempregada; doutorado em direito; mestrado em direito;

beneficiário da política do Estado francês de renda mínima; assistente social; estudou história;

secretária com estágio prático no DAL; trabalha em uma escola de estilista; desempregado;

professor de física; psicóloga; aposentado; licenciado em filosofia e ferroviário124.

Em relação à origem (nacionalidade), a maior parte das lideranças são de origem

francesa e, aqueles que não o são, possuem um grande domínio da língua. Já entre os sem-teto

da base, como veremos a seguir, muitos são imigrantes e alguns não possuem muita fluência

na língua francesa (PÉCHU, 1997; HAVARD DIT DUCLOS, 2002).

Diante do exposto, aparece uma diversidade entre os militantes de DAL: existem

lideranças pertencentes às classes médias com elevado grau de formação, mas também

existem entre as lideranças os próprios trabalhadores sem-teto. No entanto, estes parecem ser

minoria. De acordo com a pesquisa de Havard dit Duclos (2002, p. 302-303), um quarto dos

cinquenta militantes entrevistados por ela se encontrava em situação de vulnerabilidade de

moradia.

120 O “BAC”, como é chamado popularmente o “baccalauréat”, é um diploma nacional francês que certifica o final dos estudos secundários gerais, tecnológicos ou profissionais. O “BAC” se aproxima do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), no Brasil, e é um tipo de pré-requisito para se fazer o ensino superior. 121 Péchu realizou no trabalho citado 22 entrevistas com militantes do DAL. 122 “CAP”, Certificado de Aptidão Profissional (Certificat d'Aptitude Professionnell), é um diploma francês de ensino médio e de educação profissional, que fornece uma qualificação ao trabalhador em uma determinada profissão. 123O “Bac tecnológico” se divide em algumas áreas (como por exemplo, hotelaria, agronomia, desenvolvimento sustentável, indústrias, etc.) e o possuidor deste certificado pode tanto dar prosseguimento aos estudos no ensino superior, quanto começar a trabalhar. 124 Havard dit Duclos (2002) realizou entrevistas com militantes de diferentes comitês de DAL: DAL Federação, Paris, Clichy, Saint-Ouen, Issy-les-Moulineaux, Conflans, Nancy, Grenoble, Lille, Rouen, Marseille, Val d’Yerres, Mulhouse. No anexo do trabalho de tese de Havard dit Duclos (2002), existe uma rica síntese das características dos militantes encontrados. Apoiamo-nos, em grande medida, nas informações deste material para a análise dos militantes de DAL.

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Compreendido, então, quem são as lideranças, passemos para a análise da base social.

Base social: as famílias de trabalhadores sem-teto

A seguir, queremos demonstrar ao leitor que, assim como o fizemos para os

movimentos dos sem-teto brasileiros, desvendar a situação de classe dos membros do DAL,

nos levará à compreensão de sua reivindicação principal e, de certa maneira, à própria razão

da existência do movimento.

Aprofundando a reflexão, questionamos: qual a situação de classe dos sem-teto

franceses? Os sem-teto pertencem às classes trabalhadoras? Mas não há uma grande

heterogeneidade entre os trabalhadores franceses? Poderíamos dizer que são trabalhadores da

massa marginal como analisamos os sem-teto brasileiros? Mas este não é um conceito forjado

no seio da sociedade latino-americana objetivando compreender justamente sua especificidade

diante dos países europeus e norte-americanos? Seriam então os sem-teto os “excluídos

socialmente”, conceito elaborado para compreender a realidade da sociedade francesa nos

últimos anos?

A sociologia francesa, especificamente, há algumas décadas, tem destacado a

existência de uma “nova questão social” que é pensada em termos de exclusão social. A

literatura sobre o assunto é vasta, no entanto, para os nossos objetivos, focar-nos-emos nas

ideias de Robert Castel, um dos autores mais conhecidos e debatidos sobre o assunto, além de

ser o autor com quem a bibliografia francesa sobre o movimento DAL dialoga.

Castel (1998) analisa a exclusão social a partir da desfiliação ou ruptura de laços

sociais. Sinteticamente, a teoria de Castel traz dois eixos: um econômico e o outro social. No

eixo econômico, há a situação do emprego estável e regular, passando pelo precário até atingir

o desemprego. No outro eixo, há a inserção em sólidas redes sociais ligadas à sociabilidade

primária (família, vizinhança, comunidade), passando por uma fragilidade relacional até o

isolamento social. De acordo com a inserção do sujeito nestes eixos ele poderá transitar por

quatro zonas, as quais definimos rapidamente a seguir. A zona de integração, que seria a dos

polos positivos, é caracterizada pelas garantias de um trabalho permanente e suportes

relacionais sólidos. A zona de vulnerabilidade associa precariedade do trabalho e fragilidade

relacional. A zona de assistência conjuga não-trabalho devido à incapacidade de trabalhar e

forte coeficiente de inserção social, apontando para a necessidade de várias formas de

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subsídios públicos. Finalmente, a zona de desfiliação, dos polos negativos, conjuga ausência

de trabalho e isolamento social.

Muitos dos sem-teto estão integrados em redes de convivência e de proteção

comunitária (vide o exemplo dos imigrantes na França que já se conheciam e viviam na

mesma cidade no país de origem, por exemplo), assim como possuem fortes lações familiares.

Logo, os laços da afiliação primária (família e sociabilidade) são existentes. No que se refere

à afiliação salarial, podemos dizer que os sem-teto são trabalhadores, embora tenham postos

de trabalhos precários.

Assim, podemos afirmar:

As famílias de DAL não são desfiliadas ou sem afiliações familiares ou primárias definidas por R. Castel (1995). E mais, elas não estão fora do sistema produtivo. Uma maioria parece, ao contrário, formar um proletariado de trabalhadores precários, mais que uma população de assistidos sociais (HAVARD DIT DUCLOS, 2002, p. 240 – tradução nossa).

Os sem-teto “não estão assim em situações de desfiliação total, mas na zona de

vulnerabilidade social onde falta de trabalho e presença de solidariedades primárias se

compensam parcialmente” (HAVARD DIT DUCLOS, 2002, p. 524 – tradução nossa).

Esta interpretação, no entanto, não nos satisfaz. Nossa chave de leitura é outra.

Entendemos que a existência dos sem-teto – no sentido objetivo e subjetivo- só pode ser

entendida a partir dos conflitos sociais. A análise pelo viés da ruptura dos laços sociais

silencia a respeito destes conflitos e acaba por substituir o conceito de exploração pelo de

exclusão. E, “ainda que o conceito de integração admita a existência de conflitualidade, é na

solidariedade e no pertencimento que ele se centra. Nessa perspectiva, a contradição é deixada

de lado, junto com conceitos como luta de classes e exploração” (LEAL, 2009, p. 269).

Leal (2009, p. 272), ao examinar a bibliografia francesa que desenvolve o conceito de

exclusão, conclui:

A descrição da exclusão social é mais forte que a análise porque ao se confundirem causas e características do fenômeno, não se chega a dissecar suas raízes. Vários estudos citam fatores gerais que estão na origem da exclusão (desemprego, crise dos sistemas de proteção do Estado, individualização crescente), mas não explicam como operam as relações sociais que os geram.

Dessa maneira, entendemos que a definição da exclusão social como ruptura de laços

sociais não é apropriada para a realização de uma análise profunda e que busca compreender a

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raiz do problema, no nosso caso, a existência de uma parcela da população tão miserável

como os sem-teto na França. Neste sentido, a teoria das classes sociais se apresenta como

mais interessante.

Assim, a partir das relações de classes, podemos entender muitos dos conflitos sociais

que se relacionam com a questão da moradia e com a existência dos sem-teto.

De acordo com o sociólogo espanhol Manuel Castells (1983), a questão da moradia

está ligada à relação de oferta e demanda e, portanto, se encontra diretamente relacionada com

a situação de mercado. Trata-se aqui de uma defasagem necessária entre as necessidades

socialmente definidas de habitação e a produção de moradias e de equipamentos residenciais

ou a disponibilização no mercado daquelas habitações que já estão construídas.

A especulação imobiliária, por sua vez, reflete o conflito de interesses de classes. Para

os proprietários, a especulação possui dupla utilidade, como destaca, mais uma vez, Castells

(1983). É útil, primeiramente, porque o preço do terreno é maior que o preço do imóvel e o

seu valor aumenta por causa da escassez crescente de moradia em uma determinada

localização. Logo, para o capitalista não importa a condição do imóvel, mas sim a propriedade

do terreno. A outra utilidade se dá em um contexto em que os trabalhadores urbanos mais

pobres têm uma escolha limitada no que se refere à habitação, não têm condições de exigir

qualidade, e, então, o proprietário tem a certeza de encontrar sempre muitos locatários para o

seus imóveis (exército de reserva em relação à moradia). Diante disto, a estratégia do

proprietário é simples: ele espera uma supervalorização no seu terreno para vendê-lo e,

enquanto isso, vai garantindo uma renda mensal a partir do aluguel pago pelos trabalhadores

pobres. O processo de supervalorização acontece, por exemplo, quando existe uma operação

de renovação urbana ou construção de novos imóveis no local. Neste contexto, o trabalhador,

por sua vez, paga um aluguel alto para viver em uma moradia precária.

Para Manuel Castells, a distribuição dos locais residenciais segue a mesma lógica da

distribuição de produtos entre os diferentes indivíduos pertencentes a diferentes classes

sociais. Com isso, o autor introduz dois conceitos na sua discussão: estratificação urbana e

segregação urbana. Quando Castells fala de estratificação urbana, está, na verdade, se

referindo ao sistema de estratificação social, ou seja, o próprio sistema de distribuição dos

produtos – no nosso caso, de moradias - entre os indivíduos e os grupos. No que se refere à

segregação urbana, ela aparece quando a distância social entre os indivíduos possui uma

expressão espacial forte. Há zonas segregadas que são internamente homogêneas, enquanto

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externamente possui uma intensa disparidade social. Não há somente diferenças entre as

zonas, mas também hierarquia entre elas.

Assim, diante destas contradições urbanas, os sem-teto franceses, organizados pelo

DAL, reivindicam a intervenção forte do Estado no mercado habitacional para garantir

moradia digna a todos, denunciam a existência de milhares de imóveis vazios à espera da

especulação imobiliária e lutam contra a segregação socioespacial. Temos aqui, portanto,

agentes atuando no processo político visando conquistar posições na distribuição da riqueza,

temos aqui conflitos de classes entre os trabalhadores sem-teto versus os capitalistas

imobiliários, com a mediação do Estado.

Mas, afinal, quem são os trabalhadores sem-teto?

Para responder a esta questão, listamos a diversidade de ocupações e profissões dos

sem-teto125: trabalha em cantina de escola, trabalha no comércio, trabalha em restaurante,

motorista de táxi, artista de rua, operário de construção, contramestre, trabalha em uma

garagem, voluntário do exército e funcionário de restaurante, faz limpezas, manutenção de

escolas, trabalhador de limpeza, trabalhador de manutenção de estradas, operário, guarda

noturno, faxineira, ex-funcionário de uma agência imobiliária, trabalhador no ramo de

hotelaria, serviços gerais, garçom, auxiliar temporário, motorista de caminhão, cuidadora de

idosos em uma casa de repouso, trabalho temporário no setor de alimentação, funcionário de

uma associação, faz “bicos” (petits boulots), vendedora de loja, babá, lavador de pratos em

restaurante, serviços gerais na associação HLM France Habitation (portaria, limpeza, lixo),

proprietários de um restaurante turco, secretária e recepcionista da prefeitura, operário de uma

cervejaria, trabalha em uma gráfica, garçonete em restaurante da empresa EDF, cuidadora de

acamado, ex-motorista de embaixada, trabalhador em um estabelecimento de informática,

dono de um estabelecimento de telefonia, entregador de mercadorias, lixeiro, trabalha dentro

do prédio ocupado, limpeza dos trens da estação de Montparnasse em “regime CDD”

(contrato com duração determinada), empregado do setor de manutenção, setor de fabricação

na indústria da metalurgia, agente de manutenção, entregador de restaurante chinês,

125 Como mencionamos anteriormente, Havard dit Duclos (2002), em seu trabalho de doutorado, realizou dezenas de entrevistas com os sem-teto e militantes pertencentes ao DAL. Ela entrevistou um representante de cada uma das 91 famílias que participaram, durante os quatro anos de pesquisa da autora, do comitê de Clichy; 63 moradores de uma ocupação organizada por DAL em Issy-les-Moulineaux; e 22 membros das famílias recém-expulsas de um hotel mobiliado, em Clichy, que se juntaram ao DAL naquele momento. A autora expõe parte das informações retiradas destas entrevistas em quadros organizados no anexo da tese. A partir deste rico material, pudemos retirar informações importantes para elaborar a caracterização dos sem-teto na França, principalmente no que se refere à questão da nacionalidade, ocupação e trabalho e, ainda, composição familiar.

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trabalhadora em tempo parcial em uma lavanderia, modelador, cuidadora e auxiliar de

enfermagem em hospital, lavadeira, trabalhos temporários, entregador, empregado de

restaurante, vendedor de peixe e açougueiro.

Existem ainda os trabalhadores sem-teto que estão desempregados, os aposentados, os

que vivem de pensões do Estado (seja ela por invalidez ou porque o marido faleceu) ou os que

recebem ajudas de parentes.

Havard dit Duclos realizando uma síntese analítica dos empregos ocupados pelos sem-

teto do comitê DAL Clichy diz:

Os empregos ocupados pelos homens são na grande maioria empregos de trabalhadores não qualificados ou empregado de serviços: trabalho de manutenção, trabalhador no setor de limpeza, lixeiro [responsável pela coleta do lixo], encarregado da louça em restaurantes, porteiro, vigia noturno. Os mais qualificados e melhores pagos são agente de fabricação na metalurgia, mecânico de oficina, motorista, assalariado da construção civil. As mulheres trabalham no setor de restaurantes e hotelaria, no serviço aos particulares ou nas empresas de limpeza (de escritórios, de trem, etc.) (HAVARD DIT DUCLOS, 2002, p. 243 – tradução nossa).

Há ainda diferentes situações de contrato de trabalho entre os sem-teto. Existem tanto

o Contrato com Duração Indeterminada (contrat à durée indéterminée - CDI) quanto Contrato

com Duração Determinada (contrat à durée déterminée - CDD), este último origina o que

conhecemos como “trabalhadores temporários”. Tem-se ainda os trabalhos em tempo parcial

(meia jornada de trabalho) e tempo pleno (jornada completa). Existem também os que

trabalham como autônomos e os que exercem trabalho informal - principalmente no caso dos

sem-teto imigrantes, os quais não possuem visto de moradia e liberação para trabalhar na

França.

Verificamos, deste modo, a existência de uma heterogeneidade de trabalhadores, desde

operários, assalariados, passando pelos que prestam serviços aos particulares, os que fazem

bicos e os desempregados; assim como uma diversidade de formas de contratação e inserção

no mercado de trabalho (formal e informal).

No entanto, com base na bibliografia, podemos afirmar que a maioria dos sem-teto

possui inserção precária (e acrescentamos nós: marginal) no mercado de trabalho, no sentido

de serem contratados temporariamente, trabalharem nos setores menos modernos, possuírem

nível de qualificação baixo e, ainda, obterem uma remuneração muito baixa. Assim, ousamos

afirmar que os trabalhadores sem-teto possuem uma inserção marginal nas estruturas de

produção. O que equivale a dizer que eles estão inseridos, mais ou menos permanentemente,

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em estruturas não tipicamente capitalistas, sem que com isso se pretenda afirmar que os sem-

teto estejam “excluídos”.

Ora, não foi assim que definimos os sem-teto brasileiros enquanto trabalhadores da

massa marginal?

Apesar destas constatações, é necessário cautela para afirmarmos que os sem-teto na

França fazem parte da massa marginal. Para uma afirmação como tal, seria necessário um

estudo mais aprofundado das questões teóricas e empíricas das condições de vida dos sem-

teto e da própria estrutura do capitalismo francês atual.

Pensando assim em um desenvolvimento futuro da discussão a respeito da massa

marginal no contexto francês, deixamos aqui algumas indicações, principalmente, no que se

referem às diferenças entre a massa marginal brasileira e a “possível” massa marginal

francesa, a partir, principalmente, das comparações entre as condições dos sem-teto

brasileiros e franceses.

1. A herança do Estado de Bem-Estar Social

Apesar de os sem–teto possuírem uma inserção marginal das relações de produção da

sociedade francesas e, consequentemente, renda mensal muito baixa, eles recebem diversos

auxílios do governo (subsídios para pais sozinhos, para famílias, para crianças, renda mínima,

etc.)126 que influenciam, positivamente, suas condições de vida. Ou seja, a herança do Estado

de bem-estar social (ainda que, como vimos, esta venha sendo atacada pelas políticas

neoliberais) traz diferenças importantes na distribuição de renda e na própria qualidade de

vida dos trabalhadores.

O orçamento familiar dos sem-teto é composto por rendas que vêm de fontes diversas:

rendas salariais, renda do trabalho indireto (indenização por acidente de trabalho,

aposentadoria ou seguro desemprego) e rendas de assistência (renda mínima e/ou subsídios

para as famílias). As famílias de sem-teto tendem a possuir um salário e um complemento

ligado aos subsídios familiares, mas é a menor parte dos sem-teto que vive exclusivamente

das rendas de transferências sociais (Havard dit Duclos, 2002). Isto poderia trazer uma

diferença entre os “excluídos” que estão no que Castel definiu como zona de assistência (que

126 Dentre os principais auxílios recebidos pelos sem-teto, podemos destacar o subsídio para as famílias monoparentais, subsídios para os deficientes, salário-família, renda mínima, subsídios para as crianças, subsídio para viúva, pensão alimentar, seguro desemprego e aposentadoria. No que se referem às ajudas no campo habitacional temos alguns benefícios como: ajuda personalizada para a moradia (Aide Personnalisée au Logement - APL) e subsídio de moradia com caráter social (Allocation de Logement à Caractère Social - ALS), esta é mais direcionada aos estudantes.

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teriam apenas acesso aos programas de transferências de renda) e os trabalhadores pobres

(que acumulam os diferentes tipos de renda).

No entanto, como temos verificado, muitos dos sem-teto pelo fato de serem imigrantes

sem-documentos não têm direitos a estes benefícios, o que faz com que as condições de vida

sejam ainda mais miseráveis.

No Brasil, por outro lado, jamais tivemos um Estado de bem-estar social efetivo.

Assim, José Nun (2000, p.59), quando faz um balanço da massa marginal na América Latina,

nas últimas décadas, destaca que a fragilidade dos Estados latino-americanos em garantir

políticas e serviços sociais permanece, deixando assim os trabalhadores da massa marginal

ainda mais vulneráveis e sem “os seguros e benefícios a que têm direito seus congêneres

europeus”.

Esta discussão indica que as diferenças dos tipos de capitalismos e de Estados importa

para a análise da compreensão da estrutura de classes e, mais especificamente, para a

compreensão da situação dos trabalhadores sem-teto.

2. As relações de classe, sexo e raça

Não é possível compreender a luta dos trabalhadores sem-teto na França, sem a

participação dos trabalhadores imigrantes (especialmente do norte da África), sejam eles com

ou sem “documentos” (visto de residência). Isso não significa dizer que não existem

trabalhadores franceses sem-teto. Existem sim. Mas é preciso entender a importância que a

questão da imigração tem na história francesa desde o século XIX, assim como “o fato de que

uma considerável proporção da migração é feminina” (FALQUET, 2008, p.127).

Neste sentido, uma análise da massa marginal na França (no Brasil idem, embora

devam ser notadas as diferenças históricas, como por exemplo, as consequências da

escravidão negra brasileira) exigiria a realização de uma discussão sobre as relações de raça e

sexo127.

3. A efemeridade

De acordo com Kowarick (1975), a massa marginal não existe apenas na América

Latina, mas em todos os países capitalistas. Isto porque a marginalidade é inerente ao sistema

127 Ainda neste texto, mais à frente, vamos analisar mais especificamente a situação das mulheres sem-teto e os trabalhadores imigrantes sem-teto.

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capitalista já que ela se relaciona diretamente com a contradição entre acumulação e pobreza.

Um dos elementos que diferenciaria a situação latino-americana da europeia, por exemplo,

seria que enquanto naqueles países a marginalidade se apresenta como um fenômeno

transitório, nos países latino-americanos, ela é algo constante e crescente.

Dito de outra maneira, os trabalhadores da massa marginal formam um contingente

muito mais numeroso e estável nos países dependentes, vide o caso do Brasil. Já, na França,

durante os Trinta Gloriosos, os trabalhadores da massa marginal eram poucos. Mas, com o

capitalismo neoliberal, esse contingente cresceu.

Bem, até aqui, definimos a base social do DAL a partir do seu pertencimento de classe

e demonstramos a importância de fazê-lo. No entanto, uma questão se impõe: a base deste

movimento se resume aos trabalhadores? Esta é uma definição suficiente para caracterizar os

sem-teto? A luta pela moradia do DAL não é uma luta familiar como acontece nos

movimentos dos sem-teto no Brasil?

Sim, o DAL possui uma base familiar e isto traz elementos importantes para a análise.

A seguir, refletiremos sobre quem são estas famílias. Lembramos ao leitor que, uma vez mais,

a análise imbricada das relações sociais foi pertinente para aprofundarmos a discussão sobre a

base social do movimento de moradia francês aqui estudado.

Famílias

Havard dit Duclos (2002, p. 219-220 – tradução nossa), objetivando apresentar a

heterogeneidade da base do DAL, traz uma espécie de inventário das características dos sem-

teto:

Família imigrante, numerosa, trabalhadora e vivendo em favela e

candidata a uma moradia social há anos, mas também os SDF [morador de rua] solteiros “desfiliados” em relação às afiliações primárias e de trabalho e vivendo em um albergue ou local improvisado; jovem à deriva de drogas que vaga dos squats ao centro de acolhimento; jovem casal entrando no mercado de trabalho sem fiador e garantias suficientes para encontrar onde morar nas casas do parque privado; aposentado, imigrante ou francês, vivendo em um local de aluguel bloqueado (lei de 1948) e ameaçado por uma operação de urbanismo; mulher divorciada e criando sozinha seus filhos, instalada pelos serviços sociais em um quarto mobiliado de um hotel; família operária desempregada expulsa de sua moradia HLM devido à falta de pagamento dos aluguéis; família de classe popular mas trabalhando, locatária de uma moradia social cuja as taxas se tornam cada vez mais altas; aquele que acessa a propriedade muito endividado.

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Assim, encontramos, na base do movimento, famílias com (muitas ou poucas)

crianças, famílias sem crianças, famílias de imigrantes, famílias de franceses128, além de

solteiros (jovens desempregados ou idosos aposentados).

Apesar da diversidade notada, defendemos que é possível afirmar que existe uma

predominância das famílias, e não dos solteiros, na base do DAL129. Neste sentido, a fala de

Jean-Baptiste Eyraud, o Babar, uma das principais lideranças do DAL, é esclarecedora:

A gente não se direciona para os sem-abrigo [sans-abri], a população que vive nas ruas. Certamente a gente tem relação com as famílias dentro das estruturas de abrigos ou que vivem nas casas de parentes ou amigos próximos, então estes são os sem-teto [sans-logis]. Mas o público de solteiros nos albergues de urgência está mais ligado ao CdSL. Famílias na rua mesmo não existem, porque as crianças são imediatamente levadas [por uma espécie de conselho tutelar]. Nós, nossa população é composta de famílias, mal alojadas ou sem-teto, mas não a população de rua [sans-abri].

Babar, presidente do DAL, em uma reunião de militantes de Paris e Ilha de França, na ocasião de uma jornada de reflexão (HAVARD DIT DUCLOS (2002, p. 226-227 – tradução nossa).

Além da base familiar, afirmamos que o DAL é um movimento com a presença

significativa de famílias de imigrantes. Evidentemente, que isto não significa dizer que o

movimento é composto apenas por imigrantes, mas reduzir a importância destes na

caracterização dos sem-teto do DAL seria um equívoco de análise.

Assim, podemos marcar duas primeiras diferenças entre a base social do DAL e de

dois outros movimentos que também lutam por moradia na França: a base familiar e a

128 Nos últimos anos, tem aumentado o número das famílias francesas que passam por problemas habitacionais. Isso se deve tanto à ampliação do desemprego quanto ao agravamento da crise habitacional na França (Garcia, 2005). No entanto, as famílias francesas não se expõem tanto na luta do DAL, pois possuem uma espécie de “vergonha social”. Este fenômeno é explicado por uma das militantes de DAL da seguinte maneira: “Isto quer dizer que são os imigrantes que fizeram avançar a questão do direito à moradia na França, curiosamente. Não porque não existem franceses preocupados, mas porque é mais difícil para um francês, uma francesa que trabalha, de se colocar atrás de uma tela de televisão e de ser visto pela família, pelos colegas de trabalho, em uma situação de merda. Os imigrantes, eles não tem esta coisa. Primeiramente, eles têm tudo a ganhar, e, em seguida, eles não têm os colegas, a família, a comunidade. Porque frequentemente a comunidade [de imigrantes] é solidária. Então, mesmo quando existia uma população francesa de sem-teto, eles não queriam se colocar como visíveis porque havia a relação ao social. (...)”. (Entrevista nº 6B, militante do Dd! e DAL) (GARCIA, 2005, p. 277 – tradução nossa). 129 Para ilustrar isto, os dados que seguem são interessantes. Em um total de 91 cadastros pertencentes a um dos comitês de DAL da região parisiense, em Clichy, 60 são realizados por casais com filhos, ou seja, 66% do total; 20 são famílias monoparentais e correspondem às mulheres sozinhas com filhos, sejam elas divorciadas, separadas ou viúvas, isto contabiliza 22% do total de cadastrados no comitê citado; 9 solteiros, principalmente homens cujas famílias não vivem na França, ou seja, 10% do total; e, por fim, havia 2 casais sem crianças, ou seja, 2% do total de cadastrados (HAVARD DIT DUCLOS, 2002, p. 230).

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presença massiva de imigrantes. O DAL se diferencia, por exemplo, do “Quinta-Feira Negra”

(Jeudi Noir - JN), que possui uma base composta majoritariamente por jovens estudantes

franceses solteiros130, ou, ainda, do “Comitê dos Sem-Moradia” (Comité de Sans-Logis –

CdSL), que tem em sua base os solteiros que vivem nas ruas e que são em sua maioria

franceses.

A base familiar, por outro lado, traz, como afirmamos, um elemento de aproximação

do DAL com os movimentos dos sem-teto no Brasil.

Em relação à estrutura familiar ou composição do lar, podemos dizer que também há

grande diversidade. Existem as famílias nucleares tradicionais, compostas por pai, mãe e

filhos, onde o número e a idade da prole é variável. Ao lado destas famílias, existem as

monoparentais, geralmente chefiada por mulheres – sejam elas divorciadas, viúvas ou que

jamais viveram com os pais das crianças. Existem ainda muitas mulheres grávidas e que têm

seus filhos quando estão morando nas ocupações organizadas pelo movimento. Na ocupação

do DAL que visitamos em Paris, havia uma mulher que estava grávida de sete meses e as

outras diziam orgulhosamente: “esta criança, em breve, vai nascer aqui, na Rua

Valenciennes”131. Esta situação também é muito comum entre as bases dos movimentos dos

sem-teto no Brasil.

Há ainda casos em que as famílias estão divididas. Por exemplo, os pais e alguns

filhos vivem na França, enquanto outros filhos estão no país de origem. Há ainda

circunstâncias em que a situação se inverte: o marido vive em outro país e envia dinheiro para

a família sem-teto na França (HAVARD DIT DUCLOS, 2002).

Há registros ainda de poligamia em que, geralmente, a segunda esposa pede o divórcio

para satisfazer a lei francesa de monogamia, mas continua a viver na mesma casa com o

marido e a primeira esposa (HAVARD DIT DUCLOS, 2002). Aqui temos um exemplo de

como os sem-teto originários de diferentes países, com religiões e culturas diversas (como o

exemplo da poligamia) têm que se “adequar” aos costumes e leis francesas.

Existem ainda os solteiros, principalmente homens (raras são as mulheres solteiras),

nos seus dois extremos do ciclo de vida: jovens (antes mesmo de se tornar um casal) e mais

velhos (viúvos sem filhos ou, quando existem filhos, estes não vivem com o pai). No entanto,

os solteiros são minoria entre os sem-teto. 130 Usamos o termo “solteiro” para nos referirmos às pessoas que vivem sozinhas, não havendo aqui uma relação com o seu estado civil oficial. 131 A Rua Valenciennes é o endereço da “Ocupação de Ouro” (Réquisition d’Or), organizada por DAL e Jeudi Noir, em Paris. Ela está localizada na décima zona distrital, próximo à Estação do Norte (Gare du Nord).

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Mas, afinal, quem são as famílias DAL132?

Eu estava na casa dos meus pais desde 2001 e, depois, eu fui para um alojamento... com meus três filhos e meu marido.

Eu fiz o DALO em 2009. Eu tenho uma demanda de moradia desde 2004. Eu cheguei ao DAL porque...eu nunca parei de escrever a todos os responsáveis por moradia, à subprefeitura do 19º distrito (...), mas ninguém me escuta, então, eu fui para o DAL.

Eu estou a todo momento envolvida com DAL. Meu marido cuida das crianças enquanto eu vou para as manifestações e ações. O DAL nos propôs a « requisição » [ocupação], nós a aceitamos. Porque a gente...a gente não tem escolha. Porque eu sei o que se passa na minha casa...Meu pai reagiu, minha mãe também...Tem as crianças...é importante para elas... Eu aceitei fazer a requisição [ocupação].

Anne, sem-teto da base de DAL Paris. Entrevista concedida à Nathalia Oliveira, em Paris, janeiro de 2013.

Assim, como Anne, muitas outras famílias chegam ao DAL devido ao problema de

moradia pelo qual passam há anos e buscam, no movimento, a “última chance” de conquistar

uma moradia digna.

As famílias que se encontram na base do DAL, geralmente, já passaram por todas as

etapas administrativas e trâmites legais para uma demanda de moradia social: possuem o

número de registro de demanda de uma moradia e, inclusive, o preenchimento do dossiê

DALO. Aliás, muitas das famílias sem-teto estão inseridas na lista de prioritárias do DALO,

mas, mesmo assim, não foram beneficiadas com uma moradia digna.

A situação habitacional das famílias que estão na base do DAL é precária: moradias

insalubres, pequenas e populosas; há o risco constante de despejo devido ao atraso no

pagamento de alugueis; há aquelas famílias que já foram expulsas e estão, portanto, vivendo

na casa de terceiros, como amigos ou familiares, ou em abrigos precários; há os que vivem em

apartamentos de hotel (com baixo nível de conforto) e, nestes casos, como não possuem

cozinha para preparar suas refeições, acabam comendo em restaurantes e “fast-food” de modo

a ficarem com um orçamento familiar ainda mais restrito.

As famílias DAL são, portanto, aquelas que passam por situação de vulnerabilidade

habitacional e participam de um movimento para lutar por uma moradia digna. Diante do

exposto, afirmamos que o DAL é composto de famílias de trabalhadores sem-teto.

Para aprofundar um pouco mais esta discussão a respeito das famílias, escolhemos

dois temas. O primeiro deles se refere à análise das famílias de imigrantes sem-teto que, como

132 “Famílias DAL” é o termo utilizado pelos próprios militantes e sem-teto para se referirem à base social do DAL.

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já mencionamos, são a maioria entre as famílias que compõem o DAL. O segundo tema a ser

abordado será o das relações de gênero e geração no interior das famílias de sem-teto e na

própria organização do movimento.

Interessa-nos, então, novamente, trabalhar com a transversalidade das relações sociais

de classes, sexos, gerações e raças, assim como o fizemos para a análise dos movimentos dos

sem-teto brasileiros.

Famílias de trabalhadores e trabalhadoras imigrantes sem-teto

Ao analisar os imigrantes sem-teto, não desejamos negligenciar a participação dos

sem-teto franceses. Nosso objetivo aqui é outro. Ao tratar de maneira mais detalhada da

participação dos imigrantes na luta por moradia, pretendemos compreender melhor um

importante segmento do movimento e que apresenta elementos importantes para a nossa

análise dos movimentos sociais.

Como destacamos em diversos momentos do texto, grande parte dos sem-teto da base

de DAL é imigrante (com ou sem documentos, ou seja, visto de permanência) ou “originária

da imigração” (que correspondem aos franceses, nascidos na França, filhos de imigrantes e

que carregam isto como uma marca, sendo tocados pela discriminação e pelas dificuldades de

encontrar uma boa moradia).

Apesar desta constatação, o DAL aponta o problema habitacional como um problema

geral, e não apenas um problema dos imigrantes. Isto traz, como sugere Péchu (1997), uma

ambiguidade no apoio às ações do movimento por parte das organizações antirracistas.

Geralmente, estas organizações apresentam a luta por moradia como uma luta étnica, já que

os sem-teto são em sua maioria africanos. Entendem, assim, que esta é uma forma de lutar

contra o racismo. DAL, por sua vez, não defende isto, mas, ao contrário, enfatiza que a luta é

de todos já que o direito à moradia é para todos. Assim, questões importantes se impõem no

debate: etnicizar ou não o problema de moradia na França? É necessário e desejável que haja

uma política de cotas para que os imigrantes sejam beneficiados com moradias de locação

social em Paris, já que existe discriminação em relação a esta população?

É interessante notar que, apesar da existência da xenofobia por alguns setores sociais,

a luta travada por uma maioria de imigrantes tenha tido apoio popular. Isso se dá justamente

devido ao fato do DAL tratar sua luta como a luta por um direito à moradia para todos.

Evidencia-se assim a luta pelo direito à moradia e não a luta dos sem-teto imigrantes.

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É necessário ainda lembrar a existência de uma grande heterogeneidade entre os

imigrantes sem-teto, no que se refere aos seus países de origem, culturas e religiões. Como

por exemplo, há a aceitação da poligamia por uns e sua negação por outros; há uma

aproximação ao islamismo por parte de alguns e a distância a qualquer religião por parte de

outros. Em relação aos países de origem dos sem-teto imigrantes133, a lista é ampla: África

Negra (Senegal, Guiné, Camarões, Mali, Costa do Marfim, Burquina Faso, Gâmbia, Cabo

Verde); África do Norte ou África Branca (Marrocos, Tunísia, Argélia, Líbia e Egito – os três

primeiros países também são conhecidos por formarem a “região do Magreb”), Congo,

Etiópia, Turquia, Paquistão, Bangladesh e Sri-Lanka e outros países pertencentes à própria

Europa (como por exemplo, a Polônia e a Romênia).

Em relação à questão cultural, é importante ressaltar que parte dos sem-teto imigrantes

possui o desejo de transmitir aos seus filhos sua cultura e religião. Nesse sentido, as crianças

são educadas dentro dos preceitos religiosos dos pais, por exemplo, no caso dos mulçumanos,

não comem carne de porco e, ainda, aprendem o idioma árabe para falar com os parentes que

ficaram no país de origem.

Observamos ainda que pertencer a uma mesma religião pode aproximar os sem-teto

uns dos outros. Por exemplo, os sem-teto mulçumanos compartilham alguns costumes e

hábitos que facilitam a aproximação com outros sem-teto que partilham os mesmos valores

religiosos. Na ocupação que visitamos, que era organizada conjuntamente por DAL e JN,

algumas das mulheres sem-teto diziam que as reuniões de confraternização entre as famílias

DAL que ali estavam eram facilitadas pois muitas das famílias tinham a mesma religião e,

portanto, tinham costumes alimentares semelhantes. Por outro lado, as mulheres sem-teto

destacavam que os jovens do JN não eram mulçumanos e não partilhavam de alguns hábitos

alimentares, assim, a socialização alimentar do dia a dia era dificultada, embora existissem

boas relações entre as famílias do DAL e os solteiros do JN na referida ocupação.

Ainda a respeito da diversidade de origens dos sem-teto, lembramos que existem os

sem-teto franceses, que nasceram na França, mas também existem aqueles que possuem

nacionalidade francesa, porém têm origem africana. Existem casos em que os sem-teto não

são franceses, mas são europeus, como por exemplo, os romenos. E, como a França faz parte

133 A listagem a seguir foi elaborada a partir de nossas conversas com sem-teto imigrantes e a leitura de outros trabalhos sobre os sem-teto do DAL. Destacamos aqui, especialmente, a tese de doutorado de Havard dit Duclos (2002) e o seu já comentado “banco de dados”.

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da União Europeia, os sem-teto romenos são cidadãos europeus com direitos e deveres que

deveriam ser respeitados no solo francês.

No entanto, a maior parte dos sem-teto imigrantes não é de europeu, mas sim de

africano. São, portanto, imigrantes que necessitam de um visto de moradia para poderem

viver na França e ser considerados como cidadãos, com os seus direitos e deveres. Entre estes

imigrantes, existem aqueles que possuem toda a documentação necessária para viver naquele

país, mas há também os sem-documentos.

Se a ausência de moradia é desastrosa para qualquer família de sem-teto, para as

famílias imigrantes a sua ausência agrava, ainda mais, a situação. Isto porque sem um

comprovante de endereço, não há renovação do visto para residir na França.

No caso daqueles sem-teto que já estão sem-documentos, a situação é ainda mais

complicada já que para solicitar moradia social ao Estado francês é necessário ter um visto de

permanência válido.

Quando pensamos no porquê de existirem tantos imigrantes entre os sem-teto de DAL,

algumas razões podem ser levantadas. A primeira delas é a de que muitas famílias de

imigrantes pertencem às camadas das classes trabalhadoras mais pobres e, por isso, têm mais

dificuldade de se alojar, além do fato de que estas famílias são as que mais sofrem com a crise

habitacional devido ao racismo existente entre os locadores públicos e privados.

Destaca-se ainda que a imigração recente apresenta algumas particularidades, as quais

garantiriam que a comunidade de imigrantes tivesse mais propensão a se tornar base de DAL

(PÉCHU, 2006). Os imigrantes não são mais necessariamente trabalhadores homens e

solteiros. As mulheres se lançaram tanto quanto os homens na emigração e, assim, aparecem

famílias inteiras de imigrantes.

Nos anos 1970, era comum somente os homens irem para a França. Apenas alguns

anos depois, com a conquista de algumas garantias legais (direito de viver em família ou

procedimento do reagrupamento familiar), as mulheres (esposas) e os filhos também

conseguiram partir para a França e, então, reunir a família. Assim, as mulheres que chegavam

à França devido ao reagrupamento familiar, raramente possuíam um emprego e eram vistas,

antes de tudo, como “esposas dos trabalhadores imigrantes” e não eram visíveis nas lutas

destes trabalhadores (ASSOCIATION DES TUNISIENS EN FRANCE, [s. d.]).

No decorrer do tempo, estes casais tiveram mais filhos que nasceram na França.

Assim, frequentemente, a primeira demanda por moradia social destas famílias data

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justamente do momento do reagrupamento familiar, o qual, por sua vez, é próximo do

nascimento do filho mais velho na França. (HAVARD DIT DUCLOS, 2002, p. 233).

Nos anos 1980, os filhos destes imigrantes chegam a idade adulta e passam a lutar

contra a violência racista e as expulsões, reivindicam igualdade de direitos e a regularização

dos imigrantes sem-documentos. As mulheres imigrantes participam ativamente destas lutas

e, ao mesmo tempo, vão se organizando de maneira autônoma para lutar pelos seus próprios

direitos e, neste sentido, buscam um estatuto independente negado pelas políticas de

reagrupamento familiar, lutam contra o sexismo (ASSOCIATION DES TUNISIENS EN

FRANCE, [s. d.]).

Ao final dos anos 1990, as mulheres imigrantes são quase tão numerosas quanto os

homens no que se refere ao fluxo migratório (ASSOCIATION DES TUNISIENS EN

FRANCE, [s. d.]). Sob a ameaça do direito ao asilo, do desemprego, a persistência das

discriminações, a carência de moradia, se afirma a luta por direitos, nas quais as mulheres

possuem um papel importante.

Segundo Péchu (1997, p.43 – tradução nossa), a imigração da África negra acontece

por razões econômicas e

(...) cada cidade contribui financeiramente para enviar um de seus membros para a França, a fim de promover o desenvolvimento econômico da comunidade graças ao dinheiro que enviará o indivíduo. Às vezes, são muitas pessoas que são enviadas desta maneira e esta ligação comunitária muito forte é frequentemente legalizada na França sob a forma de associações lei 1901 para o desenvolvimento desta ou daquela cidade.

Assim, um sem-teto imigrante que faz parte do DAL, quando recebe outros

companheiros de sua cidade natal, é bem provável que introduza os seus congêneres no

movimento. Logo, estas famílias já são organizadas no seio de comunidades sobre uma base

nacional, étnica ou mesmo de acordo com a cidade. Este pertencimento a uma comunidade é

apontado por Péchu (1997) como uma importante razão para a participação dos imigrantes

sem-teto no DAL.

Ideias de que “os imigrantes roubam os empregos dos franceses” ou “estão na França

para receber os benefícios do Estado” são comuns entre parte dos franceses mais

conservadores. No entanto, é importante lembrar que, se os imigrantes vão até a França para

tentar melhorar de vida, eles estão assumindo tarefas e funções que a maioria dos

trabalhadores franceses reluta em assumir.

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Neste sentido, é possível identificar desigualdades no acesso dos imigrantes ao

mercado de trabalho francês. Além dos milhões de postos de trabalhos que são reservados aos

franceses em áreas do setor público, existem as empresas com estatuto específico, que geram

bens públicos (La Poste, EDF-GDF, Air France) e estabelecimentos públicos industriais que

disponibilizam mais de um milhão de postos de trabalho e podem recrutar apenas cidadãos

naturais da França ou da União Europeia (DINH; MUNG, 2008, p. 97).

Alguns empregos no setor privado também são condicionados à nacionalidade do

trabalhador ou às qualificações francesas (diploma francês) ou a ambas as coisas. Neste

último caso, estão as ocupações dos médicos, cirurgiões dentistas, farmacêuticos, arquitetos e

os profissionais do setor judiciário, como os advogados. No que se refere ao quesito da

nacionalidade se encontram muitos profissionais liberais, como por exemplo, no setor de

comunicação, diretor de publicação de imprensa, membro de comitê de redação de

publicações destinadas a jovens, venda de tabaco, etc. (GED, 2000).

Assim, é compreensível que muitos trabalhadores imigrantes se insiram em empregos

de setores que possuam menores regulações baseadas na questão da nacionalidade ou do

diploma. Como por exemplo, nos setores de restaurantes (cozinheiros e garçons), vestuários

(costura), construção civil (pedreiros e marceneiros), cuidadores (de crianças ou idosos) e

outros.

É, portanto, a situação de trabalhador imigrante sem-teto que explicará a situação de

precariedade em que este grupo se encontra e a necessidade de se organizar e lutar por um

moradia digna.

Mulheres (mães) trabalhadoras sem-teto

Assim como acontece no Brasil, as mulheres possuem uma ampla participação na luta

por moradia na França, ou seja, “a luta pela moradia tem sexo”. No entanto, é importante

notarmos que, curiosamente, este dado parece ser pouco explorado pelos estudiosos franceses

do movimento DAL.

Marion, uma das militantes do DAL Paris que entrevistamos, disse que a presença das

mulheres nas atividades dos movimentos é muito grande e elas sempre são a maioria nas

manifestações de rua. A militante estima que cerca de 80% da participação no DAL Paris é

realizada por mulheres.

Como pudemos observar, as mulheres não estão presentes apenas na base do

movimento, elas também são militantes do movimento, trabalhando na sua sede, apoiando

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diversas ocupações e organizando assembleias e outras ações. No entanto, não temos dados

suficiente para afirmarmos se existe de fato uma igualdade de posição entre homens e

mulheres nas lideranças do DAL.

Quando questionamos o porquê da grande presença das mulheres na luta por moradia,

a militante supracitada respondeu:

Marion - A maior parte é de mulheres. Existem muitas razões para isto. Existem muitas mães solteiras que lutam por moradia... Quando falamos de casais, talvez por razões de trabalho, é o marido que trabalha mais que a mulher, então, são as mulheres que vêm mais aqui [até o DAL]. E depois, claramente, eu acho que no que se refere ao acesso à moradia são mais as mulheres que se ocupam disso. Isto não significa dizer que os homens não se preocupam ou que seja bom que aconteça assim. Mas, de toda maneira, isto é sabido mesmo que não seja normal. A casa ainda é mais o lugar da mulher que o do homem. Então, obrigatoriamente, o acesso à moradia é também, é mais importante para as mulheres. As mulheres são mais responsáveis pelo acesso à moradia. Isto não é normal, mas é assim. Precisamos lembrar que existem também homens que estão muito envolvidos...Existem também os pais solteiros, né? Eles estão envolvidos na luta. Mas, são sobretudo as mulheres. Sim!

Nathalia - Poderíamos dizer que 60% dos sem-teto são mulheres? Marion - Talvez mais, acho que 80%. A grande maioria é de

mulheres. Marion - militante de DAL Paris. Entrevista concedida à Nathalia

Oliveira, em Paris, janeiro de 2013.

Se afirmamos, anteriormente, que muitos imigrantes participam do DAL e, agora

afirmamos também que muitas mulheres participam também deste movimento, será que

poderíamos dizer, então, que a luta pela moradia organizada por DAL trata-se de uma luta da

mulher imigrante? Questionamos esta liderança a este respeito e ela afirmou que sim:

Nathalia - E existem imigrantes, né? Muitos imigrantes? Marion - Sim, mais de 80%. Nathalia - A luta do DAL é então das mulheres imigrantes? A gente

pode dizer isto? Marion - Ah sim, sim a luta é feita pela mulher imigrante (...) Há

uma série de coisas que fazem com que os imigrantes sejam muito tocados pelo problema de moradia porque, porque quando você não tem laços familiares, quando não tem seus pais e tudo isto que possa oferecer suportes como fiador, assim é muito mais complicado de encontrar uma moradia. As pessoas que não têm família são necessariamente as pessoas mais tocadas...simplesmente porque... os imigrantes são mais tocados pela pobreza. Assim, o problema de moradia é o primeiro sintoma disto.... Bem, tudo isto para dizer que sim, a gente pode dizer que DAL é a luta das mulheres imigrantes.

Marion – militante de DAL Paris. Entrevista concedida à Nathalia Oliveira, em Paris, janeiro de 2013.

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Assim como argumentamos para o caso brasileiro, a sociedade francesa também

compartilha da existência de uma divisão sexual do trabalho, onde cabe a mulher garantir o

processo de reprodução da família e, como a moradia faz parte deste processo, é a mulher

quem acaba se dedicando mais à luta pela moradia digna. Diante disto, não é raro

encontramos as mulheres participando das ações e atividades do movimento, muitas vezes

tendo que levar os filhos nos braços, enquanto os homens (os pais) estão trabalhando.

Como reflexo ainda da divisão sexual do trabalho, muitas pesquisas vem apontando

que há uma feminização do trabalho precário, flexível e desvalorizado (HIRATA;

KERGOAT, 2007; FALQUET, 2011). Como discutimos anteriormente, a condição da classe

social é fundamental para compreender a existência e a atuação dos sem-teto, no caso das

trabalhadoras sem-teto isto não é diferente.

As mulheres sem-teto são justamente estas trabalhadoras desvalorizadas e dentre as

suas principais ocupações, podemos destacar as mulheres empregadas em restaurantes

(garçonete, cozinheira, etc.), as trabalhadoras da limpeza (em escritórios, escolas e trens) e as

cuidadoras (seja de crianças ou idosos).

Em relação às cuidadoras ou, como a bibliografia do tema tem definido, “o trabalho do

care”, este é paradigmático para se compreender a divisão social, sexual e racial. Hirata (2014)

realizou uma pesquisa comparativa entre Brasil, França e Japão no que se refere às teorias e

práticas do care. Suas conclusões são interessantes e podemos relacioná-las com parte das

trabalhadoras sem-teto. Vejamos:

Assim, estão envolvidas majoritariamente mulheres, de extratos sociais mais modestos, imigrantes internos (Brasil) ou externos (França). As cuidadoras são em sua maioria as mais pobres, as menos qualificadas, de classes subalternas, imigrantes. São, na França, quase 90% mulheres, no Brasil, mais de 95%. (...) Quanto à dimensão étnico-racial, na França a maior parte dos cuidadores na região parisiense (Île de France) são imigrantes, em sua maioria da África Negra e da África do Norte. No caso do Brasil, metade da população das cuidadoras entrevistadas nasceu fora de São Paulo, estado onde realizamos nossa pesquisa nas ILPIs (Instituição de Longa Permanência de Idosos). Trata-se, portanto, principalmente de imigração interna (HIRATA, 2014, p. 67).

A divisão sexual do trabalho encontra reflexos na divisão de tarefas nas ocupações dos

sem-teto. Enquanto os homens são os responsáveis pela coleta do lixo do imóvel ocupado, as

mulheres cozinham. Esta divisão acontece, segundo algumas sem-teto, porque o lixo era

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muito pesado e tinha que ser carregado e, portanto, esta era uma tarefa mais fácil para os

homens.

Sobre as tarefas da cozinha, as mulheres sem-teto com quem conversamos

comentavam que os homens ajudavam a cuidar das crianças ou a subir e descer com as louças,

já que a cozinha ficava no térreo do prédio e os quartos nos andares superiores. Mas, quando

perguntamos se eles cozinhavam, elas diziam que não. E afirmavam: « São as mulheres que

cuidam da cozinha, exceto no caso do Jeudi Noir que são todos solteiros ».

Assim, percebe-se que os homens, quando casados, estão livres da tarefa de cozinhar,

sendo esta entendida como tarefa da mulher. Já os jovens solteiros, como os membros do JN,

são eles mesmo que preparam seus alimentos.

Em nosso trabalho de campo, pudemos presenciar as mulheres sem-teto cozinhando e

oferecendo, para três lideranças homens daquela ocupação, as comidas que elas estavam

preparando. Quando indagadas porque faziam isto, elas diziam que eles eram solteiros e

reproduziam a ideia de que os homens solteiros não sabem cozinhar e que são as mulheres

que o fazem.

É comum também as famílias oferecem umas para as outras alguns pratos que elas

preparam, principalmente os pratos típicos dos seus países de origens, levando em

consideração que muitos dos sem-teto de DAL são de países africanos. Esta solidariedade ao

repartir a comida entre as famílias, os solteiros e as lideranças vai fortalecendo a coletividade

e unidade dos sem-teto. A este respeito duas sem-teto do DAL Paris comentam:

Anne - Depois, depois quando a gente for realojada. Eu não sei por quem, pela prefeitura...a gente vai lembrar de tudo isto.

Manuelle - Sim...Tudo isto será uma lembrança... Anne - (...) Estamos juntos. É como a gente diz nas manifestações :

« Todos juntos! Todos juntos ! » Anne e Manuelle, mulheres sem-teto da base do DAL Paris. Entrevista

concedida à Nathalia Oliveira, em Paris, janeiro de 2013.

Assim, o grupo, o coletivo das famílias vão se criando na luta, nas reuniões, nas

manifestações de rua e no dia a dia das ocupações. E a participação das mulheres sem-teto é

fundamental para isto.

A questão da maternidade e a possibilidade de se oferecer uma vida melhor para o

filho também são apresentadas como elementos incentivadores da participação das mulheres

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na luta por moradia. Temos aqui, portanto, uma outra aproximação com o caso brasileiro.

Vejamos alguns relatos que exemplificam esta posição:

(...) Eu tenho um filho. Onde eu vou com uma criança? Veja, eu posso me instalar na casa de uma amiga e ir para lá e para cá... O problema é pensar no amanhã. (...) É preciso sempre encontrar uma solução para mim e para meu filho... Isto não é fácil.

Manuelle, sem-teto da base do DAL Paris. Entrevista concedida à Nathalia Oliveira, em Paris, janeiro de 2013.

É um grande problema a moradia. Quando você não tem moradia,

você não tem nada. Quando você não tem moradia, você não tem nada! (...) As crianças antes de tudo (...) é para elas a moradia. Não é para

nós, mas para elas (...) para se tornarem alguma coisa mais tarde porque...para não sofrerem como nós sofremos para ter uma moradia. A gente não quer que elas sofram como nós. A gente quer que elas trabalhem bem com um salário bom.

(...) Nós, os pais, a gente sofre... E elas [as crianças] farão melhor se elas estudarem, se forem bem na escola...terão um futuro.

Anne, sem-teto da base de DAL Paris. Entrevista concedida à Nathalia Oliveira, em Paris, janeiro de 2013.

Ao evidenciarmos a forte presença das mulheres nos movimentos dos sem-teto, não

desconsideramos a participação dos homens. Certamente, estes também estão presentes nos

movimentos e participam das atividades. E, para sermos coerentes em nossa análise, também

existe a questão da paternidade, em que muitos pais se aproximam dos movimentos de

moradia em busca de dias melhores para seus filhos.

Um outro assunto que aflige algumas mulheres sem-teto está relacionado com a vida

conjugal e as relações intimas com seus maridos. Como as moradias dos sem-teto são

pequenas e precárias, não havendo a possibilidade de separar espacialmente os pais e os

filhos, ou ainda os filhos homens e as filhas mulheres, algumas mães destacam suas angustias

quanto a isto.

Devido ao tamanho da casa e a necessidade de adaptações, todos os membros de uma

mesma família podem dormir em um mesmo quarto, ou as mulheres dormem com seus filhos

em um local, enquanto o marido dorme em outro cômodo sozinho. Assim, a pesquisadora

Havard dit Duclos (2002, p. 266) destacou que muitas das mulheres sem-teto abordavam o

tema da impossibilidade de ter relações sexuais com o marido. E a situação se agrava, na

medida em que, o casal passava anos e anos nesta condição de habitação precária, sem dormir

na mesma cama, à espera de uma moradia digna. Quando o casal consegue compartilhar a

mesma cama, algumas mulheres destacam que tinham vergonha de ter relações com o marido

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já que os filhos estavam ali tão próximos, às vezes com uma pequena divisória de tecido entre

o quarto do casal e o quarto dos filhos.

Crianças (filhos) sem-teto

Muitas das famílias da base do DAL são compostas por filhos, sejam crianças ou

jovens. Muitas vezes, as famílias são numerosas, com mais pessoas do que a média nacional

francesa134. Assim sendo, surgem diversas questões: Existem necessidades específicas das

crianças (as ditas reivindicações latentes) que DAL consegue atender ou inserir na plataforma

reivindicativa? Como é a relação das crianças com a luta travada por seus pais? E, em relação

às atividades cotidianas do movimento, só participariam os pais? Diferentemente do Brasil, as

crianças não participam das manifestações, por exemplo?

As fotos abaixo mostram as crianças sem-teto, levadas por seus responsáveis e

familiares, em diferentes manifestações realizadas pelo DAL e ajuda a compreender a fala de

uma das mães sem-teto com que conversamos: “São as crianças, as famílias, a mamãe, o

papai, nós lutamos juntos”.

Crianças colando adesivos do DAL em uma manifestação em Paris (tradução nossa), Des enfants se collent des autocollants du Droit au logement lors d'une manifestation à Paris - Crédit:

AFP / archives, Pierre Verdy. Disponível em: http://www.rtl.fr/actu/la-france-compte-plus-de-10-d-enfants-vivant-dans-la-plus-grande-pauvrete-7748786133. Acessado em junho de 2014.

134 De acordo com a pesquisa de Havard dit Duclos (2002, p. 229), o número de crianças nas famílias sem-teto é grande. No Comitê DAL Clichy, na época pesquisada, a média era de 5,3 pessoas por moradia. Na França, em 1999, este dado era de 3,6 pessoas por residência, realizando o cálculo apenas com as casas em que haviam crianças.

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Disponível em: http://droitaulogement.org/2013/05/dal-paris-marche-des-requisitions-19-mai-rv-15h-

place-du-chatelet/. Acessado em junho de 2014.

Sem-teto no dia 25 de dezembro de 2012, em Paris, durante uma manifestação do DAL (tradução

nossa). Des sans-logis le 25 décembre 2012 à Paris lors d'une manifestation avec le DAL (M.

FEDOUACH/AFP) – Disponível em: http://leplus.nouvelobs. Com / contribu tion/314154-crise-du-logement-l-etat-doit-il-reprendre-la-main-face-aux-promoteu rs .html. Acessado em junho de 2014.

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Disponível em: http://forums.france3.fr/france3/Le-forum-des-regions/france-chance-

sujet_1855_44.htm. Acessado em junho de 2014

Manifestação de sem-teto ontem em frente ao tribunal administrativo de Paris (tradução nossa). Rassemblement des mal logés hier devant le tribunal administratif de Paris. A. GELEBART / 20

MINUTES. – Disponível em: http://www.20minutes.fr/paris/746977-hebergement-urgence-crise. Acessado em junho de 2014.

Uma outra questão, uma vez mais, muito próxima da situação pela qual passam as

crianças sem-teto no Brasil, se refere ao embaraço que as crianças têm em chamar amigos da

escola para estudarem ou brincarem em suas casas, ou ainda, a impossibilidade de se realizar

pequenas confraternizações entre familiares e amigos. Tudo isto em virtude do estigma que

pesa sobre as ocupações devido à precariedade da moradia e seu pequeno tamanho. O relato

abaixo é exemplar:

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Se a gente tivesse um HLM, eu conheço dois que ficariam muito felizes, são meus irmãos Bachir e Nordine, para convidar os amigos deles a fazer os deveres da escola com eles e muitas outras coisas. Porque lá eles não podem, eles mesmos têm vergonha de convidar os amigos, como eu mesma, isto me chateia. O batizado da minha filha, eu não posso fazer em casa uma festinha. Meus irmãos, eles não podem convidar seus amigos, nenhum, sempre por causa do apartamento, ele é pequeno, e tem também a reputação: sua casa é pequena. Além disso, a gente tem um amigo de Bachir que veio, Patrick, ele dizia que a nossa casa era pequena. Ele acabou por dizer que era melhor não tê-lo convidado. (Entrevista gravada com Nadia Haouchine) (HAVARD DIT DUCLOS, 2002, p. 264 – tradução nossa).

Podemos apontar ainda a existência de reivindicações latentes que são elaboradas pelo

DAL para atender as necessidades especiais deste segmento da base do movimento. Estas

reivindicações possuem relação com a situação de vulnerabilidade na qual se encontram as

famílias de sem-teto e tocam em questões sociais interligadas à moradia, educação e saúde.

Vejamos alguns exemplos.

No que se refere à educação das crianças sem-teto, não é raro que as mães recebam

reclamações dos professores porque as crianças não estão apresentando um rendimento

satisfatório na escola. Dentre as justificativas para esta situação, algumas mães dizem que as

crianças que vivem em ocupações estão em uma situação excepcional e, por isso, necessitam

de uma atenção especial. Neste sentido, na “Requisição de Ouro”, ocupação que visitamos em

Paris, por exemplo, as lideranças do movimento propuseram a realização de um curso de

reforço para as crianças sem-teto. Ali era o local de rever as lições, verificar se as crianças

tinham feito as tarefas escolares e acompanhar o seu desenvolvimento intelectual. Aos

domingos, nesta mesma ocupação, havia uma associação que propunha atividades culturais

para as crianças como o desenho, pintura e marionete.

A necessidade de um comprovante de residência para as crianças poderem fazer

matrícula na escola também existe na França. Como é o proprietário do imóvel quem deve

fornecer este documento, mas não o faz, DAL se utiliza da mídia e da pressão sobre as

autoridades locais para que a luta dos sem-teto seja tratada como legítima e que as autoridades

responsáveis ajudem a providenciar escolas para as crianças sem-teto.

A transversalidade das questões de moradia precária, saúde e crianças pode ser

observada a partir dos inúmeros casos de saturnismo nas crianças sem-teto e a luta de DAL

para se buscar uma moradia digna para as famílias de sua base.

O saturnismo é uma doença degenerativa ligada à ingestão de chumbo, o qual, por sua

vez, está presente, por exemplo, nas pinturas mais antigas das paredes, as quais estão

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presentes nas casas insalubres onde, muitas vezes, habitam os sem-teto da base de DAL.

Adultos e crianças podem ser contaminados, no entanto, a absorção e a retenção do chumbo

no organismo das crianças são maiores do que nos adultos. O saturnismo pode impedir o

desenvolvimento motor e mental de uma criança135. Constatada a gravidade da doença muitos

textos legislativos franceses determinam o realojamento das pessoas e famílias afetadas.

Neste sentido, DAL encoraja as famílias que habitam em locais insalubres a realizar

regularmente exame de sangue nas crianças e, ao se confirmar a contaminação, entrar com

recursos legais para obter o realojamento (HAVARD DIT DUCLOS, 2002, p. 257).

DAL juntamente com Associação das Famílias Vítimas de Saturnismo (Association

des Familles Victimes du Saturnisme – AFVS) realizam manifestações, panfletagens e

trabalho de conscientização em relação às causas e consequências desta doença, assim como

lutam pelo realojamento das famílias que tenham crianças contaminadas.

Analisando ainda de maneira transversal a questão da moradia, saúde, criança sem-teto

e imigração, percebemos que, quando o saturnismo é constatado em uma criança filha de pais

sem-documento, a situação familiar se complica. Como esta família está sem-documento ela

não pode pedir que o Estado a realoje, já que ela não possui o direito de residir e trabalhar na

França.

De acordo com as leis francesas atuais, nos casos em que uma criança está gravemente

doente, apenas um dos pais recebe autorização provisória de estadia na França, de no máximo

seis meses, com a possibilidade de renovação, mas sem autorização para trabalhar. Com esta

autorização somente a um dos pais, o outro acaba por ficar na clandestinidade. E ainda, como

os pais não têm possibilidade de trabalhar formalmente, não conseguirão garantir o sustento

da família ou terão que trabalhar no mercado informal e precarizado. Diante disto, AFVS

reivindica uma regularização estável e durável aos responsáveis das crianças gravemente

doentes136.

135 “Em crianças, à medida que aumenta o grau de contaminação (acima de 10 µg/dL), agravam-se os sintomas: dificuldades de aprendizagem e atenção, apatia, dores de cabeça e convulsões, diminuição de QI, perda de audição, comportamento agressivo, retardamento mental, dores abdominais e nas juntas, nefropatia, anemia e, eventualmente, morte. (...) O hábito de levar à boca objetos e fragmentos de paredes pintadas de casas antigas e deterioradas é apontado como a principal fonte de contaminação das crianças. Está relatado na literatura que uma polegada quadrada de uma superfície pintada com tinta de baixa qualidade é suficiente para intoxicar 500 crianças. Mas é possível encontrar níveis elevados de chumbo no sangue até em crianças que não têm aquele hábito. Nesse caso, as fontes de contaminação são as citadas no início deste artigo (poeira, ar, água), não estando descartada a hipótese de terem adquirido o metal de suas mães, durante a gestação” (BECHARA, 2004). 136 “Pour un titre de séjour permanent aux accompagnateurs d’enfants gravement malades”. AFVS, 2014. Disponível em: http://www.afvs.net/spip.php?article615&debut_doc=0. Acessado em novembro de 2014.

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Com o exposto até aqui, podemos perceber que as crianças não ficam alheias aos

problemas dos pais sem-teto. Estes são, na verdade, seus problemas também: ausência de

moradia, carência de uma assistência à saúde, dificuldade de acesso à educação e

discriminação.

Orientação político-ideológica

Afirmar que o DAL é um movimento que possui um caráter de classe, pois, como

vimos, sua reivindicação principal e sua base social estão fortemente vinculadas às classes

trabalhadoras, não significa dizer que o movimento possui uma identidade ou projeto de

classe.

O DAL (entendido aqui principalmente a partir de seus documentos oficiais e do

discurso das lideranças) não nega que os sem-teto pertençam às classes trabalhadoras, ou

melhor, o termo utilizado pelo DAL é o de “classes populares”. No entanto, isto não é

enfatizado pelo movimento quando este procura construir sua identidade. Assim como não é

destacado, por exemplo, o fato de os sem-teto do DAL serem, em sua maioria, imigrantes.

Dessa maneira, o DAL não busca evidenciar a sua luta como “luta de trabalhadores” ou “luta

de imigrantes”. O DAL dá ênfase na luta por moradia, enquanto um direito e que, portanto,

pode ser realizada por todos os cidadãos.

A palavras de ordem “Um teto é um direito” (Un toit c’est um droit) passa a discussão

para o nível das normas jurídicas – distanciando-se da questão de conflitos de classes. Diante

disso, o movimento entende que a reivindicação de moradia não é de trabalhadores, mas de

todos os cidadãos.

Em um contexto em que se tem ações ofensivas contra os direitos sociais e mudanças

nas políticas habitacionais populares, de modo a seguir com o desenvolvimento de políticas

neoliberais na sociedade francesa, a luta pelo direito à moradia do DAL (e o apoio a diversos

movimentos que lutam por outros direitos sociais) se apresenta como uma luta de resistência

ao capitalismo neoliberal.

Esta posição antineoliberal pode ser vista em alguns documentos oficiais do

movimento, onde há críticas às consequências das políticas neoliberais sobre a questão

habitacional e a situação das famílias de sem-teto. Vejamos um exemplo em que o DAL

critica a lei Boutin, de 2009, entendendo que esta agravaria a crise de moradia e favoreceria o

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desengajamento financeiro do Estado nesta área. De acordo com o documento abaixo,

podemos verificar que o DAL entende que tanto o ministro responsável pela questão

habitacional Jean-Louis Borloo (de 2005 até 2007) quanto a sua sucessora Christine Boutin

(de 2007 até 2009) contribuíram para as reformas neoliberais ao favorecerem a privatização

dos locadores sociais.

Ela [a lei Boutin] privatiza a moradia social e confisca os meios de financiamento previstos para alimentar o orçamento de habitação, o qual se encontra em queda.

Nos HLM, a partir de 2010, a venda anual de 1% do parque [dos imóveis] e desregulamentação oculta dos aluguéis passaram a ser obrigatórias. A tarefa de realizar reformas para melhorar o habitat é deixada para os inquilinos. A demolição dos HLM é reforçada. Estas medidas complementam a privatização dos locadores sociais lançada por Borloo.

O 1% é amplamente captado pelo Estado, assim como pelos locadores sociais para compensar a retirada o baixo investimento financeiro do Estado, o que parece que será massivo nos próximos anos e explica em grande medida as reformas especificamente "neoliberais” da Lei Boutin (LOI BOUTIN/DAL, 2011 – tradução nossa)137.

Se podemos afirmar que DAL é um movimento de ideologia antineoliberal, não

podemos fazer o mesmo em relação à ideologia anticapitalista. Não parece estar no horizonte

de DAL construir uma solidariedade e identidade entre os trabalhadores sem-teto com a

intenção de travar futuramente uma luta anticapitalista. O movimento possui uma luta precisa

pelo direito à moradia e, quando trabalha na formação política dos sem-teto da base, a busca é

de formar novos militantes para a questão habitacional.

Neste sentido o DAL parece se distanciar, por exemplo, do Movimento dos

Trabalhadores Sem-Teto (MTST) do Brasil, mas se aproxima de muitos dos movimentos dos

sem-teto brasileiros.

O DAL e Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) possuem boas relações

e são membros da rede internacional “No vox” 138 e da Coligação Internacional do Habitat

(Habitat International Coalition – HIC).

É verdade, no entanto, que a aproximação se dá de maneira mais intensa entre o DAL

e o MNLM do estado do Rio Grande do Sul, em virtude da realização das diversas edições do

137 Disponível em: http://droitaulogement.org/2011/12 /loi-boutin. Acessado em dezembro de 2014. 138 “No vox” é uma rede de associações, movimentos e organizações que trava diversas lutas, motivada pela defesa e aplicação de direitos fundamentais definidos na Declaração Universal dos Direitos dos Homens e também lutam por novos direitos. “No vox” foi forjada e tomou dimensão internacional durante diferentes eventos ligados ao Fórum Social (Europeu e Mundial). Para mais informações sobre a organização “No vox”, consultar a página: http://www.no-vox.org/.

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Fórum Social Mundial na cidade de Porto Alegre e da participação de militantes de DAL

nestas ocasiões139.

Para entendermos um pouco mais sobre o posicionamento político de DAL, podemos

refletir sobre sua posição de autonomia em relação aos governos. Neste sentido, constatamos

que está vetado a qualquer comitê DAL de se encarregar de tarefas delegadas e financiadas

pelas autoridades locais e instituições sociais, como por exemplo, missão de acompanhamento

social ou de alojamento de urgência. Também é proibido que um membro do comitê se utilize

do fato de pertencer ao movimento para se candidatar às eleições, ou seja, é proibida qualquer

ação individual que coloque em risco a credibilidade e a independência do movimento.

Sobre o financiamento do movimento, este vem das cotizações paga pelos sem-teto da

base, de eventuais ações para este objetivo e também de doações dos apoiadores e de terceiros

solidários. Assim, fora a cotização, os comitês são impedidos de cobrar qualquer taxa extra

seja por quaisquer serviços prestados.

Há uma diferença importante entre o DAL e o “Comitê dos Sem-Moradia” (Comité des

Sans-Logis – CdSL)140, um dos movimentos franceses que tem em sua base a população em situação

de rua, no que se refere à fonte de financiamento e independência em relação às instituições.

Enquanto o DAL luta para ser independente e autônomo, CdSL aceita o financiamento

público e, por isto, geram-se dúvidas quanto ao potencial reivindicativo e de radicalidade da

ação desta associação. Este financiamento se opera, por exemplo, a partir da gestão de 80

lugares de alojamento em Paris pelas Direções Regionais de Assuntos Sanitários e Sociais

(Directions Départementales des Affaires Sanitaires et Sociales - DDASS) ou, ainda, o

próprio pagamento dos trabalhadores assalariados da associação (GARCIA, 2005, p. 163)141.

139 Os apoios de DAL e No Vox, assim como dos diversos outros movimentos que participaram das diferentes edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, tiveram um impacto positivo nas lutas do MNLM: “Embebidos nesse “espírito de Porto Alegre”, as edições do Fórum Social Mundial serviram de motor para o Movimento Nacional de Luta pela Moradia fazer duas ocupações de prédio no centro em Porto Alegre, com grande respaldo internacional. Na realidade, serviram para Porto Alegre dizer ao Brasil e ao mundo: “aqui nós também temos sem-teto!” (BUONFIGLIO, 2007, p. 116). 140 Para mais informações sobre o “Comitê dos Sem-Moradia” (Comité des Sans-Logis – CdSL), consultar a introdução da segunda parte da tese. 141 Neste sentido, é interessante observar como as lideranças do CdSL falam claramente sobre o assunto e têm consciência das limitações que a aceitação do financiamento público pode ter na ação do movimento. Vide parte da entrevista realizada por Garcia (2005) com uma das lideranças do referido movimento: “-(...) é preciso dizer que, por exemplo, eu não me vejo levar cinquenta caras para ocupar a DDASS, eu não me vejo fazer isto. Porque é ela quem nos financia, então, isto seria um pouco delicado (risos). - [entrevistador] Então é um risco de institucionalização? -Sim, é isto. (...) Manifestar em frente [à DDASS], sim, sem problema, mas ocupar isto seria um pouco delicado. A maior parte do nosso financiamento vem de lá”. (Garcia, 2005: 163 – tradução nossa).

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A participação partidária dos militantes de DAL é pequena, para não dizer ausente. O

que parece existir no caso francês é uma grande decepção em relação às promessas e

potencialidades dos partidos políticos e uma forte oposição à profissionalização política que

acontece no interior destes (PÉCHU, 2001). No Brasil, como vimos, esta situação é diferente

e muitas das lideranças dos movimentos possuem uma dupla militância, em especial nos

partidos considerados de “centro-esquerda ou esquerda” como o Partido dos Trabalhadores

(PT) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

O estatuto do DAL impõe aos seus comitês autonomia diante de qualquer partido

político. Isto não significa, no entanto, que não existam apoios partidários às lutas dos sem-

teto. De acordo com Péchu (1997), o Partido Comunista Francês (PCF) e Liga Comunista

Revolucionário (LCR) – que deu origem ao Novo Partido Anticapitalista (NPA) - são os

partidos políticos que mais fornecem “recursos militantes” para DAL, ou seja, disponibilizam

militantes partidários para apoiarem as ações do movimento.

É importante lembrarmos que DAL não é um bloco monolítico e que, portanto, em seu

interior existem lideranças com posicionamentos políticos diversos.

Neste sentido, o conceito de “geração militante”, utilizado por Péchu (2001, 2006a,

2006b), nos interessa particularmente, pois se apresenta como importante ferramenta de

análise para entender a heterogeneidade sócio-política dos “militantes” (lideranças) de uma

mesma associação, assim como as lógicas de adesões diversas142.

Péchu (2001; 2006) caracteriza as quatro diferentes primeiras gerações de militantes

de DAL, de modo a evidenciar que cada uma delas possui uma relação particular de

engajamento. A primeira geração é definida por Péchu a partir dos “militantes fundadores”, os

quais participavam do Comitê de Mal Alojados (Comité de Mal-Logés - CML), mas, devido a

alguns conflitos internos, se constituíram enquanto grupo dissidente e fundaram o DAL, no

ano de 1990.

Péchu (2006a, p.342) argumenta que existiam dois grupos ao seio do CML: um

denominado pela autora de “extrema esquerda classista” e o outro de “associativismo

militante”. O primeiro grupo, no qual se encontravam os iniciadores do CML e jovens

mobilizados em torno da questão de ocupar, possuía uma lógica mais confrontacional e 142 Uma outra maneira de analisar a atividade militante e que tem conquistado espaço nas pesquisas é a partir da sociologia das emoções, onde o militantismo pode ser entendido como um forte engajamento emocional. Doidy (2007), por exemplo, demonstra a importância da criação de laços recíprocos de confiança entre os militantes e as famílias de sem-teto. Para o autor, os militantes são movidos pela emoção e por compaixão em relação aos sem-teto. Diferencia-se aqui compaixão de piedade, esta estaria mais atrelada aos movimentos caritativos.

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defendia o que denominava de autonomia da luta. Já o segundo grupo, buscando o sucesso

das negociações, procurava mais apoios e uma grande midiatização da luta. Os militantes que

foram expulsos do CML e que fundaram o DAL estavam ligados a este segundo grupo.

Os “militantes fundadores” consideram o seu engajamento no movimento como uma

maneira de se exprimir politicamente de acordo com suas convicções, mas sempre afirmando

uma postura de rejeição ao militantismo partidário. Este é o caso tanto dos militantes católicos

de esquerda quanto dos militantes que já realizam ocupações há tempos. Muitos destes

militantes estão presente até hoje no movimento.

A segunda geração, que chega ao DAL em 1993, é definida como “militantes

multiposicionados”, destacando assim o fato de participarem de diversas organizações, como

a Confederação Geral do Trabalho (CGT) e a Liga Comunista Revolucionário (LCR). Os

militantes desta geração percebem seu engajamento como uma maneira de colocar em prática

os seus princípios teóricos.

A terceira geração passa a militar no DAL, em 1994, devido à forte divulgação do

movimento diante da midiatização que ocorreu em torno de uma de suas ocupações. Esta

geração é composta de “militantes precarizados”, os quais são tocados pessoalmente pela

precariedade, ou seja, eles estão desempregados, recebem subsídios do governo (como a

antiga Renda Mínima de Inserção (RMI)), ou ainda, são estagiários de formações diversas.

Estes militantes possuem grande apreciação pela ação direta e pela ideia de “autojustiça

popular”, no sentido de realizar ocupações de imóveis vazios. A militância em DAL

possibilita uma inserção social que permite a tais militantes ocupar um papel social mais

valorizado.

A quarta geração é constituída de “militantes estudantes”, os quais passam a participar

de DAL depois de 1995. Assim como os militantes precarizados, os estudantes têm na

participação do DAL uma primeira experiência de militantismo e chegaram até o movimento

através da divulgação midiática de sua luta. Estes militantes possuem uma socialização

política de esquerda e valorizam o aspecto concreto da luta do DAL. Eles também rejeitam

um militantismo partidário.

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Métodos de Lutas

« Squats » e « squatters »

O termo squat é muito utilizado na França, e em toda a Europa, e designa a ocupação de um local vazio por uma pessoa ou um grupo de pessoas ou famílias. O termo squatter designa justamente a pessoa que se instala ilegalmente em um local desocupado.

O squat não é algo recente, embora tenha ganhado novos significados nas últimas décadas. A ocupação de moradia na França tem suas origens no anarquismo do final do século XIX. Mas, se no início esta era uma forma clandestina e individual de resistência, ao longo dos anos, tem se tornado um modo coletivo de contestação e utilizado por diversos movimentos franceses de moradia.

Há uma grande heterogeneidade nas situações de squats, assim como entre os squatters. Bouillon (2005), uma das mais citadas pesquisadoras francesas sobre o tema, afirma que:

O squat é polimorfo: pode abrigar de uma só pessoa a

dezenas delas, em um pequeno apartamento do centro, como em um terreno baldio na zona industrial de subúrbio. As condições de moradia são muito diversas: desde insalubridade total a uma habitação “média” (água e eletricidade, calefação, espaço suficiente, isolamento...). Os habitantes dos squats são múltiplos: jovens em fuga que se recusam a integrar um lar, artistas sem ateliê, “caminhantes” de passagem, ciganos não aceitos em lugar nenhum, toxicômanos sem domicílio fixo, militantes da causa libertária...

Durante o estágio doutoral em Lyon, na França, pudemos visitar três squats (Luttine, Château dans le ciel e Bienvenue) com características muito diferentes entre si143. Um dos locais visitados era, na verdade, um “ex-squat”. Tratava-se de um pequeno edifício com alguns apartamentos, os quais já tinham sido legalizados e os moradores reservaram uma parte do térreo do prédio para que diferentes grupos o utilizassem para reuniões culturais, sessões de documentários, debates políticos, etc. O outro “squat” era uma grande casa que estava ocupada há alguns anos e ali moravam algumas pessoas. No fundo da casa, havia um espaço reservado para noites culturais, com apresentações de bandas e músicas diversas. Por fim, o outro “squat” visitado era de ocupação recente (apenas alguns meses) e, no dia em que retornamos ao Brasil, aconteceu a reintegração de posse do imóvel. Este, por sua vez, pertencia a uma universidade de Lyon. Os ocupantes construíram naquele espaço uma universidade popular, além de muitas discussões políticas e eventos culturais. De acordo com as autoridades, este imóvel será transformado em moradia social para estudantes.

143Muitos dos squatters evitaram responder as minhas questões e outros se recusaram a ceder entrevistas. Entendemos esta posição, como relata Bouillon (2002), a partir do fato de que os squatters possuem “medo de represálias administrativas ou judiciárias, hostilidade de alguns frente a quem encane uma instituição, seja ela qual seja”. Já na ocupação realizada por DAL e JN, a receptividade e interação foi totalmente diferente, sendo muito positiva. Aproveito para agradecer à colega Florence Laeuffer, da Universidade de Lyon 2, por ter me apresentado a dois squats na cidade de Lyon: “Château dans le ciel” e “Bienvenue”.

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Assim, o que parece definir os squats na França é, realmente, a sua diversidade. No entanto, Péchu (2010), ao explorar esta temática, busca caracterizar estas

ocupações a partir de dois tipos. Certamente, esta tipificação é mais analítica que real, contudo, ela nos ajuda na reflexão.

Péchu apresenta uma distinção entre o discurso “classista” e o “contracultural”. Para a autora, na distinção dos “squats”, não é a ausência ou presença de necessidade de moradia que importa, mas sim o tipo de repertório discursivo utilizado pelos grupos ocupantes (squatters). No entanto, pode haver, por exemplo, uma mistura de discursos ou um squat passar de um discurso a outro.

O discurso que mobiliza a lógica “classista”, entende que a ocupação (squat) é utilizada como maneira de adquirir uma moradia e, portanto, trata-se da defesa do direito à moradia. Isto é acompanhado de um discurso centrado nas necessidades não satisfeitas dos trabalhadores e dos “excluídos”. Dessa maneira, defende-se moradia para os trabalhadores. Este tipo de “squat” é o que mais se aproxima das ocupações realizadas por DAL.

Já o discurso que se centra na lógica “contracultural”, vê na ocupação uma possibilidade de mudança no estilo de vida. O discurso é marcado por “uma utopia comunitária, a ideia de uma oposição frontal ao sistema e a vontade de repensar a vida nos bairros e nas cidades, oferecendo espaços culturais ou de encontros alternativos” (PÉCHU, 2010, p. 87 – tradução nossa).

Diferentemente do “squat classista”, que legitima a sua ação a partir da reivindicação do direito à moradia, o “squat contracultural” trata do direito a um espaço para viver de outra maneira.

Uma vez mais, alertamos que, apesar desta tipificação, os “squats” podem apresentar, ao mesmo tempo, contestações culturais, políticas e socioeconômicas.

Uma outra característica que pode ser compartilhada pelos diferentes tipos de “squats” é que este constitui uma resposta direta à própria demanda que ele possui. Isto acontece na medida em que a realização de uma ocupação já oferece, ela mesma, um teto ou um espaço alternativo. Assim, o “squat” está relacionado ao conceito de “ilegalismo setorial” já discutido aqui (PÉCHU, 2010).

As formas de ação utilizadas por DAL se aproximam das utilizadas pelos movimentos

dos sem-teto no Brasil. Com esta afirmação queremos dizer que os sem-teto, na França e no

Brasil, compartilham os seus principais métodos de lutas, tais como as manifestações e atos,

acampamentos, ocupações (táticas e estratégicas) e as ações ditas mais institucionalizadas. No

entanto, obviamente, estas ações apresentam intensidades e características específicas que se

devem às diferentes estruturas sociais em que se encontram.

Manifestações e atos

As manifestações e atos são ações muito usadas por DAL desde o início de sua

formação. As manifestações podem ocorrer por diferentes motivos: para apoiar e defender as

famílias de despejo; para pedir pela aplicação da “Lei de Requisição” ou da “Lei DALO”,

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demandar a “requisição” de um imóvel ocupado pelos sem-teto; chamar a atenção da mídia e

dar maior visibilidade ao problema de moradia na França; denunciar a quantidade de imóveis

vazios existentes; denunciar as expulsões que ocorrem ilegalmente mesmo durante os meses

da decretada “trégua invernal”144 e outros.

As “manifestações de natal” de DAL, que já ocorreram em cinco anos, são

manifestações que acontecem no dia de natal e se encerram com um ato próximo do

ministério de moradia ou ministério do interior, geralmente, dando um presente simbólico

para o ministro da moradia francês e reivindicando a aplicação das leis de Requisição e

DALO. Entre os presentes, por exemplo, no ano de 2012, foi um grande pé de cabra dourado

(ferramenta utilizada para abrir as portas de uma ocupação), no ano de 2014, um despertador

gigante para “acordar” as autoridades em relação à necessidade de se requisitar imóveis

vazios. Em algumas ocasiões, são montadas árvores de natal decoradas com chaves de

papelão simbolizando a demanda por moradia. Esta dimensão espetacular das manifestações

dos sem-teto é muito valorizada pelo DAL por acreditar que seja uma ação eficaz para dar

visibilidade ao problema habitacional e aumentar a pressão sobre os governos.

Jean-Baptiste Eyraud, porta-voz do DAL, posa como o bispo Jacques Gaillot e as crianças, em frente ao

ministério da moradia, com um despertador, para pedir que as autoridades “acordem”. 25 de dezembro de 2014, Paris.

144 A Lei da trégua de inverno proíbe que os locatários sejam despejados de suas moradias durante o período de inverno mais rigoroso datado de 1 de novembro até 31 de março. Esta é uma medida de impedir que pessoas e famílias durmam na rua e tenham problemas de saúde ou até mesmo morram por causa das baixas temperaturas.

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Jean-Baptiste Eyraud (C), porte-parole du DAL, pose avec Mgr Jacques Gaillot et des enfants devant le ministère du Logement avec un réveil, pour lui demander de "se réveiller", le 25 décembre 2014 à Paris (Photo Joel Saget. AFP). Disponível em: http://www.liberation.fr/societe /2014/12/ 25/ manifestation-de-noel-contre-le-mal-logement-a-paris_1170106. Acessado em dezembro de 2014.

Acampamentos

No início da organização de DAL, o movimento buscava outas formas de lutas que

não as ditas ações diretas. No entanto, com a pressão dos sem-teto da base, DAL acabou por

organizar diversos acampamentos e ocupações ao longo destes vinte e cinco anos de luta.

Entendemos que esta opção da base pelos acampamentos e ocupações ocorreu porque os sem-

teto necessitam de moradia (mesmo que provisória) em caráter de urgência.

A primeira grande ação de DAL, tanto política quanto midiática, foi justamente um

acampamento. Em julho de 1991, um acampamento foi instalado em um terreno pertencente

ao governo municipal de Paris, onde seria construída a Biblioteca Nacional da França. Este

acampamento ficou conhecido como “Plataforma da estação” (Quai de la Gare).

A ação contava, inicialmente, com cerca de trinta e cinco famílias. No entanto, em

algumas semanas, o acampamento cresceu rapidamente chegando a agregar mais de cem

famílias. Este acampamento, a partir da grande cobertura midiática que teve, ganhou

visibilidade nacional e internacional, conquistando apoio por parte de diferentes setores da

sociedade.

Depois de cinco meses de resistência no terreno e dezenas de manifestações, as cento e

três famílias de DAL foram realojadas145.

Existem ainda acampamentos em praças e em frente às instituições responsáveis pelas

políticas habitacionais. Nestes casos, o acampamento tem o objetivo de denunciar a situação

em que se encontram os sem-teto e pedir para as autoridades que encontrem uma solução para

o problema de moradia.

Ações institucionalizadas

Dentre as ações institucionalizadas de DAL, as mais evidentes são aquelas em que o

movimento demanda moradia dentro da lei, auxiliando os sem-teto, por exemplo, a

145 Uma das vitórias daquele momento foi a requisição de um imóvel. No entanto, como este estava muito deteriorado, foi acordado de o governo municipal realojar as famílias em outros locais por um período de três meses. Em 2005 (quatorze anos depois), ocorreu um grave incêndio em decorrência das péssimas condições do imóvel e dezessete pessoas morreram no local, sendo quatorze delas crianças. Cinco destas crianças eram de uma família que estava, desde o início, no acampamento, em 1991 (Amara, 2011).

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preencherem os dossiês de moradia de locação social ou o dossiê DALO, além de toda

assessoria jurídica dada aos sem-teto em diferentes momentos. Esta é, portanto, considerada

uma ação fundamental para DAL na tentativa de buscar moradia digna para os sem-teto de

sua base. Este tipo de ação legal ajuda, inclusive, a legitimar a ação ilegal setorial, ou seja, as

ocupações.

DAL também investe nas ações de pressão diante de parlamentares para influenciar as

leis que regem a questão da habitação social, objetivando assim avançar a jurisprudência

sobre esta temática (HAVARD DIT DUCLOS, 2006).

Uma ação mais institucionalizada pode se desenvolver, ainda, com a ampliação do

recém criado (no ano de 2014) “DAL HLM”, o qual abre o movimento para os locatários

HLM. Neste momento, impõe-se a participação de membros do DAL nas eleições HLM, as

quais permitem aos locatários de eleger os seus representantes no conselho de administração

do organismo HLM. Os representantes eleitos debatem e tomam decisões, dentro do conselho,

sobre as condições destas moradias e a situação dos locatários.

Ocupação ou “requisição cidadã”?

Os militantes de DAL apresentam as ocupações como sendo os últimos recursos a

serem investidos na luta por moradia, ou seja, a ocupação seria uma “última” tentativa e só é

realizada depois de se ter utilizado outros meios institucionais, como por exemplo, o

preenchimento do dossiê DALO.

Entendemos que este tipo de argumento busca, na verdade, legitimar a ação direta do

DAL. O mesmo acontece, por exemplo, com o argumento de que é injusto que existam muitas

famílias sem moradia, enquanto existem muitas moradias vazias sem famílias.

Ainda neste intuito de legitimar a realização das ocupações, os sem-teto buscam

diferenciar a “requisição cidadã” (Réquisition Citoyenne) do “squat”.

A denominação de “requisição cidadã” às ocupações realizadas pelo DAL possuem,

claramente, um sentido simbólico, a saber, o próprio movimento requisitaria o imóvel vazio

apropriando-se de uma função que, legalmente, cabe apenas ao Estado. Ou seja, a

denominação é a afirmação de uma posição política que desafia a autoridade do Estado.

Para os sem-teto de DAL, o termo “squat” possui um peso muito negativo, sendo

relacionado, por exemplo, à baderna, uso de drogas e abrigo de vagabundos. Já a “requisição

cidadã”, traz para os sem-teto uma ideia positiva de se estar lutando por um direito, o qual

pode ser conquistado a partir da aplicação das leis.

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A diferença também se faz ao se colocar um sentido de temporário ou de provisório

nas “requisições”, ou seja, as pessoas estão ali para demandarem moradia digna e não para ali

permanecerem. Já os “squats” teriam como ideia primária a de ocupar um imóvel e ali morar

e/ou fazer as atividades artísticas e políticas.

O DAL teve sua criação em 1990 e até 1993 não utilizou as ocupações de imóveis

como método de luta. Isto aconteceu porque o movimento entendia que estas estavam,

naquele momento, muito associada ao imaginário da marginalidade e crime. A retomada da

realização das ocupações aconteceu, como vimos, devido a uma demanda da própria base do

movimento.

Péchu (2010, p. 82) destaca dois tipos de ocupações realizadas por DAL: as reais e as

simbólicas.

DAL, desde sua criação, empregou a ocupação de duas maneiras diferentes. Abrindo as ocupações reais, onde os sem-teto são instalados. Mas também praticando a ocupação simbólica. Imóveis vazios são ocupados somente por algumas horas para chamar a atenção das mídias (Péchu, 2010: 82 – tradução nossa).

Uma outra característica importante ressaltada pelos militantes do DAL é que as

ocupações ou quaisquer ações do movimento não devem ser violentas e, especialmente, não

devem pôr em perigo as famílias do movimento.

Para DAL, as ocupações sãos vistas como uma maneira eficiente de conquistar

moradia digna para os sem-teto, seja pela sua capacidade de pressionar os governos para se ter

políticas habitacionais, seja no sentido de as ocupações, elas mesmas suprirem, ainda que

temporariamente e de maneira não muito eficaz, a necessidade de moradia dos sem-teto. É,

então, para compreender esta dinâmica das ocupações que Péchu (1997, 2006) desenvolveu o

conceito de “ilegalismo setorial”, destacando que a ação ilegal realizada está ligada à própria

reivindicação e se limita a ela, não ultrapassando para outros setores.

A busca pela visibilidade midiática é notável nas ações de DAL. De modo que, em

diversos momentos, as lideranças do movimento afirmam que ela é quem ajuda a garantir a

própria existência do movimento, já que se a luta permanecer no anonimato, ninguém sabendo

da sua existência, ela seria pouco efetiva.

Esta relação que DAL parece desenvolver com a mídia é arriscada já que quando, por

exemplo, a mídia não é favor do movimento, a sua luta pode ser apresentada de maneira

caricaturada e criminalizada.

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Após analisarmos mais de perto o DAL, um movimento francês que se dedica a

organização da luta por moradia digna, algumas de nossas hipóteses (que se transformam em

teses) sobre os movimentos dos sem-teto puderam ser testadas. Na parte final deste texto,

intitulada de “Conclusão”, sistematizaremos as teses no que se refere às bases sociais,

reivindicações, métodos de luta, orientação político-ideológica e a relação destes movimentos

com o capitalismo neoliberal.

Passemos agora a outro movimento de moradia na França. Este, por sua vez, se

distancia muito dos movimentos dos sem-teto brasileiros, desenvolvendo uma ação muito

particular no contexto de crise habitacional francesa.

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Capítulo 5. Jeudi Noir (JN): um outro tipo de movimento de moradia

Bandeira do movimento “Quinta-feira negra” (Jeudi Noir – JN)

Reivindicações e organização

“Quinta-feira negra” (Jeudi Noir - JN) foi fundado em 2006, em Paris, e segue atuante

nesta cidade até hoje. O movimento tem este nome por dois motivos. Um deles é para lembrar

a dura realidade das quintas-feiras, dia que sai o semanal “De particular para particular” (De

perticulier à particulier - PAP), jornal em que há diferentes anúncios de locações de imóveis.

É diante das páginas do PAP que os jovens se deparam com a desproporcional relação entre a

sua renda precária e o alto valor do aluguel pedido pelos proprietários. A outra razão do nome

é devido ao “estouro” da Bolsa de Valores de 1929 que também se deu em uma quinta-feira.

Estas duas referências ao nome trazem uma relação direta com os principais objetivos

do movimento, a saber, denunciar as más condições de moradia e, especificamente, a alta dos

preços dos aluguéis, assim como contribuir com a “explosão da bolha imobiliária”. “Explodir

a bolha” significa aqui acabar com a especulação imobiliária para abaixar o preço dos imóveis

e dos aluguéis e tornar, assim, a moradia acessível a todos.

De posse destes objetivos, JN não objetiva “destruir” ou “tomar” o Estado, mas sim

exigir a sua intervenção no mercado imobiliário. Esta intervenção pode ser realizada, de

acordo com o movimento, com a regulamentação geral do aluguel e a aplicação das leis

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referentes às questões habitacionais já existentes, como por exemplo, as mencionadas Lei de

Requisição e Lei DALO.

Quando comparado ao DAL, é interessante notar que JN não possui uma estrutura

organizativa tão ampla quanto a daquele movimento, o número de militantes é muito menor

(cerca de trinta militantes ativos (COTTIN-MARX, 2008)), assim como é pequeno o número

de ocupações realizadas. Mas, mesmo sendo um coletivo pequeno, sua importância midiática

e política é notável (COTTIN-MARX, 2008). Isto acontece porque as ações de JN são

organizadas já pensando-se na melhor maneira de realizá-las para chamar a atenção da

imprensa. Além disto, muitos dos militantes de JN são estudantes ou já se formaram como

jornalistas e cientistas políticos tendo, assim, em sua roda de relacionamentos e conhecidos,

profissionais da imprensa, assessores de políticos e, em alguns casos, os próprios militantes de

JN são eles mesmos políticos e assessores de conselheiros regionais, eleitos locais e

parlamentares (AGUILERA, 2012), podendo assim exercer pressão sobre as políticas

habitacionais.

No que se refere à estrutura organizativa, JN opta pelas tomadas de decisões por

consenso e a horizontalidade das relações. Assim, todos são militantes e não há uma divisão

entre base e liderança. Não há um presidente ou um porta voz do movimento. Todos podem

sê-lo em qualquer ocasião.

Neste sentido, Samuel, militante do JN que entrevistamos, diz que quando um

“animador” ou “ativista” – estas são também maneiras como os integrantes de JN se auto

definem - toma a iniciativa de organizar uma ação, ele passa a ser o responsável por tal

naquela ocasião. Assim sendo, todos os militantes podem, em algum momento e de maneira

revezada, se tornarem responsáveis pelo movimento.

No entanto, como aponta Cottin-Marx (2008), a inexistência de hierarquias nas

relações entre os ativistas é relativa, já que os militantes que mais se destacam e, portanto, são

mais identificados e respeitados no interior do movimento, são aqueles que têm mais tempo

para organizar as ações, possuem maior capital cultural e disponibilidade de recursos. Isto

pode, portanto, trazer e fazer diferenças entre os membros de JN.

Os militantes de JN estão sempre se relacionando e comunicando via redes sociais e

mensagens eletrônicas. Muitas das reuniões e as próprias ações do movimento são

combinadas a partir de do meio virtual. Aliás, esta é uma diferença importante entre os

militantes de JN e as famílias sem-teto de DAL já que os jovens de JN possuem acesso fácil e

recorrente à internet.

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Base social: jovens “ativos” e estudantes de classes médias

JN ressalta que o movimento se organiza para

(...) denunciar a crise habitacional que toca particularmente os jovens. Os mais móveis, mais precários, obrigados a se mudarem para as cidades, eles suportam o peso do aumento dos preços e se veem obrigados a pagar cada mês uma grande parte de suas rendas para a geração de seus pais (JEUDI NOIR, 2012 – tradução e grifo nossos)146.

Entendemos, assim, que JN é um movimento social que denuncia as dificuldades que

os jovens têm de morar em condições dignas na França. Ao fazer isto, coloca-se em discussão

a existência de um conflito de gerações em torno do problema habitacional, ou seja, a

juventude é quem paga e sofre mais com a especulação imobiliária realizada pela “geração

dos pais”.

E um dos principais documentos elaborados por Jeudi Noir, o livro denominado de “O

pequeno livro negro da moradia” (Le petit livre noir du logement), a apresentação do conflito

de gerações e as desigualdade econômicas entre elas são explícitas. “Em 1975, os assalariados

de cinquenta anos ganhavam em média 15% a mais que os assalariados de trinta anos, as

classes de idade adulta viviam, então, em pé de igualdade. Hoje, a diferença é de 40%”

(COLLECTIF JEUDI NOIR, 2009, p. 66 – tradução nossa). Mais à frente, estabelece-se “que

os jovens, ganham muito menos que os mais velhos, pagam aluguéis três vezes e meia mais

caro” (COLLECTIF JEUDI NOIR, 2009, p. 68 – tradução nossa). E, ainda, vivem em locais

muito menores que os mais velhos (DOMERGUE, 2009, p. 37).

Desta maneira, JN conclui que existe uma fratura imobiliária geracional:

Assim, os jovens, e principalmente os mais vulneráveis, financiam duas vezes a aposentadoria de nossos idosos, via os salários – no piso – e via os aluguéis – que estouram o teto. Em resumo, a bolha imobiliária e o aumento do rendimento locativo conduzem a uma transferência de locatários para os proprietários, dos jovens aos idosos, e dos mais pobres aos mais ricos (COLLECTIF JEUDI NOIR, 2009, p. 68 – tradução nossa).

Um militante de JN apresenta a questão da seguinte maneira:

Jeudi Noir protesta contra o parque social [o conjunto das habitações de locação social] muito estreito, mas também muito ocupado por famílias que não são as que mais precisam, enquanto isso os jovens se arruínam nos

146 Este trecho está disponível no seguinte documento elaborado por Jeudi Noir: “Les 5 propositions du Collectif Jeudi Noir pour sortir de la crise du logement”. Disponível em: http://www.jeudi-noir.org/wp-content/uploads/2012/04/5-propositions-web.pdf. Acessado em janeiro de 2014.

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pequenos quartos muito caros. Jeudi Noir não demanda que os HLM acolham em prioridade os jovens, mas que eles sejam destinados primeiro aos mais pobres. E acontece que os jovens são em média os mais pobres... (DOMERGUE, 2009, p. 37 – tradução nossa).

Assim, JN se apresenta como um movimento de jovens e destaca o conflito geracional

ao redor da questão habitacional e imobiliária em detrimento dos outros conflitos sociais

(como o de classes, por exemplo).

Em relação à juventude, como lembra Bourdieu (1978):

(...) o fato de falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a uma idade definida biologicamente já constitui uma manipulação evidente. (...) Dito de outra maneira, é por um formidável abuso de linguagem que se pode subsumir no mesmo conceito universos sociais que praticamente não possuem nada de comum.

Bourdieu (1978), ao comparar “duas juventudes” (um jovem operário e um burguês

estudante) afirma que existem ali, na verdade, dois polos, dois extremos de um espaço de

possibilidades para se desenvolver diferentes “juventudes”.

Desse modo, não nos satisfaz dizer que a base social de JN é composta por jovens.

Precisamos de mais qualificações. Quem são estes jovens? O que fazem? Quais são suas

condições de vida? Como são afetados pela crise de moradia na França?

Ao analisarmos a demanda de JN no que se refere à construção de mais moradias

sociais em diferentes cidades da França, podemos encontrar três reivindicações mais

específicas: aplicar a Lei SRU147, garantir o financiamento de moradia social por parte da

poupança (Livret A) e criar mais vagas para estudantes nas moradias estudantis (Cité U) e nos

HLM 148.

Em relação a esta última, JN denuncia a existência de uma crise de moradia estudantil.

O número de moradias universitárias, subsidiadas pelo Estado, não acompanhou a

democratização do ensino superior. Este número permanece quase que o mesmo dos anos

1970. A média nacional (em toda a França) é de treze estudantes concorrendo para um local.

147 A Lei de Solidariedade e Renovação Urbana (Loi Solidarité et Renouvellement Urbain - SRU), aprovada em 2000, define, no seu artigo 55, que todos os municípios ou aglomerações urbanas com mais de 50.000 moradores deverão ter, no mínimo, 20% de habitação social em seus territórios num prazo de 20 anos (DIOGO, 2004, p. 79). 148 Estas propostas estão no seguinte documento elaborado por Jeudi Noir: “Les 5 propositions du collectif Jeudi Noir pour sortir de la crise du logement”. Disponível em: http://www.jeudi-noir.org/wp-content/uploads/2012/04/5-propositions-web.pdf. Acessado em janeiro de 2014.

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Em Paris, a situação é pior: a relação candidato/vaga de moradia é de cem estudantes para

uma (COLLECTIF JEUDI NOIR, 2009).

A prioridade de se viver em moradia estudantil subsidiada pelo Estado é dada aos

estudantes dos quarto e quinto anos de faculdade. Assim, os alunos de primeiro ano são os

que mais enfrentam dificuldades em conseguir uma moradia digna, já que os preços dos

aluguéis das residências universitárias privadas são muito altos, além de exigências difíceis de

serem cumpridas, como por exemplo, um fiador que tenha uma renda, de pelo menos quatro

vezes o valor do aluguel.

Diante deste quadro, muitos jovens procuram uma moradia de colocação, ou seja, três

ou quatro estudantes se juntam para viver em uma mesma casa ou apartamento e, mesmo

nestes casos, a busca ainda é difícil já que não são todos os proprietários que estão dispostos a

alugar seus imóveis aos estudantes, os quais são marcados por um rótulo de “viver para fazer

festas”. Outas opções precárias de moradia aparecem, como por exemplo, a locação de um

pequeno quarto no interior de uma casa de família ou na casa de idosos que vivem só e, nestes

casos, em contrapartida, os estudantes devem ajudar os idosos com as tarefas domésticas e

carregar as suas compras.

Assim, os jovens estudantes, ao perceberem que a falta de moradia estudantil é um

problema coletivo, se organizam em torno de JN para denunciar a situação e reivindicar mais

moradias. Deste modo, esta reivindicação aponta para a defesa de moradia para um setor

específico da “juventude”, a saber, os estudantes universitários.

JN reúne, então, jovens estudantes em sua base. Mas quem são estes estudantes?

Vejamos o perfil de alguns militantes:149

- Manuel, formado em ciência política pelo Instituto de Estudos Políticos (Institutte

d’Études Politiques - IEP), ligado ao Partido Verde e assessor parlamentar. Ele é militante da

« Geração Precária » (Génération Précaire) e da « França que levanta cedo » (La France qui se

lève tôt).

- Fanny, possui ensino superior e é militante da « Geração Precária » (Génération

Précaire).

- Leila, formada em ciência política, também pelo Instituto de Estudos Políticos

(Institutte d’Études Politiques - IEP), e militante do Novo Partido Anticapitalista (Nouveau

Parti Anticapitaliste - NPA).

149 Estes dados foram colhidos ao longo do texto de Cottin-Marx (2008).

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- Julien, também formado em ciência política.

O núcleo duro de militantes que estão no movimento desde o início é composto por

jovens bem diplomados, como os mencionados acima. Geralmente, estes são jovens melhores

instalados (não necessitam mais viver em uma ocupação) e já trabalham. Mas, dentre os

diversos militantes de JN também existem os estudantes que estão realizando graduação ou

pós-graduação, com destaque para os cursos de ciência política, jornalismo e comunicação.

Existem ainda os estudantes que estão realizando estágios e há também os recém-formados e

desempregados. Completando ainda a heterogeneidade da base de JN, podemos destacar a

presença de “jovens ativos”, ou seja os jovens que trabalham e são assalariados.

A base de JN é composta, assim, de “jovens ativos” (que trabalham) e “jovens

estudantes”, homens e mulheres, os quais são em quase sua totalidade franceses e francesas.

Em alguns momentos, existem pessoas mais velhas, alguns casais com crianças, mas estes são

minoritários. Diferentemente das famílias DAL, que possuem uma demanda de moradia social

há muitos anos, estes jovens possuem uma demanda de moradia recente150.

Em relação a categoria social estudante, "a classe, como categoria explicativa, é

convertida no eixo básico da exposição, já que a compreensão objetiva do processo de

constituição do estudante como categoria social, não dispensa a elucidação da natureza e dos

conteúdos de classe" (FORACCHI, 1965, p. 6). Neste sentido, devemos desvendar a qual

classe social pertencem estes estudantes e jovens que estão na base de JN.

Os jovens trabalhadores ou estudantes que atuam em JN tem em comum uma situação

precária de moradia, ou seja, não conseguem viver em uma moradia digna, pois os aluguéis

são muito altos. Mas, se por um lado, é verdade que estes jovens são tocados pelos problemas

de moradia, por outro lado, é fato que, raramente, estes problemas têm a dimensão dos

existentes nas famílias de sem-teto. Estes jovens trabalhadores ou estudantes certamente não

são aqueles que estão em situação de marginalidade ou “desfiliados”.

Ora, quem são eles então?

Defendemos aqui a hipótese de que estes jovens que estão na base de JN pertencem às

classes médias “decadentes”, as quais foram duramente afetadas pela crise econômica pós-75

e pelas políticas neoliberais francesas implantadas e desenvolvidas nas últimas décadas151.

150 Informações colhidas em nosso trabalho de campo, em Paris, em janeiro de 2013. 151 A constatação de que os militantes da base de JN são jovens de classes médias ou de “meios sociais mais favorecidos” está presente na bibliografia sobre o movimento (vide por exemplo, Cottin-Marx (2008), Ghanassia (2009-2010); Louey (2011), no entanto, não há uma análise aprofundada sobre este tema.

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Chauvel (2002) defende que a geração que nasceu dos trabalhadores abastados nos

anos 1970, ao longo dos anos, vai se tornando mais pobre: o salário, renda, nível de consumo

e o desenvolvimento de lazeres, tudo isto passa por uma estagnação ou degradação. Nas

palavras do autor:

As [gerações] seguintes, nascidas até 1950, que conheceram os “Trinta Gloriosos” em sua juventude, encontraram um destino coletivo inesperado: multiplicação dos diplomas sem desvalorização, forte mobilidade social ascendente, salários e rendas rapidamente crescentes, melhor proteção social, etc. Com a crise, essa dinâmica cessa para seus descendentes, chegados tarde demais à idade adulta (CHAUVEL, 2002, p. 67).

Os jovens nascidos e crescidos nas décadas posteriores aos “Trinta Gloriosos” têm que

enfrentar uma multiplicação dos diplomados do ensino superior e a sua desvalorização.

Ora, quando os filhos das classes populares não estavam no sistema, o sistema não era o mesmo. Há a desvalorização pelo simples efeito da inflação e, ao mesmo tempo, também pelo fato de se modificar a “qualidade social" dos detentores dos títulos. Os efeitos da inflação escolar são mais complicados do que se costuma dizer: devido ao fato de que os títulos sempre valem o que valem seus detentores, um título que se torna mais frequente torna-se por isso mesmo desvalorizado, mas perde ainda mais seu valor por se torna acessível a pessoas sem "valor social" (BOURDIEU, 1978).

Assim, nos anos 1990 e 2000, teremos jovens franceses com diplomas mas sem os

empregos “dos sonhos” ou, ainda, em alguns casos, até mesmo desempregados. Dessa

maneira, "o futuro já não é o que costumava ser”.

As situações de trabalho das diferentes frações das classes médias variam muito, no

entanto, a unidade viria de que, “de algum modo, tais situações de trabalho colocam o

trabalhador não-manual numa situação distinta daquela vivida pelo trabalhador manual na

fábrica, na agricultura, na construção civil ou nos serviços capitalistas” (BOITO JR., 2004, p.

16). Deste modo, de posse de um sintético “inventário” das profissões dos jovens de JN, onde

encontramos arquitetos, fotógrafos, cientistas políticos, tradutores, jornalistas, entre outros,

podemos dizer que os militantes de JN são trabalhadores não-manuais.

Ainda de acordo com Boito Jr. (2004), a ideologia meritocrática distingue o

trabalhador de classe média do operariado. Tal ideologia se define ao conceber “as diferenças

sociais e econômicas existentes na sociedade capitalista como uma hierarquia baseada nos

dons e méritos individuais” (BOITO JR., 2004, p. 11). No entanto, como estamos tratando

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aqui de jovens de classes médias “decadentes”, esta ideologia parece estar arranhada e, de

certa maneira, é questionada.

Ora, como um jovem de classe média que realizou todos os seus estudos pode estar

desempregado ou com problemas de moradia? Esta posição aparece no discurso dos

militantes de JN. Vejamos a fala de Manuel:

Olhem, nós que somos estudantes modelo, que somos gentis, que fizemos todos os sacríficos que deveríamos ter feito, que seguimos a via traçada pelos nossos pais, ao menos é isto que dizem nossos pais, e, mesmo assim, a gente tem problemas de emprego e problemas de moradia. (COTTIN-MARX, 2008, p. 66).

As classes médias na França apresentam características distintas da brasileira. “A

criação de uma rede de serviços, como hospitais, creches, escolas, amplamente alocados no

setor público, abriu um novo campo de desenvolvimento, beneficiando o surgimento de uma

classe média particular” (ARIAS, 2011, p. 44). Esta classe é tanto usuária dos serviços

públicos, quando produtora destes, enquanto funcionários do Estado. No entanto,

a quebra do monopólio estatal provocou mudanças no regime de propriedade de vários dos setores públicos, impactando os seus funcionários, seja através das demissões ou substituição dos aposentados, seja pela incitação à mobilidade voluntária, reduzindo o contingente de assalariados protegidos pelo estatuto anterior (ARIAS, 2011, p. 45).

Assim, as classes médias francesas, são impactadas duplamente pela ruptura com o

modelo de Estado de bem-estar social, ou seja, passam a enfrentar problemas enquanto

beneficiárias dos serviços sociais (os quais se tornam cada vez mais frágeis) e em relação a

sua própria inserção no mercado de trabalho (desemprego ou precarização do trabalho).

É exatamente o reflexo desta situação que podemos ver nos jovens de classes médias

que são afetados pelo problema de moradia ou pela precarização de estágios de trabalho e que

passam a se organizar, por exemplo, em coletivos como JN ou “Geração Precária”.

É importante lembrar que as classes médias são heterogêneas e, por isto, há uma parte

deste grupo que continuou abastado ou até mesmo enriqueceu com a nova ordem neoliberal.

Nossa análise leva-nos, portanto, a concluir que os militantes de JN são em sua

maioria jovens, homens e mulheres, estudantes ou trabalhadores, franceses, com bom nível de

escolaridade e pertencentes a um setor das classes médias cuja condição de vida foi rebaixada

pelo capitalismo neoliberal. Estas são, portanto, algumas características interessantes de serem

comparadas, ou melhor, contrastadas aos sem-teto do DAL, ou seja, às famílias de

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trabalhadores (muitos imigrantes) sem-teto. Assim, consideramos que JN é um movimento de

luta por moradia, mas não é um movimento de sem-teto.

Orientação político-ideológica e métodos de luta

“Ao invés de nos lamentar, nós preferimos nos unir e... fazer a festa para exorcizar a

crise de moradia (COLLECTIF JEUDI NOIR, 2009, p. 9 – tradução nossa).

Os militantes de JN, diferentemente das lideranças de DAL, são engajados

politicamente em partidos políticos. Existem muitos militantes que são ligados ao Partido

Verde (Les Verts), mas há também os filiados ao Novo Partido Anticapitalista (NPA), ao

Partido Socialista (PS), entre outros. Os militantes de JN também possuem um forte

engajamento em outros coletivos e movimentos organizados por jovens, tais como o

“Movimento de Animação Cultural e Artística de Bairro” (Mouvement d’animation culturelle

et artistique de quartier – MACAQ), “Geração precária” (Génération Précaire), “A França

que se levanta cedo (“La France qui se leve tôt”), “O chamado e a picareta” (“L'appel et

la pioche” 152), entre outros.

O Movimento de Animação Cultural e Artística de Bairro (Mouvement d’animation

culturelle et artistique de quartier – MACAQ) é uma associação que busca organizar

diferentes eventos culturais direcionados aos jovens. Já o coletivo “Geração precária”

(Génération Précaire) denuncia a precariedade das situações de estágio na França,

reivindicando melhores condições de trabalho aos estagiários, a regulamentação do estágio e

uma renda mínima para esta tarefa. Este coletivo defende que o estagiário é uma mistura de

estudante e de trabalhador e, por isso, deve ter alguns direitos reconhecidos. Foi graças aos

esforços dos militantes de ambos os coletivos citados que JN foi criado em 2006.

JN e “Geração Precária” possuem uma base social muito próxima e seus discursos se

assemelham quando demonstram que ser jovem na França de hoje é estar em uma situação

precária de emprego e da moradia. Notamos que, uma vez mais, trabalho e moradia aparecem

em nossa pesquisa como temáticas transversais.

A partir da discussão anterior, nossa análise permite afirmar que JN possui um caráter

de classe já que sua base é composta por jovens (estudantes e trabalhadores) que compõem 152 O nome “L’appel et la pioche” traz um jogo de palavras em francês. A pronúncia de “L’appel” (o chamado) é próxima de “la pelle” que significa a pá. Assim, se faz uma brincadeira de se utilizar “a pá e a picareta”, ao invés da “foice e do martelo”, estes símbolos do comunismo.

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um setor menos abastado das classes médias e suas reivindicações, a saber, diminuição do

valor do aluguel e construção de mais moradias universitárias subsidiadas pelo Estado, são

para atender os interesses destas classes medias “decadentes”.

No entanto, JN não busca construir sua identidade a partir da situação de classes de

seus membros, mas sim a partir da questão geracional. É o conflito de gerações (e não o de

classes) em torno da especulação imobiliária e crise econômica que é constantemente

retomado nos documentos oficiais e nos discursos dos militantes de JN. Isto não significa

dizer, evidentemente, que as classes sociais não importam para a análise de movimentos

sociais como JN, movimentos que não possuem um projeto de classe.

JN busca a intervenção do Estado no que se refere à regulação dos aluguéis, mas não

aparecem em seus documentos críticas constantes ao modelo de capitalismo neoliberal.

Assim, JN não se apresenta como um movimento antineoliberal e tampouco anticapitalista.

A proposta de JN é “renovar a maneira de fazer política”, trazendo criatividade e

humor para as ações militantes. Neste sentido, JN não está só. Diferentes coletivos de lutas

urbanas na França, dentre eles os mencionados aqui anteriormente: MACAQ e “Geração

Precária”, buscam organizar ações midiáticas para denunciar alguns problemas, como o alto

valor do aluguel, a precariedade das condições de estágio, o aumento do preço dos alimentos e

do custo de vida, etc.

Assim, dentre os métodos de luta, podemos destacar a opção de JN em realizar ações

midiáticas, festivas e espetaculares. O objetivo de JN é influenciar as políticas habitacionais

para que estas regulamentem o valor dos aluguéis e, para isto, utiliza-se da estratégia da ação

midiática, ou seja, chamar a atenção da mídia para poder pressionar os políticos. Assim, as

ações já são elas elaboradas pensando na cobertura midiática que terão. É por isto que JN não

realiza ocupações em imóveis da periferia, sem grande atratividade para virar notícia na

imprensa.

É por isto também que, por exemplo, JN não convoca ele mesmo manifestações e

passeatas. Isto porque, como já dissemos, trata-se aqui de um coletivo relativamente pequeno,

com cerca de 30 ou 40 militantes, e uma manifestação com este número de pessoas, não

chamaria a atenção da imprensa e não teria seus objetivos atendidos.

As ações escolhidas são, então, as que possuem maior potencial de chamar a atenção

da imprensa. Dentre estas se destacam duas: “a falsa festa de inauguração de apartamentos”

(«fausse crémaillère ») e as “visitas” às agencias imobiliárias. Ambas ações possuem o

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objetivo de denunciar o problema habitacional na França e, em especial, o alto preço dos

imóveis e dos aluguéis.

Os militantes de JN, ao encontrarem um imóvel que tenha um preço considerado

absolutamente irreal, ou seja, um valor muito alto de aluguel ou do imóvel, eles se juntam, se

fantasiam, compram espumas e confetes e ocupam estes imóveis por algumas horas para fazer

uma espécie de “falsa festa de inauguração” do local, incluindo até uma discotecagem. O

mesmo acontece nas “visitas” às agencias imobiliárias” que abusam de taxas e de pedidos de

documentos aos locatários. Estas agências são ocupadas pelos militantes fantasiados e ali

realizam um ato de denúncia das irregularidades constatadas.

Jeudi Noir ocupa um imóvel vazio em frente ao Elysée. “Jeudi Noir squatte un immeuble innocupé face à l'Elysée”. Disponível em:

http://www.humanite.fr/jeudi-noir-squatte-un-immeuble-innocupe-face-lelysee. Acessado em outubro de 2014.

Paris, 12 de junho de 2013. Os militantes da associação Jeudi Noir ocuparam a sede da FNAIM

(Federação Nacional dos Agentes Imobiliários) para exigir especialmente a supressão das taxas abusivas da agência pagas pelos locatários, a redução de 20% e o controle do aluguel.

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Paris - Le 12 juin 2013 - Les militants de l'association "Jeudi Noir", ont envahi le siÈge de la FNAIM (FÈdÈration nationale des agents immobiliers) pour exiger notamment la suppression des frais abusifs d'agence supportÈs par les locataires, et la baisse de 20 %, et l'encadrement des loyers - Photo Patrick Nussbaum Patrick Nussbaum. Disponível em: http://www.humanite.fr/la-loi-duflot-videe-de-sa-substance-544461. Acessado em novembro de 2014.

O “fazer a festa” e o “militar” estão muito associados nas ações de JN. Entende-se que

as ações festivas são uma nova maneira de fazer política. Neste sentido, JN “propõe um

repertório de ações onde militar não é um dever moral, tampouco uma obrigação, mas sim

uma atividade lúdica” (Cottin-Marx, 2008: 67). Desta maneira, encontrarmos militantes que

afirmam participar das ações de JN para se divertir.

Esta concepção parece estar distante dos movimentos dos sem-teto no Brasil. Embora

muitos destes movimentos usem, curiosamente, a palavra “festa” para se referir às ocupações

a serem realizadas, esta nomenclatura serve mais para despistar e confundir as possíveis

forças policiais que poderiam reprimir a ação, antes mesmo dela acontecer, do que ter um

sentido de atividade lúdica. Como vimos, os sem-teto no Brasil e os sem-teto de DAL

realizam ocupações de terreno e imóveis, pois têm necessidade urgente de moradia.

Em relação às ocupações de imóveis realizadas por JN, elas são tanto do tipo

estratégica/real quanto tática/simbólica (conforme definições de Boito Jr. (2002) e Péchu

(2010)).

JN também opta por nomear as suas ocupações como “requisições cidadãs”, assim

como DAL o faz. Aliás, é a ação conjunta entre DAL e JN que dá lugar a diversas requisições

cidadãs em Paris, como por exemplo, a ocupação de um imóvel na Rua de la Banque, em

2007, onde se criou, a título de denúncia e ironia, o “Ministério da Crise da Moradia”. Este

imóvel hoje é destinado às moradias sociais. Um outro exemplo é a ocupação que visitamos

em Paris, no inverno de 2013, em que se encontravam as “famílias DAL” e os “jovens JN”.

No entanto, as ocupações deste tipo são mais raras. Isto porque, como vimos, o

objetivo principal de JN é de denunciar o alto valor dos aluguéis e não realojar os jovens com

problemas de moradia. Entendemos assim, que, quando JN ocupa um imóvel para realojar

alguns jovens que estão em situação habitacional precária, o faz de uma maneira mais

esporádica, já que a situação destes jovens parecem ser provisórias, ou seja, alguns meses

enquanto se faz um estágio na cidade de Paris ou durante o início de um curso de pós-

graduação até encontrar um outro local.

Diante deste contexto, podemos afirmar que o principal tipo das ocupações realizadas

por JN é a simbólica, as quais os militantes definem como “requisições espetaculares”, com

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duração de algumas horas ou um dia. Nestes casos, trata-se de ocupações que chamem a

atenção da mídia e denunciam o alto valor do aluguel dos imóveis parisienses, mas não há aí a

intenção de se fazer do local ocupado uma moradia. Assim, podemos observar, uma vez mais,

que a seleção da forma de ação tem relação com o objetivo da luta e das condições sociais do

setor mobilizado.

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Conclusão

Para finalizar este trabalho, gostaríamos de apresentar, de maneira sintética, os

principais resultados da pesquisa.

Vimos que existem dezenas de movimentos dos sem-teto no Brasil e estes

estão presentes em diferentes regiões do país. Trata-se, portanto, de atuação em nível

nacional. Estes movimentos passaram a ganhar visibilidade e intensificar sua organização

como resultado e reação à implantação do capitalismo neoliberal no Brasil. Isto porque as

famílias de trabalhadores que se encontram na base destes movimentos tiveram suas vidas

afetadas de maneira muito negativa pelas reformas neoliberais (como a ofensiva diante dos

direitos sociais dos trabalhadores), pelo aumento do desemprego e do déficit habitacional e

pela baixa efetividade das políticas habitacionais para resolver o problema habitacional da

população de mais baixa renda. Estas famílias enfrentam, assim, o dilema de comer ou pagar

o aluguel.

Estes movimentos compartilham uma reivindicação principal e de urgência, a

saber, moradia digna, ou melhor, uma casa própria para as famílias que estão em suas bases.

Eles têm, apesar deste objetivo básico comum, orientação política diversa. A pesquisa

apontou, assim, que, entre os movimentos dos sem-teto no Brasil, existem a) aqueles que

apresentam uma luta estritamente reivindicativa por moradia; b) movimentos, como por

exemplo, as quatro entidades nacionais - a Central de Movimentos Populares (CMP), a

Confederação Nacional de Associações de Moradores (CONAM), o Movimento Nacional de

Luta por Moradia (MNLM) e a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) - que têm a

intenção de influenciar as políticas habitacionais e, para tanto, agem através dos canais

institucionais e também realizando ocupações para pressionar os governos; e c) movimentos

com ambições de mudanças mais amplas no conjunto do modelo econômico vigente e, ainda

que de maneira fragmentada, apresentam a intenção de construir um “outro tipo” de

convivência entre os sem-teto na pós-ocupação - dentre estes movimentos, citamos o

Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e o Movimento dos Sem Teto da Bahia

(MSTB).

Ainda sobre os posicionamentos políticos, há movimentos que apresentam um

forte caráter antineoliberal, associando a luta por moradia a uma luta contra as políticas

neoliberais; enquanto outros não percebem no capitalismo neoliberal um “inimigo” e,

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inclusive, votam em políticos representantes desta ideologia. A diversidade de posição

também se repete em relação ao projeto político neodesenvolvimentista, construído durante os

governos de Lula e Dilma. Como discutimos, enquanto alguns movimentos dos sem-teto

aderiram à frente neodesenvolvimentista desde os primeiros anos do governo Lula, outros

movimentos se encontram mais resistentes e, se integram esta frente, o fazem apenas em

momentos específicos, quando o projeto neodesenvolvimentista é atacado e se configura um

risco real de restauração do neoliberalismo ortodoxo.

Observamos ainda que, aderir à frente neodesenvolvimentista, não significa

isentar-se de fazer críticas aos governos e às suas políticas habitacionais. No mesmo sentido,

aqueles movimentos que apenas “apoiam” a frente em momentos pontuais não deixam de

buscar negociações com o governo para que suas demandas sejam atendidas pela política

habitacional vigente. O que foi importante notar, então, não foi a existência ou não da crítica

dos movimentos em relação à principal política habitacional federal, o “Programa Minha

Casa, Minha Vida”, mas sim o conteúdo da crítica. Alguns movimentos, como as quatro

grandes entidades nacionais citadas acima, tecem críticas relacionadas mais a questões

operacionais e burocráticas do programa, outros movimentos, como o Movimento dos

Trabalhadores Sem-Teto (MTST), realizam críticas destinadas à própria formulação, objetivos

e a estrutura desta política habitacional, colocando em evidência a quais interesses a referida

política realmente privilegia. Esta diferença reflete, em grande medida, a diversidade de

orientações políticas dos movimentos.

Em relação aos métodos de luta, concluímos que a maior parte deles (como as

manifestações e atos, acampamentos, ocupações (táticas e estratégicas) e as ações ditas mais

institucionalizadas) é compartilhada pelos movimentos dos sem-teto. No entanto, têm

algumas formas de ação que são mais específicas a alguns movimentos, como os

acorrentamentos de sem-teto realizados pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto

(MTST). Existem ainda movimentos que dão maior preferência a alguns métodos de luta.

Isto tem relação, como vimos, com diversos fatores, como a experiência do movimento em

determinada prática de ação, o contexto político e a orientação política do movimento.

Discutimos ainda o porquê de as ocupações serem tão importantes para os

movimentos dos sem-teto. Neste caso, entendemos que aquelas são capazes de acomodar

rapidamente um grande número de famílias sem-teto de modo a suprir a necessidade

emergencial de moradia – daí a importância de se entender a luta por moradia como luta de

urgência. Além disso, as ocupações são meios importantes de pressionar os governos para a

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elaboração e efetivação de políticas habitacionais para a população de baixa renda.

Defendemos, assim, a existência de uma relação entre a ação direta, a reivindicação de

urgência e a base social.

Sobre as bases sociais, as conclusões da pesquisa também foram interessantes.

Os sem-teto brasileiros possuem uma privação comum, ou seja, não possuem uma

moradia digna. Esta privação, por sua vez, existe porque os sem-teto pertencem a uma

determinada classe social. Neste sentido, defendemos aqui que os sem-teto são trabalhadores

da massa marginal, trabalhadores que possuem uma inserção marginal nas relações de

produção tipicamente capitalistas. Sãos trabalhadores que, em virtude das precárias condições

em que vivem e dos baixos salário que recebem, necessitam de uma política de habitação de

interesse social, com subsídio do Estado, para conquistar uma moradia. Assim, os

movimentos dos sem-teto apresentam um forte caráter de classe, pois tanto suas bases sociais

quanto sua reivindicação principal estão fortemente vinculadas às classes trabalhadoras. O

caráter de classe destes movimentos possibilitou-nos verificar o que eles têm em comum.

Constatamos, então, que os movimentos dos sem-teto são capazes de mobilizar e

politizar um setor de difícil organização como o são os trabalhadores da massa marginal.

Setor este que permanece em sua grande maioria desorganizado social e politicamente e sendo

base eleitoral para políticos reformistas e conservadores, mantendo a tradição populista da

política brasileira.

Se é importante ou, diríamos mais, fundamental definir os sem-teto enquanto

trabalhadores, é verdade também que a base social dos movimentos dos sem-teto é complexa

e deve ser entendida ainda enquanto uma base familiar. Ou seja, a base social é composta por

famílias de trabalhadores sem-teto o que faz com que existam diferentes segmentos nestas

bases, como pais, mães, filhos, homens, mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos.

Historicamente, a luta por moradia é uma luta familiar. Isto não seria, portanto,

uma grande novidade. O “achado” da nossa pesquisa foi justamente a compreensão das

implicações da base familiar sobre a organização, ações e reivindicações dos movimentos dos

sem-teto - tarefa esta que, como vimos, foi pouco explorada pela bibliografia especializada

dos movimentos dos sem-teto. Ainda sobre a relação família e movimento, constatamos que

as relações familiares, por exemplo, as relações de gênero e dominação, podem ser alteradas

pelo fato de seus membros participarem dos movimentos.

Notamos, ainda, a grande participação das mulheres trabalhadoras negras e

migrantes (principalmente nordestina quando analisamos as bases sociais dos movimentos

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que atuam no sudeste do país). Isto se deve, entre outros fatores, à divisão sexual do trabalho,

tanto no que se refere ao fato de que cabe à mulher garantir o processo de reprodução da

família e, como a moradia faz parte deste processo, é a mulher quem acaba se dedicando mais

à luta pela moradia digna; quanto a um processo de feminização do trabalho precário, o que

interfere diretamente nas condições de uma chefe de família que busca garantir uma vida

digna para sua família. Em relação à presença das mulheres negras, devemos elucidar isto a

partir das desigualdades raciais existentes desde a formação da sociedade brasileira no que se

refere à inserção no interior da ordem social.

Em relação aos movimentos franceses, para continuar com a temática das bases

sociais, pudemos concluir que a base social do DAL, assim como dos movimentos dos sem-

teto brasileiros, é composta por famílias de trabalhadores, apresentando assim uma

segmentação no interior de sua base, mas que é unificada pela situação de classe dos sem-teto.

Os sem-teto do DAL fazem parte de uma das camadas mais pobres e vulneráveis das classes

trabalhadores da sociedade francesa.

Mas, diferente do caso brasileiro em que as famílias de sem-teto são brasileiras, a

maior parte das famílias do DAL é composta de imigrantes, em especial africanos. Neste

sentido, devemos destacar as dificuldades que os trabalhadores imigrantes sem-teto possuem

na sociedade francesa, no que se refere aos acessos: ao mercado de trabalho, ao mercado

locativo de moradia e à assistência nas questões sociais importantes, como saúde e educação.

Portanto, concluímos que não é possível compreender a luta dos sem-teto na França, sem a

participação dos trabalhadores imigrantes, sejam eles com ou sem “documentos” (visto de

residência).

Assim como no caso brasileiro, a presença de mulheres na base do DAL é grande

e as razões para tal se aproximam daquelas citadas anteriormente para o Brasil.

Em relação às formas de luta, concluímos que elas são, em sua maioria,

compartilhadas por DAL e pelos movimentos dos sem-teto brasileiros. No entanto, estas

ações apresentam características específicas que se devem às diferentes estruturas sociais em

que se encontram. Ao destacarmos a realização das ocupações, por exemplo, no caso francês,

é interessante notar que a ocupação é denominada como “Requisição Cidadã” (Réquisition

Citoyenne), fazendo uma clara referência à legislação francesa (Lei de Requisição), em que o

Estado deve requisicionar os imóveis vazios para serem transformados em moradia social.

Esta denominação é a afirmação de uma posição política que desafia a autoridade do Estado.

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Recorrendo uma vez mais à natureza de classe dos movimentos, pudemos

entender, que, apesar de DAL e JN serem considerados movimentos de moradia (lutam por

moradia digna), são movimentos que se distinguem muito já que possuem uma base social

muito diversa. DAL luta por moradia para as famílias de trabalhadores sem-teto. Enquanto

isto, JN é composto de jovens estudantes/trabalhadores de classes médias. Este movimento

reivindica a regulamentação geral do aluguel por parte do Estado e a criação de mais vagas

nas residências estudantis. JN não é, portanto, um movimento de sem-teto como aqueles que

discutimos ao longo desta tese.

JN denuncia as dificuldades que os jovens têm de morar em condições dignas na

França, evidenciando assim a existência de um conflito geracional em torno da questão

imobiliária. O qual, como discutimos, é importante de ser analisado, no entanto, não pode ser

compreendido se considerado alheio às relações de classes.

Ao realizarmos um “olhar cruzado” entre os casos brasileiros e franceses foi

possível aprofundar algumas ideias. Destacaremos algumas delas.

Nossa pesquisa não apenas confirmou a importância da análise das classes sociais

para se compreender os movimentos sociais, como tem destacado a bibliografia que adota a

perspectiva teórica marxista, como revelou a riqueza analítica desse conceito para estudar os

movimentos de moradia, seja francês ou brasileiro. Verificamos que, tanto nos movimentos

dos sem-teto quanto no movimento dos jovens “ativos” e estudantes, a compreensão do

caráter de classe do movimento, ou seja, a identificação do pertencimento de classe da base

social e da reivindicação se fez importante para compreender a eclosão e estruturação dos

movimentos.

A diferenciação entre movimento de classe e movimento classista se demonstrou

particularmente interessante na medida em que encontramos movimentos de moradia que são

compostos por famílias de trabalhadores sem-teto, possuem uma reivindicação de classe

(habitação social), mas possuem orientação ideológica diversa. Assim, de um lado,

encontramos diversos movimentos de sem-teto que podem ser entendidos como movimentos

de classe, mas que não se identificam com o projeto de classe da qual sua base faz parte. De

outro lado, existem aqueles que se apresentam enquanto movimentos classistas, com uma

forte perspectiva de classe.

A comparação entre DAL e JN é interessante ao apontar que ambos os

movimentos são movimentos de classes, mas não classistas. Tanto os movimentos de

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trabalhadores mais miseráveis quanto o dos trabalhadores das classes médias podem não se

identificarem enquanto tais e não adotarem uma identidade de classe.

Ainda como reflexo da riqueza analítica de se relacionar classes e movimentos

sociais, constatamos que a seleção da forma de ação possui relações com o objetivo da luta e

com as condições sociais da base social. Isso foi evidenciado ao entendermos a importância

das ocupações para os sem-teto, na medida em que elas mesmas já solucionam a necessidade

(urgente) de moradia. E, no caso do JN, a importância das ocupações simbólicas (das

requisições espetaculares) para chamar a atenção da mídia e conquistar o objetivo de

denunciar o alto preço dos alugueis dos imóveis.

Uma outra conclusão importante que chegamos em nossa pesquisa foi que entre

os movimentos dos sem-teto no Brasil e no DAL, há uma divisão social, sexual e racial.

Assim, majoritariamente entre as bases dos movimentos estão as mulheres, trabalhadoras da

massa marginal, negras, migrantes internas (no caso brasileiro) e imigrantes (no caso francês).

Com o olhar cruzado diante dos movimentos dos sem-teto brasileiros e o DAL,

pudemos confirmar a tese da importância das famílias para a análise de movimentos dos sem-

teto. Diferentemente do que grande parte da literatura tem apresentado, a família não é um

epifenômeno dos movimentos. Nossa pesquisa apontou que as famílias influenciam a

organização, reivindicação e ação do movimento, mas, também o movimento pode trazer

mudanças no interior das famílias que o compõem.

E, finalmente, o estudo dos movimentos brasileiros e franceses evidenciou que

tanto a estrutura do capitalismo, como os tipos de Estado, o caráter de suas políticas e a (não)

existência da herança de direitos, tudo isso influencia tanto as condições das classes

trabalhadores quanto as reivindicações destas quando elas estão organizadas. Isto foi

entendido, por exemplo, a partir da diferença do significado da reivindicação dos movimentos

de moradia: no caso brasileiro, “o sonho da casa própria” e, no caso francês, “o sonho do

HLM” (aluguel social).

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DÉNÉCÉ, R; LEGRAND, A; LEGRAND, J. B. Enfants de Don Quichotte (Act 1). França, Bodega Films, 2008.

GRUPO RISCO. “Frei Tito” e “Prestes Maia”. MOCARZEL, Evaldo. À margem do concreto. Brasil: Estúdio: 24VPS Filmes / Casa Azul

Produções., 2006. PRONZATO, Carlos. Pinheirinho. Tiraram minha casa, tiraram minha vida. Documentário,

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pela Moradia – Brasil. Documentário, 2006.

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_________________. Ocupação da Conder. Documentário. 2006. (20 minutos). ___________________. MSTS – Movimento dos Sem-Teto de Salvador – Organizar, Ocupar,

Resistir. Documentário. 2004. (40 minutos). ________________ MSTB: 10 anos de lutas e resistência. Documentário. 2013. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=Th3D9cXkOPM. Acessado em janeiro de 2016. SCAPIN, Fabrizio. Du plomb dans la tête (Versão reduzida). França, Associations des

Familles Victimes du Saturnisme - AFVS, 2011. Disponível em: http://vimeo.com/22506352. Acessado em outubro de 2014.

VENTURI, Toni e GEORGIEFF, Paulo. Dia de Festa. Brasil: Co-produção Olhar Imaginário, Grenade Productions, Pássaro Films, Cityzen Télevision e Neurotika, 2006.

VICENTE, Juliana e MARQUES, Luiza. LEVA. Documentário. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=xn2um8xhc4o#t=965. Acessado em janeiro de 2016.

Vídeos: “Idosos lutam por moradia digna”. In: Seu Jornal/Rede TVT. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hXZh0WCr8yI. Acessado em outubro de 2014. “Envelhecimento - Idade e Conhecimento”. In: Diversidade 83/Conselho Regional de Psicologia SP (CRP SP). Disponível em: https://www.youtube.com/ watch ?v= Wck Libj HPVA. Acessado em outubro de 2014.

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ANEXO

“Banco de Teses da Pesquisa” (teses e dissertações por divisão de estados e cidades) Alagoas (Maceió) CAVALCANTI, Rita de C. C. B. Condições de vida e saúde de moradores em um

“acampamento sem-teto” no município de Maceió – AL. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Promoção de Saúde, Universidade de Franca, Franca, 2009.

NOBRE, Carlos E. A emergência de outras racionalidades. As ocupações de vazios urbanos pelos Movimentos de Sem-Teto de Maceió, Alagoas (1999-2009). Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2010.

RODRIGUES, Cibele M. L. Cultura política e Movimentos Sem-Teto: as lutas possíveis. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009.

Bahia (Salvador) BARRETO, Theo da Rocha. O “sem emprego” na condição de “sem teto”: a negação do

emprego e do consumo para trabalhadores precários e a sua resistência enquanto movimento classista – o caso do MSTB. Tese (Doutorado) - Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.

BOCHICCHIO, Silvia. Movimento dos Sem-Teto de Salvador: estratégias de apropriação dos espaços e territorialização. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008.

CLOUX, Raphael Fontes. MSTS: a trajetória do Movimento dos Sem Teto de Salvador/Bahia. Salvador: Ed. do autor, 2008.

MACEDO FILHO, Renato. Onde mora a cidadania? Visibilizando a participação das mulheres no movimento sem teto – Salvador/BA. Tese (Doutorado) - Programa de Pós Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.

MIRANDA, Luiz César dos Santos. Vizinhos do (in)conformismo: O Movimento dos Sem Teto da Bahia entre a hegemonia e a contra-hegemonia. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal Bahia, Salvador, 2008.

OLIVA, Arlinda. Morador e moradia no espaço urbano da cidade de Salvador. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.

SOUZA, Helaine Pereira de. Mães da resistência: histórias de vida de jovens mães do movimento dos sem teto da Bahia. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós Graduação em Família na Sociedade Contemporânea, Universidade Católica do Salvador, Salvador, 2011.

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Ceará (Fortaleza) SILVA, Gilcicleide R. da. Movimento dos Sem Teto: desafios e conquistas. Estudo de caso no

bairro Jockey Club, Fortaleza/CE –BR. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 1999.

Distrito Federal ELIAS, Gabriel Santos. Criar poder popular: as relações entre o MTST e o Estado no

Distrito Federal. Dissertação (Mestrado) – Programa de pós-graduação em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

Goiás (Goiânia)

SANTOS, Caroline Soares. Cristianismos paralelos: Religião e política entre o grupo evangélico do Movimento Sonho Real. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Ciência Política, Universidade de Brasília, Brasília, 2008.

VALE JR., Francisco Rodrigues. A função social da propriedade urbana em Goiânia. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Planejamento Territorial, Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2008.

Maranhão (São Luís) DAL MASO, Mansueto. Movimentos Sociais: a longa viagem para o mesmo lugar. Tese

(Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.

Minas Gerais (Belo Horizonte/Uberaba) BRAGA, Sandra Rodrigues. O movimento dos sem-teto de Uberaba-MG (1990-2002): uma análise geopolítica. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2004. HERNÁNDEZ, José M. R. O sem-terra, sem-teto e morador de rua: a rurbanidade e a construção da representação social sobre o rural na região metropolitana de Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2008. PETUBA, Rosângela Maria Silva. Pelo direito à cidade. Experiência e Luta dos Ocupantes de Terra do Bairro D. Almir Uberlândia (1990-2000). Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001. SOUSA, Miriam Regina de. O movimento de luta por moradia do bairro Capitão Eduardo: processos educativos resgatados pelas lembranças dos seus primeiros moradores. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.

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Paraíba (Região Metropolitana de João Pessoa) DOWLING, Gabriela B. Reforma urbana já! “Arroz, feijão, saúde e habitação”: a luta por

moradia na Grande João Pessoa. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2006.

Pernambuco (Região Metropolitana de Recife) RODRIGUES, Cibele M. L. “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”: estudo de caso do

MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), para além da dicotomia entre identidade e estratégia. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2002.

SANTANA, Cristiane. As mulheres chefes de família de baixa renda na luta pelo direito à moradia: O caso da vila das mulheres e dos pedreiros sem teto - Região Metropolitana do Recife - R.M.R. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2000.

Piauí (Teresina) VIANA, Masilene R. ... E os sem-teto também tecem a cidade. As Ocupações Urbanas em

Teresina (1985-1990). Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.

Rio de Janeiro (Região Metropolitana do Rio de Janeiro) ALMEIDA, Rafael Gonçalves de. A “microfísica” do poder instituinte e sua espacialidade:

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