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OS NEURÔNIOS DA LEITURA DEHAENE, S. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto Alegre: Penso, 2012.

OS NEURÔNIOS DA LEITURA · prefixos, sufixos e raízes de palavras. O reconhecimento visual das palavras não assenta numa apreensão global do seu contorno, mas na sua decomposição

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Page 1: OS NEURÔNIOS DA LEITURA · prefixos, sufixos e raízes de palavras. O reconhecimento visual das palavras não assenta numa apreensão global do seu contorno, mas na sua decomposição

OS NEURÔNIOS DA LEITURA

DEHAENE, S. Os neurônios da leitura: como a ciência explica a nossa capacidade de ler. Porto

Alegre: Penso, 2012.

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A EXISTÊNCIA DO TEXTO É SILENCIOSA ATÉ QUE O LEITOR A LEIA. NÃO É SENÃO

QUANDO O OLHO ATENTO ENTRA EM CONTATO COM AS MARCAS DEIXADAS

SOBRE O CADERNO QUE COMEÇA A VIDA ATIVA DO TEXTO. TODO O ESCRITO

DEPENDE DA GENEROSIDADE DO LEITOR.

Alberto Miguel, Une histoire de la lecture

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Como lemos?

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Tudo começa no olhoe passa pela retina

• Os olhos percorrem o espaço onde se encontra a escrita com movimentos rápidos (4 a 5 vezes por segundo), chamados de SACADAS.

• Identificamos de 10 a 12 letras a cada sacada (3 ou 4 à esquerda e 7 ou 8 à direita do olhar).

• O tempo de percepção de uma letra é de 50 milissegundos, e a leitura de um “bom leitor” chega à velocidade de 400 a 500 palavras por minuto.

Uma palavra

enorme e uma

palavra minúscula são,

do ponto de vista da

precisão da retina,

essencialmente

equivalentes.

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Cada vez que nosso olhar pausa,

não conseguimos identificar

senão uma ou duas palavras

Apenas o centro

da retina,

chamado de

FÓVEA, tem uma

resolução

suficiente

para permitir o

reconhecimento

de letras

pequenas.

15% do campo visual

é que dá a leitura

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Invariância perceptiva

Ler é saber identificar todas as palavras, não importando:

• Tamanho das letras.

• Posição das palavras.

• Forma dos caracteres.

Um dois três

Um dois três

Um dois três

Um dois três

Um dois três

Um dois três

Um deis trás

• Basta um pouco de treino PaRa dEcOdIfIcAr NuMa VeLoCiDaDe PrAtIcAmEnTe NoRmAl FrAsEs CuJaS LeTrAs SeJaM AlTeRnAdAmEnTe eScRiTaS em MaIsCuLaS E mInUsCuLaS.

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não imortpa a oderm das

ltreas drtneo da pvarala, bsata

que a pmrireia e a úmtila

etjasem no lguar crteo praa

que vcoê enednta o que etsá

erctiso.

Tente ler isso.....

INVARIÂNCIA PERCEPTIVA

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DECODIFICAÇÃO: o uso do conhecimento grafema-fonema

ANALOGIA: o uso de partes de palavras conhecidas para ler palavras desconhecidas quando ambas possuem o mesmo padrão ortográfico. Ex: mola, bola.

PREDIÇÃO: uso de informações contextuais de uma ou mais letras para inferir a identidade das palavras. Ex: Maria brinca com sua....(bola)

MEMÓRIA: envolve a capacidade de leitura por reconhecimento automatizado.

Processos essenciais da leituraFala, leitura e escrita são

elementos interdependentes e

compõem o

sistema funcional da linguagem.

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Como a Ciência explica a capacidade de ler?

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Em 1892, o neurologista francês Joseph-Jules Déjerine descobriu que um derrame que afeta um pequeno setor do sistema visual esquerdo do cérebro levou a uma completa e seletiva interrupção da leitura.

Imagens cerebrais modernas confirmam que essa região desempenha um papel tão essencial na leitura que pode ser apropriadamente chamada de “caixa do correio do cérebro”.

A região occípito-temporal esquerda – correio do cérebro

Em todos os indivíduos, em todas as culturas do mundo, a mesma região cerebral, com

diferença de alguns milímetros, intervém para descodificar as palavras escritas. Seja em

francês ou em chinês, a aprendizagem da leitura passa sempre por um circuito idêntico.

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Como funciona a leitura?

As palavras se

dividem em

milhares de

fragmentos pelos

neurônios da

retina... a cadeia de

letras deve ser

reconstituída antes

de ser reconhecida

O leitor passa os

olhos na palavra e

a pronúncia e o

significado são

ativados de

imediato –

reconhecimento

automatizado –

leitor proficiente

As informações sobre a pronúncia

das palavras formam uma

“imagem acústica”. É como se o leitor

ouvisse sua própria voz dentro dele.

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Região

Parietal

TemporalRegião

Inferior

Frontal

Região

Occipital

Temporal

A imagem do cérebro mostra que vários circuitos cerebrais são alterados durante a

leitura, principalmente os da área da caixa de correio occípito-temporal esquerda.

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Áreas do cérebro ligadas a fala

BROCA – MOTORA DA LINGUAGEM

• responsável pela expressão da linguagem, contém os programas motores da fala.

• participa do processo de decodificação fonológica e que vai organizar a resposta motora com a finalidade de executar a articulação da fala após receber o estímulo transmitido e processado pela área de Wernicke.

WERNICKE – SENSORIAL DA LINGUAGEM

• Está relacionada ao conhecimento, interpretação e associação de informações, mais especificamente a compreensão da linguagem escrita e falada.

As áreas cerebrais de Broca e de Wernicke dos primatas são responsáveis por

controlar os músculos da face, língua, boca e laringe, bem como pelo

reconhecimento de sons.

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Em cena agora duas vias paralelas de tratamento

das palavras

Rota fonológica: converte a cadeia de letras em sons

(fonemas) – bo/ne/ca

Rota semântica: permite acessar um dicionário mental com o significado

da palavra - boneca

Nosso sistema visual extrai

progressivamente grafemas, sílabas,

prefixos, sufixos e raízes de palavras.

O reconhecimento visual das palavras não

assenta numa apreensão global do seu

contorno, mas na sua decomposição em

elementos simples, as letras e os

grafemas.

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O que é LER

A leitura proficiente é a LEITURA AUTOMATIZADA (rota semântica) – o

conceito pertence ao seu repertório mental. Caso contrário você só

DECODIFICA (rota fonológica). Para ler uma palavra nova, naturalmente

voltamos a traduzir MARCAS EM SONS, o que adia a compreensão.

Fixo > Ficho ‘fikisu/

Reconhecer uma palavra consiste em analisar uma cadeia de letras,

descobrir as combinações das letras e depois associá-las aos sons e aos

sentidos. As letras são codificadas em sons. O que lemos só faz sentido

quando transformado em som.

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Aprender a ler consiste em conectar dois conjuntos de regiões do cérebro que já estão presentes na infância:

• Sistema de reconhecimento de objetos

• Circuito da linguagem

A aquisição de leitura envolve três fases principais:

• o ESTÁGIO PICTÓRICO, um breve período em que as crianças “fotografam” algumas palavras.

• o ESTÁGIO FONOLÓGICO, onde aprendem a decodificar os grafemas em fonemas.

• o ESTÁGIO ORTOGRÁFICO, onde o reconhecimento de palavras se torna rápido e automático.

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No conto “A História do Sr. Shi que Comia Leões”, escrito em Chinês Clássico, todos os caracteres são pronunciados "Shi", mudando apenas o tom. Cada ideograma é uma sílaba, cada sílaba é composta de um som inicial, um som final e um TOM = a entonação própria da sílaba. Se pronunciarmos o tom de maneira errada, não seremos compreendidos.

https://www.youtube.com/watch?v=zoUJm6-ylUM

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A neurociência da leitura lança nova luz sobre o caminho histórico distorcido que

finalmente levou ao alfabeto como o conhecemos.

O alfabeto foi um PROCESSO DE SELEÇÃO MACIÇA: com o tempo, os

escribas desenvolveram notações cada vez mais eficientes que se ajustavam à

organização de nossos cérebros.

Neurociência da leitura

Em resumo, nosso córtex não evoluiu especificamente para a escrita. Em

vez disso, A ESCRITA EVOLUIU PARA SE AJUSTAR AO CÓRTEX.

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A invenção da leitura

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• Arte rupestre mais antiga

33.000

anos8.000

anos

• Pequenos marcadores de cálculo: cones, cilindros

5.000

anos

• Mais antiga escrita –cuneiforme

• Hieroglifos

Evolução da escrita

• Alfabeto dos fenícios

Hom

o S

apiens

–300.0

00 a

nos

1.200

anos

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A hipótese da reciclagem neuronal

A leitura repousa sobre os mecanismos neuronais primitivos da visão primata

que foram preservados ao longo da evolução. Com a invenção da escrita

(novo objeto cultural) houve uma invasão parcial ou total de territórios

corticais inicialmente destinados a uma função diferente.

Marc Changizi e Shinzuke Shimojo

(Instituto da Califórnia de Tecnologia)

estudaram 115 sistemas de escrita atuais e

antigos.

• Quase todos são formados por 3 traços

(ao redor de).

• Forma essencialmente ótima para

ser facilmente reconhecível por um

neurônio.

• As configurações dos traços são

reproduzíveis.

• As formas se assemelham àquelas

que observamos na natureza.

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A hipótese da reciclagem neuronal

O reconhecimento de objetos funciona de acordo com um princípio

combinatório (recombinação de conjuntos de neurônios que codificam o

alfabeto em formas – as PROTOLETRAS – F T Y L – que são formas elementares).

F

L

Y

T

Junções em T L Y F fazem parte

de um léxico inato de formas.

Dessa forma, o córtex occípito-temporal

não evoluiu senão para aprender a

reconhecer as formas naturais, e esta

evolução o dotou de plasticidade para se

tornar o especialista da palavra escrita.

De acordo com a hipótese da “reciclagem

neuronal”, quando aprendemos a ler, parte

dessa hierarquia neuronal se converte na

nova tarefa de reconhecer letras e

palavras.

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A ilusão da leitura global

O reconhecimento visual das palavras não repousa

sobre a apreensão global de seu contorno, mas , sim,

sobre a decomposição em elementos mais simples, as

letras e grafemas.

O fato da leitura ser imediata é uma ilusão, suscitada

pela extrema automatização das etapas, que se

desenrolam fora de nossa consciência.

A aprendizagem explícita das correspondências

grafemas-fonemas é a única a oferecer à

criança a liberdade de ler, porque somente ela

lhe permite o acesso às palavras novas.

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COMO ENSINAR A LEITURA?

A etapa decisiva da leitura é a de decodificação dos grafemas em

fonemas, é a passagem de uma unidade visual a uma unidade auditiva.

Jogos simples preparam a criança para leitura

• No plano fonológico – manipular os sons da fala

• No plano visual – reconhecer, memorizar e traçar a forma das letras

Correspondências entre grafemas e fonemas

• Cada som tem suas “roupas”

• Letras ou grupos de letras que podem vesti-lo

• Cada letra se pronuncia de uma ou de várias maneiras

Relação com o significado

• A finalidade da leitura é compreender e não de soletrar as sílabas.

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Não existe o leitor proficiente em tudo....

Existem leitores proficientes em campos específicos!

Quanto mais lemos melhor lemos!

A leitura se processa na relação entre o leitor e o texto – decodificar as marcas e conectar seus conhecimentos prévios define a compreensão desde que seja com fluência

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Vídeo: o que acontece quando lemos? Parte 1https://novaescola.org.br/conteudo/3642/o-que-acontece-quando-lemos-parte-1

Atenção para:1. Por que as pessoas erram? o papel da memória – o

significado da palavra faz resgatar imediatamente todas as letras – agrupa em itens fáceis de serem desmontados.

2. Como construir conhecimento novo? Ampliando o

repertório linguístico com muita leitura- efeito Matheus: quanto mais se tem mais se consegue!

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Marcas deixadas sobre o caderno.....

• A invenção da escrita tem aproximadamente 3 mil anos e a partir dela a história da humanidade muda

• Cada sociedade inventou o seu sistema...diferente da linguagem oral que é natural e adquirida na relação humana...pré programada no cérebro que em contato com o meio vai ser ativada selecionando o som da sua língua

• A língua escrita é cultural, foi inventada e precisa ser ensinada

• A nossa língua é fonética e a escrita é alfabética...pra LER temos que conectar um sinal gráfico e um som

• No mundo atual há uma exigência de uma proficiência de leitura muito maior e aprender a ler é aprender um sistema de escrita (tecnologia)

• Por conta dessa demanda do mundo atual, muitas pesquisas são feitas sobre aprender a ler e escrever e quais processos mentais estão envolvidos: ciência da leitura que congrega a psicologia cognitiva, a neurociência, a linguística.