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,,~-- led:: INTRODUÇÃO À BIOLOGIA VEGETAL Eurico Cabral de Oliveira

Os Padrões de Reprodução Nas Plantas e Nos Fungos (Cap. v, Oliveira, 2003)

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Os Padrões de Reprodução Nas Plantas e Nos Fungos

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INTRODUÇÃO ÀBIOLOGIA VEGETAL

Eurico Cabral de Oliveira

Page 2: Os Padrões de Reprodução Nas Plantas e Nos Fungos (Cap. v, Oliveira, 2003)

Copyright (Q 1996 by Eurico Cabral de Oliveira

I' edição 1996

2' edição revista e ampliada 2003

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Oliveira, Eurico Cabral de

Introdução à Biologia Vegetal/ Eurico Cabral de Oliveira.

- 2. ed. rev. e amp!. - São Paulo: Editora da Universidade de

São Paulo, 2003.

BibliografiaISBN: 85-314-0349-9

I. Botânica 2. Plantas I. Título. lI. Série.

96-2129 CDD-581

Índices para catálogo sistemático:

1. Biologia vegetal 5812. Botânica 581

3. Plantas: Botânica 581

Direitos reservados à

Edusp - Editora da Universidade de São Paulo

Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374

6° andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária

05508-900- SãoPaulo- SP - Brasil Fax (Oxxll) 3091-4151Te!. (Oxxll) 3091-4008/3091-4150

www.usp.br/edusp - e-mail: [email protected]

Printed in Brazil 2003

Foi feito o depósito legal

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5

Os PADRÕESDE REPRODUÇÃO

NAS PLANTAS E NOS FUNGOS

A ESSÊNCIA E AS VARIAÇÕES

A diversidade das estratégias de reprodução do vasto e diversi-

ficado grupo de organismos fotossintetizantes é tratada em outros

capítulos, no quais também são descritos os atributos específicos de

cada grupo.Uma característica inerente aos seres vivos é deixar descen-

dentes, o que corresponde a propiciar, no tempo, a permanência de

seus genes, o que é conseguido através de um processo chamado

genericamente de reprodução.

Esta pode ser encarada como um caso de multiplicação de um

organismo. Ela pode se dar de uma forma direta, no caso de seres

unicelulares ou coloniais, ou através de um processo mais longo de

crescimento e diferenciação. Nesse contexto ela é precedida pela

multiplicação das moléculas constitutivas do organismo, das estrutu-

ras celulares e das organelas.

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112 . Intrvdllçâo fi Biologia Vegetal

- -REPRODUÇAO SEM A PARTICIPAÇAO DE GAMETAS

ProjJagaçâo jJor Fragmentos ou ProjJágutos

Talvez um dos tipos mais simples de multiplicação de um orga-

nismo seja o que ocorre através da fragmentação de um indivíduo

"mãe", seguido pela regeneração e crescimento das partes. É o que se

costuma chamar de reprodução vegetativa, ou regenerativa, não pas-

sando de um caso de uma forma mais geral denominada de repro-

dução assexuada, por não envolver a participação de células sexuais.

Esse tipo de reprodução pode ocorrer em alguns grupos de

animais, mas é especialmente comum nos organismos clorofilados e

nos fungos. Em alguns casos não ocorre espontaneamente, mas pode

ser obtida ou induzida pelo homem em praticamente qualquer vege-

tal multicelular, sendo técnica de extremo valor no cultivo de muitas

plantas e fungos. Por estes processos se pode obter a multiplicação

de um vegetal, vascular ou avascular, que apresente características

vantajosas em relação aos demais. É o que se chama popularmente

de obtenção de mudas e, tecnicamente, de clonagem, pois todos os

descendentes são geneticamente idênticos, embora às vezes possam

ocorrer variações decorrentes de mutações somáticas. Dependendo

do caso, novas plantas podem ser obtidas a partir de ramos, rizomas,

tubérculos (caules que acumulam reservas, como a "batatinha ingle-

sa"), raízes ou mesmo folhas, coino é o caso de muitas plantas orna-

mentais, como as begônias e as violetas africanas.

Em alguns organismos existe mesmo a diferenciação de estru-

turas especializadas para a reprodução vegetativa por mudas - são os

chamados propágulos. Estes, exceto no caso de algumas briófitas que

apresentam propágulos unicelulares, são multicelulares e têm for-

mas bem definidas, como na alga parda do gênero SjJhacelaria, Cl~ja

morfologia do propágulo é tão característica que pode ser utilizada

para a identificação das espécies. Em algas azuis filamentosas, grupos

individualizados de células que recebem o nome de hormogônios

funcionam como propágulos, os quais ocorrem ainda espontanea-

mente na fase gametofítica de hepáticas, como a Marchantia, mas

não na fase esporofítica. Em pteridófitas, como algumas samam-

baias, e em angiospennas, como na pita (Follrcroya) e na "fortuna"

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Os Padrões de Reproduçâo nas Plantas e nos Fungos . 113

(Bryophyllum), entre outras, ocorrem diferentes tipos de propágulos

na fase esporofítica (Figura 52).

Figura 52.

TT(a) (b1) (b2) (b3)

Exemplos de diferentes tipos de propágulos: (a) honnogônio de uma cia-

nobactéria U-)"1Jgb)'a);(b) propágulos de três espécies diferentes de uma

fucofícea (SjJhrll:,,{a,.ia); (c) reprodução \'egetati\'a de uma hepática(Mrm:/ulI1tia); (cl) aspecto geral de um conceptáculo sobre o talo; (c2)

corte trans\'ersal do conceptáculo, mostrando alguns propágulos; (c3)detalhe de um propágulo (apenas algumas células foram representadas);

(d) folha de "fortuna" UJI)'ajJh)'1l1l11l)mostrando o desen\'ol\'imento deplãntulas (modificado de \'ários autores).

Multijllicação flor Divisão Celular ou flor Células de Resistência

~(q)

~~~

(C2) (c,j)

Um tipo de reprodução relativamente simples e que ocorre na

maiOlia dos organismos unicelulares é a divisão por constlição e bipar-tição da célula original, ou fissão (Figura 53), precedida, mas nemsempre, de um processo mitótico de separação dos cromossomos.

Uma forma de reprodução assexuada característica dos fermen-

tos é o brotamento ou gemação (Figura 115a). Nestes casos a célula-filha origina-se como um pequeno broto da célula-mãe, da qual se

separa após crescer até o tamanho normal para a espécie; às vezes ascélulas permanecem em contato, formando cadeias ou colônias.

Page 6: Os Padrões de Reprodução Nas Plantas e Nos Fungos (Cap. v, Oliveira, 2003)

114 . lntroduçâo à Biologia Vegetal

A repradução vegetativa pode ocorrer ainda através de células

especializadas e de resistência, como é o caso dos acinetos, freqÜen-

tes em algumas algas azuis e verdes.

~

Figura 53. Esquema de bipartição de uma diatomácea através de mitose. Note-se quea célula-filha é ligeiramente menor (segundo F. K. Rawitscher, mnntm[os/Jásims d" /Jo[fÍnira. São Paulo, Melhoramentos. 195'1).

MultijJlicaçâo flor EsjJoros

Uma forma de reprodução diferente das anteriores e que

ocorre pelo menos em uma das fases de muitos ciclos de vida são os

diferentes tipos de esporas. Uma categoria à parte são os esporas que

se formam a partir de um esporângio diplóide por meio de uma

divisão meiótica porque estes esporos, genericamente chamados de

meiósporos (Figura 54 c, d, e), não dão origem à mesma geração do

ciclo que os praduziu, mas sim à geração alternante. Os esporas dis-

tinguem-se de outras células de propagação vegetativa porque, por

definição, são formados sempre dentro de uma estrutura, uni ou

multicelular, chamada esporângio. Entretanto, é bom lembrar o caso

de muitos fungos que formam, por contrição da extremidade livre

das hifas, pequenas células que funcionam como esporas e são mais

conhecidas por conídios (Figura 54 I, m).

Os esporângios podem ser de tipos variados e formar esporas

em número de um a centenas. Daí a conseqÜente nomenclatura:

monósporos, bísporos, te trás poros e polísporos e seus derivativos

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Os Padrões de ReplVduçâo nas Plantas e nos Fungos . 115

para os esporângios que os formam, monosporângios, tetrasporân-

gios ete. Os que formam esporos imóveis, isto é, sem flagelos, são

ditos aplanosporângios, e seus esporos aplanósporos (do grego a =

negação, plano = referente a mobilidade), Os que formam esporos

com flagelos podem ser chamados de planosporângios, mas são mais

conhecidos por zoosporângios, dada a velha noção de que os animais

se movem e as plantas não, o que é obviamente discutível. Por sua vez,

os zoósporos podem variar na forma, no tamanho e, sobretudo, no

nÚmero e na posição dos flagelos (Figura 54 gj),

ft°O;"':: .-:.."'.

":f(-;{.;:;;:. ~,:.,,:'. ~~(a) (b) (c) (d) (e)

(i) (k) (I)

ooud(g) (h) U)

Figura 54, Exemplos de diferentes tipos de esporângios e esporas encontrados em

algas e fungos: (a) - (f) esporângios de algas vermelhas (esporas sempre

imóveis); (a) monosporângios, (b) bisporângios, (c) - (e) diferentes

tipos de divisão de tetrasporângios (meiosporângios), (f) polisporângio,(g) - (i) diferentes tipos de zoósporos de algas verdes, UJzoóspora dealga parda, (k) meiosporângio (ascosporângio) de um fermento, (I) e

(m) esporas assexuados de fungos (conídios).

O que caracteriza todas essas formas de reprodução assexua-

da, em oposição ao que acontece na reprodução sexuada, é que os

indivíduos formados são sempre iguais aos que lhes deram origem,

não só morfologicamente, mas, o que é mais importante, genetica-

mente, exceto nos casosjá mencionados de mutação somática, Isso,

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116 . IlItrodl/(rio ri Bio{iJgia Fegeta{

obviamente, não se aplica no caso da formação de meiósporos. Apropagação assexuada pode se constituir numa grande vantagempara a manutenção das espécies que estão bem adaptadas a

ambientes ecologicamente estáveis. Mas, caso ocorram mudançasambientais, a diversidade propiciada pela reprodução sexuada é aÚnica que, por incorporar uma variabilidade muito maior, pode

permitir a sobrevivência da espécie.

REPRODUÇÃO ATRAVÉSDE GAMETAS

Quando se fala em reprodução sexuada logo se pensa em fusão

de células e formação de uma célula ovo, ou zigoto. No entanto, em

sua essência, o processo de reprodução sexuada se caracteriza pela

alternância de dois processos distintos mas interdependentes: a

singamia, que é a fusão de células, e a meiose, na qual se dá a reduçãodo nÚmero de cromossomos. A fusão das duas células sexuais, ou

gametas, é seguida pela cariogamia, em que ocorre a reunião dos

genomas provenientes dos organismos que produziram os gametas.

Assim, a reprodução sexuada envolve a formação de células

especializadas para a fusão, os gametas, sempre unicelulares, os quais

são produzidos em estruturas chamadas gametângios. Mais tarde

veremos que nos fungos a cariogamia pode ocorrer por processos

alternativos sem a fusão de gametas. A conseqÜência óbvia e mais

importante da fusão de células, via de regra precedida pela meiose,

é o aumenta de variabilidade propiciado pela recombinação genéti-

ca, que em Última análise corresponde à transferência de informa-

ção genética. Em que pese a importância fundamental deste proces-

so demeiose e singamia, existem organismos em que estes processos

nunca foram detectados. É o que acontece, por exemplo, nas algas

azuis. Esta observação é surpreendente por se tratar do grupo mais

antigo de seres com clorofila a, distribuído por uma incrível diversi-dade de ambientes. Entretanto, embora não existam evidências mor-

{ológicas de reprodução sexuada, em alguns casos foi demonstrada a

transferência de informação genética entre algas azuis por processos

que ainda não são conhecidos e que podem envolver a participação

de vetares externos de ácidos nucléicos como os plasmídeos. Esta é a

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Os Pai/ráes de RejJlvdllçr7o lias Plall/as e nos FIIJlp:os . llí

hipótese que tem sido utilizada para explicar a transferência de resis-

tência a antibióticos entre linhagens sensíveis e resistentes de algas

azuis quando colocadas em uma mesma placa de Petri.

Os casos mais simples de reprodução sexuada ocorrem em

alguns grupos de algas em que os gametas são morfologicamenle

iguais e se comportam da mesma maneira, de modo que não é possí-

vel reconhecer o sexo dos gamelas - é o que se chama de isogamia

(Figura 54). No caso de organismos com gametas morfologicamente

iguais, mas com comportamentos diferentes, aos que se movem mais

rápido convencionou-se chamar gametas masculinos, talvez à seme-

lhança do que ocorre nos animais. Mas existem também casos em

que os gamelas não possuem flagelos e apresentam apenas movi-

mento amebóide, portanto muito limitado, de modo que para haver

fusão de gametas é necessário que os gametângios estejam muito

próximos um do outro. No caso das conhecidas SjJirogyrae ZYP;17ImUl ,

algas verdes comuns em poças de água, ocorre a formação de um

tubo de copulação entre os filamentos que estão em reprodução,

através dos quais os gametas se deslocam por movimentos amebóieles

para que ocorra a fusão.

Quando os gametas são diferentes hla-se em helerogamia. As

vezes têm a mesma forma e mesmo nÚmero de flagelos, mas tama-

nhos diferentes, caso que se costuma chamar de anisogamia (Figura

55 d, e, f); outras vezes o gameta masculino é pequeno e móvel por

flagelos, o anterozóide, enquanto o feminino é grande, acumula

reservas e não possui flagelos, sendo chamado de oosfera (Figura 55

g). Este caso mais específico de heterogamia é chamado oogamia.

Aqui o gametângio feminino, chamado de oogônio, produz, quase

sempre uma Única oosfera, ao passo que o masculino, chamado de

anterídio, produz um grande nÚmero de pequenos gametas com fla-

gelos. Um caso particular de oogamia ocorre nas algas vermelhas.

Esse é o Único grupo de plantas eucarióticas em que não existem fla-

gelos, nem quaisquer vestígios de sua ocorrência, em nenhuma [;lse

do ciclo ele vida. A ausência de flagelo pode ocorrer secundariamen-

le em alguns outros grupos, mas se pode mostrar, pela presença ele

corpÚsculos basais, ou flagelos atrofiados, que houve uma perda des-

sas organelas e, portanto, sua ausência não é considerada como uma

indicação de primitividade, como é o caso das algas vermelhas. O

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118 Introdllção riBiologia Vegetal.

número, a forma e a posição dos flagelos variam com o grupo taxo-nômico no nível de filo e são características importantes na classifica-

ção e filogenia dos organismos.

~ ,.:,.:tI'

,t<,

(a)

/1\-,,',r,-"",

(d) (e)

Zigoto

it

(b) (c)

(f) (g)

Esquemas mostrando a variação nas características básicas de gametas de

algas: (a) - (c) exemplificamul11 caso de fusão de isogametas, comum emalgas verdes; (d) - (f) um caso de anisogamia. também em algas verdes;

(g) um caso de oogamia em uma alga parda.

Figura 55.

Nos grupos tradicionalmente considerados como algas, os

gametângios podem ser uni ou multicelulares, mas são sempre nus,

isto é, desprovidos de um envoltório de células estéreis (Figura 56).

Aliás, esse é o único atributo comum a todos os organismos generica-

mente considerados como algas. Há, porém, uma exceção, como em

toda boa regra biológica: no filo das Charophyta existem algumas célu-

las estéreis protegendo o oogônio (Figura 56a) e os anterídeos. De

qualquer forma esse envoltório encontrado nas Charophyta é bem

diferente dos gametângios encontrados nas plantas terrestres, incluin-

do mesmo as briófitas e pteridófitas, nas quais o gametângio feminino

apresenta uma forma de garrafa e é chamado de arquegônio (Figura

56). Essa estrutura permanece fundamentalmente a mesma, embora

se modifique e se reduza bastante no grupo das plantas que produzem

sementes nuas, as gimnospermas, e se reduza mais ainda nas que pro-

duzem frutos, as angiospermas, como veremos mais adiante.

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Os Padrões de RefJlvduçâo nas Plantas e nos Fungos . 119

Células estéreis-Ul

CarpogônioOosfera

(a) (b) (c)

Célulasestéreis

Oosfera

Células férteis

(d) (e) (f)

Figura 56, Esquemas mostrando gametângios de algas e briófitas: (a) gametângio

feminino de uma Charophyta. mostrando a oosfera com um envoltóriode células estéreis alongadas; (b) gametângio feminino de uma alga \'er-

melha (carpogônio); (c) oogônio de uma alga verde «()",I()~()l1ittlll); (d)

corte longitudinal de um gametângio de uma alga parda (l:'(/()((1I1J//s)

onde todas as células produzem gametas iguais; (e) corte longitudinal deum gametângio masculino de uma briófita (anterídio) com o envoltórioele células estéreis; (f) corte longitudinal de um gametângio feminino

(arquegônio) de uma briófita mostrando a oosfera,

o encontro de gametas compatíveis leva à fecundação e à con-

seqÜente formação de uma célula diplóide, o ovo, ou zigoto, que ger-

mina e dá origem a um novo organismo, A fecundação nos organis-

mos aquáticos dá-se pelo deslocamento de ambos os gametas, nos

casos em que o gameta feminino também possui flagelos, ou apenas

pelo anterozóide, quando o gameta feminino é uma oosfera. Em

algumas algas o encontro é facilitado pela liberação, pelo oogônio,

de um atraente sexual que orienta o curso dos anterozóides, Esse

honnônio sexual, ou feromônio, já foi isolado e caracterizado em

algas pardas e é um hidrocarboneto, isto é, um composto simples de

carbono e hidrogênio. Mas na maioria dos casos não existem fero-

mônios, mesmo porque os elementos masculinos, ou aqueles que os

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120 . IntlOd1l(rlo ri Biologia Vegetal

transportam, como é caso do pólen nas plantas que produzem flores,

não têm nenhuma possibilidade de locomoção, sendo levados passi-

vamente pelo vento ou por outros agentes transportadores, de modo

que a fecundação é obra do acaso. Para compensar isto e aumentar

a margem de encontro dos gametas, os masculinos são produzidos

em nÚmeros extremamente elevados e se apresentam bastante redu-

zidos em tamanho, o que reduz o dispêndio de energia e aumenta o

raio de dispersão. Uma alternativa mais complexa inclui a participa-

ção de agentes polinizadores, especialmente pássaros, insetos e até

mesmo mamíferos, como é caso de plantas que abrem suas flores à

noite e são polinizadas por morcegos.

Uma outra novidade na reprodução das plantas vasculares mais

avançadas, e que não encontra paralelo nas plantas aquáticas, é a pre-

sença de dois tipos diferentes de esporos, que já aparecem em algumas

classes de pteridófitas e se mantêm nos grupos seguintes. Trata-se da

heterosporia, isto é, da diferenciação morfológica e funcional dos

esporas que darão origem aos gametófitos femininos (megásporos ou

ginósporos) ou masculinos (micrósporos ou andrósporos).

OS DIFERENTES TIPOS DE CICLOS DE VIDA

Já vimos que as plantas apresentam diferentes formas de se

reproduzir. A reprodução nem sempre se faz de forma direta, como

nos casos descritos de reprodução assexuada, cujo processo ~á

origem a um organismo exatamente igual ao que o formou.

Mesmo nos casos de reprodução sexuada nem sempre a espécie se

propaga apenas com a produção e a fecundação de gametas, como

parece ser o caso nas plantas que produzem flores, nas quais o

pólen fecunda os óvulos e estes produzem sementes que germi-

nam em novas plantas. Uma análise mais minuciosa revela que

mesmo aí o processo envolve duas fases distintas, embora uma

delas, a haplóide, viva em dependência exclusiva da fase diplóide.

Há assim uma alternância entre uma fase haplóide, ou geraçào

gametofítica, porque produz os gametas, e uma geraçào espo-

rofítica, a qual produz os esporas. Falamos aqui ele gerações dis-

tintas, o que equivale dizer que existem dois tipos de organismos e

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Os Padrões de Reprodllçâo nas Pkllltas e nos Fungos. 121

não apenas dois tipos de células haplóides e diplóieles. Essaalternância entre células n e 2n sempre ocorre e é obrigatória

quanelo existe reprodução sexuada.

, A compreensão ela alternância ele gerações fica mais clara se

'",w",l~s.;.\.n\'..Qs,çn:irne.ira a C\.ue acontece nas avencas e samambaias,

para utilizar exemplos ele plantas que são comuns em quase to elas

as residências e, Qortanto. Qodem ser facilmente observadas por

qualquer pessoa (Figura 57). Todos sabem que podemos propagar

uma samambaia através de mudas, o que equivale a um processo

de clonagem. No entanto, estas têm que ser cortadas das plantas

pelo homem, e fica claro que não é isto o que ocorre rotineira-

mente na natureza. Uma observação mais atenta mostra que nos

vasos onele crescem avencas e samambaias poelemos encontrar

plantinhas muito pequenas que só após atingirem um tamanho

bem maior concluímos tratar-se de uma samambaia jovem, igual à

que estamos cultivando. Curiosamente, o vaso usado é usualmente

de xaxim, que naela mais é que uma porção elo tronco de uma

samambaia "gigante", ou samambaiaçu, que em tupi quer dizer

exatamente a me\>ma CO\so.\..Ma\>, \\m oh\>er"ador ainda mai5 minu-

cioso verá que essa pequena samambaia está saindo de uma peque-

na lâmina verde, muito elelgada e quase transparente, Ct~jo nome

técnico é protalo, que corresponele a uma outra geração elo ciclo

de vida da samambaia. O importante é que uma geração dá origemà outra, isto é, elas se alternam - daí usar-se o termo clássico "alter-

nância ele gerações". O protalo é haplóide e é a geração que pro-

duz os gametas, enquanto o que chamamos de samambaia, que é a

planta ornamental, é apenas a fase diplóide do ciclo de vida dessa

planta. É clara que é na fase diplóide que ocorre a meiose. As célu-

las haplóides são chamadas de esporos e são formadas em esporân-

gios. Em c~rtas épocas do ano se poderá encontrá-Ios observando

a face inferior das folhas elas avencas e samambaias. Na realidade,

o que possivelmente se verá a olho nu são manchinhas marrons

que cOlTespondem a grupos de esporângios, aos quais chamamos

de soros (Figura 57). Os esporas seriam o "pó" que se desprende

elesses esporângios e que, ao germinarem num xaxim ou caco de

cerâmica Úmida, elão origem aos gametófitos. Uma conclus,lo

óbvia que tiramos ao estudar o ciclo de uma samambaia é que as

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122 . IntlVdllçrioriBiol.ogiaVegetal

fases haplóides e diplóides têm vida própria, independente, e sãobastante diferentes. Em algumas plantas elas são ainda mais dife-rentes, e a fase haplóide chega a ser mais reduzida, passando a

parasitar o esporófito, como veremos ao estudar as plantas queproduzem flores. Por sua vez, nas briófitas a fase haplóide é que émais desenvolvida e perdura por um tempo maior, sendo a fase

esporofítica efêmera.

Gametófitojo\'em maduro

Esporo (N) gametófito (N)_,.Folíolo com

I.

~:"... Esporo

...(N)

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)9J.~/ Anterozóidemaduro (2N) "-;.ffii!~W ~~- E'; -' 6[9 (N)'dj,Ili11' ~-<) ". "--..

Gametófito (N) .-/~. <!{-' Arquegônio (N)

Figura 57. Esquema do ciclo dc \'ida de uma samambaia. mostrando as partes haplói-

des (N) e diplóides (2N).

No vasto e diversificado grupo das algas encontramos todas as

combinações possíveis, desde aquelas em que o esporófito é mais

desenvolvido, como ocorre nas plantas vasculares, ou menos desen-

volvido, como nas briófitas, até os casos em que eles são ,igualmente

desenvolvidos e indistinguíveis morfologicamente (Figura 58).

Como já dissemos, em todos os organismos que apresentam

reprodução sexuada alternam-se células haplóides e diplóides. Em

alguns a Única célula diplóide é o zigoto, enquanto em outros as Úni-

cas células haplóides são os gametas, que é a situação encontrada nos

animais. Nesses casos não se fala em alternância de gerações, concei-

to que designa a existência de indivíduos com ploidias diferentes,

Page 15: Os Padrões de Reprodução Nas Plantas e Nos Fungos (Cap. v, Oliveira, 2003)

Os Padrões de Reprvdução nas Plantas e nos Fungos 123.

mesmo que um deles seja reduzido, como é o caso, por exemplo, da

fase haplóide das plantas com flores.

Figura 58.

Mitoses

t Gal1letaso~ ..lliL..-::& --- OGal1letóf'to(N) 9 Zigoto (2N)

Mitoses

Meiose 6 6"'66Zoósporos

(N)

f Gal1letaÇ>'l9~~U

Gal1letófito ---

cr~~acr9t (N)

n. l\leiose 6 6:u--O '66

Zigoto (2N) Zoósporos(N)

JMitoses

11

Mitoses

t O~ - Meioset:ttI::I::t:t:: Gal1letas (N) ()Gal1letóflto (2N) '1'

Zio'oto<2N)

-::& O

Gal1letófito (N) O

~-9 t Gal1letas (N)

Esporófito

..D- O Mitose (2N)

"U" -1111111111

Zigoto (2N) t Meiose

~~~~

---

Mitoses

III

Gal1letófito (N) O ..D- d 1itoses

11111111111111-- "U"- --9 Zigoto (2N)

Gal1letas (N)

Esporófito (2N)

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Esporófito (2N)

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1 l\Jitoses

'lGal1leta9 Mitoses~-u n.-o-9~ -:u- Zio'oto(2N)Gal1letófito (N o

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t Gal1letas(N) J '

Zoósporos (N)Mitoses

Esquemas mostrando os três tipos básicos de ciclo de vida. Nos ciclos I eII não há alternãncia de gerações, embora haja alternância das fases

nucleares. Para simplificar os esquemas ilustramos apenas casos em que

os esporos e gametas possuem flagelos e á semelhança do que ocorre em

muitas algas verdes, nas quais os gametas costumam ser bi e os zoósporos

tetraflagelados. No esquema lU procuramos mostrar que ora o gametófi-

to, ora o esporófito, pode ser mais desenvolvido. Em todos os esquemas

podem ocorrer exemplos em que o gametófito é hermafrodita, isto é.

produz gametas autocompatÍveis ou tem os sexos separados.

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124 . IJ/lmdllção ri Biologia Fegelal

Ao contrário do que se verifica nos animais, a alternância de

fases com ploidia distinta é extremamente comum nas plantas,

sendo a exceção a sua ausência.

Essa alternância pode ser observada mesmo em organismos

unicelulares, como em Chlal1lydol1lonas, uma alga verde flagelada na

qual gametas e indivíduos se confundem morfologicamente. Isto é,

quando indivíduos haplóides começam a se fundir dois a dois, eles se

comportam como gametas e na realidade dão origem a zigotos. Mas

podem também comportar-se como indivíduos e se dividir por mito-

se, formando outras células iguais.

Os ciclos básicos, ou históricos de vida, em organismos com

reprodução sexuada, podem ser classificados em apenas três tipos fun-

damentais, e para a sua distinção e compreensão basta lembrar o local

onde ocorre a meiose (Figura 58). Quando esta ocorre no zigoto, dita

zigótica ou inicial, não ocorre alternância de gerações e os indivíduos,

de sexo separado ou bissexuais, são sempre haplóides. O ciclo que se

opõe a este é aquele em que a meiose ocorre na formação dos gametas,

dita gamética ou final, em que os indivíduos são diplóides e o ciclo tam-

bém não apresenta alternância de gerações. No terceira tipo ocorrem

os casos de alternância, como o que já explicamos para as samambaias

e os musgos. Aqui a meiose se dá na formação dos esporos e conse-

qÜentemente é chamada de espólÍca ou intem1ediália. Nesse tipo de

ciclo existe sempre uma geração haplóide, que resulta da germinação

dos esporas, e uma diplóide, que resulta da fusão dos gametas. Neste

ciclo, a geração que produz gametas é chamada de gametófito e é

haplóide, podendo ter os sexos separados em indivíduos diferentes ou

não. A geração que produz esporas é chamada de esporófito e é diplói-

de, ocorrendo a meiose nos esporângios. Este é o ciclo básico no qual

se alternam indivíduos idênticos ou dissimilares, com ploidias diferen-

tes e maior desenvolvimento da fase haplóide ou da diplóide. Mas, den-

tro desse tipo ele ciclo poelem ocorrer variações que aumentam a com-

plexidade pela intercalação ele outras fases. É o que acontece, por

exemplo, em alguns gnlpos ele algas vermelhas. Nestas o zigoto elá Oli-

gem a uma planta eliplóide, que fica sobre ou dentro da planta mãe, e

em vez de formar esporos pela meiose, como descrito para os ciclos

anteliores, o faz por mitose, de modo que estes dão Oligem a uma outra

geração diplóide, agora de vida independente que é onde vai ocorrer a

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126 . 1ntmdllçâo ri Biologia Vegetal

É preciso ainda lembrar que a reprodução assexuada, que

autopropaga as geração independentes, penneia todos os ciclos,

podendo ocorrer tanto nas fases haplóides como nas diplóides, ouem (unbas.

A" estruturas reprodutoras e o tipo de ciclo de vida em geral

são característicos dos diferentes grupos vegetais e servem mesmo

para caracterizá-Ios e classificá-I os. No entanto, no grande grupo das

algas verdes a variação é tanta que praticamente todos os tipos

podem ser encontrados. Nestas algas, em alguns casos extremos,

tipos diferentes de ciclos e estruturas podem ser encontrados num

mesmo gênero, o que mostra a plasticidade desse grupo e o apareci-

mento repetitivo de diferentes estratégias de reprodução.

As razões de a alternáncia de gerações ser muito freqÜente

entre os vegetais, e não nos animais, não é bem conhecida. Mas,

podemos perceber vantagens em sua ocorrência como uma estraté-

gia para a sobrevivência da espécie. Uma delas é o maior potencial

de variabilidade genética, pois genes recessivos podem manifestar-se

nas fases haplóides. Outra vantagem é que a presença de fases distin-

tas pode ser uma maneira de evitar a ação de herbívoros nos nume-

rosos casos de alternância heteromórfica, em que uma das gerações,

pela sua morfologia e hábital específico, pode ser muito vulnerável à

predação, enquanto a geração alternante pode estar mais protegida.

Uma análise do ciclo de vida, em uma perspectiva evolutiva,

mostra que com a passagem de algumas formas de plantas para o

meio terrestre houve uma gradual redução da fase haplóide, o quc

pode ser interpretado como uma menor adaptabilidade desta [as e

fora da água, talvez devido a uma maior norma de reação de seu

genótipo. Isto, de certa forma, encontra apoio no aumento do

nÚmero de organismos poliplóides em áreas de estresse ambienta!.