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Resumo Diante dos últimos acontecimentos no merca- do financeiro internacional, que desequilibraram as mais diferentes economias, das emergentes até as mais evoluídas, é inevitável que recorramos a alguns princípios económicos que, desde a Idade Média e continuamente, vêm sendo analisadas. Modelos foram desenvolvidos e as mais diferentes soluções apresentadas. A intenção deste trabalho é o de apenas recordar alguns fundamentos, dos quais jamais poderemos esquecer. Abstract Face to the late happenings zn the internacional financial market wluch have unbalanced the more different economics, from the emergent to the mo1·e develotJed, it's inevitable that c,ne rec.urs to some economics principies what fmm the Medw Age and continuously, are bem.g analyzed. Mndcls tvere developed and different solutwns were Jwesented. Tlus work intends just to remember some of this fundaments from which one can forget anymore. A economia está a nossa volta no dia-a-dia. Com seus termos característicos, que foram bati- zados de economês, traduzem as teorias do valor, da produção e da distribuição. V árias correntes, oriundas das mais diversas escolas, oferecem ao nosso cardápio modelos de produção e cresci- mento do capital, como fórmulas mágicas para a solução dos problemas, insolúveis, para o desen- volvimento dos países. Falam em choques hete- rodoxos, em modelos clássicos e neoclássicos que, Augusto Guzzo Revista Acadêmica Otto NOGAMI* para aqueles menos prevenidos, soam de maneira imponente, mas que nada lhes significam na sua essência. E a origem destes termos data de alguns séculos passados, que serviram de embasamento teórico para a criação e adoção dos famosos modelos económicos. A ciência económica não é, portan- to, uma disciplina nova. Nas obras dos antigos gre- gos, podemos encontrar debates sobre o valor e a distribuição, mas a ciência veio tomar-se um estado independente por volta do século XVIII. Os pioneiros Entre os pioneiros deste domínio sobre a economia, encontramos o escritor e economista inglês Willian Petty (1623-1687), considerado um dos precursores da Escola Clássica, cujos trabalhos concentraram-se no estudo das finanças públicas. Sua obra mais famosa foi Politicai arithmetick, publicada apenas em 1691, considerada o marco do estudo científico dos fatos económicos, combi- nado com tratamentos matemáticos. Petty consi- derava que a riqueza derivava da combinação da terra com quantidade de trabalho necessário para produzir essa riqueza. Mas o grande precursor dos fisiocratas e de Adam Smith foi o banqueiro e economista ir- landês James Cantillion (1680-1734), cuja obra Essai sur la nature du commerce en géneral (Ensaio sobre a natureza do comércio em geral) circulou apenas em 1755, e discorria sobre as contradições do mercantilismo à época. Sua obra, considerada a mais sistemática exposição dos princípios económicos que se fez antes de Adam Smith, fi- * Economista. Professor nos cursos de pós-graduação da CECUR da FAAP - Fundação Armando Álvares Penteado - da Escola de Administração Mauá, da FUNDACE da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo - Campus de Ribeirão Preto e do IBMEC Business School.

Os pioneiros Abstract

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Resumo

Diante dos últimos acontecimentos no merca­do financeiro internacional, que desequilibraram as mais diferentes economias, das emergentes até as mais evoluídas, é inevitável que recorramos a alguns princípios económicos que, desde a Idade Média e continuamente, vêm sendo analisadas. Modelos foram desenvolvidos e as mais diferentes soluções apresentadas. A intenção deste trabalho é o de apenas recordar alguns fundamentos, dos quais jamais poderemos esquecer.

Abstract

Face to the late happenings zn the internacional financial market wluch have unbalanced the more different economics, from the emergent to the mo1·e develotJed, it's inevitable that c,ne rec.urs to some economics principies what fmm the Medw Age and continuously, are bem.g analyzed. Mndcls tvere developed and different solutwns were Jwesented. Tlus work intends just to remember some of this fundaments from which one can forget anymore.

A economia está a nossa volta no dia-a-dia. Com seus termos característicos, que foram bati­zados de economês, traduzem as teorias do valor, da produção e da distribuição. V árias correntes, oriundas das mais diversas escolas, oferecem ao nosso cardápio modelos de produção e cresci­mento do capital, como fórmulas mágicas para a solução dos problemas, insolúveis, para o desen­volvimento dos países. Falam em choques hete­rodoxos, em modelos clássicos e neoclássicos que,

Augusto Guzzo Revista Acadêmica

Otto NOGAMI*

para aqueles menos prevenidos, soam de maneira imponente, mas que nada lhes significam na sua essência.

E a origem destes termos data de alguns séculos passados, que serviram de embasamento teórico para a criação e adoção dos famosos modelos económicos. A ciência económica não é, portan­to, uma disciplina nova. Nas obras dos antigos gre­gos, podemos encontrar debates sobre o valor e a distribuição, mas a ciência só veio tomar-se um estado independente por volta do século XVIII.

Os pioneiros

Entre os pioneiros deste domínio sobre a economia, encontramos o escritor e economista inglês Willian Petty (1623-1687), considerado um dos precursores da Escola Clássica, cujos trabalhos concentraram-se no estudo das finanças públicas. Sua obra mais famosa foi Politicai arithmetick, publicada apenas em 1691, considerada o marco do estudo científico dos fatos económicos, combi­nado com tratamentos matemáticos. Petty consi­derava que a riqueza derivava da combinação da terra com quantidade de trabalho necessário para produzir essa riqueza.

Mas o grande precursor dos fisiocratas e de Adam Smith foi o banqueiro e economista ir­landês James Cantillion (1680-1734), cuja obra Essai sur la nature du commerce en géneral (Ensaio sobre a natureza do comércio em geral) circulou apenas em 1755, e discorria sobre as contradições do mercantilismo à época. Sua obra, considerada a mais sistemática exposição dos princípios económicos que se fez antes de Adam Smith, fi-

* Economista. Professor nos cursos de pós-graduação da CECUR da FAAP - Fundação Armando Álvares Penteado - da Escola de Administração Mauá, da FUNDACE da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo - Campus de Ribeirão Preto e do IBMEC Business School.

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cou por muito tempo esquecida e foi redescober­ta por Stanley Jevons, no final do século XIX. Cantillon defendia a idéia de que a terra era a única fonte de riqueza, na forma de um exce­dente econômico, e o trabalho como a força gera­dora dessa riqueza.

Criador do utilitarismo, Jeremy Bentham (1748-1832), filósofo, jurista e economista inglês, tornou-se famoso com a sua obra An introduction to the principles of morals and legislation (Uma in­trodução aos princípios da moral e da legislação), datada de 1789, onde expôs a doutrina utilitarista, segundo a qual o bem se identifica com o útil.

Amigo e discípulo de Bentham, James Mill (1773-1836), pai de John Stuart Mill, defendia a idéia de que toda a moral se apoiava no egoísmo e toda a vida social girava em torno dos interes­ses econômicos. A sua obra Elements of political economy, publicada em 1821, pode ser considera­da um manual de economia, retomando as idéias ricardianas.

François Quesnay (1694-1774), por sua vez, conhecido fisiocrata francês, em sua obra Tableau economique (Quadro econômico), publicada em 1758, desenvolveu um esboço da distribuição da riqueza pelas diversas classes sociais, ao longo de um ano, sustentando que somente a agricultura tinha condições de produzir riqueza.

Mas, por que já nessa época havia interesse tão grande na produção da riqueza? A razão cen­traliza-se no fato de que, a esta altura, o capitalis­mo, em sua forma embrionária, começava a gerar mudanças na atitude espiritual relativamente à riqueza, segundo o sociólogo alemão Max Weber. Por outro lado, Karl Marx encarou o desenvolvi­mento do capitalismo como um resultado de mu­danças na produção e da luta de classes. Embora as razões reais_sobre as forças que impulsionaram a ascensão do capitalismo ainda não estejam claras nos dias de hoje, sabe-se muita coisa acer­ca das mudanças que este novo sistema provocou na sociedade britânica.

Calcula-se que, por volta de 1760, a popu­lação britânica estivesse em torno dos oito mi­lhões de habitantes. Em 1851, quando do primeiro recenseamento de que se tem notícia, a

população já estava ao redor dos 21 milhões de habitantes, estando a maior parte concentrada nas novas cidades. No ano de 1750, havia apenas duas cidades na Grã-Bretanha com mais de 50 mil habitantes, enquanto que, em 1850, vinte e nove eram as cidades com esse porte.

O abastecimento dessas novas cidades reque­ria melhores comunicações. Assim, entre 17 50 e 1790, o Parlamento inglês aprovou 1.600 leis des- • tinadas à introdução de melhoramentos em 38.000 quilômetros de estradas. E, no final do século XVIII, já tinham sido construídos aproxi­madamente 4800 quilômetros de canais. Enquan­to isso, a produção industrial aumentava rapida­mente. A extração de carvão, no período de 17 50 a 1850, aumentou de 3 milhões de toneladas para quase 50 milhões de toneladas, a produção de ferro passou de cerca de 20 mil para 2 milhões de toneladas, e a de tecidos de algodão de 8 mil para 300 mil toneladas durante o mesmo período.

Este crescimento produtivo fez aumentar a ren­da nacional, estimada em preços correntes, em cerca de 230 milhões de libras esterlinas em 1800, 300 milhões em 1830 e 525 milhões em 1850, o equivalente a uma duplicação nacional per capita, que passou de 12 para 24 libras anuais durante o período.

A energia hidráulica e a energia muscular im­pulsionaram este aumento de riqueza, mas logo veio se juntar a eles a energia a vapor. A primeira delas foi construída em 1783, pelos engenheiros Boulton e Watt; em 1800, já havia cerca de 500 em funcionamento. Havia só mais um pequeno passo a dar, para adaptar a máquina a vapor a uma bomba e depois atrelá-la a uma carruagem. E com isso iniciou a era da estrada de ferro. Este fato veio determinar uma insaciável procura de ferro e aço e de mercadorias britânicas em âmbito mundial.

E que efeitos tiveram todas essas modificações na estrutura social britânica, de Adam Smith até Keynes, e quais foram as idéias que prevaleceram na política social durante estes dois séculos? E como é que os economistas se inseriram, profis­sional e intelectualmente, no meio de tudo isso?

Eles adentraram para a ciência econômica, a

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partir de diversas origens. Adam Smith, Stuart Mill e Karl Marx iniciaram seus estudos por serem filósofos. Malthus, Marshall e Keynes por terem estudado matemática na universidade, e Ricardo era um cientista amador antes de se dedicar à economia.

Ricardo fez fortuna na bolsa de valores e re­tirou-se dos negócios para estudar. Mill foi toda a vida um administrador e Marx subsistia pre­cariamente como jornalista, auxiliado por Engels. Mill e Ricardo foram membros do Parlamento in­glês, enquanto que Marx organizou a primeira internacional de trabalhadores e Keynes foi con­selheiro do governo britânico. Assim, depreende­se que todos eles eram possuidores de profundas opiniões políticas e morais.

Adam Smith

O economista escocês Adam Smith (1723-1 790), um dos mais eminentes teóricos da Escola Clássica, e autor de An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations (A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas) costumava dizer que, de sua obra, pouca coisa era original. Mas pela sua insistência na ordem natural da sociedade, da desconfiança do Estado e pelo seu ceticismo sobre as motivações daqueles que proclamavam agir mais para o bem do povo do que por interesse próprio, o colocam em um lugar à parte dos escritores que o precederam.

Em sua Riqueza das Nações, estabeleceu uma distinção entre as várias classes sociais, a fim de diferenciar aquelas que produzem riqueza e aque­las que a consomem, enfatizando que a riqueza de cada classe social deriva de uma origem diferente: o rendimento do capital obtido pela pessoa que o administra ou el.T!-_prega denomina-se lucro; o rendimento derivado do trabalho chama-se salário; o rendimento proveniente da terra chama-se renda e pertence ao proprietário.

Adam Smith interessou-se também em iden­tificar a classe social que produzia e aumentava a riqueza da sociedade, pois era evidente que muitos dos que declaravam trabalhar pouco pro­duziam. O soberano, por exemplo, com todos os

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funcionários que o servem, tanto civis como mili­tares, o exército, a marinha de guerra, segundo o autor, são improdutivos. O trabalho de manu­fatura, por outro lado, concentra-se e realiza-se num determinado objeto ou bem vendável, que durará pelo menos ainda algum tempo depois de terminado o trabalho. Era este poder de criar ob­jetos que conservavam o seu valor, que distin­guia o trabalho produtivo do não produtivo, e era ele que servia de base à teoria do valor. O realce que ele dá à indústria, porém, levou-o a ig­norar todos os serviços prestados pelas profissões livres, sem as quais a indústria não teria como prosperar. Assim, para Smith, só o capital in­vestido na indústria, e não a terra nem qualquer gênero de serviço, constitui a verdadeira base da criação de riqueza.

A mensagem de Smith foi a de que o livre mercado (ou livre câmbio) deu origem a uma harmonia de interesses entre as classes, em que o capitalista proporcionava a força motivadora da acumulação de riqueza. De qualquer interferência nessa harmonia, devia inevitavelmente resultar uma redução e não um aumento de riqueza social.

À medida que aumenta a riqueza da so­ciedade, maior número de pessoas encontra opor­tunidade de alugar trabalho e terra. Um número maior de capitalistas significa maior concorrência e, conseqüentemente, os lucros diminuem. Mas o aumento da riqueza da sociedade tem o efeito contrário nas rendas e salários. A concorrência entre os capitalistas faz subir os salários, enquan­to o proprietário, como monopolista, exige mais pelas suas terras.

David Ricardo

Enquanto Smith promovia o capitalismo, o economista inglês David Ricardo (1772-1823) o defendia, apoiando-se mais na análise abstrata do que no exemplo histórico. Autor de The principles of political economy and taxation (Princípios de economia política e tributação), deu grande contribuição à teoria do valor e da distribuição.

Mas foi em sua obra Ensaio sobre a influência do baixo preço do trigo sobre os lucros, de 1815, que

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Ricardo nos oferece um modelo simplificado da economia, onde nos mostra que no cultivo de um único produto, por exemplo um cereal, em uma determinada área de terra, a colheita anual é repartida entre salário/alimento para a mão-de­obra e capital/semente para o capitalista. Assim, a quantidade de homens que o agricultor pode empregar depende do capital em cereal que ele pode investir. Encontra-se aqui a origem da noção de um Fundo Salarial, uma idéia que Mill e Marx repudiaram mais tarde. Na opinião de Ricardo, esse fundo salarial deveria ser suficien­temente grande para com ele se poder pagar a ca­da homem um salário convencionado.

A Lei de Say, desenvolvida pelo francês Jean Baptiste Say (1767-1832), que formulava a noção de que a oferta cria a sua própria procura, propor­cionou a Ricardo e aos economistas clássicos a principal defesa contra a opinião de que o sistema capitalista tendia para a superprodução. Aqueles que sustentavam este ponto de vista, como Malthus e Marx, poucos progressos conseguiram fazer contra a ortodoxia da tradição ricardiana. Somente um século depois, com a depressão dos anos 30 é que os economistas se viram forçados a considerar novamente esta questão.

As conclusões de Ricardo resultaram de al­guns princípios abstratos, e as lições políticas que delas se extraíram serviram aos radicais para ata­carem a classe proprietária como sendo um fardo econômico desnecessário, e que onerava a riqueza da sociedade. Qualquer defesa desta classe teria, no futuro, de usar a mesma rigorosa análise de que se serviu Ricardo.

Thomas Malthus

O primeiro <?.mais destacado crítico de Ricardo foi seu contemporâneo, o economista e clérigo inglês Thomas Robert Malthus (1766-1834). A sua mais famosa obra An essay on the principle of population (Ensaio sobre o princípio da popu­lação), publicada em 1798, descreve que a produ­ção de alimentos cresce em uma progressão aritmética e a população tenderia crescer à base de uma progressão geométrica, o que ao longo

do tempo poderia redundar em pobreza e fome generalizada.

Segundo Malthus, Ricardo havia cometido um grande erro, pois não havia notado que o seu modelo de sistema capitalista, que apresentava vários erros fatais, estava altamente dependente daquela mesma aristocracia que ele tanto se em­penhava em atacar. As investigações de Malthus incidiam mais sobre a pobreza das nações do que • sobre a sua riqueza. Era um ataque explícito ao radicalismo que decorria da teoria econômica de Ricardo.

O Princípio da População de Malthus dominou a teoria econômica até muito depois de terem si­do esquecidos os seus outros trabalhos sobre o mesmo assunto. A sua influência alastrou-se para muito além da própria ciência econômica - dizem que seu trabalho influenciou a teoria da evolução de Darwin- tornando-se um dos pilares do pen­samento da era vitoriana. A população tende a aumentar a um ritmo mais rápido do que os ali­mentos, levando conseqüentemente os indivíduos à pobreza e à fome. Segundo Malthus, este princí­pio atinge unicamente a população trabalhadora; os capitalistas e proprietários não estão sujeitos às mesmas tendências.

A teoria malthusiana proporcionou uma di­versidade de argumentos. Deu uma justificativa econômica a uma classe social que era totalmente improdutiva. Mostrou que o capitalismo, tal co­mo fora concebido por Smith e Ricardo, não é um sistema auto-regulável. Contudo, afirmou também que qualquer tentativa destinada a in­tervir com o mecanismo do mercado, no intuito de dominar essa instabilidade, está condenada ao fracasso, uma vez que o princípio da população inviabiliza todas as tentativas de o controlar. E foi contra as idéias de Malthus que autores como Mill e Marx orientaram seus esforços.

John Stuart Mill

O filósofo e economista inglês John Stuart Mill (1806-1873), autor de Principles of political econo­my with some of their applications to social philosophy (Princípios de economia política com algumas de

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suas aplicações à filosofia social), publicado em 1848, esforçou-se para domesticar o sistema capi­talista traçado pela ciência econômica clássica. Partindo das teses de Malthus e Ricardo, desen­volveu os modelos até muito além do que Ricardo teria aceitado, e introduziu-lhes tantas idéias origi­nais que os transformou em um modelo próprio.

Sua obra, tida como um dos mais prestigiosos compêndios de ciência econômica do século XIX, andou nas mãos dos estudantes da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos desde a sua publicação até o final do século. Mill procurou conjugar uma diversidade de idéias de Smith, Ricardo, Say e Malthus com sentimentos radicais favoráveis a uma distribuição mais eqüitativa da riqueza. Muitos acharam esse projeto impossível e viam em Mill um radical na luta contra uma tradição econômica conservadora e antiquada.

Mill considerava-se um discípulo de Ricardo. Mas, embora partisse de premissas ricardianas, levou aquele sistema até muito além do que o seu idealizador teria aceitado e introduziu pelo cami­nho tantas idéias originais que o transformou em um sistema seu. Deu novo realce à utilidade, ou ao elemento subjetivo, de preferência. O uso que fez desse conceito foi particularmente importante na sua definição de trabalho produtivo em que inclui a indústria dos serviços ao par com a in­dústria manufatureira.

Deu especial atenção, também, ao equilíbrio entre as forças da oferta e da procura e, em di­versos pontos de seu modelo, Mill inclui esse mecanismo. A sua teoria de juros também foi original, mas os seus principais créditos como economista situam-se, fora do domínio da dis­tribuição e do valor, na esfera do comércio inter­nacional. A distinção que estabeleceu entre a produção e a distribuição deu-lhe a oportunidade de dar ênfase a um~ repartição mais eqüitativa da riqueza produzida pelo trabalho e o capital.

Mill foi menos feliz na tentativa de conciliar este programa de reformas com a sua fé na políti­ca econômica do laissez-faire. A sua principal suges­tão nessa matéria foi a de uma associação entre o capital e o trabalho na forma cooperativa, mas deixou-nos uma análise muito escassa da maneira

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como o sistema iria funcionar na realidade. Ficou para o seu contemporâneo Karl Marx a tarefa de nos fornecer uma reapreciação econômica mais completa das relações entre o capital e o trabalho.

Karl Marx

"Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos. Não tendes nada a perder senão os vossos grilhões". O filósofo e economista alemão Karl Marx (1818-1883), autor de inúmeros artigos e obras, dentre os quais se destaca O capital, cujo primeiro volume veio a público em 1867, forneceu uma completa reavaliação econômica sobre as rela­ções entre o capital e o trabalho.

Karls Marx iniciou suas investigações em matéria de economia política no prosseguimen­to de sua crítica filosófica e social ao capitalismo. A sua economia formava apenas uma parte, mas uma parte muito importante, de uma teoria geral das transformações históricas. Esse inte­resse na dinâmica da evolução econômica era algo novo, e a maior parte de O Capital, a grande obra que ele iniciou em 1859 e na qual conti­nuava ainda a trabalhar em 1883, data da sua morte, consagrou-a a mostrar a origem, desen­volvimento e tendências futuras do capitalismo.

A teoria de Marx baseou-se em dois argu­mentos centrais. O primeiro dizia respeito ao mecanismo através do qual a mais-valia era obti­da do trabalho ao nível da produção. O segundo era uma análise sobre a maneira como a concor­rência e a acumulação afetavam os lucros dos capitalistas ao longo do tempo.

O trabalho necessário exigido para produzir os bens indispensáveis à classe trabalhadora para a sua subsistência, é comprado pelos capitalistas ao nível corrente de salários, que é determinado pe­lo número de desempregados, que competem uns com os outros para conseguir trabalho. Os salários são pagos por determinados períodos de produção, que é determinada pelos interesses capitalistas, e o excesso de valor produzido é pro­priedade dos capitalistas.

Essa mais-valia só pode ser produzida através do trabalho e o capitalista procura sempre au-

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mentá~la. Os capitalistas estão constantemente em concorrência mútua, o que faz com que a taxa de lucro entre eles seja sempre semelhante. Quando um determinado capitalista descobre uma forma de ganhar mais lucro, outros capitalistas se des~ locam para essa mesma atividade, fazendo, assim, com que o lucro fique repartido. A ten~ dência de longo prazo é a de alguns capitalistas se expandirem às custas de outros, verificando~se uma centralização e concentração de capital em torno dos mais privilegiados.

Jevons, Menger e Walras

Nos anos da década de 1870, em vários pon~ tos da Europa se pôde observar o desenvolvimen~ to simultâneo da doutrina da utilidade marginal. Na Grã~Bretanha, o economista da Escola Mar~ ginalista William Stanley Jevons (1835~1882), em sua obra The theory of politicai economy (A teoria da economia política), reuniu todas as análises formuladas pelos economistas clássicos baseadas na utilidade, para desenvolver uma teoria mais abrangente do valor, da troca e da distribuição.

O economista austríaco Carl Menger (1840~ 1921), por sua vez, em sua obra Die grundsdtze der volkswirtschaftslehre (Princípios da economia política), desenvolveu uma teoria subjetiva do valor, ou seja, a teoria da utilidade marginal; este autor deixou, também, importantes contribuições à teoria monetária.

Finalmente, cabe destacar a contribuição de Marie~Ésprit Léon Walras (1834~1910), economista e engenheiro francês, professor de Economia Políti~ ca em Lausanne, tido como um dos fundadores da teoria da utilidade marginal e da economia matemática. Independentemente de Jevons e Menger, Walras enunciou a doutrina da utilidade marginal em súa obra Éléments d'économie politique pure (Elementos de economia política pura).

Alfred Marshall

Alfred Marshall (184 2~ 1924) chegou também às mesmas idéias, mas somente as publicou após tê~las integrado na sua teoria econômica geral.

Em sua obra Principies of economics (Princípios de economia), Marshall apresentou alternativas ao sistema clássico no mundo anglo~saxão, que se constituiu na base da moderna ciência econômi~ ca, com seus conceitos de oferta e procura, e o destaque dado à percepção que os indivíduos têm sobre a utilidade. Afirmou que as forças da oferta e da procura é que determinam a quantidade e o preço dos bens a serem oferecidos ao mercado.

Destacou ainda que a oferta é determinada pelas empresas, em concorrência umas com as outras, com o objetivo de tentarem maximizar os lucros. E que a procura é constituída por con~ sumidores que decidem como vão empregar seus rendimentos de forma a maximizar a sua utili~

dade. A lei de Say continua a garantir que não haja uma acumulação geral de mercadoria ofere~ cida para a qual não se encontre procura.

Se houver um excesso de oferta de qualquer produto em particular, o seu preço baixará, fazen~ do com que o fabricante suspenda a sua pro~ dução, despedindo trabalhadores que irão, por sua vez, contribuir para uma queda nos salários. Assim, outras empresas encontrarão atrativos em contratar trabalhadores para expandirem as suas linhas de produção.

Esta teoria desenvolvida por Marshall, quan~ to à importância atribuída aos consumidores e às empresas, forneceu pouca contribuição para explicar o que ocorria àquela época. Sem dúvi~ da, estas lacunas e a correlação das mesmas com as amplas questões de política monetária, de intervenções do governo e do nível de em~ prego ficaram a cargo de Keynes.

John Maynard Keynes

Com a afirmação de que Marshall teria razão se o sistema estivesse em equilíbrio, o mais céle~ bre economista inglês, John Maynard Keynes (1883~1946), salientava que isso era apenas uma possibilidade. Dessa forma, Keynes atacou duas doutrinas sustentadas por Marshall e pela escola clássica. A primeira dizia respeito à impossibili~ dade de uma superprodução ou de uma saturação do mercado; quanto mais gastassem os homens

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de negócios na contratação de mão-de-obra e na aquisição de matérias-primas, para a produção, maior seria a soma de dinheiro na demanda dos produtos acabados que saíssem de suas fábricas. A segunda doutrina que atacou foi a noção de que todo o desemprego seria involuntário, visto estar sempre ao alcance dos trabalhadores a obtenção de emprego, mediante a aceitação de salários mais baixos.

Keynes concentrou a sua análise no compor­tamento dos homens de negócios. Estes propor­cionam emprego e rendimentos sob a forma de salários, juros ao capital e rendas, e esperam vender os seus produtos a preços que cubram to­dos os seus custos e incluam o lucro normal. As­sim, a soma de empregos que eles estão dispostos a oferecer é precisamente igual ao volume de vendas que esperam realizar, de modo que a economia pode achar-se equilibrada em qualquer ponto entre zero e o pleno emprego. Uma re­dução geral dos salários não estimularia mais em­prego. Um único empresário poderia contratar mais trabalhadores como resultado de ter maiores lucros ou por pagar salários mais baixos, mas, se todos os trabalhadores aceitassem um corte nos salários, isso reduziria simplesmente a procura agregada de bens e arrastaria, portanto, a econo­mia para um nível de equilíbrio ainda mais baixo do emprego e da atividade. Keynes rejeitou tam­bém a idéia de que as taxas de juros pudessem fornecer um mecanismo ajustador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Augusto Guzzo Revista Acadêmica

Encarou, em vez disso, as ações do governo destinadas a elevar o nível do rendimento na­cional através de programas de obras públicas. Somente o Estado teria uma perspectiva geral e a longo prazo da economia, assim como também o poder de influenciar a atividade econômica em uma base de vantagem social geral.

Assim, em sua principal obra The general theory of employment, interest and money (A teoria geral do emprego, do juro e da moeda), publica­do em 1936, Keynes contestou o conjunto de dog­mas sobre os quais repousava o marginalismo.

Conclusão

Voltando ao presente e a nossa realidade: se o governo enchesse garrafas vazias de dinheiro, as enterrasse a profundidades convenientes em poços de petróleo abandonados, cobrisse-os de lixo das cidades e deixasse a iniciativa priva­da desenterrar as garrafas, então não mais have­ria desemprego. Com a ajuda das repercussões, o rendimento real da comunidade e a sua riqueza em capital tornar-se-iam provavelmente bastante maiores do que são hoje.

Seria, sem dúvida, mais razoável construir casas e outras coisas do gênero, mas como exis­tem dificuldades políticas e práticas nesse senti­do, a solução acima indicada seria melhor do que não fazer coisa alguma. Será que Keynes já a sua época estava vislumbrando o futuro?

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