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Rua Bahia, 1282 - Higienópolis - CEP.: 01244-001 - São Paulo/SP - Fone/Fax: 11 3665-6445 OS “PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS”: ANOTAÇÕES À MARGEM DE LOURIVAL VILANOVA. Tárek Moysés Moussallem 1 Yuri de Oliveira Dantas Silva 2 Premissas O direito positivo se manifesta mediante linguagem. Linguagem na função prescritiva de condutas humanas. Por ser um conjunto de enunciados prescritivos a Lógica se afigura como potente ferramenta para análise das unidades deônticas de significação. Para os fins deste trabalho, “norma jurídica” será todo juízo construído pelo intérprete a partir dos enunciados prescritivos, sempre na estrutura do condicional, cujos referentes semânticos são as condutas humanas juridicamente relevantes. Para ficarmos apenas com as estruturas e operarmos tão-somente com os símbolos lógicos, a norma jurídica possui o seguinte arquétipo: D(pq) v (-pr). Antes do disjuntor “v” temos a parte primária, e após, a parte secundária, sendo que em ambas há o vínculo implicacional “se...então”, traduzidos em uma hipótese (“se....”) e uma consequência (“então....”). Da fórmula da norma jurídica concebemos a estrutura da relação jurídica. A “relação jurídica” é composta por dois termos-sujeitos e um functor relacional. O functor relacional tem a função de vincular os dois termos-sujeitos e é uma variável relacional, podendo ser modalizada nas três modalidades deônticas: proibido, permitido, obrigatório. A relação jurídico-processual, antes de ser processual é jurídica e possui o mesmo arquétipo, pois vincula sujeitos com direitos (rights) e deveres recíprocos. Para fins deste escrito, o símbolo “processo” será utilizado no sentido de relação jurídico- 1 Professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre e Doutor pela PUC/SP. 2 Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo.

OS “PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS ... - ibet.com.br · Rua Bahia, 1282 - Higienópolis - CEP.: 01244-001 - São Paulo/SP - Fone/Fax: 11 3665-6445 OS “PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS”: ANOTAÇÕES

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OS “PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS”: ANOTAÇÕES À MARGEM DE

LOURIVAL VILANOVA.

Tárek Moysés Moussallem1

Yuri de Oliveira Dantas Silva2

Premissas

O direito positivo se manifesta mediante linguagem. Linguagem na função

prescritiva de condutas humanas. Por ser um conjunto de enunciados prescritivos a

Lógica se afigura como potente ferramenta para análise das unidades deônticas de

significação.

Para os fins deste trabalho, “norma jurídica” será todo juízo construído pelo

intérprete a partir dos enunciados prescritivos, sempre na estrutura do condicional, cujos

referentes semânticos são as condutas humanas juridicamente relevantes.

Para ficarmos apenas com as estruturas e operarmos tão-somente com os

símbolos lógicos, a norma jurídica possui o seguinte arquétipo: D(pq) v (-pr).

Antes do disjuntor “v” temos a parte primária, e após, a parte secundária, sendo que em

ambas há o vínculo implicacional “se...então”, traduzidos em uma hipótese (“se....”) e

uma consequência (“então....”).

Da fórmula da norma jurídica concebemos a estrutura da relação jurídica. A

“relação jurídica” é composta por dois termos-sujeitos e um functor relacional. O

functor relacional tem a função de vincular os dois termos-sujeitos e é uma variável

relacional, podendo ser modalizada nas três modalidades deônticas: proibido, permitido,

obrigatório.

A relação jurídico-processual, antes de ser processual é jurídica e possui o

mesmo arquétipo, pois vincula sujeitos com direitos (rights) e deveres recíprocos. Para

fins deste escrito, o símbolo “processo” será utilizado no sentido de relação jurídico-

1 Professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre e Doutor pela PUC/SP.

2 Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo.

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processual com o intuito de determinar quais são os pressupostos para a constituição das

relações jurídico processuais.

I - Aspectos do conhecimento

Quatro elementos compõem o ato de conhecer: I – o sujeito cognoscente, ou

o sujeito que conhece a realidade circundante; II – a intenção de conhecer dirigida à

certa realidade; III – o objeto, aquilo que se pretende desvelar3; IV - a proposição, como

estrutura que declara que o conceito-predicado vale para o conceito-sujeito4

, ou,

proposição assertiva.

Embora haja intrínseca relação entre os mencionados planos, é possível,

mediante ato de abstração, isolar mencionados elementos. O isolamento é ato arbitrário

do sujeito cognoscente consistente, em seu fim, a uma separação temática.

Ao ato de dirigir-se à realidade e abstrair certos elementos por meio da

linguagem, dá-se o nome de corte metodológico. Esse corte suspende (em âmbito

temático) da realidade um dado para fim de estudo. O fato de se cortar X e Y, ou tão-só

Y e não X é algo indiscutível, pois a secção é arbitrária. Admite-se-la ou não. Dessa

forma, o sujeito cognoscente ao segmentar a realidade, constitui o objeto de estudos. E o

faz linguisticamente.

Transpondo tais conceitos ao campo do conhecimento jurídico, o sujeito

cognoscente é o Cientista do Direito; o ato de conhecer é a intenção do cientista

direcionada ao objeto de estudos fixado no presente estudo é o direito positivo (conjunto

de normas jurídicas válidas) e a proposição, por usa vez, é o conjunto de enunciados

descritivos que o sujeito cognoscente emite ao contemplar o seu objeto de estudos.

Atente-se para o fato de que tanto o direito positivo (objeto) quanto a Ciência do Direito

(proposição) são linguisticamente constituídos.

II – A norma jurídica: juízo hipotético condicional

3 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. p. 9. 4 VILANOVA, Lourival. Lógica jurídica. In: _____. Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: IBET,

2003.v.2.

p.158.

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Todo signo é unidade de comunicação que expressa a relação entre três

elementos: suporte físico, significado e significação. O suporte físico é a palavra falada

ou escrita; o significado é o dado do mundo real ou imaginário em sua dúplice dimensão

(conotação - critérios de uso da palavra e denotação - elementos que cabem nos critérios

de uso); e a significação é a noção ou ideia que o suporte físico suscita na mente do

intérprete.

O direito positivo (objeto de conhecimento) apresenta-se em sua concretude

existencial como um plexo de enunciados prescritivos, cujo significado é a conduta

humana e a norma jurídica é a significação, é juízo que o intérprete constrói a partir da

leitura dos textos de direito posto; é o juízo hipotético condicional5. A norma jurídica

surge como fruto de um esquema de interpretação realizado pelo homem para construir

o sentido deôntico do texto do direito positivo6.

Desta feita, não se confundem enunciados prescritivos com normas

jurídicas. Metaforicamente, é como se os enunciados prescritivos fossem peças de um

quebra-cabeça e a norma a imagem formada com a junção dessas peças.

A significação, como juízo que é, apresenta necessariamente uma estrutura

lógica. Dessa maneira, ao se falar em estrutura lógica da norma jurídica, resume-se seu

esquadro em variáveis e constantes lógicas, entes lógicos desprovidos de qualquer

conteúdo. Aplicar as formas lógicas é substituir as variáveis por constantes fáticas, isto

é, por símbolos de valor determinado, referentes a fatos e objetos7. A linguagem técnica

do direito positivo é o suporte material das formas8, cujo isolamento temático, leva à

formalização.

Assim, a norma jurídica apresenta estrutura lógica com composição dual:

norma primária e norma secundária. Para adotar a terminologia de Vilanova e de

Kelsen, trabalharemos norma primária como aquela que estatui direitos e deveres e

5 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.41.

6 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006. p.67.

7 VILANOVA, Lourival . As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 3.ed. São Paulo:

Noeses, 2005. p. 63 8VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 3.ed. São Paulo: Noeses,

2005.p. 25.

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norma secundária como aquela que estabelece as sanções previstas pelo ordenamento

jurídico como consequência ao ilícito praticado. Segundo lições de Vilanova:

“Em cada norma-parte, temos hipótese fática e conseqüência. Na primeira, o

suporte fático é fato natural ou humano (evento/conduta); na segunda, o

suporte fático é a não verificação da conseqüência da primeira norma. [...]

Podemos, em reescritura abstrata, delinear o esquema da norma jurídica

assim: se se dá o fato F, então o sujeito S’ fica em relação R’ com o sujeito

S’’ (norma primária); se S’ não faz ou faz o que devia não fazer ou omitir,

então o sujeito S’’ tem o poder de exigir a observância da conduta devida

perante S’ (relação R’’ na norma secundária)”9

Eis a estrutura simplificada. É uma reconstrução formal do que na

linguagem em que se expressa o direito positivo se apresenta complexo e disperso. Para

apenas trabalharmos com constantes e variáveis, a estrutura da norma jurídica é

representada da seguinte forma:

D(pq) v (-pr)

Antes do disjuntor includente “v”, está a estrutura da norma primária,

depois, a estrutura da norma secundária. Norma de direito material, a primária; norma

de direito processual, a secundária.

Assim, dado certo fato jurídico10

, uma relação jurídica entre S’ e S’’ é

instaurada pela imputação normativa, ou causalidade instituída pelo ordenamento

jurídico; é instaurado um vínculo abstrato segundo o qual S’ possui um direito subjetivo

de exigir de S’’ certa conduta (dar, fazer ou não fazer), ao passo que S’’ possui o dever

jurídico de realizar a conduta. A relação jurídica apresenta-se da seguinte forma:

S’ R’ S’’

Direito subjetivo dever jurídico

O esquema representado graficamente acima vale para todas as relações

jurídicas ao longo da estrutura lógica da norma, ou seja, todos os sujeitos de direito ou

9 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000 p.74.

10 Relato feito por autoridade credenciada pelo sistema jurídico; é enunciado denotativo, ao passo que a

hipótese normativa é enunciado conotativo.

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possuem dever jurídico ou possuem direito subjetivo. O vetor “” que atribui dever ou

direito subjetivo, nunca será neutro (ou inexistente) no interior da estrutura da relação

jurídica.

Negada essa relação jurídica, ou descumprido o consequente da norma

primária, o sujeito S’ adquire com o direito subjetivo, mas, agora, de exigir do Estado-

Juiz (S’’’) o cumprimento da obrigação jurídico tributária. Eis o consequente da norma

secundária onde o Estado juiz possui o poder-dever de cobrar a prestação do sujeito

inadimplente.

Assim, a negativa da relação jurídica primária consubtancia-se como

condição exclusiva da atividade sancionatória do Estado-Juiz. Eis aí a genuína condição

da ação em termos processuais: a existência da lide in status asserciones.

III – A relação processual: movimentação da norma secundária

Como exposto mais acima, em reescritura reduzida, num corte simplificado

e abstrato, a norma jurídica apresenta composição dual: norma primária e norma

secundária. Aquela é norma de direito material, essa, de direito processual. O objeto do

presente tópico é a análise da norma secundária, ou norma sancionadora.

Tanto a norma primária como a norma secundária são dotadas de estrutura

implicacional: “se H deve-ser C”. Isso equivale a dizer que ambas possuem uma

hipótese e uma consequência, de maneira que, dada a hipótese, deve ser a consequência,

eis a causalidade que o ordenamento institui, a qual Kelsen chama imputação normativa.

Dessa maneira, o pressuposto de existência da norma secundária é a

negativa (ilícito jurídico) do consequente da norma primária. Uma relação de direito

material descumprida é o pressuposto suficiente e necessário para a existência da norma

secundária. A esse descumprimento da relação de direito material (ou substantivo), dá-

se o nome de antecedente da norma secundária.

Como assevera Vilanova:

“A uma relação jurídica material R, entre A e B, sucede outra relação jurídica

forma (processual) entre A e C (órgão C que concentrou o emprego da

coação) e entre C e B. Figuradamente, se a relação material era horizontal,

unilinear, a relação formal fez-se angular: não se desenvolve linearmente de

A para B, pois conflui em C. Perfaz-se outra relação R’.”

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A mencionada relação R’ é composta por duas relações processuais: o

exercício de direito de ação e o exercício do direito de contradição. Termo comum dessa

dúplice relação processual é o órgão jurisdicional11

. Assim, o processo é uma série

ordenada de relações processuais.

Cumpre chamar a atenção para o fato que a norma secundária pode ou não

ficar à disposição do sujeito titular ativo na relação material. Nos direitos subjetivos

privados cabe ao legitimado pôr em movimento a norma secundária; nos direitos

subjetivos de exercício obrigatório, o titular não pode deixar de exercer o seu dever de

movimentar a norma secundária, pois é obrigatório. Basta pensar nos casos em que o

Ministério Público deve propor a ação penal pública incondicionada, devido à

importância do bem jurídico lesado.

Para pôr em movimento a norma secundária, o sujeito ativo reveste-se de

capacidade processual12

para tanto, da mesma forma o sujeito passivo reveste-se da

capacidade processual para se opor à pretensão do sujeito ativo. Ambas as qualificações

apenas existem em virtude da incidência da norma processual.

Dessa maneira, ao direito de ação contrapõe-se o direito de defesa. Tanto no

exercício de um, como no exercício de outro, ambos os sujeitos dirigem-se ao Estado-

juiz, com este constituindo relação processual.

O pedido e a causa de pedir contidos na ação demarcam o campo de

incidência da prestação jurisdicional, não podendo o mesmo ser ampliado. Esses

contornos criados pelo sujeito ativo demarcam o limite da atuação jurisdicional.

Quando o sujeito ativo ingressa com uma ação contra o Estado-Juiz13

, a

relação de direito processual se dá apenas entre os dois termos. Nesse caso,

inegavelmente formou-se uma relação jurídico processual. O Estado-Juiz pode vir a

11

VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000 p.189. 12

Neste ponto é relevante assinalar que antes de ser sujeito-de-direito em relação processual, é-se sujeito

de direito. Tanto o sujeito-de-direito como o sujeito-de-direito processual são efeito da incidência da

norma sobre um suporte fático. Mas o sujeito-de-direito processual será o efeito da incidência da norma

de direito processual. O sujeito é criado por incidência de norma jurídica sobre o dado-de-fato. 13

Quando se movimenta a norma secundária não há mais relação entre S’ e S’’. A ação é proposta

perante o Estado-Juiz porque a conduta esperada (dar, fazer, não-fazer) é requerida ao Judiciário para que

este, dotado do Poder de sancionar, assim proceda ante o sujeito passivo. “O exercício do direitosubjetivo

de ação não tem como destinatário o sujeito passivo da relação. Dirige-se ao Estado, mediante seu órgão

julgador.” (VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000. p. 204)

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extinguir o processo sem resolução do mérito sem sequer realizar a citação. Não

pensamos que sequer há relação processual nesse caso. Há, sim. Ocorre que não é uma

relação processual que abarcou o réu, pois o sujeito passivo não a integrou. Nessa linha,

explicita Vilanova:

“Mesmo que o órgão jurisdicional rechaça a demanda, por não dispor o

proponente de pretensão de direito material, há ação válida. Ainda mesmo na

hipótese de não entrar na questão de fundo, no mérito, relação jurídico-

processual se deu.”14

Assim, mesmo nos casos em que o sujeito-de-direito, descrito na petição

inicial sequer chega a ser citado para integrar a relação jurídico processual dita triádica,

há ação judicial, há incidência de normas processuais.

IV – O “processo” e as “condições da ação”: alvo de confusões semânticas

disfarçadas como problemas científicos.

Os juristas são experts em alçar um vacilo linguístico em um problema

(pseudo) jurídico-científico. Muitos debates ditos estéreis poderiam ser evitados se

prévios ajustes linguísticos fossem realizados. A ausência desse pacto semântico

anterior (Rudolf Carnap) causa imediata ou mediatamente confusões acacianas. É

justamente o que ocorre com as expressões “processo” e “condições da ação”, tratadas

pela tradicional doutrina do Processo: necessitam de prévia estipulação dos seus

critérios de uso.

O símbolo “processo” carece de univocidade na Ciência do Processo Civil

(e também no Código de Processo Civil). Cabe lembrar, aqui, que uma das tarefas do

cientista, qualquer que seja a sua área de atuação, é reduzir complexidades ligadas ao

seu objeto-formal de estudos. Para reduzir as complexidades, o cientista se vale do

linguajar inerente a sua área científica. O uso de termos específicos reduz a vaguidade, a

ambiguidade e a carga emotiva, mas não os elimina. Eis uma característica marcante do

saber científico: a sua linguagem é mais esmerada que a linguagem técnica e natural.

14

VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. p. 202.

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Em apertada síntese e retomando pontos já assentes: o cientista realiza a

secção epistemológica para constituir o seu objeto-formal de estudos. Assim ocorre em

todas as ciências. Feito o corte epistemológico, cabe ao cientista descrever aquela

parcela da realidade. Ele o faz por meio de linguagem científica. Ao realizar essa tarefa,

o cientista procura, ao máximo, usar a precisão em sua linguagem descritiva.

Esses pequenos parágrafos foram expostos para elucidarmos que a partir de

uma análise da Ciência Processual Civil, não há univocidade ao se usar o símbolo

“processo”. Apenas para ficarmos com estes, “processo” é usado nas seguintes

acepções: (i) autos processuais; (ii) procedimento; (iii) normas de direito processual;

(iv) ação processual; (v) relação jurídica entre autor e Estado-Juiz; (vi) relação jurídica

entre réu e Estado-Juiz; (vii) relação entre autor e Estado-Juiz e relação entre réu e

Estado-Juiz.

A falta de um sentido único a ser atribuído ao “processo” é cara ao

desenvolvimento do estudo do Processo Civil. As acepções de (i) a (iv) serão, por nós,

descartadas dos critérios de uso do símbolo “processo”. Mas é possível atribuir os

outros três sentidos ao símbolo “processo”, pois em todos os casos há incidência de

normas processuais. Assim, “processo” será trabalhado como relação jurídica

processual.

A relação jurídico processual possui três espectros de análise, a saber: (i)

relação jurídica processual entre autor e Estado-Juiz; (ii) relação jurídica processual

entre réu e Estado-Juiz; (iii) relação jurídica processual entre autor e Estado-Juiz e

relação jurídica processual entre réu e Estado-Juiz. As três expressões pertencem à

classe “relação jurídico processual”.

No presente artigo o símbolo “processo” terá uma das três acepções acima,

mas devidamente explicitadas quando forem usadas. Assim, “processo” é relação

jurídico processual, seja R(A,B); R(B,C); ou R(A,B,C). Eis o sentido da palavra

“processo” a ser debuxado neste trabalho.

No que tange às “condições da ação”, cumpre ressaltar que no antigo CPC

as condições eram: legitimidade, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.

Com o novo CPC o requisito “possibilidade jurídica do pedido” não mais existe,

restando tão-somente dois requisitos, quais sejam, a legitimidade e o interesse de agir.

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A pergunta prévia que deve ser formulada é: que é ação? De posse da

definição do conceito, o manuseio com as condições da ação ficará muito mais simples.

O Processo Civil trabalha “ação” como (i) relação jurídica processual, como (ii)

julgamento de mérito, como (iii) pedido procedente, como (iv) conjunto de autos

processuais, como (v) provocação do Estado-Juiz, para ficarmos com estes sentidos. A

depender da adoção de cada um desses conceitos, as condições da ação,

consequentemente, alterar-se-ão.

A título de exemplo: se tomarmos “ação” como “provocação do Estado-

Juiz”, as condições para o seu acontecimento é o mero protocolo da petição inicial. O

protocolo é ato suficiente a ensejar a manifestação do Estado-Juiz.

Já se tomarmos “ação” como “julgamento de mérito”, a pergunta “quais as

condições da ação?”, pode ser reformulada nos seguintes termos: “quais são as

condições para que o Estado-Juiz aprecie o mérito da demanda?”. Eis o sentido de

“ação” adotado aqui.

Apenas neste sentido é que as condições “legitimidade” e “interesse de agir”

se encaixam. Assim, nomeamos este sentido de “ação-mérito” e a mera provocação do

Estado-Juiz por meio de petição inicial como “ação-provocação”.

Feitas essas advertências preliminares, ingressamos no ponto central do

artigo.

V - Análise dos pressupostos processuais: um enfoque analítico

Passemos, agora, à análise dos pressupostos processuais. A pergunta “quais

são os pressupostos processuais?” dentro da premissa construída ao longo do trabalho

pode ser assim feita, sem que perca o seu sentido: “o que se supõe pré-existente à

relação jurídica processual?”.

Mas antes de entrar no tema convém observar que apesar do Novo Código

de Processo Civil ter sido aprovado, o tema, da maneira como é tratado no presente

trabalho, sob seu aspecto formal, não sofre qualquer alteração.

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A doutrina processual civil, com alguma variação, arrola três espécies de

pressupostos processuais15

: os de existência, os de validade e os negativos. Os

pressupostos processuais de existência são: petição inicial, jurisdição e citação. Os

pressupostos processuais de validade são: petição inicial apta, órgão jurisdicional

competente e capacidade. Os pressupostos processuais negativos são: litispendência,

coisa julgada, perempção e convenção de arbitragem.

Segundo a doutrina processual civil, os pressupostos processuais de

existência são necessários para se formar relação jurídico processual; os pressupostos

processuais de validade devem estar presentes para que essa relação não possua nenhum

vício ao longo de sua existência; os pressupostos processuais negativos devem estar

ausentes, pois a sua existência prejudica o prosseguimento da relação jurídico

processual.

Em linhas gerais, sem demonstrar as discordâncias entre os processualistas

civis, este é o pensamento geral acerca dos pressupostos processuais.

Mas não pensamos que tal quadro de pressupostos processuais deva ser

exaustivo a esse ponto. Ou seja, não nos parece que todos esses pressupostos sejam

necessários para a existência da relação jurídico processual. Retomando o dito acima:

relação jurídica processual comporta três espécies: R(A,B); R(B,C); ou R(A,B,C). E o

que deve ser pressuposto para que elas existam?

Cada espécie de relação jurídica processual terá seus próprios pressupostos,

sendo que “jurisdição” é o pressuposto comum a todas as relações mencionadas adiante,

pois só se pode falar em relação jurídico processual com a figura do Estado-Juiz.

Em R(A,B), para que essa relação exista, é necessário tão-somente a petição

inicial direcionada ao Estado-Juiz16

. A existência desse ato processual é suficiente para

que se estabeleça o vínculo com o Estado-Juiz, de maneira que mesmo com a extinção

do processo sem julgamento de mérito, houve relação jurídico processual entre autor e

Estado-Juiz.

15

Os mencionados pressupostos estão elencados na obra “WAMBIER, Luiz R.;TALAMINI, Eduardo.;

ALMEIDA, Flávio R.Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. v.1. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.247.” 16

Neste sentido: “ARRUDA ALVIM, José M. Manual de Direito Processual Civil. 11.ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007. p. 476.

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No que toca à relação R(B,C), a citação é o elemento necessário. Com a

citação de “C”, há nova relação jurídico processual. Antes da citação inexiste relação

entre o “réu” e o Estado-Juiz. E esse ato sequer é necessário para que o Estado-Juiz

expeça norma individual e concreta, vide o art. 33217

do Novo CPC.

Para que exista a relação jurídica processual triádica, R(A,B,C), os

pressupostos de sua existência são: petição inicial apta e citação. A petição inicial deve

ser apta porque caso seja inepta, o juiz intimará o autor para emendá-la ou indeferirá o

pedido. Se for emendada e obedecer à forma prevista no CPC, o réu será citado.

Desta feita, arrolamos tão-somente três pressupostos para a existência da

relação jurídica processual triádica: jurisdição, petição inicial apta e citação. Assim, o

fato processual condição para a existência da relação jurídico processual mencionada, é

a citação.

A doutrina processual civil aponta todos os pressupostos como condições à

análise do mérito da demanda. Para que a relação processual exista/seja válida, esses

três serão os elementos suficientes e necessários.

Assim, entendemos que não há relação jurídica processual irregular. Ou ela

existe e é válida, ou não existe/inválida. A relação jurídica processual apenas será

inválida quando uma norma neste sentido for editada. A (ir)regularidade deôntica da

relação jurídica processual é predicado que apenas pode ser conferido através de ato de

fala do juiz.

17

Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu,

julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em

julgamento de recursos repetitivos;

III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de

competência;

IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

§ 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a

ocorrência de decadência ou de prescrição.

§ 2o Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art.

241.

§ 3o Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias.

§ 4o Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação

do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo

de 15 (quinze) dias.

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VI – As relações jurídico processuais que não preenchem os “pressupostos

processuais”: a sua desconstituição ou o momento em que se “declara” a sua

invalidade

O termo em comum em todas as relações acima mencionadas é o Estado-

Juiz. A função deste sempre será a de expedir uma norma jurídica, seja para extinguir a

relação R(A,B), seja para julgar o mérito - que pode ocorrer em R(A,B) e em R(A,B,C)

-, seja para intimar algum sujeito para produzir prova.

O Estado-Juiz, ao expedir a norma individual e concreta, por meio do

veículo introdutor de normas denominado sentença, inova o ordenamento, com as

normas de maior concretude que estão no patamar mais baixo da hierarquia normativa.

Ao pertencer ao ordenamento, essa norma individual e concreta é válida.

Dessa feita, a norma jurídica concreta e individual, mesmo que criada por juiz

absolutamente incompetente, parcial, sem observância à litispendência, à coisa julgada

ou outro pressuposto processual que não seja a petição inicial, jurisdição e citação,

permanece válida no sistema gerando seus efeitos e regulando condutas específicas.

Assim, enquanto essa norma estiver no sistema, a relação jurídica constituída por essa

norma individual e concreta é “válida”18

, logo, tem força obrigatória.

É apenas por outra norma jurídica que aqueloutra constituída de maneira

irregular sai do sistema. Seu vínculo de pertinência com o sistema jurídico só pode ser

quebrado por outra norma jurídica que diga que não há mais esse vínculo. É ato de fala

deôntico expulsando do sistema outro ato de fala deôntico (tido como irregular).

Pensemos no exemplo extremo: a querela nullitatis. A mencionada ação é

usada em caráter excepcionalíssimo contra sentença irregular. A concordância entre os

estudiosos do assunto é que se não houver citação válida e a sentença mesmo assim for

proferida, não obstante a mesma estar revestida pela coisa julgada material, é oponível a

querela, pois o mencionado ato é imprescritível.

Ocorre que antes da ação ser oposta contra a mencionada sentença, essa

permanece válida como qualquer outra norma, pois pertence ao sistema. Ou seja, não

18

A expressão foi posta em parêntesis porque há redundância, uma vez que toda a norma jurídica é

válida. Se não o for, não é norma jurídica.

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houve o pressuposto processual “citação válida” e mesmo assim houve relação

processual entre autor e Estado-juiz.

O exposto serve para elucidar que, mesmo que uma sentença seja prolatada

sem observância aos pressupostos processuais, há, sim, processo (relação jurídico

processual) bem como há norma jurídica expedida por agente credenciado pelo sistema

jurídico.

Desta feita, apenas norma jurídica retira norma jurídica do sistema. Em

outros termos: se uma sentença for proferida sem observância aos pressupostos

processuais, ela não será inexistente, nem se pode dizer que não houve processo até que

outra norma a retire do sistema.

REFERÊNCIAS

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Revista dos Tribunais, 2007.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. Ed. São Paulo:

Saraiva, 2010.

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 3.ed.

São Paulo: Noeses, 2005

_______. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000.

_______. Lógica jurídica. In: _____. Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: IBET,

2003.v.2.

MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo:

Noeses, 2006.

SANTI, Eurico. Lançamento tributário. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 1999.

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WAMBIER, Luiz R.;TALAMINI, Eduardo.; ALMEIDA, Flávio R. Curso Avançado

de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v.1. 10. Ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.