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Rua Bahia, 1282 - Higienópolis - CEP.: 01244-001 - São Paulo/SP - Fone/Fax: 11 3665-6445
OS “PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS”: ANOTAÇÕES À MARGEM DE
LOURIVAL VILANOVA.
Tárek Moysés Moussallem1
Yuri de Oliveira Dantas Silva2
Premissas
O direito positivo se manifesta mediante linguagem. Linguagem na função
prescritiva de condutas humanas. Por ser um conjunto de enunciados prescritivos a
Lógica se afigura como potente ferramenta para análise das unidades deônticas de
significação.
Para os fins deste trabalho, “norma jurídica” será todo juízo construído pelo
intérprete a partir dos enunciados prescritivos, sempre na estrutura do condicional, cujos
referentes semânticos são as condutas humanas juridicamente relevantes.
Para ficarmos apenas com as estruturas e operarmos tão-somente com os
símbolos lógicos, a norma jurídica possui o seguinte arquétipo: D(pq) v (-pr).
Antes do disjuntor “v” temos a parte primária, e após, a parte secundária, sendo que em
ambas há o vínculo implicacional “se...então”, traduzidos em uma hipótese (“se....”) e
uma consequência (“então....”).
Da fórmula da norma jurídica concebemos a estrutura da relação jurídica. A
“relação jurídica” é composta por dois termos-sujeitos e um functor relacional. O
functor relacional tem a função de vincular os dois termos-sujeitos e é uma variável
relacional, podendo ser modalizada nas três modalidades deônticas: proibido, permitido,
obrigatório.
A relação jurídico-processual, antes de ser processual é jurídica e possui o
mesmo arquétipo, pois vincula sujeitos com direitos (rights) e deveres recíprocos. Para
fins deste escrito, o símbolo “processo” será utilizado no sentido de relação jurídico-
1 Professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre e Doutor pela PUC/SP.
2 Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo.
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processual com o intuito de determinar quais são os pressupostos para a constituição das
relações jurídico processuais.
I - Aspectos do conhecimento
Quatro elementos compõem o ato de conhecer: I – o sujeito cognoscente, ou
o sujeito que conhece a realidade circundante; II – a intenção de conhecer dirigida à
certa realidade; III – o objeto, aquilo que se pretende desvelar3; IV - a proposição, como
estrutura que declara que o conceito-predicado vale para o conceito-sujeito4
, ou,
proposição assertiva.
Embora haja intrínseca relação entre os mencionados planos, é possível,
mediante ato de abstração, isolar mencionados elementos. O isolamento é ato arbitrário
do sujeito cognoscente consistente, em seu fim, a uma separação temática.
Ao ato de dirigir-se à realidade e abstrair certos elementos por meio da
linguagem, dá-se o nome de corte metodológico. Esse corte suspende (em âmbito
temático) da realidade um dado para fim de estudo. O fato de se cortar X e Y, ou tão-só
Y e não X é algo indiscutível, pois a secção é arbitrária. Admite-se-la ou não. Dessa
forma, o sujeito cognoscente ao segmentar a realidade, constitui o objeto de estudos. E o
faz linguisticamente.
Transpondo tais conceitos ao campo do conhecimento jurídico, o sujeito
cognoscente é o Cientista do Direito; o ato de conhecer é a intenção do cientista
direcionada ao objeto de estudos fixado no presente estudo é o direito positivo (conjunto
de normas jurídicas válidas) e a proposição, por usa vez, é o conjunto de enunciados
descritivos que o sujeito cognoscente emite ao contemplar o seu objeto de estudos.
Atente-se para o fato de que tanto o direito positivo (objeto) quanto a Ciência do Direito
(proposição) são linguisticamente constituídos.
II – A norma jurídica: juízo hipotético condicional
3 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 9. 4 VILANOVA, Lourival. Lógica jurídica. In: _____. Escritos jurídicos e filosóficos. São Paulo: IBET,
2003.v.2.
p.158.
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Todo signo é unidade de comunicação que expressa a relação entre três
elementos: suporte físico, significado e significação. O suporte físico é a palavra falada
ou escrita; o significado é o dado do mundo real ou imaginário em sua dúplice dimensão
(conotação - critérios de uso da palavra e denotação - elementos que cabem nos critérios
de uso); e a significação é a noção ou ideia que o suporte físico suscita na mente do
intérprete.
O direito positivo (objeto de conhecimento) apresenta-se em sua concretude
existencial como um plexo de enunciados prescritivos, cujo significado é a conduta
humana e a norma jurídica é a significação, é juízo que o intérprete constrói a partir da
leitura dos textos de direito posto; é o juízo hipotético condicional5. A norma jurídica
surge como fruto de um esquema de interpretação realizado pelo homem para construir
o sentido deôntico do texto do direito positivo6.
Desta feita, não se confundem enunciados prescritivos com normas
jurídicas. Metaforicamente, é como se os enunciados prescritivos fossem peças de um
quebra-cabeça e a norma a imagem formada com a junção dessas peças.
A significação, como juízo que é, apresenta necessariamente uma estrutura
lógica. Dessa maneira, ao se falar em estrutura lógica da norma jurídica, resume-se seu
esquadro em variáveis e constantes lógicas, entes lógicos desprovidos de qualquer
conteúdo. Aplicar as formas lógicas é substituir as variáveis por constantes fáticas, isto
é, por símbolos de valor determinado, referentes a fatos e objetos7. A linguagem técnica
do direito positivo é o suporte material das formas8, cujo isolamento temático, leva à
formalização.
Assim, a norma jurídica apresenta estrutura lógica com composição dual:
norma primária e norma secundária. Para adotar a terminologia de Vilanova e de
Kelsen, trabalharemos norma primária como aquela que estatui direitos e deveres e
5 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.41.
6 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006. p.67.
7 VILANOVA, Lourival . As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 3.ed. São Paulo:
Noeses, 2005. p. 63 8VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 3.ed. São Paulo: Noeses,
2005.p. 25.
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norma secundária como aquela que estabelece as sanções previstas pelo ordenamento
jurídico como consequência ao ilícito praticado. Segundo lições de Vilanova:
“Em cada norma-parte, temos hipótese fática e conseqüência. Na primeira, o
suporte fático é fato natural ou humano (evento/conduta); na segunda, o
suporte fático é a não verificação da conseqüência da primeira norma. [...]
Podemos, em reescritura abstrata, delinear o esquema da norma jurídica
assim: se se dá o fato F, então o sujeito S’ fica em relação R’ com o sujeito
S’’ (norma primária); se S’ não faz ou faz o que devia não fazer ou omitir,
então o sujeito S’’ tem o poder de exigir a observância da conduta devida
perante S’ (relação R’’ na norma secundária)”9
Eis a estrutura simplificada. É uma reconstrução formal do que na
linguagem em que se expressa o direito positivo se apresenta complexo e disperso. Para
apenas trabalharmos com constantes e variáveis, a estrutura da norma jurídica é
representada da seguinte forma:
D(pq) v (-pr)
Antes do disjuntor includente “v”, está a estrutura da norma primária,
depois, a estrutura da norma secundária. Norma de direito material, a primária; norma
de direito processual, a secundária.
Assim, dado certo fato jurídico10
, uma relação jurídica entre S’ e S’’ é
instaurada pela imputação normativa, ou causalidade instituída pelo ordenamento
jurídico; é instaurado um vínculo abstrato segundo o qual S’ possui um direito subjetivo
de exigir de S’’ certa conduta (dar, fazer ou não fazer), ao passo que S’’ possui o dever
jurídico de realizar a conduta. A relação jurídica apresenta-se da seguinte forma:
S’ R’ S’’
Direito subjetivo dever jurídico
O esquema representado graficamente acima vale para todas as relações
jurídicas ao longo da estrutura lógica da norma, ou seja, todos os sujeitos de direito ou
9 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000 p.74.
10 Relato feito por autoridade credenciada pelo sistema jurídico; é enunciado denotativo, ao passo que a
hipótese normativa é enunciado conotativo.
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possuem dever jurídico ou possuem direito subjetivo. O vetor “” que atribui dever ou
direito subjetivo, nunca será neutro (ou inexistente) no interior da estrutura da relação
jurídica.
Negada essa relação jurídica, ou descumprido o consequente da norma
primária, o sujeito S’ adquire com o direito subjetivo, mas, agora, de exigir do Estado-
Juiz (S’’’) o cumprimento da obrigação jurídico tributária. Eis o consequente da norma
secundária onde o Estado juiz possui o poder-dever de cobrar a prestação do sujeito
inadimplente.
Assim, a negativa da relação jurídica primária consubtancia-se como
condição exclusiva da atividade sancionatória do Estado-Juiz. Eis aí a genuína condição
da ação em termos processuais: a existência da lide in status asserciones.
III – A relação processual: movimentação da norma secundária
Como exposto mais acima, em reescritura reduzida, num corte simplificado
e abstrato, a norma jurídica apresenta composição dual: norma primária e norma
secundária. Aquela é norma de direito material, essa, de direito processual. O objeto do
presente tópico é a análise da norma secundária, ou norma sancionadora.
Tanto a norma primária como a norma secundária são dotadas de estrutura
implicacional: “se H deve-ser C”. Isso equivale a dizer que ambas possuem uma
hipótese e uma consequência, de maneira que, dada a hipótese, deve ser a consequência,
eis a causalidade que o ordenamento institui, a qual Kelsen chama imputação normativa.
Dessa maneira, o pressuposto de existência da norma secundária é a
negativa (ilícito jurídico) do consequente da norma primária. Uma relação de direito
material descumprida é o pressuposto suficiente e necessário para a existência da norma
secundária. A esse descumprimento da relação de direito material (ou substantivo), dá-
se o nome de antecedente da norma secundária.
Como assevera Vilanova:
“A uma relação jurídica material R, entre A e B, sucede outra relação jurídica
forma (processual) entre A e C (órgão C que concentrou o emprego da
coação) e entre C e B. Figuradamente, se a relação material era horizontal,
unilinear, a relação formal fez-se angular: não se desenvolve linearmente de
A para B, pois conflui em C. Perfaz-se outra relação R’.”
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A mencionada relação R’ é composta por duas relações processuais: o
exercício de direito de ação e o exercício do direito de contradição. Termo comum dessa
dúplice relação processual é o órgão jurisdicional11
. Assim, o processo é uma série
ordenada de relações processuais.
Cumpre chamar a atenção para o fato que a norma secundária pode ou não
ficar à disposição do sujeito titular ativo na relação material. Nos direitos subjetivos
privados cabe ao legitimado pôr em movimento a norma secundária; nos direitos
subjetivos de exercício obrigatório, o titular não pode deixar de exercer o seu dever de
movimentar a norma secundária, pois é obrigatório. Basta pensar nos casos em que o
Ministério Público deve propor a ação penal pública incondicionada, devido à
importância do bem jurídico lesado.
Para pôr em movimento a norma secundária, o sujeito ativo reveste-se de
capacidade processual12
para tanto, da mesma forma o sujeito passivo reveste-se da
capacidade processual para se opor à pretensão do sujeito ativo. Ambas as qualificações
apenas existem em virtude da incidência da norma processual.
Dessa maneira, ao direito de ação contrapõe-se o direito de defesa. Tanto no
exercício de um, como no exercício de outro, ambos os sujeitos dirigem-se ao Estado-
juiz, com este constituindo relação processual.
O pedido e a causa de pedir contidos na ação demarcam o campo de
incidência da prestação jurisdicional, não podendo o mesmo ser ampliado. Esses
contornos criados pelo sujeito ativo demarcam o limite da atuação jurisdicional.
Quando o sujeito ativo ingressa com uma ação contra o Estado-Juiz13
, a
relação de direito processual se dá apenas entre os dois termos. Nesse caso,
inegavelmente formou-se uma relação jurídico processual. O Estado-Juiz pode vir a
11
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000 p.189. 12
Neste ponto é relevante assinalar que antes de ser sujeito-de-direito em relação processual, é-se sujeito
de direito. Tanto o sujeito-de-direito como o sujeito-de-direito processual são efeito da incidência da
norma sobre um suporte fático. Mas o sujeito-de-direito processual será o efeito da incidência da norma
de direito processual. O sujeito é criado por incidência de norma jurídica sobre o dado-de-fato. 13
Quando se movimenta a norma secundária não há mais relação entre S’ e S’’. A ação é proposta
perante o Estado-Juiz porque a conduta esperada (dar, fazer, não-fazer) é requerida ao Judiciário para que
este, dotado do Poder de sancionar, assim proceda ante o sujeito passivo. “O exercício do direitosubjetivo
de ação não tem como destinatário o sujeito passivo da relação. Dirige-se ao Estado, mediante seu órgão
julgador.” (VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 204)
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extinguir o processo sem resolução do mérito sem sequer realizar a citação. Não
pensamos que sequer há relação processual nesse caso. Há, sim. Ocorre que não é uma
relação processual que abarcou o réu, pois o sujeito passivo não a integrou. Nessa linha,
explicita Vilanova:
“Mesmo que o órgão jurisdicional rechaça a demanda, por não dispor o
proponente de pretensão de direito material, há ação válida. Ainda mesmo na
hipótese de não entrar na questão de fundo, no mérito, relação jurídico-
processual se deu.”14
Assim, mesmo nos casos em que o sujeito-de-direito, descrito na petição
inicial sequer chega a ser citado para integrar a relação jurídico processual dita triádica,
há ação judicial, há incidência de normas processuais.
IV – O “processo” e as “condições da ação”: alvo de confusões semânticas
disfarçadas como problemas científicos.
Os juristas são experts em alçar um vacilo linguístico em um problema
(pseudo) jurídico-científico. Muitos debates ditos estéreis poderiam ser evitados se
prévios ajustes linguísticos fossem realizados. A ausência desse pacto semântico
anterior (Rudolf Carnap) causa imediata ou mediatamente confusões acacianas. É
justamente o que ocorre com as expressões “processo” e “condições da ação”, tratadas
pela tradicional doutrina do Processo: necessitam de prévia estipulação dos seus
critérios de uso.
O símbolo “processo” carece de univocidade na Ciência do Processo Civil
(e também no Código de Processo Civil). Cabe lembrar, aqui, que uma das tarefas do
cientista, qualquer que seja a sua área de atuação, é reduzir complexidades ligadas ao
seu objeto-formal de estudos. Para reduzir as complexidades, o cientista se vale do
linguajar inerente a sua área científica. O uso de termos específicos reduz a vaguidade, a
ambiguidade e a carga emotiva, mas não os elimina. Eis uma característica marcante do
saber científico: a sua linguagem é mais esmerada que a linguagem técnica e natural.
14
VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 202.
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Em apertada síntese e retomando pontos já assentes: o cientista realiza a
secção epistemológica para constituir o seu objeto-formal de estudos. Assim ocorre em
todas as ciências. Feito o corte epistemológico, cabe ao cientista descrever aquela
parcela da realidade. Ele o faz por meio de linguagem científica. Ao realizar essa tarefa,
o cientista procura, ao máximo, usar a precisão em sua linguagem descritiva.
Esses pequenos parágrafos foram expostos para elucidarmos que a partir de
uma análise da Ciência Processual Civil, não há univocidade ao se usar o símbolo
“processo”. Apenas para ficarmos com estes, “processo” é usado nas seguintes
acepções: (i) autos processuais; (ii) procedimento; (iii) normas de direito processual;
(iv) ação processual; (v) relação jurídica entre autor e Estado-Juiz; (vi) relação jurídica
entre réu e Estado-Juiz; (vii) relação entre autor e Estado-Juiz e relação entre réu e
Estado-Juiz.
A falta de um sentido único a ser atribuído ao “processo” é cara ao
desenvolvimento do estudo do Processo Civil. As acepções de (i) a (iv) serão, por nós,
descartadas dos critérios de uso do símbolo “processo”. Mas é possível atribuir os
outros três sentidos ao símbolo “processo”, pois em todos os casos há incidência de
normas processuais. Assim, “processo” será trabalhado como relação jurídica
processual.
A relação jurídico processual possui três espectros de análise, a saber: (i)
relação jurídica processual entre autor e Estado-Juiz; (ii) relação jurídica processual
entre réu e Estado-Juiz; (iii) relação jurídica processual entre autor e Estado-Juiz e
relação jurídica processual entre réu e Estado-Juiz. As três expressões pertencem à
classe “relação jurídico processual”.
No presente artigo o símbolo “processo” terá uma das três acepções acima,
mas devidamente explicitadas quando forem usadas. Assim, “processo” é relação
jurídico processual, seja R(A,B); R(B,C); ou R(A,B,C). Eis o sentido da palavra
“processo” a ser debuxado neste trabalho.
No que tange às “condições da ação”, cumpre ressaltar que no antigo CPC
as condições eram: legitimidade, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.
Com o novo CPC o requisito “possibilidade jurídica do pedido” não mais existe,
restando tão-somente dois requisitos, quais sejam, a legitimidade e o interesse de agir.
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A pergunta prévia que deve ser formulada é: que é ação? De posse da
definição do conceito, o manuseio com as condições da ação ficará muito mais simples.
O Processo Civil trabalha “ação” como (i) relação jurídica processual, como (ii)
julgamento de mérito, como (iii) pedido procedente, como (iv) conjunto de autos
processuais, como (v) provocação do Estado-Juiz, para ficarmos com estes sentidos. A
depender da adoção de cada um desses conceitos, as condições da ação,
consequentemente, alterar-se-ão.
A título de exemplo: se tomarmos “ação” como “provocação do Estado-
Juiz”, as condições para o seu acontecimento é o mero protocolo da petição inicial. O
protocolo é ato suficiente a ensejar a manifestação do Estado-Juiz.
Já se tomarmos “ação” como “julgamento de mérito”, a pergunta “quais as
condições da ação?”, pode ser reformulada nos seguintes termos: “quais são as
condições para que o Estado-Juiz aprecie o mérito da demanda?”. Eis o sentido de
“ação” adotado aqui.
Apenas neste sentido é que as condições “legitimidade” e “interesse de agir”
se encaixam. Assim, nomeamos este sentido de “ação-mérito” e a mera provocação do
Estado-Juiz por meio de petição inicial como “ação-provocação”.
Feitas essas advertências preliminares, ingressamos no ponto central do
artigo.
V - Análise dos pressupostos processuais: um enfoque analítico
Passemos, agora, à análise dos pressupostos processuais. A pergunta “quais
são os pressupostos processuais?” dentro da premissa construída ao longo do trabalho
pode ser assim feita, sem que perca o seu sentido: “o que se supõe pré-existente à
relação jurídica processual?”.
Mas antes de entrar no tema convém observar que apesar do Novo Código
de Processo Civil ter sido aprovado, o tema, da maneira como é tratado no presente
trabalho, sob seu aspecto formal, não sofre qualquer alteração.
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A doutrina processual civil, com alguma variação, arrola três espécies de
pressupostos processuais15
: os de existência, os de validade e os negativos. Os
pressupostos processuais de existência são: petição inicial, jurisdição e citação. Os
pressupostos processuais de validade são: petição inicial apta, órgão jurisdicional
competente e capacidade. Os pressupostos processuais negativos são: litispendência,
coisa julgada, perempção e convenção de arbitragem.
Segundo a doutrina processual civil, os pressupostos processuais de
existência são necessários para se formar relação jurídico processual; os pressupostos
processuais de validade devem estar presentes para que essa relação não possua nenhum
vício ao longo de sua existência; os pressupostos processuais negativos devem estar
ausentes, pois a sua existência prejudica o prosseguimento da relação jurídico
processual.
Em linhas gerais, sem demonstrar as discordâncias entre os processualistas
civis, este é o pensamento geral acerca dos pressupostos processuais.
Mas não pensamos que tal quadro de pressupostos processuais deva ser
exaustivo a esse ponto. Ou seja, não nos parece que todos esses pressupostos sejam
necessários para a existência da relação jurídico processual. Retomando o dito acima:
relação jurídica processual comporta três espécies: R(A,B); R(B,C); ou R(A,B,C). E o
que deve ser pressuposto para que elas existam?
Cada espécie de relação jurídica processual terá seus próprios pressupostos,
sendo que “jurisdição” é o pressuposto comum a todas as relações mencionadas adiante,
pois só se pode falar em relação jurídico processual com a figura do Estado-Juiz.
Em R(A,B), para que essa relação exista, é necessário tão-somente a petição
inicial direcionada ao Estado-Juiz16
. A existência desse ato processual é suficiente para
que se estabeleça o vínculo com o Estado-Juiz, de maneira que mesmo com a extinção
do processo sem julgamento de mérito, houve relação jurídico processual entre autor e
Estado-Juiz.
15
Os mencionados pressupostos estão elencados na obra “WAMBIER, Luiz R.;TALAMINI, Eduardo.;
ALMEIDA, Flávio R.Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. v.1. 10. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.247.” 16
Neste sentido: “ARRUDA ALVIM, José M. Manual de Direito Processual Civil. 11.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 476.
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No que toca à relação R(B,C), a citação é o elemento necessário. Com a
citação de “C”, há nova relação jurídico processual. Antes da citação inexiste relação
entre o “réu” e o Estado-Juiz. E esse ato sequer é necessário para que o Estado-Juiz
expeça norma individual e concreta, vide o art. 33217
do Novo CPC.
Para que exista a relação jurídica processual triádica, R(A,B,C), os
pressupostos de sua existência são: petição inicial apta e citação. A petição inicial deve
ser apta porque caso seja inepta, o juiz intimará o autor para emendá-la ou indeferirá o
pedido. Se for emendada e obedecer à forma prevista no CPC, o réu será citado.
Desta feita, arrolamos tão-somente três pressupostos para a existência da
relação jurídica processual triádica: jurisdição, petição inicial apta e citação. Assim, o
fato processual condição para a existência da relação jurídico processual mencionada, é
a citação.
A doutrina processual civil aponta todos os pressupostos como condições à
análise do mérito da demanda. Para que a relação processual exista/seja válida, esses
três serão os elementos suficientes e necessários.
Assim, entendemos que não há relação jurídica processual irregular. Ou ela
existe e é válida, ou não existe/inválida. A relação jurídica processual apenas será
inválida quando uma norma neste sentido for editada. A (ir)regularidade deôntica da
relação jurídica processual é predicado que apenas pode ser conferido através de ato de
fala do juiz.
17
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu,
julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em
julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de
competência;
IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
§ 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a
ocorrência de decadência ou de prescrição.
§ 2o Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art.
241.
§ 3o Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias.
§ 4o Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação
do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo
de 15 (quinze) dias.
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VI – As relações jurídico processuais que não preenchem os “pressupostos
processuais”: a sua desconstituição ou o momento em que se “declara” a sua
invalidade
O termo em comum em todas as relações acima mencionadas é o Estado-
Juiz. A função deste sempre será a de expedir uma norma jurídica, seja para extinguir a
relação R(A,B), seja para julgar o mérito - que pode ocorrer em R(A,B) e em R(A,B,C)
-, seja para intimar algum sujeito para produzir prova.
O Estado-Juiz, ao expedir a norma individual e concreta, por meio do
veículo introdutor de normas denominado sentença, inova o ordenamento, com as
normas de maior concretude que estão no patamar mais baixo da hierarquia normativa.
Ao pertencer ao ordenamento, essa norma individual e concreta é válida.
Dessa feita, a norma jurídica concreta e individual, mesmo que criada por juiz
absolutamente incompetente, parcial, sem observância à litispendência, à coisa julgada
ou outro pressuposto processual que não seja a petição inicial, jurisdição e citação,
permanece válida no sistema gerando seus efeitos e regulando condutas específicas.
Assim, enquanto essa norma estiver no sistema, a relação jurídica constituída por essa
norma individual e concreta é “válida”18
, logo, tem força obrigatória.
É apenas por outra norma jurídica que aqueloutra constituída de maneira
irregular sai do sistema. Seu vínculo de pertinência com o sistema jurídico só pode ser
quebrado por outra norma jurídica que diga que não há mais esse vínculo. É ato de fala
deôntico expulsando do sistema outro ato de fala deôntico (tido como irregular).
Pensemos no exemplo extremo: a querela nullitatis. A mencionada ação é
usada em caráter excepcionalíssimo contra sentença irregular. A concordância entre os
estudiosos do assunto é que se não houver citação válida e a sentença mesmo assim for
proferida, não obstante a mesma estar revestida pela coisa julgada material, é oponível a
querela, pois o mencionado ato é imprescritível.
Ocorre que antes da ação ser oposta contra a mencionada sentença, essa
permanece válida como qualquer outra norma, pois pertence ao sistema. Ou seja, não
18
A expressão foi posta em parêntesis porque há redundância, uma vez que toda a norma jurídica é
válida. Se não o for, não é norma jurídica.
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houve o pressuposto processual “citação válida” e mesmo assim houve relação
processual entre autor e Estado-juiz.
O exposto serve para elucidar que, mesmo que uma sentença seja prolatada
sem observância aos pressupostos processuais, há, sim, processo (relação jurídico
processual) bem como há norma jurídica expedida por agente credenciado pelo sistema
jurídico.
Desta feita, apenas norma jurídica retira norma jurídica do sistema. Em
outros termos: se uma sentença for proferida sem observância aos pressupostos
processuais, ela não será inexistente, nem se pode dizer que não houve processo até que
outra norma a retire do sistema.
REFERÊNCIAS
ARRUDA ALVIM, José M. Manual de Direito Processual Civil. 11.ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2010.
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