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OS QUATRO CÂNONES HERMENÊUTICOS DE EMILIO BETTI Em virtude da função específica da hermenêutica jurídica, Betti sustentava, tal como fizeram tanto Heck como Maximiliano, que a interpretação do direito deveria agregar a um momento inicial de entendimento, um momento posterior de correção, que adaptasse o entendimento inicial às necessidades sociais contemporâneas do momento da aplicação. E esse é o ponto crucial de sua teoria, pois a grande deficiência metodológica das concepções anteriores havia sido não explicar adequadamente o modo como essa adaptação deveria ser feita sem que fosse completamente sujeita ao arbítrio do julgador. A saída metodológica encontrada por Betti foi oferecer aos juristas quatro cânones , quatro regras básicas de interpretação que, aplicadas de forma combinada, deveriam garantir simultaneamente a segurança jurídica e a correção material das decisões. O primeiro cânone visa basicamente a garantir a segurança jurídica contra a manipulação ideológica dos intérpretes e determina que “o sentido é algo que não se deve sub- repticiamente introduzir, mas sim extrair das formas representativas” . Portanto, Betti sustenta que a atividade interpretativa envolve a descoberta do sentido da norma e não uma atribuição autônoma de sentido à norma. O segundo cânone reafirma a regra hermenêutica tradicional de que as partes devem ser interpretadas em função do todo e de que o todo deve ser descrito a partir de uma combinação harmônica das partes. Nas palavras de Betti, “o critério de extrair dos elementos singulares o sentido do todo e de entender o elemento singular em função do todo de que é parte integrante” . Este cânone representa o reconhecimento da importância dos critérios sistemáticos de interpretação e, combinado ao primeiro, retoma a proposta típica de Savigny e dos pandectistas de construir uma ciência jurídica simultaneamente histórica (voltada a descrever e não a criar o direito positivo) e sistemática.

OS QUATRO CÂNONES HERMENÊUTICOS DE EMILIO BETTI

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OS QUATRO CÂNONES HERMENÊUTICOS DE EMILIO BETTI

Em virtude da função específica da hermenêutica jurídica, Betti sustentava, tal como fizeram tanto Heck como Maximiliano, que a interpretação do direito deveria agregar a um momento inicial de entendimento, um momento posterior de correção, que adaptasse o entendimento inicial às necessidades sociais contemporâneas do momento da aplicação. E esse é o ponto crucial de sua teoria, pois a grande deficiência metodológica das concepções anteriores havia sido não explicar adequadamente o modo como essa adaptação deveria ser feita sem que fosse completamente sujeita ao arbítrio do julgador.

A saída metodológica encontrada por Betti foi oferecer aos juristas quatro cânones, quatro regras básicas de interpretação que, aplicadas de forma combinada, deveriam garantir simultaneamente a segurança jurídica e a correção material das decisões.O primeiro cânone visa basicamente a garantir a segurança jurídica contra a manipulação ideológica dos intérpretes e determina que “o sentido é algo que não se deve sub-repticiamente introduzir, mas sim extrair das formas representativas”. Portanto, Betti sustenta que a atividade interpretativa envolve a descoberta do sentido da norma e não uma atribuição autônoma de sentido à norma.

O segundo cânone reafirma a regra hermenêutica tradicional de que as partes devem ser interpretadas em função do todo e de que o todo deve ser descrito a partir de uma combinação harmônica das partes. Nas palavras de Betti, “o critério de extrair dos elementos singulares o sentido do todo e de entender o elemento singular em função do todo de que é parte integrante”. Este cânone representa o reconhecimento da importância dos critérios sistemáticos de interpretação e, combinado ao primeiro, retoma a proposta típica de Savigny e dos pandectistas de construir uma ciência jurídica simultaneamente histórica (voltada a descrever e não a criar o direito positivo) e sistemática.

Enquanto os dois primeiros cânones referem-se basicamente ao objeto e ao modo de compreender, o terceiro introduz propriamente a idéia de entendimento, pois exige que o intérprete reconstrua, no interior de sua subjetividade, o pensamento original do autor, em uma atitude ao mesmo tempo ética e reflexiva, que deve ser feita “com humildade e abnegação de si e ser reconhecida em um honesto e resoluto prescindir dos próprios preconceitos e hábitos mentais obstativos”. Percebe-se, assim, que este cânone articula-se com o primeiro e visa a garantir a objetividade do entendimento, o qual, apesar de ser realizado por um sujeito particular, não deve ser uma expressão dos seus valores particulares, mas uma expressão do sentido objetivado no próprio texto.Por fim, o quarto cânone introduz a idéia de correção, por meio da qual o intérprete deve não apenas entender o sentido original do texto, mas compreender o seu sentido de maneira tal que possa reconstruí-lo de forma que se adapte às novas necessidades sociais. Nas palavras de Betti, o intérprete deve “esforçar-se por colocar a própria atualidade vivente em íntima adesão e harmonia com a mensagem que [...] que lhe vem do objeto, de modo que um e outro vibrem em uníssono”. Harmonizando, assim, a mensagem original e o sentido atualizado, a interpretação deveria ser capaz de garantir, a um só tempo, os ideais de segurança e de correção.

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