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Crônica escrita para disciplina de Redação e Produção de Revista - 2015/1 Autora: Daniela Bruno Flor Orientação dos professores Flávia Quadros, Luiz Adolfo Lino de Souza e Vitor Necchi
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CRÔNICA
Os relógios nos dominaram
Daniela Flor
Consultas caras com terapeutas, psiquiatras e gurus. Livros de autoajuda que
não saem das listas dos mais vendidos. Todos prometem resolver a angústia da
ansiedade, o suposto mal-do-século. Quem sabe uns finais de semana na praia ou
alguns remédios para dormir. Até livros de colorir para adultos esgotam nas editoras
como a solução para o estresse da modernidade. Porém, o problema é mais antigo:
a culpa é dos relógios.
Os vilões apontados são sempre os smartphones, as redes sociais ou
o Whatsapp. Os culpados por não deixarem ninguém descansar. Afinal, “é
impossível se concentrar olhando para esse celular o tempo todo”, dizem os mais
avessos às tecnologias. Pois, assumo, de todas as vezes que olho de relance para o
aparelho, mais da metade das vezes é só para saber as horas. Mesmo que não
queira, lá estão elas na tela principal, no canto do computador, nos termômetros da
rua. Os números lembram o atraso, o compromisso, a reunião e o encontro.
Nos obrigam a pensar no que vem depois.
Ao longo dos anos, tantas tecnologias sumiram. O telégrafo se foi, o pager,
o Discman e se fala até no fim do papel. Mas ainda não vi ninguém cogitar o fim do
relógio. A Apple, gigante das inovações, resolveu reinventar um relógio de pulso.
Uma versão mais bonita e funcional daquele mesmo de ponteiros, que alguém
prendeu à própria mão no século XIX de tão necessário que era ficar perto dele.
Todas as outras tarefas dos caríssimos smartwatches são secundárias aos números
que gritam na tela.
Um objeto que parece inofensivo perturba até os momentos de lazer. É o
propulsor daquela onda de raiva na rodada de Imagem e Ação que quase sabíamos
a resposta, até que a ampulheta acabou. Para os mais ansiosos, nem é viável jogar.
Travamos só de olhar o tempo passar tão evidente e sem controle. Nem mostra
números e já é estressante, essa bisavó do relógio.
Não vimos os ponteiros nos dominarem e agora somos nós seus escravos. O
prognóstico parece pessimista, mas é reconfortante: se sobrevivemos desde o
relógio sol até o Apple Watch, continuaremos vivos. A ansiedade não vai acabar
conosco. Talvez só precisemos aceitar as horas como elas são, às vezes curtas ou
longas demais. Afinal, a culpa é toda nossa: a humanidade condenou o tempo
quando resolveu contá-lo.