Os saberes e o fazer pedagógico

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    Educar, Curitiba, n. 28, p. 231-246, 2006. Editora UFPR 231

    Os saberes e o fazer pedaggico: umaintegrao entre teoria e prtica

    Knowledges and pedagogical practice: an

    integration between theory and practice

    Annatlia Meneses de Amorim Gomes*Conceio Maria de Albuquerque**

    Ana Maria Fontenelle Catrib***

    Raimunda Magalhes da Silva****

    Marilyn Kay Nations*****

    Mirna Frota de Albuquerque******

    RESUMO

    O saber-fazer docente desperta o interesse dos educadores que tratam deste

    tema sob diferentes pticas: competncia do professor; integrao do conhe-cimento subjacente do aluno; do professor reflexivo-crtico; da proposta deeducao libertadora e prtica poltica; e reconhecimento da complexidade daeducao e reflexo sobre a fragmentao das disciplinas, dificultando ainterdisciplinaridade. Este estudo descritivo qualitativo trata de um proces-so de ensino a partir de anlises tericas e empricas, proposto por EdgarMorin, ocorrido na disciplina Didtica, no Mestrado em Educaoem Sadeda UNIFOR, em 2004. Participaram da pesquisa vinte mestrandos de vriascategorias profissionais. Os resultados demonstram que a dinmica empre-gada propiciou a integrao, maior compreenso dos conceitos e obteno de

    * Psicloga, Assistente Social, Mestranda em Educao em Sade da Universidade deFortaleza - UNIFOR. Bolsista da FUNCAP.

    ** Enfermeira. Mestranda em Educao em Sade. UNIFOR.*** Doutora em Educao. UNIFOR.**** Doutora em Enfermagem. UNIFOR.***** Doutora em Antropologia Mdica. UNIFOR.****** Doutora em Enfermagem. UNIFOR.

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    clima descontrado para aprendizagem. Conclumos que estratgias tais comojogo; dinmicas grupais e psicodrama pedaggico favorecem a participao ea expresso de sentimentos, permitem a interao, assimilao ecompartilhamento das experincias na elaborao coletiva do conhecimento.Palavras-chave: ensino-aprendizagem; didtica; prtica pedaggica.

    ABSTRACT

    The teaching know-how arouses the interest of educators who deal with thissubject from different points of view: teachers competence; integration ofthe students hidden knowledge; the reflexive-critical teacher; proposal forliberating education and political practice; the recognition of educationalcomplexity and reflection on the fragmentation of disciplines which makedifficult the interdisciplinariety. This descriptive-qualitative study is abouta teaching process based on theoretical and empirical analyses, proposed byEdgar Morin, and took place in the discipline of didactics from the MasterCourse of Health and Education at UNIFOR in 2004. Twenty Masterstudents from several professional categories participated in the event. Theoutcomes showed that the dynamics applied to the study provided greaterunderstanding of concepts, integration, as well as relaxing environmentconcerning the learning process. It is concluded that strategies such as games,group dynamics and pedagogical psychodrama provide participation and

    the expression of feelings, interaction, assimilation and experiences sharedthrough the collective construction of knowledge.Key-words: teaching-learning; didactics; pedagogical practice.

    Introduo

    O saber-fazer do professor desperta o interesse dos estudiosos quetratam deste tema sob diferentes perspectivas: a competncia do professore a integrao do conhecimento subjacente do aluno (PERRENOUD, 2002); do

    professor reflexivo-crtico (SHON, 2000; ALARCO, 2003); da proposta deeducao libertadora e prtica poltica (FREIRE, 1999) e do reconhecimentoda complexidade da educao e reflexo sobre a fragmentao das discipli-nas, dificultando a interdisciplinaridade (MORIN, 2003, 2004; FAZENDA, 1998).

    Todas essas abordagens se complementam na tentativa de responderaos desafios que se expressam no universo do ensino-aprendizagem, no

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    qual a prtica pedaggica constitui uma das categorias fundamentais daatividade humana, rica em valores e significados, pois a questo metodolgicase torna, muitas vezes, to essencial quanto o conhecimento (LEAL, 2004).

    A formulao do conhecimento torna-se uma ocasio de alargamentoativo do aprendizado do aluno, de sua prtica, que pode ser predominante-mente perceptiva, motora ou reflexiva. Isso poder ser organizado median-te aes tais como estudo de textos, vdeos, pesquisas, estudo individual,debates, grupos de trabalhos, seminrios e prticas nas quais se exercitamas relaes que possibilitam identificar, pela avaliao, como se elabora o

    objeto de conhecimento. Da, ento, a necessidade da escolha de estrat-gias com vrias e expressivas prticas sugeridas ao aluno, objetivando ul-trapassar seus dados iniciais sobre o objeto do conhecimento (ANASTASIOU,2004).

    Tardif (2002, p. 128) prope uma pedagogia que priorize a tecnologiada interao humana, colocando em evidncia, ao mesmo tempo, a questodas dimenses epistemolgicas e ticas, apoiada necessariamente em umaviso de mundo, de homem e sociedade. Neste sentido, uma prtica peda-ggica precisa ter dinmica prpria, que lhe permita o exerccio do pensa-mento reflexivo, conduza a uma viso poltica de cidadania e que seja capazde integrar a arte, a cultura, os valores e a interao, propiciando, assim, arecuperao da autonomia dos sujeitos e de sua ocupao no mundo, de

    forma significativa.No que diz respeito s relaes entre pessoas e a intersubjetividade

    presente em todo contato humano, Moreno (1959) prope, a partir de suavivncia e prtica com grupos, teoria e metodologia psicodramticas, asquais negam a repetio de contedos e pedem a aprendizagem de aes,que se adquirem na experincia e nas relaes interpessoais. Neste contex-to da prtica pedaggica interativa, utilizado o psicodrama pedaggico, apartir do pressuposto de que este propicia o resgate da espontaneidade pormeio da ao dramtica (GOMES, 2002). Como mtodo didtico, garante aaquisio do conhecimento no plano intuitivo e intelectual, permitindo omanejo do grupo como unidade (ROMAA, 1987; 1996).

    Sobre a importncia desta atuao participativa mais abrangente do

    aluno no decurso do ensino, Schon (2000, p. viii) comenta que o professordeve fazer uso de um conjunto de processos que combinem o ensino dacincia aplicada com a instruo, no talento artstico da reflexo-ao,mobilizando, alm da lgica, manifestaes de talento, intuio e sensibili-dade artstica.

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    Corroborando esta viso, Anastasiou (2004) confirma que a funodo professor , ento, de provocar, instigar, valer-se dos alunos para elabo-rar uma ligao com o objeto de aprendizagem que, em algum estdio,consinta em uma carncia deles, auxiliando-os a tomar conscincia dasnecessidades socialmente existentes na sua formao. Isso s acontecernum momento propcio integrao, um certo clima de compartilhar,tendo como um ingredientes especiais abertura a problematizao e adiscordncia adequada aos procedimentos de pensamento crtico e cresci-mento.

    Ainda sobre as possibilidades de significao da prtica reflexiva, Sil-va, 2002 e Arajo, 2002 destacam o seu carter heterogneo e plural, o qualpossibilita a inter-relao dos diferentes saberes, produzindo conhecimen-tos em articulao com o contexto scio-poltico, econmico e cultural,que resulta numa interveno na realidade a partir da relao com o mundoda experincia humana, com sua bagagem de valores, interesses sociais,afetos, conotaes diferenciadas e cenrios polticos.

    Em outra perspectiva, Morin (2003) prioriza a complexidade da edu-cao, discorrendo principalmente sobre os pressupostos e saberes que eledenomina como os sete saberes necessrios educao do futuro: as ce-gueiras do conhecimento; o erro e a iluso; os princpios do conhecimentopertinente; ensinar a condio humana; ensinar a identidade terrena; en-

    frentar as incertezas; e ensinar a compreenso e a tica do gnero humano.Enfatiza a problemtica da fragmentao das disciplinas e dos currculos,dificultando a interdisciplinaridade na educao. Evidencia o desenvolvi-mento de uma educao que desempenha a inter-relao do indivduo/esp-cie/sociedade de forma indissocivel, pois, ao mesmo tempo, recobra aidentidade do sujeito, fazendo-o numa profunda relao com os outros e oplaneta. Cada um desses saberes ser detalhado no desenrolar deste ensaio.

    Identificada ao pensamento deste autor, Leal (2004, p. 2) consideraque o saber-fazer sobretudo saber SER um educador, todos os dias, dequalquer modo, de todos os jeitos, assumindo o compromisso de formaralunos para serem sujeitos, participantes e autores da histria: necess-rio no s conhecer a cincia, mas ter alma de educador, voltando-se para

    a vida e para as utopias.Assim podemos perceber que no basta refletir sobre as relaes en-tre ser e fazer, pois preciso tambm analisar a inter-relao do ter com oser. O ter-conhecimento comporta um valor importante, constituindo-semeio e instrumento para ser mais, aperfeioar e realizar o ser professor ealuno num processo de troca e interao de seus sentidos e significados em

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    dado contexto histrico. O ter e o fazer devem servir para SER mais emelhor, a fim de que o ensino-aprendizagem contribua para a conscientizaoreflexivo-crtica dos sujeitos histricos e se recriem as possibilidades deuma pedagogia humanizadora, numa perspectiva crtica e transformadora(PIMENTA; ANASTASIOU, p. 81, 2002).

    neste contexto da discusso dos saberes e da prtica pedaggicaque este estudo se inseriu e se desenvolveu, a partir de alguns questionamentos:ser que, integrando o pensamento de Edgar Morin com situaes e mo-mentos vivenciais, isto favoreceria o processo ensino-aprendizagem? Como

    tratar de um assunto to extenso, filosfico e complexo de modo que aspessoas se envolvessem e apreendessem os seus significados? Com basenestas questes buscamos desenvolver um trabalho que facilite a aprendi-zagem e compreenso dos sete saberes de Edgar Morin pela integrao de:reflexo-ao, interao entre facilitador-aluno, aluno-aluno, sentimentos,percepes e conhecimento dos pressupostos do autor na prtica pedag-gica de seminrio.

    Caminho percorrido

    Trata-se de um estudo descritivo-exploratrio, com a finalidade dedescrever um processo de ensino-aprendizagem no qual se processaramanlises empricas e tericas.

    O estudo originou-se na disciplina Metodologia do Ensino Superior,do Curso de Mestrado em Educao em Sade, da Universidade de Forta-leza (UNIFOR). O programa desta disciplina foi dividido em trs unidadestemticas: organizao do ensino-aprendizagem, formulao da aprendiza-gem-saber e aprender e, por ltimo, avaliao e o processo ensino-aprendi-zagem. Os contedos referentes viso de quatro autores sobre organiza-o do ensino (Edgar Morin), competncia profissional/prtica reflexiva

    (Perrenoud), docncia do ensino superior (Pimenta) e professores reflexi-vos (Alarco) foram divididos, por processo de escolha, em 5 seminriostemticos trabalhados pelos vinte alunos que compem a turma.

    A composio da turma multidisciplinar, englobando reas diversasdo conhecimento, como Psicologia, Enfermagem, Terapia Ocupacional,Educao Fsica, Fisioterapia, Pedagogia, Odontologia e Fonoaudiologia.

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    A estratgia de ensino adotada baseou-se em jogos e dinmicas,objetivando facilitar o ensino-aprendizagem, tendo sido elaborada no de-correr da leitura e discusso dos contedos dos captulos do livro de EdgarMorin (2003), Os Sete saberes necessrios educao do futuro, esteadano referencial psicodramtico, a partir de vivncias anteriores de ensino, davida cotidiana e do conhecimento acessado pelas leituras, deixando-se fluire conduzir pelo que o autor na sua lgica de raciocnio e intencionalidadeprocurava transmitir por meio das palavras escritas.

    O objetivo desta metodologia de trabalho consistiu em fazer com que

    cada aluno experimentasse de maneira integral o referencial apontado porMorin (2003), propiciando a participao do corpo movimento, da mente reflexo, sentimentos emoes, integrao relao com o outro e oplaneta e resgate de valores, favorecendo, assim, o significado do todo.Para melhor captao dos resultados, todo o Seminrio foi filmado, e entohouve a transcrio de algumas das falas de participantes.

    Os resultados foram apresentados conforme o desenvolvimento doSeminrio, correlacionando os sete saberes e a dinmica proposta aos alu-nos para a compreenso e anlise de cada saber.

    Os participantes foram informados sobre o estudo, tendo sido con-sultados previamente, demonstrando interesse na sua participao. Suasidentificaes foram respeitadas sendo preservados o sigilo e privacidade.

    Os sete saberes e o fazer pedaggico: relato de experincia

    O incio do trabalho ocorreu pela apresentao das facilitadoras, doautor e do livro, que fundamentaram o Seminrio: Edgar Morin e os setesaberes necessrios a educao do futuro, programao e dinmica doseminrio.

    Aps este momento introdutrio, iniciou-se o aquecimento do grupo,

    mediante convite aos alunos a participarem de uma viagem no tempo apartir do tema. Um relgio desenhado com cores variadas na parede, cadauma representando um saber especfico, facilitava a espontaneidade e afluidez do pensamento. Na ocasio, refletimos na idia de que o tempo ode agora, pois urge que mudanas ocorram no paradigma educacional naprtica. A cada troca de saber, o facilitador se referia ao relgio do tempo

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    e o processo continuava pela introduo de uma dinmica ou jogo relacio-nado ao contedo.

    Para cada saber, procedeu-se a uma dinmica prpria: primeiro saber as cegueiras do conhecimento: o erro e a iluso reflexo e percepo;segundo saber Princpios do conhecimento pertinente construo e(des)construo; terceiro saber ensinar a condio humana teatro doimproviso; quarto saber ensinar a identidade terrena com a vida nasmos; quinto saber enfrentar as incertezas: simulao de improviso; sex-to e stimo saberes ensinar a compreenso e a tica do gnero humano

    integrao.Ao final de cada momento vivencial, era feita uma construoconceitual

    dialogada sobre o saber em cena, integrando uma sntese exposta pelofacilitador e os conhecimentos e vivncias dos alunos numa sntese com-preensiva.

    A rodaemmovimento, aps a reflexo do ltimo saber, propiciou porltimo, uma avaliao baseada nos sentimentos e julgamentos sobre o se-minrio, finalizando com um abrao representando a necessidade daafetividade e construo de uma prtica educativa que inclua o ser humanoem toda a sua expressividade. Em seguida cada um desses momentos descrito e analisado.

    Viagem no relgio do tempo de agora e do futuro

    Primeiro saber: as cegueiras do conhecimento o erro e a iluso reflexo

    e percepo

    A educao deve mostrar que no h conhecimento queno esteja em algum grau ameaado pelo erro e pela iluso(MORIN, 2003 p. 19).

    No primeiro saber, a educao deve enfrentar o problema que todoconhecimento comporta o risco do erro e da iluso, sendo imprescindvelfazer conhecer o que conhecer, ou seja, estudar as caractersticas psqui-cas e culturais que constituem o conhecimento humano.

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    Para Morin (2003), o processo de conhecer no mero reflexo dascoisas ou do mundo externo, pois todas as percepes so, ao mesmotempo, tradues e reconstrues cerebrais com base em estmulos ousinais captados e codificados pelos sentidos.

    Com arrimo neste pensamento, foi propiciado aos alunos um momen-to de reflexo perceptivo pela apresentao da figura de Monalisa, tendosido feita a seguinte pergunta: o que voc v? Deveriam ser feitas anota-es sobre as representaes e impresses da figura. Ao final, quatro vo-luntrios expressaram suas percepes, cada um, a partir de seu referencial,

    apontou aspectos diferentes como uma face que encontra o novo e o ve-lho, uma teia, a diversidade, uma imagem de poder:

    O novo e o velho se encontrando em uma mesma face. (Mestrando I)Vejo uma diversidade, mantendo o tradicional em uma nova postura devida no nosso dia a dia. (Mestrando J).A complexidade promovendo uma teia entre o novo e o velho. (MestrandoC).Uma imagem do poder figurando a contradio ou encontro entre o velhoe o novo, o ontem e o hoje. (Mestrando H).

    Na forma de cada participante perceber a realidade, encontram-seembutidas as projees dos desejos, a afetividade, experincias anteriorescom a imagem, levando a formas diferenciadas de apreender o fenmenoe, por isso, multiplicam-se os riscos de erro. Isso desperta o cuidado de oconhecimento cientfico no poder tratar sozinho dos problemasepistemolgicos, filosficos e ticos, como destaca o autor. Perceber es-sas implicaes fundamental para quem se prope tornar-se um pesqui-sador-educador.

    Segundo saber: princpios do conhecimento pertinente construo e

    (des)construo

    O conhecimento das informaes ou dos dados isolados insuficiente. preciso situar as informaes e os dadosem um contexto para que adquiram sentidos (MORIN, 2003,p. 65).

    O segundo saber diz respeito desfragmentao do conhecimento.Sob esse aspecto, entende Morin (2004) que h inadequao cada vez mais

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    agravada entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entredisciplinas e as realidades ou problemas da realidade global, complexa emultidimensional. Acrescenta o autor que o desenvolvimento disciplinardas cincias, apesar de trazerem as vantagens da diviso do trabalho, gera-ram a hiperespecializao, impedindo de ver o global, pois, espedaandoem parcelas o saber e fragmentando os problemas, inibem as possibilidadesde reflexo e compreenso do todo.

    Corroborando o autor, Fazenda (1998) destaca na anlise do contextohistrico da prtica educativa a sua fragmentao em vrios aspectos, eviden-

    ciando a importncia do agir e do fazer fundados numa perspectiva detotalidade.A sua proposta consiste em inserir o objeto do conhecimento no texto

    e contexto dos problemas, posicionando-os cada vez mais no mbito pla-netrio, considerando a sua multidimensionalidade, a complexidade,interdependncias e inter-relaes todo-parte em seu conjunto.

    Na dinmica grupal, para a compreenso deste saber, utilizamos arepresentao de dois quebra-cabeas com figuras humanas, distribudosem dois grupos de alunos. As peas representavam a fragmentao do co-nhecimento e/ou superespecializao. Os alunos deveriam montar a estru-tura a partir das peas separadas e divididas entre os grupos.

    Rapidamente esta montagem foi elaborada e procedemos reflexo,

    com alguns comentrios sobre como os profissionais de sade so levadosa perceber e a estudar o processo sade-doena de forma compartimentada,assim como perdem em variadas situaes a possibilidade de relacionar-secom os usurios de forma integral e individualizada, comprometendo a suaatuao na prtica de forma mais humanizada.

    Terceiro saber: ensinar a condio humana teatro do improviso

    O ser humano a um s tempo fsico, biolgico, psquico,cultural, social, histrico. (MORIN, 2003, p. 15).

    O centro do pensamento do autor neste saber sobre o ensino da con-

    dio humana reconhecer a unidade da identidade comum aos humanos,a sua diversidade e a complexidade da natureza humana. Para Morin (2003),a condio humana como unidade complexa deveria ser o objeto essencialde todo o ensino, mas esse propsito encontra-se impossibilitado pela de-sintegrao das disciplinas.

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    Para superar a fragmentao, a educao deve conduzir ao conheci-mento da conscincia do destino da espcie humana, individual, social ehistrico, tudo entrelaado e inseparvel. Para que a prtica educativa, en-tretanto, se torne totalidade e alcance o ser, preciso, segundo Fazenda(1998), que ela se torne o lugar de um projeto educacional com finalidadesbaseadas em valores, articulando propostas e planos de ao com funda-mento uma intencionalidade, desvendando sua prpria ideologia e median-do o mundo do trabalho, a vida social e a cultura.

    Na continuidade do processo interacional com os alunos, as

    facilitadoras neste momento tornaram-se protagonistas de uma cena emque colocaram uma cartela nas costas deles, com o nome de cada dimen-so da natureza humana: fsica, biolgica, psquica, cultural, social e hist-rica. medida que pronunciavam estes nomes, virando-se para a platia,faziam um gesto que a representava, finalizando de mos dadas com afrase: ns somos unidade e complexidade na diversidade, ns somos o serhumano. Ao final, explicamos o pensamento do autor, definindo o concei-to e apontando as formas de enfrentamento para uma viso mais integral doser humano.

    Quarto saber: ensinar a identidade terrena com a vida nas mos

    Todos os seres humanos partilham um destino comum(MORIN, 2003, p. 16).

    Este saber nos remete a uma profunda reflexo sobre a relao dohomem com o planeta. O autor externa a idia de que preciso compreen-der o carter humano no mundo, como a condio do mundo humano,que, ao longo da histria moderna, se tornou a circunstncia da era plane-tria, da prpria sobrevivncia da terra. Nesta mesma direo, Boff (1999)aponta como um dos sintomas da crise civilizacional um descaso e umdescuido na salvaguarda de nossa casa comum, pois o cuidado envolveuma atitude de ocupao, preocupao, de responsabilizao e deenvolvimento afetivo com o outro, no caso do planeta, suplantado por inte-

    resse econmico, injustias e violncia.Ao estudar este saber, veio-nos imaginao a possibilidade de fazer

    com que os participantes despertassem em si mesmos esse sentimento deamor pela Me-terra. Ento fizemos circular um globo terrestre pelas mosde todos, em crculo, ao mesmo tempo em que se ouvia a msica de Gui-

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    lherme Arantes, Planeta gua (1995). Em pontos diferentes da sala, asfacilitadoras pronunciaram, em voz alta, frases que se referiam conscin-cia de pertena unidade planetria:

    Todo ser humano carrega em si o mundo necessrio aprender a estar aqui no planetaNs somos uma unidade na diversidadeConscincia ecolgica: habitar no planeta pela convivibilidade

    Solidariedade e responsabilidade com todos os filhos da terraCompreenso mtua

    Na parte final, todos deram as mos e falaram: ns somos a terra,seguida dos aplausos dos participantes. O grupo mostrava-se mais unido, medida que, progressivamente, criava-se um campo relaxado e crescia oenvolvimento das pessoas na elaborao do conhecimento.

    Quinto saber: enfrentar as incertezas simulao de imprevistos

    A grande conquista da inteligncia seria poder, enfim, selibertar da iluso de prever o destino humano. O futuropermanece aberto e imprevisvel. (MORIN, 2003, p.79).

    Neste saber, o autor nos situa diante da imprevisibilidade, das incerte-zas que nos cercam e da impossibilidade, portanto, de certezas sobre osacontecimentos. papel fundamental da educao, nesta ptica, prepararas mentes para o inesperado e seu enfrentamento.

    Tardif (2002), no tocante a esse aspecto na prtica pedaggica, assi-nala que, na maioria das vezes, os professores precisam tomar decises edesenvolver estratgias de ao em plena atividade, sem se apoiar numsaber-fazer tcnico-cientfico que lhes permita controlar a situao comtoda a certeza.

    No grupo foi proposta a criao de situaes inesperadas, nas quaisas facilitadoras fingiram um desmaio, as luzes se apagaram, uma cobra deplstico foi lanada no meio da sala, e algum entrou gritando fogo, fogo!Alguns participantes simularam entrar na cena, ao passo que outros perma-neceram estticos. Refletimos sobre algumas possibilidades de reaeshumanas diante do inesperado a partir do que aconteceu na turma alguns

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    diante do enunciado do ttulo Enfrentar as incertezas, imaginaram queera uma simulao e por isso no se mobilizaram; outros atuaram no senti-do de participar da cena e outros permaneceram apticos aos acontecimen-tos. Na vida, podemos nos abalar profundamente com as surpresas, agir deforma indiferente, reagir ativamente ou simplesmente nos tornar indiferen-tes.

    Sexto saber: ensinar a compreenso roda da compreenso

    Compreender inclui um processo de empatia, deidentificao e de projeo. Sempre intersubjetiva, acompreenso pede abertura, simpatia e generosidade(MORIN, 2003, p. 95).

    Segundo Morin (2003), a misso espiritual da educao ensinar acompreenso entre as pessoas como condio e garantia da solidariedademoral e intelectual da humanidade, pois, apesar dos avanos na tecnologiada comunicao, permanece a incompreenso tanto no plano individualcomo entre culturas e povos de origens culturais diferentes.

    Para relacionar a tica da compreenso com o universo vivido, entocom o grupo j integrado e aberto, sugerimos uma roda de embalo ao som

    da msica Serra do Luar, interpretada por Leila Pinheiro (1997).O contedo da letra foi refletido com os alunos estabelecendo rela-

    es com o pensamento do autor, o qual destaca a dimenso afetiva daatitude de compreender e o seu carter de apreender em conjunto, abraarjunto, inclusive a incompreenso.

    Stimo saber: a tica do gnero humano integrao

    A antropotica compreende, assim, a esperana nacompletude da humanidade, como conscincia e cidadaniaplanetria (MORIN, 2003, p. 106).

    O ltimo saber referido por Morin diz respeito a uma antropotica dohumano, consistindo numa deciso consciente e esclarecida de assumir acondio de indivduo, espcie e sociedade na complexidade que ela encerra.

    Ainda na roda de embalo, refletimos sobre o ltimo saber apontadapor Morin acerca da tica do gnero humano, que reflete uma conscinciapessoal e da humanidade em ns, realizada pela democracia e estabeleci-

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    mento da cidadania terrena. O autor ressalta o imperativo na livre expansoe expresso dos indivduos, o desenvolvimento com propsito tico e pol-tico para o planeta e a integrao da trade indivduo/sociedade/espcie, noapontando respostas prontas, mas traando o caminho pelos passos que sevai desenvolvendo.

    Ainda no abrao coletivo da grande roda, cada aluno expressou o seusentimento em relao ao Seminrio, referindo-se novos conhecimentos,nova maneira de ver as coisas, relao teoria-prtica, repensar metodolgico,vivncia prtica:

    Foi muito bom, vocs trouxeram um modo de se traduzir um livroaltamente terico e cheio de entrelinhas para o real (Mestrando A).Um momento de repensar a metodologia tradicional e o que h de novo(Mestrando B).Foi muito legal o tempo correu numa rapidez. Uma aula dessas faz adiferena (Mestrando F).O grupo proporcionou uma vivncia, um experimento muito prtico dolivro e foi muito bom (Mestrando J).

    No final de todo o Seminrio cantou-se a msica do Lulu Santos(1996), Como uma onda, representando uma transio entre a educaoque temos e a que queremos estabelecer, cujo projeto pertence a cada umde ns, que se prope atuar no campo da educao com um papel transfor-mador.

    Reflexes conclusivas

    Procuramos neste ensaio articular os sete saberes necessrios edu-cao do futuro, propostos por Edgar Morin, a prtica pedaggica reflexi-va e vivenciada, em Seminrio temtico sobre o tema. Para isso, pactua-mos como metodologia trabalhar uma prxis pedaggica que favoreces-se melhor compreenso dos participantes a respeito do pensamento desseautor.

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    A realidade percebida, assim como o processo ensino-aprendizagem, produto do enfrentamento do mundo concretizado e percebido pelo serhumano com toda a sua subjetividade inerente a cada um, que somente fazsentido medida que brota e guardado como experincia vivenciada,facilitando e otimizando a formao do ser humano.

    Percebeu-se que houve a interao, assimilao e acomodao dasexperincias pelos participantes na metodologia proposta na formulaocoletiva do conhecimento.

    Este trabalho levanta o questionamento sobre a importncia do desen-

    volvimento dos saberes da docncia e da necessidade de o professor abrir-se a novas estratgias que possibilitem a troca de conhecimentos e ainterdisciplinaridade, como virtude que escuta a verdade do outro e se abrepara novas idias. Ser possvel uma prtica pedaggica como nos mostraMorin no atual contexto de ensino? Como poderemos ns, alunos e profes-sores, nos confrontar no enfrentamento cotidiano da vida e do ensino-aprendizagem como seres autonmos e crticos? Como romper com ocordo de repeties e acomodaes que formam uma rplica de modeloscristalizados e autoritrios na prtica pedaggica?

    Compreendemos que esta prtica se faz pela ao do professor naconduo dos grupos, na gesto das classes, na organizao dos conte-dos, na articulao das disciplinas com o projeto pedaggico e o currculo,

    constituindo-se assim um saber prprio da docncia. A formao de pro-fessores e, sobretudo, manter-se atualizado, aprendendo e reaprendendo aser, a conviver, a fazer e a conhecer, constitui-se um decreto imutvel parao saber fazer pedaggico alicerado em novos valores e princpios.

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    Texto recebido em 07 out. 2005Texto aprovado em 16 jan. 2006