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Escritor: António Mota Ilustradora: Rute Reimão Editora: Gailivro

Os segredos dos dragões

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Era uma vez um homem que vivia com os seus dois filhos, completamente diferentes. O mais velho, que tinha nascido cego, era alto e magro. O mais novo era baixinho e gordo. Um dia, sentindo que estava a morrer, o pai pediu ao filho mais novo para nunca abandonar o irmão cego e para repartir com ele tudo o que lhes deixava.

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Escritor: António Mota

Ilustradora: Rute Reimão

Editora: Gailivro

Era uma vez um homem que vivia com os seus dois filhos. Os meninos tinham ficado sem a mãe desde crianças e eram muito diferentes.

O mais velho, tinha nascido cego, era alto e magro e o mais novo era baixinho e gordo.

Um dia, sentindo que estava quase a morrer, teve uma conversa com o filho mais novo. Pediu-lhe que nunca abandonasse o seu irmão.

Disse-lhe ainda que lhes deixava a casa, com muitos quartos, umas boas terras, árvores de fruto e um velho baú, no seu quarto.

No fundo desse baú, tinha guardada uma bolsa, com todo o dinheiro que juntara ao longo da vida.

O filho concordou com o pai em tudo e pediu-lhe para não se preocupar mais com o assunto.

Esse dinheiro, o pai queria que fosse repartido pelos dois filhos, igualmente.

Pouco tempo depois, o pai morreu. E o filho mais novo começou a pensar de forma diferente, do que tinha combinado com o seu pai.

Mas, para que tal aconteça, pensou ainda, o irmão deveria de desaparecer dali e nunca mais voltar. Pensou, pensou e acabou por imaginar um plano, que lhe pareceu infalível.

“O mundo é dos espertos”, pensou ele. “Claro que não vou repartir nada com o meu irmão. Quero tudo só para mim!”

Convidou o irmão para uma caminhada, pois sabia o quanto ele apreciava os cheiros e os sons, da natureza.

Andaram muito, muito, até chegarem a um grande bosque, onde havia árvores enormes, lagartos e cobras, que rastejavam entre a folhagem.

No dia seguinte, partiram. O mais novo ía à frente e o mais velho, agarrando-lhe um braço, seguia um pouco mais atrás.

Quando já estavam bem dentro do bosque, o irmão mais novo afastou-se sem fazer ruído e, já longe, desatou a correr, a caminho de casa.

Durante horas gritou e chorou e gritou, até ficar sem voz. Quando a noite chegou, o menino tinha já muita fome e muita sede.

O mais velho deu-se conta e chamou por ele, mas como ninguém lhe respondia desatou a gritar por socorro.

O rapaz apurou o ouvido e começou a ouvir rugidos horrorosos. Quando teve a certeza que estava rodeado por feras, começou a tremer, cheio de medo.

Andando e tateando, descobriu uma grande árvore e, com grande desembaraço, trepou até ao cimo de um grande carvalho. E ali ficou, sem fazer qualquer ruído…

Mas tinha que ultrapassar o terror e pensar em se defender.

O rapaz cego não sabia que estava num bosque encantado. Quanto aos ruídos que ouvia, não eram senão o roncar dos dragões, que ali se encontravam.

Era mesmo naquele carvalho muito alto e grosso, que os dragões contavam histórias uns aos outros e se riam de muitas atitudes de alguns humanos.

Os dragões não sabiam que o rapaz estava empoleirado na árvore e que os ouvia entendendo tudo o que diziam…

- Os humanos são mesmo tontos! Dizia um deles. - Não sabem como curar os cegos, e é tão fácil fazer isso, basta esfregar os olhos com um pouco da casca desta árvore e já está!

Isto, porque como toda a gente sabe, os dragões sempre falaram a língua dos homens.

- Ohhh claro! É como a falta de água, dizia outro. Há gente e animais a morrer à sede na Cidade das Estátuas de Vidro e, nem sequer sabem que basta levantar uma pedra, que está no meio da Praça das Flores, que logo teriam água para uma cidade inteira e para todo o sempre. - Realmente os humanos são mesmo ignorantes! – dizia outro.

Ouvindo tudo isto, o menino retira um pouco de casca da árvore e esfrega levemente os olhos, começando logo a ver, tudo o que se estava a passar à sua volta. Deviam de estar ali mais de cem dragões!

Os dragões continuaram a conversar e a rir, até ao nascer do dia. Um a um foram desaparecendo e, quando o Sol nasceu, o menino estava já sozinho, na árvore que o abrigara.

Desceu então dali e matou a fome com frutos que havia no bosque.

- Há meses que a filha do rei está doente. Nenhum médico sabe como curá-la, dizia outro. E afinal é tão simples: bastaria retirar o sapo venenoso, que lá está no quarto, debaixo da cama da menina e pronto!

Tinha tido muito tempo para pensar e decidiu bem o que fazer.

Imediatamente apareceu um poço cheio de água. Logo de seguida, começaram a aparecer pessoas, e mais e mais, batendo palmas, de tão contentes, ao ver tanta água.

Começou por ir à Cidade das Estátuas de Vidro, onde todos morriam à sede. E dali, para a Praça das Flores, que guardava ao centro a tal pedra milagrosa, que o menino agarrou com ambas as mãos.

As pessoas começaram então a dar-lhe moedas. Tantas, tantas, que o menino teve que comprar um saco, para guardar aquele pequeno tesouro.

O rei mandou logo que entrasse e foi conduzido ao quarto da menina. Chegado lá, apanhou o sapo escondido e atirou-o pela janela.

No dia seguinte, bem vestido e perfumado, o rapaz foi bater à porta do palácio real, dispondo-se a curar a princesa.

A princesa melhorou rapidamente e o rei, ficou tão feliz, que convidou o rapaz a viver no palácio e nomeou-o seu conselheiro.

Mas, por pouco tempo, pois a princesa, já recuperada, apaixonou-se por ele e decidiram casar.

Quando o irmão mais novo soube do casamento, correu ao palácio, para pedir perdão pelo mal que tinha feito.

Algum tempo depois, cheio de curiosidade, o irmão mais novo perguntou ao mais velho, como tinha ele conseguido curar a sua cegueira, viver no palácio e casar até com a princesa.

Ele sabia que o seu irmão tinha um coração de manteiga, que lhe perdoaria e lhe daria um cargo importante. E foi realmente isso tudo que aconteceu!

Ele contou-lhe tudo o que se passara, sem nada esconder.

Chegado ao pé do carvalho, mandou o cavalo embora e trepou com dificuldade, até ao topo da árvore, ficando silencioso. Anoitecia.

Nessa mesma tarde, o mais novo dos irmãos levou um cavalo e cavalgou até ao bosque encantado.

Os dragões apareceram então, mas vinham furiosos.

- É verdade! Disse outro. Um cego já vê, já há água na Cidade das Estátuas de Vidro e a princesa ficou curada.

- Alguém esteve aqui escondido a ouvir os nossos segredos, disse um deles.

- Se calhar está aqui algum humano, a ouvir os nossos segredos, sussurrou o dragão mais velho. - Vamos atirar labaredas de fogo por todo o bosque, para ver o que acontece.

Todos os dragões soltaram fogo ao mesmo tempo e viram logo um rapaz gordo, abraçado a um ramo do carvalho.

O que se pode contar com toda a certeza, é que aquele rapaz nunca mais foi visto em lado nenhum.

Ninguém sabe dizer o que aconteceu depois.