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ISSN 2176-1396
OS TEMAS TRANSVERSAIS NA EDUCAÇÃO FÍSICA E A
COMPREENSÃO DO FUTEBOL COMO PRÁTICA CORPORAL E
SOCIAL
Roberto do Valle Mossa1 - UFPR
Deborah Helenise Lemes de Paula2 - SME/PR
Grupo de Trabalho – Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: CAPES/PIBID-UFPR
Resumo
O presente texto relata a experiência de uma prática pedagógica construída, a partir da escolha
dos estudantes, com a temática Futebol, que, de certo modo, tencionam com o cenário da
modalidade no contexto brasileiro. A proposta foi realizada numa Unidade de Educação
Integral da Rede Municipal de Ensino de Curitiba, no ano de 2016, com estudantes do 6° ao 9°
ano. Objetivando romper com práticas que enfatizam apenas os gestos motores e de treinamento
esportivo no ambiente escolar, identificamos possíveis temas transversais que permeiam a
modalidade esportiva - futebol - e influenciam diretamente a opinião dos jovens, como, por
exemplo, a interferência que a mídia exerce no esporte, os altos investimentos financeiros a
alguns times em detrimento de outros, a função das torcidas organizadas e a presença da mulher
no futebol. Estabelecemos como objetivos de aprendizagem: reconhecer a origem desta
modalidade e as possíveis transformações sociais que compõem esta cultura corporal, além de
compreender criticamente o papel das torcidas “comuns” e das torcidas organizadas, expondo
questões sobre fundamentalismo e extremismo na sociedade a partir do futebol A partir disso,
foram quatro aulas planejadas, com diferentes estratégias metodológicas teórico-prático, sendo
que, os resultados atingidos, indicaram a importância da reflexão acerca dos problemas sociais
no contexto da Educação Física, possibilitando ao estudante compreender sua realidade social.
Ao final da proposta de trabalho, concluímos que muito mais do que ensinar gestos técnicos
corretamente, cabe ao professor de Educação Física problematizar e oferecer aos estudantes
formas de interpretar e ressignificar manifestações corporais e sociais das práticas de
movimento, ultrapassando o saber fazer (dimensão procedimental) e atingindo valores
transversais (dimensão atitudinal), garantindo ao estudante o direito de questionar e de se livrar
de padrões impostos pela mídia e sociedade.
Palavras-chave: Educação Física Escolar. Futebol. Temas transversais.
1 Acadêmico do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail:
[email protected]. 2 Mestre em Educação pela UFPR. Especialista em Educação Física escolar. Professora de Educação Física da
Rede Municipal de Ensino de Curitiba. E-mail: [email protected].
5796
Introdução
O presente texto relata a experiência de uma prática pedagógica construída, a partir da
escolha dos estudantes, com a temática futebol, que, de certo modo, tencionam com o cenário
da modalidade no contexto brasileiro.
O trabalho foi realizado com uma turma mista do ensino fundamental II, em uma
Unidade de Ensino Integral (UEI), da Rede Municipal de Curitiba, no ano de 2016. Conforme
o Portal Educação de Curitiba3, nas UEI são trabalhados o desenvolvimento de potencialidades
humanas, havendo equilíbrio entre os aspectos biológicos, cognitivos, afetivos, psicológicos,
culturais, motores e sociais. Nas unidades, há diversificação nas práticas educativas, com o
acompanhamento pedagógico e oficinas que propiciam o aprofundamento científico, cultural,
artístico e tecnológico aos estudantes.
Sendo uma ampliação dos conteúdos escolares, estes regidos pelas diretrizes
municipais, as UEI possuem a incumbência de explorar temáticas de forma mais aprofundada,
despertando no estudante um maior interesse e olhar crítico acerca dos assuntos trabalhados.
Conforme o Portal Educação há uma função social diferenciada nas UEI, remetendo ao ensino-
aprendizagem de todos os estudantes em integralidade, embasada na discussão, planejamento,
acompanhamento e avaliação do conjunto de ações que marcam o trabalho pedagógico da
instituição.
A partir dessa proposta, dialogamos com os estudantes sobre quais saberes poderíamos
aprofundar nas aulas de Educação Física. Neste sentido, os estudantes, muito acostumados a
“jogar bola” sugeriram um trabalho com o futebol. Assim, surgiu nos docentes a preocupação
em trabalhar a temática de forma diferenciada, isto é, para além daquilo que os estudantes
estavam acostumados a fazer.
Neste sentido, sem valorizar somente o caráter técnico e prático do futebol, buscando
contemplar questões inerentes à modalidade, listamos possíveis temas transversais (BRASIL,
1997b) que poderiam ser trabalhados a partir da modalidade esportiva, futebol, e seus
tencionamentos frente à sociedade.
Nesse processo, identificamos que torcidas organizadas seria um tema de importante
debate, uma vez que na fase de desenvolvimento que os estudantes encontravam-se, suas
escolhas pelos esportes e times de futebol parecem ser delineadas e de certo modo influenciadas
pela mídia. Essa, por sua vez, enfatiza os maiores e mais rentáveis clubes, em detrimento de
3 www.cidadedoconhecimento.org.br
5797
outros menores que não oferecem retorno financeiro aos veículos de comunicação,
principalmente a televisão.
A partir disso, estabelecemos como objetivo de trabalho com a prática pedagógica sobre
o futebol: reconhecer a origem desta modalidade e as possíveis transformações sociais que
compõem esta cultura corporal, além de compreender criticamente o papel das torcidas
“comuns” e das torcidas organizadas, expondo questões sobre fundamentalismo e extremismo
na sociedade a partir do futebol.
Desenvolvimento
Para Darido (2012), ensinar Educação Física não significa tratar apenas de técnicas e
táticas, mais do que isso, oferecer uma formação ampla voltada à formação do cidadão crítico.
Conforme a autora, a finalidade é possibilitar aos estudantes que, durante e após as suas práticas,
possam usufruir do esporte para o lazer, reflexão crítica e também melhoria da qualidade de
vida. Pretende-se assim que o estudante, a partir das aulas, tenha condições de reivindicar
espaços de lazer, repudiar formas de violência no esporte e na sociedade, compreender o papel
do futebol na cultura brasileira, respeitar diferentes grupos étnicos, compreender diferenças
entre homens e mulheres, cuidar de seu meio ambiente etc. (DARIDO, 2012).
Complementando essa ideia, o Coletivo de Autores (1992) menciona a importância e
necessidade que a Educação Física possui em tratar grandes problemas sociais nas aulas, como
ecologia, questões de gênero, relações sociais do trabalho, distribuição de solo urbano,
preconceito de variadas formas, como racial, de deficiências, velhice, dentre outras questões.
Conforme os autores, a reflexão e crítica quanto estes problemas é necessária, onde existe o
intuito de possibilitar ao estudante a compreensão de sua realidade social e seu contexto.
Neste sentido, os temas transversais assumem de forma concreta a possibilidade de
trabalho educativo da Educação Física com temáticas que problematizem as diferentes questões
sociais. Entretanto, vale frisar que o termo “transversalidade” passou por todo um processo de
construção e conhecer esse processo possibilita um melhor e mais pleno entendimento e
utilização do conceito. Seu início se deu na reforma do sistema educacional espanhol,
assumindo diferentes significados até chegar ao atual. Conforme menciona Gavídia (2002, p.
15):
5798
A construção do conceito de transversalidade foi realizada em pouco tempo, com
contribuições diversas que foram acrescentando significados novos ao termo. Esses
significados foram aceitos rapidamente, enriquecendo a representação que temos hoje.
Se antes transversal significava certos conteúdos a serem considerados nas diversas
disciplinas escolares – a higiene, o recibo de luz, a moradia, etc. –, agora representa o
conjunto de valores, atitudes e comportamentos mais importantes que devem ser
ensinados.
No Brasil, o conjunto dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997a) foi o
pioneiro quanto ao surgimento do termo, inspirado pela reforma espanhola.
A transversalidade diz respeito à possibilidade de se estabelecer, na prática educativa,
uma relação entre aprender na realidade e da realidade conhecimentos teoricamente
sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real e sua
transformação (aprender na realidade e da realidade). (BRASIL, 1997b, p. 30).
Atualmente, os Temas Transversais constituem-se como centro das mais variadas
preocupações sociais, neste sentido, Busquets (2003) sugere que ele seja o principal eixo de
trabalho das áreas curriculares.
Assim, os conteúdos curriculares são compreendidos como meios através dos quais se
objetiva ampliar a capacidade de refletir, significar, interpretar e ressignificar propriamente o
mundo que nos envolve. A partir da organização dos conteúdos, entorno dos eixos que
manifestam a problemática do cotidiano, estes se transformarão em instrumentos destacados à
ampliação da capacidade crítica e de reflexão. Para Busquets (2003, p.38) "sem um contexto
para situá-los, para grande parte dos estudantes os conteúdos curriculares transformam-se em
algo absolutamente carente de interesse ou totalmente incompreensível".
Ainda conforme a autora, se a cultura, e consequentemente o ensino, são produtos das
ideias predominantes ao longo da história, e se estas ideias avançam, é natural que estes avanços
também se reflitam nos conteúdos escolares. Para a autora, não se pode esperar que os campos
de pensamento que se iniciaram com a ciência clássica, na Grécia Antiga, proporcionem
conhecimentos sobre tudo aquilo que os homens e as mulheres do presente precisam saber,
visto que vivemos em uma sociedade que clama pela paz, desenvolvimento da afetividade e da
sexualidade, da vida mais saudável, igualdade de direitos e oportunidades, preservação e
melhora do meio ambiente etc. (BUSQUETS, 2003).
Os temas transversais destinam-se a superar alguns efeitos perversos – aqueles dos
quais a sociedade atual se conscientizou – que, junto com outros de grande validade,
herdamos da cultura tradicional. (BUSQUETS, 2003, p. 36).
5799
Assim, compreendendo a Educação Física como uma linguagem, entendemos que
através dela é possível construir um trabalho pedagógico com os estudantes que tenha como
escopo a transversalidade, como a ética, pluralidade cultural, trabalho e consumo, gênero e
sexualidade, dentre outros possíveis de serem agregados ao Futebol, conteúdo vivido no
presente trabalho.
Encaminhamentos Metodológicos
Neste tópico iremos apresentar os encaminhamentos metodológicos adotados para o
trabalho pedagógico com a temática: futebol, transversalidade e o diálogo com a Educação
Física.
O encaminhamento ora apresentado teve duração de aproximadamente 1 mês, isto é, 4
aulas, tendo em vista a organização das atividades com a prática da Educação Física na UEI.
A primeira estratégia metodológica construída para contemplar o futebol no Brasil e as
temáticas transversais, foi questionar quantas crianças na turma já haviam ido a um estádio de
futebol e para qual time torciam. Esse levantamento já nos indicou o conhecimento prévio que
os estudantes possuíam acerca da modalidade e nos conduziu ao segundo encaminhamento, que
foi, a apresentação de forma expositiva e interativa sobre o surgimento da modalidade e sua
chegada ao Brasil, embasado por dados históricos.
Num segundo momento, investigamos o conhecimento que os estudantes tinham acerca
das torcidas organizadas, questionando-os sobre o que eles sabiam sobre o tema. A partir das
respostas dadas e com o auxílio de vídeos selecionados, como um vídeo documentário que
mostra a relação do Clube Atlético Juventus – SP, um dos primeiros times de futebol do país,
junto a sua torcida, foi possível problematizar/demonstrar o papel do torcedor, bem como boas
práticas dos grupos de torcida, em contraste aos maus exemplos de violência e extremismo de
minorias, que não aceitam, ou oprimem, seu semelhante devido a escolha pela torcida de uma
equipe adversária.
O conceito de exclusão também foi problematizado através da presença mínima das
mulheres no Futebol, tanto no âmbito recreacional como no profissional, além de haver, neste
último caso, salários notadamente menores que dos homens. Também foi colocado em
discussão a influência que a mídia exerce neste esporte, favorecendo grandes clubes e
mitificando determinados atletas em detrimento de outros, principalmente quando se pensa em
Futebol feminino.
5800
Outra questão abordada foi: Por que torna-se comum lembrar da versão feminina de
todos esportes, seja Voleibol, Natação, Judô, enquanto jogos de Futebol feminino são
esquecidos, com a maior parte do público fã da modalidade sequer conhecendo as jogadoras da
seleção brasileira? Esse questionamento feito às crianças complementou a problematização
acerca do dinheiro envolvido com este esporte, com referências a patrocínios, investimentos e
interesses de grandes empresas.
Como uma das atividades práticas, foi elaborada a brincadeira “Lobo e Ovelha”,
adaptada em situação alusiva à intolerância e exclusão social. Assim, foi proposto às crianças
a formação de um círculo, todas com os braços entrelaçados, onde uma, de fora, buscava
adentrá-lo, ao mesmo tempo em que os demais impediam, utilizando o próprio corpo, a
passagem do “excluído”, formando uma parede humana, conforme a Figura 1.
Figura 1 - Atividade prática "Lobo e Ovelha"
Fonte: Os autores (2016)
A Figura 1 mostra que, apesar do lúdico envolvido, que contagiou e divertiu as crianças
no desafio proposto, tanto o estudante que buscava entrar na roda, quanto os que estavam
impedindo sua entrada, manifestaram o desconforto por impedir a entrada ou por não obter
êxito entrando. Isto foi detectado nos momentos em que a criança cessava as tentativas, com
intuito de descansar e, frente a dificuldade enfrentada, pensar em novos meios de atingir o
objetivo.
A atividade prática observada na Figura 1 também teve como intuito remeter a ideia de
exclusão, ou afastamento, de determinados indivíduos de grupos sociais ao qual não são aceitos
por suas escolhas individuais, como no caso das mulheres no universo do Futebol. Seja no
5801
âmbito profissional, de lazer e recreacional, ou mesmo no ambiente escolar, as meninas tendem
a ser, ou se sentir, excluídas dos jogos, como, por exemplo, ao notarem que são afastadas da
atividade pelos meninos que apresentam maior destreza e posse da bola durante os jogos, além
da força física feminina, geralmente menor a partir da fase púbere. Ou ainda por apresentarem
dificuldades em realizar habilidades motoras básicas, como o ato do chute, justamente por terem
recebido pouco estímulo ambiental, seja por falta da prática em aulas de Educação Física, ou
mesmo por influência do ambiente social/familiar, que podem considerar o ato de chutar uma
bola como sendo algo que pertencente ao universo masculino, incentivando as meninas apenas
às práticas corporais historicamente impostas a elas.
As atividades com bola não poderiam ser desprezadas no planejamento, entretanto, com
intuito de contemplar o conteúdo proposto, foram planejadas atividades lúdicas de forma a não
valorizar somente a técnica ou o esporte em si. Assumimos a preocupação em não reproduzir
espaços de treinamento, bem como não valorizar, neste momento, regras oficiais da modalidade
sob orientações pré-concebidas ao esporte.
Assim, visando a familiarização de todos da turma, tanto dos que possuíam maior
habilidade por razões de estímulos, como dos que tinham pouca ou nenhuma ambientação,
selecionamos variados tipos de bola (tamanhos e pesos) para a realização de uma adaptação ao
Curling.4
O jogo, em sua versão oficial, é praticado em uma pista de gelo, cujo objetivo é deslizar
pedras de granito o mais próximo possível do alvo, contando com o auxílio de jogadores que
“enxugam” o gelo, com auxílio de rodos, no sentido de deixá-lo mais ou menos deslizante,
assim controlando a velocidade da pedra. A prática, em si, adaptada, consistiu em impulsionar
a bola com os pés, tanto o dominante quanto o oposto, tendo como objetivo atingir o alvo
principal desenhado no chão do espaço, disposto dentro de grandes círculos sobrepostos um
dentro ao outro, cada qual com respectivo valor de pontuação, estipulada de acordo com o nível
de dificuldade e distância, também sendo permitido às crianças atingir e afastar a bola lançada
pelas demais participantes, a fim de tornar o jogo mais dinâmico e estratégico. Na Figura 2 é
possível observar a proposta do Curling adaptado ao futebol.
4 Modalidade esportiva tradicional das Olímpiadas de Inverno e prevista como exemplo na Base Nacional
Comum Curricular (2017), estando inserida dentro do modelo de classificação “Precisão”, da unidade temática
“Esportes”, que compõe as práticas corporais.
5802
Figura 2 - Criança chutando bola de basquete esvaziada no jogo alusivo ao Curling
Fonte: Os autores (2016)
A Figura 2 revela o momento de participação de uma criança na prática do Curling
adaptado, o qual, do ponto de vista da prática corporal, a habilidade trabalhada foi o chute.
Além disso, exigiu dos estudantes noção de espaço, tempo e força empenhada na realização do
movimento. A atividade possibilitou problematizar as diferenças corporais de movimento que
se assumem nas práticas, isto é, que cada corpo deve ser respeitado a partir de suas capacidades
e habilidades.
Em outro momento, foi realizada atividade alusiva ao Boliche, utilizando pinos de
plástico, cujo objetivo era derrubá-los impulsionando a bola com os pés, conforme Figura 3.
5803
Figura 3 - Brincadeira de boliche
Fonte: Os autores (2016)
Na figura 3 é possível observar a brincadeira sendo vivenciada, também realizada como
estratégia metodológica no trabalho com o Futebol, desvelando a possibilidade de forma lúdica
para além do jogo e da técnica pura. Todavia, ainda é preciso deixar claro que o trabalho com
a técnica também é fundamental, no entanto no contexto escolar não deve assumir essa única
forma.
Ambas atividades transcorreram sem grandes diferenciações de nível de habilidade
motora. Essas práticas ocorreram com o uso de diferentes tipos de bolas, inclusive esvaziadas,
de modo a elevar o grau de dificuldade e estimular o aspecto sensorial nas crianças. As
atividades transcorreram de forma inclusiva, proporcionando a participação de todas as
crianças, independente do grau de destreza com relação ao chute e buscando a não formação de
fila, em ações colaborativas, no sentindo de distribuir tarefas aos participantes: a criança
responsável por levantar os pinos derrubados, a que realizava a contagem e soma, a que
5804
recolocava a bola na marcação e as que auxiliavam o chutador, em esforço para não gerar a
ociosidade da espera pela vez.
Resultados e Discussão
Pudemos perceber, através dos encaminhamentos realizados, resultados interessantes
frente à proposta. Percebemos que os estudantes reconheceram as transformações sociais que
compõem esta cultura corporal e compreenderam criticamente o papel das torcidas organizadas,
bem assim como a influência que a mídia e o envolvimento do dinheiro podem exercer no
Futebol.
Isso pôde ser constatado principalmente na fala dos estudantes durante as discussões e
na produção de um cartaz que utilizamos como instrumento/procedimento avaliativo.
Figura 4 - Crianças no momento da produção do cartaz
Fonte: Os autores (2016)
A Figura 4 mostra a turma em momento de concentração, debatendo ideias para a
confecção de um cartaz, de forma livre, com recortes, desenhos, frases etc, meio com o qual
tiveram a oportunidade de reproduzir seus sentimentos acerca do que viram, sentiram e
5805
compreenderam, produzindo, em conjunto, e materializando desta maneira, uma crítica às
questões do extremismo, fanatismo, exclusão, desrespeito e hostilização.
Quanto a vivência de uma nova prática corporal – Curling – típica a outras culturas, no
caderno-diário (instrumento de memórias quanto a sentimentos e impressões das práticas
realizadas) de uma das crianças, foi visto a reprodução em forma de desenho acerca do jogo
experenciado, como é possível verificar na Figura 5.
Figura 5 - Desenho no caderno de uma das crianças como memória da prática do Curling adaptado.
Fonte: Os autores (2016)
Na Figura 5 é possível observar o desenho da prática vivenciada pelo estudante, além
disso, nesse mesmo registro, ele relata que teve dificuldade em realizar a atividade proposta,
concluindo que precisava brincar mais vezes com o movimento para que o aprendizado se
concretizasse. Esse processo de autoavaliação, identificado neste diário, revela o impacto
positivo que as discussões e práticas provocaram nele. Do ponto de vista dos temas transversais
percebemos que o estudante compreendeu as diferenças corporais e respeitou a diferença de
movimentação do seu próprio corpo.
Foi notado também que a turma, integralmente, se lembrou de momentos de violência
por parte das torcidas organizadas dos grandes clubes, mencionando cenas de violência vistas
na televisão. Usualmente os veículos de comunicação – emissores de informação – delineando
o pensamento e opinião do receptor (sociedade), se reportam a tais grupos sempre mencionando
5806
referindo situações de violência e extremismo, em detrimento aos torcedores não envolvidos
com tais atos e a ações apreciáveis e notáveis, como campanhas de doação e outras atividades
de lazer.
Contratos de patrocínio, retorno financeiro e lucratividade de empresas utilizando o
Futebol também foram discutidos com a turma e foi tema abordado na construção dos cartazes.
No que versa às atividades práticas realizadas, pudemos ver crianças enfrentando suas
dificuldades e respeitando seu movimento e o movimento do outro. Também percebemos que
os estudantes ajustaram suas habilidades às necessidades das práticas propostas e
transformaram um não saber em saber. Vale destacar também o debate que fizemos após a
brincadeira “Lobo e ovelha” enriquecendo a reflexão sobre os grupos excluídos, levando os
estudantes a perceberem corporalmente como este processo se dá na sociedade.
Conclusão
Os resultados atingidos corroboram com o Coletivos de Autores (1992), afirmando que
a reflexão acerca dos problemas sociais é necessária, possibilitando ao estudante compreender
sua realidade social. Concluímos que muito mais do que ensinar gestos técnicos corretamente,
cabe ao professor de Educação Física problematizar e oferecer aos estudantes formas de
interpretar e ressignificar manifestações corporais e sociais das práticas de movimento,
ultrapassando o saber fazer (dimensão procedimental) e atingindo valores transversais
(dimensão atitudinal), garantindo ao estudante o direito de questionar e de se livrar de padrões
impostos pela mídia e sociedade.
Corroborando com o discurso de BUSQUETS (2003), inclusive no universo do Futebol
há possibilidades concretas de identificar grande gama de temáticas que permeiam as
transversalidades envolvidas à modalidade, superando efeitos maléficos herdados da cultura
tradicional e assimilados pela sociedade atual, devendo os temas transversais estar em posição
igualitária no ensino escolar, sem detrimento frente às ciências clássicas, entretanto revisando
e adequando conteúdos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental.
– Brasília: MEC/SEF, 1997a.
5807
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educação Fundamental. –
Brasília: MEC/SEF, 1997b.
BUSQUETS, M. S. et al. Temas transversais em educação: bases para uma formação
integral. São Paulo: Ática, 2003.
DARIDO, S. C., Temas Transversais e a Educação Física escolar. In: Suraya Cristina Darido.
(Org.). Cadernos de Formação: Conteúdos e Didática de Educação Física. São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2012, v. 1, p. 76-89.
GAVÍDIA, Valentin. A construção do conceito de transversalidade. In: ÁLVAREZ,
María Nieves et al. Valores e temas transversais no currículo. Porto Alegre, Artmed, 2002.
(p. 15-30)
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo:
Cortez, 1992.