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OS ÚLTIMOS TRÊS DIAS DE FERNANDO PESSOA. UM DELÍRIO ANÁLISE E CONTEXTUALIZAÇÃO DO TÍTULO Nesta exposição oral, gostaria de fazer uma análise do título desta e obra e, depois, fazer uma contextualização dessas conclusões na perspetiva de Fernando Pessoa. Para a análise do título desta obra, considerei a divisão do título em duas partes: Os Últimos Três Dias De Fernando Pessoa Um Delírio Nesta metade do título apercebemo-nos da referência ao final de vida (o final de vida “De Fernando Pessoa”), os “Três dias de agonia” antes do dia da sua morte a 30 de Novembro de 1935 onde Tabucchi faz uma montagem dos seus momentos finais com características bem próprias dos heterónimos. Mas porque são “ Os Últimos Três Dias […]”? Podemos encarar esta como uma referência aos seus principais Heterónimos: Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro Campos, aos diálogos que se travam entre estes e o Ortónimo. No entanto, os diálogos são abrangidos a mais dois dos seus heterónimos: Bernardo Soares (autor do livro Desassossego) e António Mora (heterónimo filósofo, com uma patologia mental- “psiconevrose intercorrente”). Este Delírio define o estado de Fernando Pessoa que é, mais concretamente, um delírio onírico, pois trata-se do encontro do poeta com os seus heterónimos e “com fantasmas que o acompanharam durante toda a vida”. Esta loucura acaba por ser evidenciada e reforçada pela aparição da avó de Fernando Pessoa: “toda a tua vida me terás por companhia, porque a vida é uma loucura e tu saberás como viver a loucura”. Para além da companhia da avó Dionísia, Fernando Pessoa também acaba sempre por contar com os seus heterónimos (frutos do seu delírio), principalmente com aquele que nomeia de Mestre , que fez “as vezes do seu pai […]”, e por quem ele (e os heterónimos) basearam as suas filosofias de vida . Contextualização na perspectiva do autor Assim, após esta análise, podemos concluir que o mundo de Fernando Pessoa era feito de loucura. Não me custa admitir que eu seja louco, mas exijo que se compreenda que não sou louco diferentemente de Shakespeare, qual quer que seja o valor relativo dos produtos do lado são da nossa loucura. Excerto da Carta a Adolfo Casais Monteiro Para ele a loucura está longe de ser uma anomalia.

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OS ÚLTIMOS TRÊS DIAS DE FERNANDO PESSOA. UM DELÍRIOANÁLISE E CONTEXTUALIZAÇÃO DO TÍTULO

Nesta exposição oral, gostaria de fazer uma análise do título desta e obra e, depois, fazer uma contextualização dessas conclusões na perspetiva de Fernando Pessoa.Para a análise do título desta obra, considerei a divisão do título em duas partes:

Os Últimos Três Dias De Fernando Pessoa Um Delírio

Nesta metade do título apercebemo-nos da referência ao final de vida (o final de vida “De Fernando Pessoa”), os “Três dias de agonia” antes do dia da sua morte a 30 de Novembro de 1935 onde Tabucchi faz uma montagem dos seus momentos finais com características bem próprias dos heterónimos.

Mas porque são “ Os Últimos Três Dias […]”?Podemos encarar esta como uma referência aos seus

principais Heterónimos: Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro Campos, aos diálogos que se travam entre estes e o Ortónimo. No entanto, os diálogos são abrangidos a mais dois dos seus heterónimos: Bernardo Soares (autor do livro Desassossego) e António Mora (heterónimo filósofo, com uma patologia mental- “psiconevrose intercorrente”).

Este Delírio define o estado de Fernando Pessoa que é, mais concretamente, um delírio onírico, pois trata-se do encontro do poeta com os seus heterónimos e “com fantasmas que o acompanharam durante toda a vida”.

Esta loucura acaba por ser evidenciada e reforçada pela aparição da avó de Fernando Pessoa: “toda a tua vida me terás por companhia, porque a vida é uma loucura e tu saberás como viver a loucura”.

Para além da companhia da avó Dionísia, Fernando Pessoa também acaba sempre por contar com os seus heterónimos (frutos do seu delírio), principalmente com aquele que nomeia de Mestre , que fez “as vezes do seu pai […]”, e por quem ele (e os heterónimos) basearam as suas filosofias de vida.

Contextualização na perspectiva do autorAssim, após esta análise, podemos concluir que o mundo de Fernando Pessoa era feito de loucura.

Não me custa admitir que eu seja louco, mas exijo que se compreenda que não sou louco diferentemente de Shakespeare, qualquer que seja o valor relativo dos produtos do lado são da nossa loucura.

Excerto da Carta a Adolfo Casais Monteiro

Para ele a loucura está longe de ser uma anomalia.

Isto faz-nos pensar na subjetividade deste conceito, e se será correta a atribuição deste “título” a alguém que não siga os padrões impostos socialmente, já que «a loucura», segundo António Mora, «é uma condição inventada pelos homens para isolar os que incomodam a sociedade».Reparemos em Alberto Caeiro e Ricardo Reis que viviam isolados da sociedade (o primeiro viveu a grande parte da vida no Ribatejo, enquanto que o segundo fingiu ter viajado para o Brasil (“voltei do meu Brasil imaginário”) quando, na verdade, tinha-se refugiado numa pequena aldeia do Ribatejo, Azeitão). “Fazer qualquer coisa ao contrário do que todos fazem é quase tão mau como fazer qualquer coisa porque todos a fazem. Isto é, ao olhos ao olhos da sociedade fazer qualquer ciosa ao contrário do que os outros fazem é mau, mas Fernando Pessoa contradiz dizendo que ainda é pior que será ainda pior fazer algo porque todos o fazem, e continua. Mostra uma igual preocupação com os outros, uma igual consulta da opinião deles - característica certa da inferioridade absoluta.”

Assim, estes génios da humanidade, como António Mora, continuarão a viver confinados à sua condição de solidão, entre aqueles que são designados “normais”. Ilustrado no poema «Quando estou só reconheço que existo entre outros que são como eu sós.»

E eu incomodo a sociedade católica, a Igreja, porque prego o regresso dos deuses, só você poderia ajudar-me, ó grande Pessoa, mas agora você também vai atravessar o Aqueronte e eu ficarei só, num asilo de alienados, sem ninguém que possa publicar os meus escritos.

mega, 08-12-2013,
António Mora, o heterónimo filósofo, neopaganista. Era um louco génio: um homem sábio mas visto pela sociedade como um demente.
mega, 08-12-2013,
“Vou dizer-lhe, caro Caeiro, respondeu ele, o fato é que eu tinha necessidade de um guia e de um coagulante, não sei se me explico, de outro modo minha vida se teria partido em mil pedaços, graças ao senhor encontrei uma coesão, na realidade eu é que elegi pai e Mestre”.  Pág. 8
mega, 08-12-2013,
Avó Dionísia que faleceu no manicómio em que foi internada após o aborto espontâneo dos nove filhos.
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Vivem então num mundo em que são incompreendidos pela sociedade demasiado vulgar e incapaz de ir além do convencional e não desenvolver a sua “loucura”. A sociedade que fomenta os estereótipos, onde a opção religiosa, sexual, filosofia de vida/ modo de pensar, etc., é encarada como um insulto perante a sociedade homogeneizada.

Assim, podemos concluir que os heterónimos de Fernando Pessoa acabam por ser um produto da solidão de Pessoa, pois são únicos que este se pode basear e compreender o próprio Pessoa. Nem aqueles que lhe são mais próximos o compreendem (Carlos Moutinho Almeida, Coelho Pacheco e a própria Ofélia – justificação do curto relacionamento com Pessoa) e isto pode ser justificado com o facto de Pessoa não querer a companhia de qualquer um deles durante o seu internamento: “O senhor Moitinho de Almeida queria ficar, mas Pessoa despediu-o amavelmente. Deu um abraço rápido aos outros dois. Deixem-me, caros amigos, disse, possivelmente esta noite e amanhã vou ter visitas, vêmo-nos depois de amanhã.”; ou até com o seu diálogo com Álvaro Campos relativamente ao amor e a Ofélia:”[…] tu entraste na minha vida, substituíste-te a mim, foste tu que fizeste com que a minha relação com Ophélia acabasse. Fi-lo para teu bem, replicou Álvaro de Campos […]” Talvez a única Pessoa que o compreendesse fosse Mário de Sá Carneiro, que se suicidou, talvez, pela solidão que sentia; por não ter, como Pessoa, alguém que pudesse fazer “as vezes do seu pai […]”.

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