Os antigos e a nação: algumas reflexões sobre os usos da antiguidade clássica no IHGB (1840-1860).pdf

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    L’Atelier du Centre derecherches historiquesRevue électronique du CRH

    07 | 2011 :L’historiographie aujourd’hui : défis, expériences, enjeuxLa querelle des Anciens et des Sauvages

    Os antigos e a nação: algumasreflexões sobre os usos daantiguidade clássica no IHGB(1840-1860)

    R ODRIGO TURIN

    Traduction(s) :

    Les anciens et la Nation : quelques réflexions sur les utilisations de

    l’Antiquité classique à l’Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1840-

    1860)

     RésumésPortuguês Français EnglishO  objetivo deste artigo é discutir, a partir da reconstrução de alguns usos da antiguidadeclássica no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, algumas  limitações e problemas naaplicação do modelo koselleckiano de formação do conceito moderno de História em espaçoslingüísticos distintos daquele analisado pelo historiador alemão. A reconstrução destes usosdos antigos, tendo em vista os contextos de debates e os gêneros de escrita nos quais seinserem, é apresentada aqui como um caminho de análise que possibilita resgatar os diferentesmodos de representação do passado, enfatizando suas especificidades e contingências.

    L’objectif de cet article est de partir de la reconstruction des usages de l’antiquité classiquedans le cadre de l’Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro pour discuter et mettre enquestion quelques limites de l’application du modèle koselleckien de formation du conceptmoderne d’Histoire à des espaces linguistiques autres que ceux analysés par l’historienallemand. La reconstruction de ces usages des anciens  par l’IHGB tient en compte lescontextes des débats intellectuels ainsi que les genres d’écriture où ils s’inscrivent, et elle est ici

    https://acrh.revues.org/3730http://acrh.revues.org/http://acrh.revues.org/http://acrh.revues.org/http://acrh.revues.org/http://acrh.revues.org/http://acrh.revues.org/http://acrh.revues.org/https://acrh.revues.org/3748#abstract-3748-enhttps://acrh.revues.org/3748#abstract-3748-frhttps://acrh.revues.org/3748#abstract-3748-pthttps://acrh.revues.org/3730https://acrh.revues.org/2895http://acrh.revues.org/

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    présentée comme une voie permettant de saisir les différentes modalités de représentation dupassé, tout en mettant en relief leurs spécificités et contingences.

    The aim of the present article is to discuss some limitations and problems raised whenapplying the Koselleck’s model of modern concept of History into linguistic spaces other thanthat studied by this German historian. The reconstruction of the ways in which the ancientsare used by the Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, considered together with theintellectual contexts as well as the writing genres enrolled in each text, enable thecomprehension of different means to represent the past, emphasizing its specificities and

    contingencies.

     Entrées d’index 

    Mots-clés : anciens, histoire du Brésil, historiographie, Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro (IHGB), Koselleck (Reinhart), VarnhagenKeywords : ancients, historiography , history of Brazil, Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro (IHGB), Koselleck (Reinhart), VarnhagenPalabras chave : antigos, história do Brasil, historiografia, Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro (IHGB), Koselleck (Reinhart), Varnhagen

    Notes de l’auteur 

    Parte desta pesquisa foi apresentada originalmente no II Colóquio Internacional Antigos e Modernos, ocorrido na Universidade de São Paulo em setembro de 2009. Rodrigo Turin.« Entre ‘antigos’ e ‘selvagens’: notas sobre os usos da comparação no IHGB », Revista de

     História, Edição Especial, 2010, p. 131-146.

    Texte intégral 

     Afficher l’image

    Que cada um seja à sua maneira um grego!Goethe, «Antik und Modern» (1818)

    A legitimidade da nação e o(s)significado(s) de uma ausência

    Qual o lugar dos antigos quando se trata de escrever a história da nação? Que espaçolhes atribuir quando a tarefa do historiador deve se concentrar em estabelecer osdocumentos da nacionalidade, determinar sua cronologia, os elementos de suaformação, o sentido de sua história? O que eles podem oferecer a um programa tão

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    O antigo, o moderno e as antinomiasdo modelo

    fortemente delineado, cuja esmagadora hegemonia não deixa espaço a outros objetos (eobjetivos) historiográficos senão aqueles que podem incluir-se sob a rubrica nação1? Oque resta, enfim, da autoridade dos antigos quando todo esforço está dirigido a garantira legitimidade dos modernos2? Ao interrogar os usos da antiguidade clássica na Revistado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, não há como fugir a essas questões3. Umprimeiro olhar lançado sobre os artigos publicados na revista durante seus primeiros vinte anos de existência revela a completa ausência de investigações sobre esse tema.

    Na distribuição dos espaços ali realizada, fica patente a sua não inserção enquantoobjeto histórico - pelo menos não diretamente. Tanto nos estatutos como nosprogramas que balizaram as tarefas do IHGB, tudo girava em torno da construçãodeliberada e urgente de uma história nacional ainda inexistente, não havendo, porconseguinte, justificativa para outros interesses intelectuais.

    Contudo, se os antigos  ali não aparecem como objetos exclusivos de investimentohistoriográfico, eles também não deixam de ser invocados nos textos produzidos pelossócios do IHGB. A constatação dessa presença, concretizada de modo abundante naforma de epílogos, citações e comparações, indica, entre outras coisas, a familiaridadedesses autores com a tradição clássica e, como já ressaltou Roberto Acízelo de Souza, o

    importante papel que a eloqüência continuava a desempenhar no Império4

    . Convémlembrar, portanto, que se o objetivo era construir uma história moderna (ou filosófica)da nação, não foi esse o modelo historiográfico no qual eles próprios se formaram.Desse modo, essa sensível presença de referências à antiguidade clássica não deixa detrazer alguns problemas para a compreensão do processo de formação de um conceitomoderno de história no Brasil, em sua temporalidade e especificidade. Afinal, osdeslocamentos semânticos implicados na formação de um regime moderno dehistoricidade levavam, em princípio, a uma perda da capacidade do passado emoferecer lições ao presente5. Deixando de ser fonte de autoridade, o passado deveria sercompreendido em sua própria historicidade. Como entender, então, essa presença dosantigos nos textos do IHGB? Como simples recurso retórico? Mas justamente, se o fimúltimo da retórica é a persuasão, esta só pode realizar-se num reconhecimento  daautoridade dos argumentos utilizados6. Seria tal continuidade índice do lugarfundamental que as concepções hierárquicas continuavam a desempenhar no Impériodo Brasil com suas diferentes ordens, levando ao reconhecimento e à valorização,diferentemente de sociedades fundadas em princípios igualitários como os EstadosUnidos de Tocqueville, da assimetria  implícita na noção mesma de autoridade7? Detodo modo, longe de ser algo naturalizado, porque ainda a ser construída, a elaboraçãode uma escrita moderna da história nacional não deixaria de coexistir e de confrontar-se, de diferentes formas e com sentidos diversos, com a autoridade da tradição clássica.

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     A produção historiográfica voltada para o estudo da escrita da história no Brasiloitocentista tem passado, nos últimos anos, por um processo de especialização erenovação de seus procedimentos e programas teóricos, ofertando novas chaves deleitura que têm permitido enriquecer nossa compreensão das dinâmicas e embates quepresidiram a disciplinarização do saber histórico8. A interrogação desses textos a partir

    de suas próprias especificidades conceituais, narrativas e epistemológicas tempossibilitado a construção de uma visão mais complexa dos modos como os literatos

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    Entre os sócios do IHGB, a referência aos antigos assinala alguns balizamentos

    envolvidos na elaboração de uma história nacional representavam o passado eelaboravam uma determinada ordem do tempo, materializando-os em uma escrita. Assim, o estudo dessas obras e autores deixou de reduzir-se seja a um trabalho decatalogação cujo pressuposto é um processo evolutivo e empiricista da escrita dahistória - dirigido na maioria das vezes à construção de uma memória disciplinar - sejaa um determinado modo de explicação causal que torna essa escrita apenas umelemento « representativo » ou « reflexo » de alguma outra ordem singular qualquer

    que lhe dá inteligibilidade9. Interrogar as estruturas conceituais que esses textosacionavam, as formas narrativas que optaram, assim como as operações intelectuaisque elegiam como necessárias para a investigação e escrita da história significa,portanto, erigir instrumentos de investigação, em uma linguagem protocolar, quegarantem o reconhecimento da historicidade desses textos ao mesmo tempo em queconfiguram um repertório de problemas historiográficos numa agenda de debate.

    Um dos problemas centrais que se faz presente nessa agenda de debates é justamentea delimitação dos elementos constituintes de uma configuração moderna do tempo e daescrita da história no Brasil, assim como de sua periodização. Desde o importanteartigo de Manoel Salgado Guimarães, « Nação e Civilização nos Trópicos », até recentes

    teses e dissertações, esse problema vem sendo abordado com uma riqueza analíticaconsiderável10. O que me interessa destacar para os fins deste artigo, no entanto, écomo o uso dos antigos vem sendo percebido pela historiografia como um índice desseprocesso. Minha proposta, aqui, longe que querer realizar uma discussão abrangentedessa historiografia, é apenas apontar para a pluralidade de juízos que têm sido feitosacerca dessa presença da antiguidade clássica no IHGB. Em um segundo momento,proponho algumas orientações que permitam articular esses diferentes juízos em umaanálise atenta aos gêneros de escrita e aos contextos de debates - como procurareiexemplificar, por fim, a partir de um debate específico envolvendo a figura doselvagem, travado entre dois sócios daquela instituição.

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     A pergunta acerca do surgimento de um posicionamento moderno  em relação àantiguidade clássica, seja nas reflexões estéticas sobre a imitação, seja na historiografiaatravés do topos da historia magistra, pode receber, a priori , três respostas distintas:a) esses tópicos mantém-se como operadores intelectuais legítimos, subsistindo ao ladodeste novo horizonte conceitual, na medida em que ainda respondem a demandas porele não contempladas; b) eles tornam-se ultrapassados, uma vez que, substituído oparadigma na qual sua funcionalidade era justificada, não haveria mais sentido emmantê-los como princípios norteadores de práticas intelectuais; c) enfim, eles seriamreapropriados dentro desse novo paradigma, assumindo novas funcionalidades deacordo com esse novo plano de questões11. Estas três respostas têm sido trabalhadas,ainda que com entonações diferentes, pelos estudos sobre a escrita da história no Brasil

    oitocentista.

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    Em sua recente tese sobre as biografias produzidas no IHGB, Maria da GlóriaOliveira apontou para a estreita proximidade que os letrados do IHGB estabeleciamentre a escrita biográfica e a sua finalidade moralizadora, tal qual herdada de modelosantigos como Plutarco. Como destaca a autora: « Plenamente afinada ao programa dahistoria magistra, a escrita biográfica apresentava-se, portanto, como portadora deexempla, servindo, acima de tudo, para instruir os brasileiros no presente »12. Mais doque isso, Maria da Glória Oliveira alerta para o tipo de relação estabelecida por essesletrados com a tradição clássica; uma relação cuja  proximidade, mais que odistanciamento, vinha, ao final, também justificar a própria possibilidade de se

    aprender com as biografias:

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    importantes no desdobramento das reflexões em torno da escrita da história. Oque se percebe, sobretudo entre os fundadores do Instituto, é que a evocação deautores canônicos greco-latinos não se estabelece por meio de uma démarchehistoriográfica preocupada em compreender no que o passado difere dopresente, mas se baseia em um jogo de identificações e analogias que, ao final,torna quase nula a distância entre os séculos13.

     Apreciações distintas a essas são colocadas por Valdei Lopes de Araújo, em sua tese

    de doutorado recentemente publicada. Para este autor, a produção historiográfica brasileira é marcada por uma real descontinuidade discursiva e conceitual ocorrida nadécada de 1830, com o movimento romântico14. Esta descontinuidade se caracterizaria,como mostra o autor, pela formação de uma experiência moderna do tempo no Brasil,marcada por uma crescente historicização da realidade, frente à experiência dosletrados provenientes do ambiente ilustrado português, ainda presos a modeloscíclicos. Como conseqüência desse processo, os antigos  deixariam de ser entendidoscomo portadores de exemplos e passariam a ser perspectivados a partir dodistanciamento temporal. De uma concepção vinculada a uma natureza humana fixa elimitada a uma concepção historicizada, a antiguidade clássica deixaria de oferecerlições aos homens do presente. A continuidade da presença dos antigos nos trabalhosdos sócios do IHGB, nesse sentido, seria entendida como um resquício de outra ordemconceitual ou como uma «metaforização», não detendo mais um caráter estruturante.

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    Outro modo possível de compreender essa relação entre a presença da autoridadedos antigos, ainda na chave da historia magistra, com a formação de um conceitomoderno de história é apresentado por Manoel Salgado Guimarães. Como destaca oautor, o topos  da historia magistra  vinha a ser reapropriado, no IHGB, dentro dosparâmetros de uma concepção filosófica, de cunho iluminista, da escrita da história:«Compartilham ainda a concepção da história como mestra, mesmo que esse toposesteja sendo revisto pela escrita oitocentista, apoiando-se na defesa do que denominamuma história filosófica»15. Assim, a autoridade do passado – incluindo-se a dos

    antigos – seria reformulada, num ambiente de disputas e indeterminação quanto aosmodos possíveis de representar adequadamente esse passado, a partir das novasexpectativas desses letrados em inserir o passado numa ordem temporal singular.

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    Resgato essas contribuições, citadas aqui de forma resumida e bastante esquemática,apenas para ressaltar a variedade de posições interpretativas a respeito do papel dosantigos no IHGB. Aquelas três repostas possíveis a uma mesma pergunta encontramaqui formulações específicas. De um modo geral, contudo, e ainda que com entonaçõesdistintas, pode-se dizer que a descrição koselleckiana da formação dos conceitoscentrais da Modernidade e, mais especificamente, do conceito moderno de História,serve como um instrumento heurístico central nessas investigações recentes sobre a

    produção historiográfica no IHGB. Mais do que isso, aquela descrição tem se tornadoum modelo ao qual um conjunto de esforços historiográficos recentes tem recorridopara aplicar ao caso Ibérico, possibilitando uma compreensão profunda e sistemáticadas transformações conceituais ocorridas principalmente no início do século XIX16. Ouso desse modelo, no entanto, também pode representar dois riscos: por um lado,pode-se levar tanto ao congelamento quanto à universalização de um processo emrelação ao qual o próprio Koselleck se mostrava cético em estender a outros países detradição distinta dos países de língua germânica17; por outro lado, o uso desse modelopode servir como uma régua a partir da qual os textos estudados são medidos. Comoconseqüência, corre-se o risco de deixar de revisar e enriquecer os sentidos que o

    conceito de Modernidade pode receber, via comparação, a partir de estudos específicos,assim como o uso desse modelo pode gerar certas distorções, arcaísmos e ambigüidadesque, antes de serem inerentes aos próprios textos estudados, são antes projeções das

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    Este ramo de estudo, tão necessário à civilização dos povos, faltava aos nossospatrícios. Mas consolamo-nos de um tal descuido, porque também o célebreRollin, nos tempos em que a França já muito florescia por suas letras,lamentava sacrificar-se o estudo da história nacional ao de outras históriasantigas, como se só na Grécia e em Roma tivessem aparecidos fatos heróicos evarões prestantes, que merecessem ser imitados24.

    composta apenas por mulheres, tendo por um dos critérios de verossimilhança justamente a suposição da improbabilidade tanto da capacidade de mulheresconstituírem por si só uma sociedade organizada, como também do fato de que seria« ainda menos verossímil, ou antes mais pasmoso, que a energia viril se tenha podidosujeitar ao império das mulheres »22. Essa crítica à autoridade dos antigos, no entanto,não deixaria de conviver nas páginas da revista com outras enunciações nas quais eleseram invocados como figuras capazes de resolver uma contenda ou de justificar

    determinado posicionamento, como o faria, entre outros, Manuel Ferreira Lagos aodefender a vinculação entre história e poesia nos escritos de Gonçalves de Magalhães:« Nos mais célebres engenhos da antiguidade as vemos abraçadas: há história emHomero e Virgílio, há poesia em Plutarco e Tácito »23. A associação entre história epoesia nesses autores reconhecidos como clássicos vinha autorizar, portanto, essamesma prática a um autor moderno. Autoridade que se sustentava em uma assimetriaentre os primeiros e o segundo, garantindo a eficácia retórica daquela transferência delegitimidade. Inclusive, a própria da tarefa que dava sentido à existência do IHGB, a deescrever a história da nação, não deixaria de vir legitimada por uma mesmatransferência, agora através do confronto entre a grandiosidade dos feitos dos antigos e

    aqueles da nação brasileira. Januário da Cunha Barbosa, em seu discurso inaugural porocasião da fundação do IHGB, afirmava (por meio de um mediador moderno) serem asnossas ações equivalentes às dos Gregos e Romanos, merecendo, assim, ser igualmenteimortalizadas em uma escrita:

     Não apenas eles, mas também nós  temos fatos dignos de serem memorizados porsua grandiosidade. Aqui, o critério que permite medir e legitimar a passagem do fato àmemória  e, por sua vez, à imitação, é dado pelo reconhecimento daquele passadoenquanto clássico. Nessa fórmula, o objetivo não é ultrapassar os antigos, mas colocar-se  frente a frente com eles, fazendo transmitir a autoridade de um para o outro. Essaestratégia de heroicização por meio de um paralelo entre o antigo  e o nacional ,poderia, por fim, ser estendida aos personagens dessa história em construção, como ofez, entre outros, o Visconde de Sapachay, então presidente do IHGB, ao justificar afalta de escritos históricos durante a época da Independência do Brasil: « Os tácitosestavam pois no senado e não podiam ainda escrever a historia »25. Caberia à sua

    geração narrar, tal como Tácito, os feitos heróicos daqueles vultos do passado,garantindo ao mesmo tempo a heroicidade dessa mesma prática historiadora. Ora, masesses paralelos entre antigos  e nacionais, com o objetivo de glorificação, nãoimpediriam igualmente que pudessem estabelecer comparações entre a antiguidade eaqueles povos selvagens que então habitavam o território nacional. Como irei analisaradiante essas comparações podiam guardar objetivos e valorações bastante distintas.

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     Ao indicar essa diversidade de modalidades de usos dos antigos, aqui apenasesboçadas, meu objetivo é apontar para a validade parcial de asserções como asreferidas acima pela historiografia no que diz respeito à presença da antiguidadeclássica no IHGB. Aquelas três formas de entender a presença dos antigos  no IHGBsão, de certa forma, asserções corretas e justificadas pelos exemplos a que se referem.No momento, porém, que estas asserções deslizam das aparições concretas a que sereferem para um sentido universal, tornando-se regras, elas abrem espaço para a

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    Uma querela sobre o selvagem

    produção de antinomias que se devem não às respostas propriamente ditas, mas antesàs perguntas que as originaram26. Antes de tentar adequar esses usos à formalidade domodelo, convém, enfim, atentar para os sentidos visados pelos autores quando de suaaplicação. E uma vez reconstruída essa diversidade de usos e sentidos, o modelo pode vir a ser enriquecido e complexificado, abrindo novas perspectivas de entendimentosobre as formas de representação do passado. Tentarei exemplificar essa questão apartir da análise de um debate travado entre dois sócios do IHGB acerca da natureza do

    indígena e seu possível lugar na História do Brasil.

    Como já afirmou Temístocles Cezar, não houve no Brasil uma querela entre antigos emodernos, pelo menos não no formato ocorrido em países como França e Inglaterra27.Houve, contudo, o que podemos chamar de uma querela sobre o selvagem. Desde afundação do IHGB, em 1838, ficara claro que a escrita de uma história nacionalimplicaria também a atribuição de um lugar aos indígenas que então ocupavam o

    território brasileiro. O modo como essa reflexão foi configurada diz respeito à própriaformação de um discurso etnográfico no Brasil, delimitando suas características erestrições. A produção dos textos etnográficos no IHGB direcionou-se aoesclarecimento de dois problemas principais28. Primeiro, uma busca pela especificidadehistórica das populações indígenas. Interessava desvendar quais eram suas origens,seus parentescos, suas divisões, em que estado se encontravam quando da chegada dosportugueses. Todos esses pontos tinham por fim estabelecer um juízo definitivo sobre aquestão fundamental: se esses grupos que aqui se encontravam tinham semprepermanecido num estado de natureza ou, ao contrário, eram formas decaídas decivilizações anteriores. Para além da superficialidade do espaço, procurava-se

    reconstruir a profundidade do tempo. Um segundo problema que norteou os trabalhosetnográficos, decorrente do primeiro, dizia respeito à possibilidade ou não de secatequizar a população que ainda habitava o território, e qual seria o melhor método ase adotar29.

    17

     A interrogação sobre sua origem e o debate sobre sua catequização traduziam aspreocupações dos sócios do IHGB em atribuir aos indígenas tanto um passado quantoum futuro – ou, mais especificamente, um passado que lhes possibilitasse sua inclusãoou exclusão do futuro nacional. Essa pauta de debate, definida entre as décadas de 1840e 1860, convergiu para um cenário no qual, grosso modo, estavam os partidários dacatequização, ocupados com a defesa da idéia de decadência dos povos indígenas, e osque a negavam, argumentando a incapacidade desses povos em sair de seu estado denatureza. De um lado, buscava-se defender a catequese como um modo de inclusão dassociedades indígenas provando que seu estado atual era uma forma decaída decivilizações anteriores. O que tornava interessante essa qualidade de decaídos atribuídaaos indígenas, além de ser mais adequada à tradição de uma antropologia bíblica depresença acentuada no IHGB, era a conclusão, daí retirada, da existência pretérita deelementos civilizacionais, posteriormente esquecidos. O que indicava, por sua vez, umanarrativa histórica  – ainda desconhecida – àqueles povos. De outro lado,especialmente com Varnhagen, procurava-se provar a incapacidade do selvagem emsair de seu estado de natureza, deslegitimando, assim, qualquer esforço de inclusãodesses povos ao corpo do Império. Para ambos, era a investigação da história indígena,

    assim como a definição de sua historicidade, o que possibilitaria uma chave decompreensão e uma legitimação à ação política.

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    https://acrh.revues.org/3748#ftn29https://acrh.revues.org/3748#ftn28https://acrh.revues.org/3748#ftn27https://acrh.revues.org/3748#ftn26https://acrh.revues.org/3748#tocfrom1n3

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    Entre os antigos e os selvagens

     A etnografia, portanto, vinha a ser concebida como um tipo específico de escritahistórica voltada a povos desprovidos dos marcos de historicidade reconhecidos pelacultura histórica oitocentista30. E, tal como a história propriamente dita, ela tambémnecessitava de fatos. Contudo, na falta de documentos históricos, os únicos métodoscapazes de fornecer tais fatos eram a arqueologia e, principalmente, a gramaticalizaçãoda língua indígena. Com estas operações, tornava-se possível, primeiro, instituir eselecionar objetos familiares, para em seguida compará-los, deduzindo daí uma história

    que fugia à consciência dos selvagens. Já que estes não cultivavam uma memória(poder-se-ia dizer com Ricoeur, uma « memória declarativa »), caberia ao etnógrafoextrair da fala e dos costumes dos indígenas indícios que permitissem reconstruir seupassado com a maior verossimilhança possível31. O recurso à comparação mostrava-seassim uma ferramenta fundamental na construção do que podemos chamar de  fatoetnográfico. Comparavam-se os tupis com os tapuias, os indígenas brasileiros com o deoutras regiões da América e Oceania, e mesmo o selvagem brasileiro com o camponêseuropeu. Com essa (re)construção do fato etnográfico, a comparação permitia ainda aelaboração de um tempo, fazendo surgir a historicidade escondida sob a aparência deum eterno presente. A escrita da história indígena, enfim, só poderia assumir a forma

    de uma (certa) história comparatista.

    19

    Em meio a todo esse exercício comparativo, os sócios do IHGB não deixavam deacionar igualmente os antigos. O modo como o acionavam, contudo, inscrevia-se noobjetivo mais amplo de fazer valer as posições políticas e intelectuais que demarcavamo debate etnográfico imperial, cindido entre os promotores da catequese e aqueles quea negavam. A aproximação entre antigos e selvagens, desse modo, vinha a ser reguladapor aquilo que se esperava extrair da comparação simultaneamente enquanto efeito deconhecimento e artifício retórico de persuasão: seja para enobrecer os indígenas, sejapara acusar sua irrecuperável inércia histórica. Entre antigos e selvagens, os letradosdo IHGB aproximavam e distanciavam esses termos fazendo um vir a favor ou contra ooutro, já que, movimento de possibilidades recíprocas, dependia da escolha desseterceiro termo – quase sempre ausente – o caminho a ser traçado32. Para exemplificaressas diferentes estratégias, tomarei alguns trechos da disputa travada entre doisautores que ocupavam posições antitéticas no debate etnográfico oitocentista:Gonçalves de Magalhães33 e Francisco Adolfo de Varnhagen34.

    20

    O que motivou Gonçalves de Magalhães a escrever seu texto « O indígena perante ahistória », publicado na Revista do IHGB em 1860, foi sua leitura da História Geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen; obra que reunia, segundo ele, todas asacusações que andavam espalhadas contra os selvagens, « concedendo-lhes apenasinsignificantes virtudes, como penhores de imparcialidade »35. De fato, para Varnhagen, o papel que o selvagem brasileiro poderia ocupar no modelo de civilizaçãoque então se implementava era bastante restrito, ou quase nenhum. No prefácio àprimeira edição de sua História Geral , de 1854, o historiador já havia se colocado emaberta oposição à atitude hegemônica no IHGB de promover a inclusão dos indígenas:« não falta – diz ele – quem seja de voto que se devem de todo reabilitar [os indígenas],por motivos cujas vantagens de moralidade, de justiça ou de conveniência socialdesconhecemos »36. Como historiador que sacrifica tudo às « convicções da

    consciência », ele não se deixaria levar por « figuradas idéias de brasileirismo ». Nosegundo tomo de sua obra, que apareceu em 1857, Varnhagen inseriu um « Discurso

    21

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    os Índios não eram donos do Brasil, nem lhes é aplicável como selvagens onome de Brasileiros: não podiam civilizar-se sem a presença da força, da qualnão se abusou tanto como se assoalha; e finalmente de modo algum podem sereles tomados por nossos guias no presente e no passado em sentimentos depatriotismo ou em representação da nacionalidade38.

    Preliminar » para responder às críticas que havia recebido, ampliando sua agendaetnográfica com o objetivo de legitimar sua posição política anteriormente afirmada. Oprograma de pesquisas que ele desenha, em conformidade com as questões queguiavam as pesquisas no IHGB, visava estabelecer a origem dos indígenas habitantesdo território, determinar seu caráter e, com base nessas conclusões, formular asmelhores medidas políticas a serem tomadas37. Se os objetivos gerais eram similaresàqueles desenvolvidos no instituto, as expectativas, contudo, se mostravam bem

    diferentes. De forma sucinta e objetiva, ele apresenta as respostas a cada uma dasquestões colocadas, concluindo peremptoriamente:

    Essas palavras, como não poderia deixar de ser, renderam-lhe uma série de críticas,entre as quais o texto apresentado por Gonçalves de Magalhães ao IHGB. Este texto,portanto, qualifica-se como uma ação de defesa e de reabilitação do indígena contra asacusações proferidas na obra de Varnhagen. Este, segundo Magalhães, teria escrito suahistória assumindo de forma parcial e acrítica apenas a visão dos vencedores, expressanos documentos oficiais e nas crônicas dos colonizadores que havia utilizado comofontes. Diante disso, Magalhães inicia seu estudo invocando a ética historiográfica àqual Varnhagen teria ignorado ao compor sua história: a imparcialidade. Não « nosesqueçamos que os vencedores querem ter toda a razão do seu lado, mesmo quandolevantam fogueiras; e o historiador é um juiz reto, e não o panegirista da vitória a todocusto »39.

    22

    Por oposição a Varnhagen, Gonçalves de Magalhães procura então provar que oestado atual das populações indígenas, longe de ser um estado de natureza

    irrecuperável, é antes fruto de um processo de decadência: « Habituamo-nos tanto aconsiderar os indígenas como selvagens sem lei nem grei, a despeito do que emcontrário sabemos continuamos a raciocinar como si eles assim fossem; talvez peloestado de decadência a que se acham reduzidos os que por esses sertões serefugiaram »40. O que se costumava considerar como uma natureza  selvagem nãopassaria, portanto, de mera aparência, fruto de uma decadência que caberia àinvestigação etnográfica desvendar. « A selvageria completa é uma ficção », afirmaainda Magalhães, « ou uma decadência e aberração temporária do estado normal dohomem, que dela tende sempre a sair voluntária e instintivamente, como de um estadode enfermidade »41.

    23

    Para provar esta tese central, que o filiava a outros autores como Joaquim Norberto eGonçalves Dias, um dos expedientes a que Magalhães recorre no decorrer de seu texto éa comparação dos selvagens com os antigos. Mas antes de tecer essas comparações, elenão deixa de lembrar a seus leitores, logo de início, o lugar que a antiguidade ocupa emsua própria tradição, fixando, ao mesmo tempo, a função que assume em seu texto: « Oelemento europeu que constitui uma parte da população do Brasil, e ao qual devemos oincremento da nossa civilização, tem por si a história gloriosa dos seus antepassados,desde que herdeiros dos remanescentes da civilização grega e romana que combateram,deixaram por este mesmo combate o estado selvagem em que vivam »42. O autorreferenda, assim, a posição de origem que cabe à antiguidade greco-romana na históriada civilização ocidental. Essa posição de origem, convém ressaltar, longe de indicarqualquer condição  primitiva dos antigos, qualifica-se antes pelo caráter de fundaçãodaquilo que se entende como uma tradição européia, da qual o Brasil se vincula pela

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    https://acrh.revues.org/3748#ftn42https://acrh.revues.org/3748#ftn41https://acrh.revues.org/3748#ftn40https://acrh.revues.org/3748#ftn39https://acrh.revues.org/3748#ftn37https://acrh.revues.org/3748#ftn38

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    colonização portuguesa. Essa herança, como inclui Magalhães em sua assertiva, foi oproduto indireto de um combate no qual esses mesmos antepassados que garantiram o« incremento da civilização » no Brasil desempenharam, na antiguidade, o papel deselvagens. Desse modo, no mesmo movimento em que fixa um valor aos antigos comoparâmetro para as posteriores comparações, associando-os à civilização, Magalhãessugere já a validade de sua tese (da possibilidade da catequização) por meio destasubstituição de papéis entre o mundo antigo e a história brasileira: a convertibilidade

    do selvagem brasileiro à civilização assegura-se pelo próprio exemplo dos portuguesesque colonizaram o Brasil!

    Centradas principalmente em referências greco-romanas, as comparações tecidas porMagalhães entre antigos e selvagens buscavam produzir sempre a semelhança, e nuncaa diferença. Isso, pois é nesta semelhança produzida pela invocação da autoridade dosantigos, assim como pelo seu reconhecimento  por parte dos letrados do Império(lembrando que toda autoridade deve ser reconhecida), que o autor garantiria seupropósito de reabilitação do indígena perante as acusações de Varnhagen43. Todas ascomparações seguem uma linha comum, com a aproximação entre os dois termosfazendo transferir ao selvagem o valor positivo já reconhecido aos antigos. Esta

    operação é toda voltada para a resolução daqueles problemas que então configuravam odebate etnográfico no IHGB, quais sejam: a atribuição de um passado aos indígenas ea possibilidade de sua catequização.

    25

    No que diz respeito ao primeiro ponto, Magalhães invoca as ruínas indígenasencontradas em diferentes regiões da América, como Cuzco, Tenochticlan e Tezenco –esta última denominada por ele de «Atenas americana». No Brasil, tais ruínas jamaisforam encontradas, apesar de toda expectativa e esforços realizados pelos sócios doIHGB. De todo modo, como únicos traços materiais de um passado indígena, nãodeixavam de ser invocadas na disputa etnográfica brasileira, tal como o fazia Magalhãesem seu texto: « documentos incontestáveis de uma civilização de caráter antigo eoriginal, que denuncia gerações sucessivas e séculos para ter chegado a este ponto degrandeza e esplendor, tão fácil nos é supô-la anterior, como contemporânea da maisantiga civilização da Índia e do Egito »44. Essa primeira equivalência tecida porMagalhães entre selvagens  e mundo antigo tem por fim ressaltar a antiguidadeindígena e sua historicidade. A posse de um passado histórico, tão extenso e grandiosocomo o das civilizações mais antigas, garantiria às sociedades americanas um critériode identificação caro à cultura histórica oitocentista através de sua inserção paralela auma tradição (re)conhecida. A existência daquelas ruínas indicaria um movimentotemporal (« gerações sucessivas e séculos ») marcado por conceitos como grandeza edecadência, constituindo, portanto, uma narrativa histórica àqueles povos. Afinal, paraessa cultura histórica, mais do que representar as sociedades do passado, como afirma

    Simmel, as ruínas vinham representar o passado das sociedades45.

    26

     Além do valor de um passado histórico, que garantiria aos indígenas uma inserçãotemporal, Magalhães lança mão de outra comparação com os antigos, agora pararefutar a idéia professada por Varnhagen de que a vingança seria o único sentimentoconhecido dos selvagens. Aqui, a outra qualidade em jogo no debate etnográfico doIHGB a que os antigos  são chamados a esclarecer e a autorizar é a sociabilidadenatural do indígena, condição e legitimação de sua inserção à nação brasileira.

    27

    Na visão histórica de Varnhagen, a guerra exerce uma função importante; ela é parteintegrante do processo histórico da civilização46. A guerra praticada pelos indígenas, noentanto, não assume o mesmo papel que possui na História ocidental. No caso dos

    selvagens, ela é antes um ingrediente que os impede de criar laços sociais estáveis e,assim, sair de um estado de barbárie. O maior motivo dessa diferença seria justamente

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    E começada uma vez a rixa, era transmitida de filhos a netos; pois que nessasalmas, em que tanto predominavam os instintos de vingança, nenhumsentimento de abnegação se podia abrigar em favor do interesse comum e da

    posteridade. Nos selvagens não existe o sublime desvelo ou bairrismo, que nemsequer eles como nômades tinham bairro seu, como um sentimento elevado quenos impele a sacrificar o bem estar e até a existência pelos compatriotas, oupela glória da pátria47.

    Essa simpatia natural – diz Magalhães -, que liga os indivíduos de uma mesmatribo, é o instinto de associação, a base fundamental da civilização e o gérmenda justiça; e não há de que fazer censuras se esse sentimento é tão forte nocoração do homem livre. A destruição de Tróia não teve por motivo senão a

     vingança de uma injúria; por motivo quase semelhante expulsaram os Romanosos Tarquínios, e destruíram a realeza; e outras muitas guerras e devastaçõesnem sequer se coonestam com iguais visos de justiça49.

    Por isso é que os feitos dos indígenas oferecem argumento simpático à nossapoesia nacional. E como bem notou o Sr. Odorico Mendes: os selvagens, rudes ede costumes quase homéricos, podem prestar belos quadros á epopéia. Oparecer de tão abalizado crítico, que nos deu Virgílio em português, e luta parainterpretar Homero, é de tanto peso que decide só por si qualquer dúvida. Felizme julgo de pensar como ele, que sabe o que é uma epopéia50.

    o «instinto de vingança» presente na alma indígena. Sendo, por excelência, um ser vingativo, incapaz de desenvolver qualquer sentimento de abnegação, o selvagem nãoestaria apto a conceber valores mais nobres que o ligassem a um passado e oprojetassem a um futuro comum:

    Logo, a única memória que os selvagens  estariam aptos a cultivar seria umamemória de vingança, a qual os condenaria a um presente contínuo. Ao contrário dohomem civilizado, que somente é capaz de matar e de morrer graças a um sentimentomais elevado, de patriotismo, os selvagens  agiriam por puro instinto. Sem leis, semEstado, sem religião, sem noção de propriedade, sem escrita, eles são, aos olhos de Varnhagen, pura falta48.

    29

    É em oposição a essa descrição etnográfica do autor da História Geral do Brasil , queMagalhães recorre novamente a exemplos do mundo antigo, cuja autoridade tem afunção de inverter o valor atribuído por Varnhagen ao sentimento de vingança dosindígenas:

    30

    O que se mostra a Varnhagen como um sentimento bárbaro, essencialmentedesagregador, torna-se, pela comparação tecida por Magalhães, a base mesma dacivilização. Afinal, um cerco tão longo como o de Tróia só poderia mesmo ser motivadoou por uma vingança instintiva, ou por sentimentos heróicos! Ora, o que vemos emHomero como nobre, parece sugerir Magalhães, porque veríamos aqui como simplesselvageria? O que é instintivo nos indígenas, portanto, não é esse estado de naturezaque desenha Varnhagen com sua descrição etnográfica, e sim uma sociabilidadeexemplar espelhada no mundo antigo. Inclusive, uma vez realizada essa aproximaçãoentre os indígenas e os heróis homéricos, aqueles também se vêem justificados como

    objetos de uma epopéia,  encaminhando a legitimação do próprio projeto literárioencabeçado por Magalhães:

    31

     A autoridade homérica, mediada, aqui, pela autoridade de seu tradutor moderno, vem garantir por si mesma a resolução da disputa sobre o selvagem, promovendo essa

    curiosa apropriação romântica de um modelo clássico.

    32

    Essa comparação com Homero, tecida por Magalhães, não se restringia apenas ao33

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     A sua lingua é tão suave, elegante e copiosa, que segundo a opinião dos que acultivaram e gramaticaram, não lhe levam vantagem a Grega e a Latina. Lingua(diz Montoya) tan copiosa y elegante, que con rason puede competir com lasde fama. ‘E Simão de Vasconcelos exclama: Em que escolas aprenderam, nomeio dos sertões tão acertadas regras de gramática, que não falta um ponto deperfeição da praxe de nomes, verbos, conjugações ativas e passivas? Não dão

     vantagem nisso as mais polidas artes dos Gregos e Latinos’.51

    objeto  da epopéia, mas se estendia igualmente à sua escrita. A gramaticalização dalíngua indígena, como já mencionei, inseria-se como a principal operação naconstrução do «fato etnográfico». Reduzida em dicionários e gramáticas, a línguaindígena tornava-se objeto de apreciação estética, cujo valor encontrava-se no própriomodelo de sua redução: a gramática latina. Tal redução permitia, assim, conformar alíngua dos selvagens à mesma estrutura gramatical a partir da qual os próprios antigosse faziam presentes a esses letrados. Uma vez gramaticalizada, a oralidade selvagem

    ganhava a semelhança da linguagem homérica. Como diz Magalhães: « Pelo som esignificação de muitos dos seus vocábulos e formação de palavras compostas, tem elaalguma analogia com a língua de Homero », ou ainda:

    O nível de perfeição gramatical da língua tupi, cuja observação  estava ligadadiretamente ao seu processo de gramaticalização a partir do modelo latino, eratransposto para a argumentação não como um juízo de valor, mas como um juízo defato. A analogia tecida por Magalhães entre a língua dos selvagens e aquela de Homerosugeriria, assim, um alto padrão cultural alcançado pelos povos autóctones do Brasil -senão em seu presente, ao menos em seu passado.

    34

    Nesta via de mão única, o único efeito visado pela comparação de Magalhães é areabilitação do indígena por meio do exemplo dos antigos – estes, por sua vez, jamaissão movidos dessa posição fixa de autoridade exemplar. Ao tecer uma série deaproximações entre os selvagens  e os antigos, Magalhães lançava mão do prestígio

    reconhecido aos gregos e romanos erigindo-os como figuras de autoridade capazes dedecidir a contenda sobre o indígena brasileiro. Nesse sentido, mais que tornar osantigos  selvagens, o que sua operação visava como efeito era a nobilitação dosindígenas. Não um selvagem com vestes gregas, mas um grego despido em terrasamericanas! Já no caso de Varnhagen, o objetivo era o oposto. Não surpreende, assim,que o uso que o historiador faz da comparação siga um caminho inverso ao deMagalhães, gerando antes, como ressaltou Temístocles Cézar, uma primitivização dosindígenas e, por conseqüência, dos antigos. É o caso, por exemplo, da comparação feitapor ele acerca do uso do botoque nos indígenas brasileiros e seu uso similar no Egitoantigo, tal como representado em sua iconografia. Mais do que destacar a simplessemelhança, a comparação de Varnhagen tem a ambição de trazer uma novaperspectiva sobre aquelas imagens há tempos conhecidas: « Nós vamos mesmo maislonge. Acreditamos poder explicar, por um uso primitivo de botoques nos lábios, estespequenos apêndices que observamos nos deuses e reis do Egito, assim como nasmúmias dos homens »52. Desse modo, não apenas os antigos  vinham esclarecer osselvagens, mas também estes, num movimento inverso, poderiam produzir novasperspectivas sobre aqueles – ambos entendidos, então, como primitivos. Não era com oobjetivo de lançar novas luzes sobre os antigos, no entanto, que Varnhagen tecia suasaproximações. O que suas filiações e comparações com o mundo antigo ambicionavamtrazer ao leitor era, antes, a legitimação histórico-etnográfica das posições políticas eintelectuais que o qualificavam dentro da querela sobre o selvagem ocorrida no IHGB53.

    35

    Nesse sentido, convém ressaltar, ainda que brevemente, uma certa ambivalência nomodo como Varnhagen produz essa primitivização dos antigos. Afinal, ele não toma a

    36

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    Dois costumes que se conservaram nos Tupis poderiam contribuir na suposiçãode que a emigração ocorreu à essa época: são eles o de sacrificar os prisioneirose o de tirar vingança de seus inimigos, mesmo após a morte, sobre seuscadáveres. Ora, nós encontramos estes dois costumes à época da Guerra deTróia; e Homero, do qual se acusa pouca generosidade por lhes fazer menção,não os teria inventado55.

    A(s) Modernidade(s) e os antigos

    antiguidade como um bloco único e homogêneo. A aproximação entre Tupis e mundoantigo limita-se basicamente ao Cários, dos quais os indígenas brasileiros teriamdescendido. Como afirma na segunda edição de sua  História Geral : « E hoje temosquase a convicção de que houve efetivamente para o Brasil uma grande emigração dospróprios Cários da Ásia Menor, efetuada talvez depois da queda de Tróia »54. Varnhagen lança, aqui, uma hipótese por ele aventada em estudo anterior, quandocolocava três períodos possíveis dessa migração dos Cários para a América, sendo o

    terceiro, justamente, após a guerra de Tróia. Cito trecho deste estudo:

    Os Tupis seriam, enfim, descendentes da guerra que funda a « ocidentalidade ». A partilha original se encontraria, portanto, nesse passado que não deixa de serreconhecido por Varnhagen como «clássico», onde a memória ocidental tem seu ponto

    zero. A partir dali, os dois caminhos, o da barbárie e o da civilização, foram trilhados,um no espaço,  outro no tempo. O longo caminho da civilização, como o estabelece Varnhagen, era único, e foi trilhado pelos Fenícios, pelos Gregos e pelos Romanos, queimplantaram a civilização na Europa e «com a língua levaram à Lusitânia, e que maistarde, auxiliada na indústria pela ilustração arábica, e, nos costumes pelas brandurasdo cristianismo, foi trazida a este abençoado país (...)»56. E então, por capricho daProvidência, esses dois caminhos – o da barbárie e o da civilização - voltariam a seencontrar nos Trópicos com a colonização portuguesa. Após os Tupis, essesdescendentes dos Cários, terem invadido « com inauditas crueldades » as terrasamericanas, teriam que enfrentar agora a vingança da história: « A seu turno devia

    chegar-lhes o dia da expiação. Veio trazê-lo o descobrimento e colonização, efetuadospela Europa Christã »57. Aí termina a Etnografia. Começa, então, a História.

    37

    O que me interessa destacar dessa discussão, enfim, é como a querela sobre oselvagem, tal como configurado pelo debate etnográfico oitocentista, desembocavaindiretamente numa querela acerca da autoridade do passado e, mais especificamente,dos antigos. Num trabalho constante de aproximação e distanciamento, de conjunção e

    distensão, o uso das categorias selvagem e antigos parecia gerar efeitos no modo comopassado, presente e futuro eram relacionados. Ora o passado, na figura dos antigos, vinha esclarecer e legitimar os selvagens, ora estes lançavam uma nova inteligibilidade,ainda que indireta e limitada, sobre os antigos. Operação de efeito recíproco, seu uso seinscrevia num processo mais amplo de reestruturação da ordem temporal. De todomodo, esses usos da antiguidade também nos alertam para o fato de que a convivênciado reconhecimento de uma autoridade dos antigos e a elaboração de uma concepçãomoderna de história não aparecem, necessariamente, como antinômicos – tal como aaplicação de grandes modelos pautados em oposições poderia sugerir. Uma análise douso dessas categorias pode, assim, servir como uma chave de entrada para a

    compreensão das especificidades que caracterizaram a formação de um conceitomoderno de história no Brasil oitocentista. Afinal, como bem observou Myrian Revaultd’Allonnes em seu recente ensaio sobre a noção de autoridade:

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     Ainda que os Modernos tenham se empenhado em se livrar do julgo datradição, a proclamação de um novo começo histórico e político não cessou deacompanhar-se de uma referência ao antigo.58

     Notes

    1  Temístocles Cezar propõe a expressão « retórica da nacionalidade » para definir esse esforçodiscursivo do IHGB. Temístocles CEZAR ,  L’écriture de l’histoire au Brésil au  XIX e siècle. Essai sur une rhétorique de la nacionalité. Le cas Varnhagen. Paris, EHESS, Tese de Doutorado,2002, 636 p.

    2 Hans BLUMENBERG. The Legitimacy of modern age. Cambridge: MIT Press, 1985, p. 669.

    3  O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi fundado em 21 de outubro de 1838. A criação do IHGB, proposta por integrantes da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional(SAIN), visava coligir e organizar os documentos necessários para a escrita de uma histórianacional, promovendo a construção dos referentes simbólicos em relação aos quais o « Brasil »

    e o « brasileiro » poderiam e deveriam ser pensados, garantido-lhes tanto um passado quantoum futuro. Após o processo de emancipação e em meio aos debates entre Exaltados,Moderados e Restauradores, que movimentaram as décadas de 1820 e 1830, o IHGB veio a seconstituir como mais um locus  do exíguo espaço público em constituição, onde os projetospolíticos procuravam ser legitimados por meio de uma acirrada luta de representações,envolvendo noções como Estado, sociedade, liberdade, revolução, representatividade, etc. Suaconsolidação como um lugar de saber, no decorrer das décadas de 1840 e 1850, convergiu como processo de centralização do Estado e o abrandamento das discussões referentes àsidentidades políticas, tal como ocorrido nos anos pós-Independência. Cf. Lúcia M. PaschoalGUIMARÃES. « Debaixo da imediata proteção de sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico eGeográfico Brasileiro (1838-1889) », RIHGB, n. 388, 1995, p. 459-613.

    4  Roberto Acízelo de SOUZA . O império da eloqüência. RJ: EdUERJ/EdUFF, 1999, p. 279. Vertambém Maria Renata da Cruz DURAN. Retórica e eloqüência no Rio de Janeiro (1759-1834).

    França, UNESP, Tese de doutorado, 2009, p. 195.5  Reinhart K OSELLECK . Futuro passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Riode Janeiro: Contraponto/Editora PUC-Rio, 2006, p. 266.

    6  Como destacam Perelman e Olbrechts-Tyteca, todo orador que quer persuadir um auditórioparticular tem de se adaptar a ele. Por isso a cultura própria de cada auditório transpareceatravés dos discursos que lhe são destinados, de tal maneira que é, em larga medida, dessespróprios discursos que nos julgamos autorizados a tirar alguma informação a respeito dascivilizações passadas. Chaïm PERELMAN et Lucy OLBRECHTS-T YTECA . Tratado da argumentação. A nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 23.

    7  Myriam R EVAULT  D’A LLONNES.  Le pouvoir des commencements. Essai sur l’autorité. Paris :Seuil, 2006, p. 167. No decorrer do processo de consolidação do Estado Imperial no Brasil,como destaca Ilmar Mattos, « competia ‘construir a Nação’, devendo-se entender por tal a

    preservação da existência da diferenciação entre pessoas e coisas, por um lado, e dadesigualdade entre as pessoas, de outro, de tal forma que se uns eram considerados cidadãos esúditos, outros deveriam ser apenas súditos ». Ilmar R. de. M ATTOS. Tempo Saquarema. SãoPaulo: Hucitec, 2004, p. 165.

    8  Esse processo tem se materializado na criação de linhas de pesquisa em historiografia emcursos de pós-graduação, na realização de seminários voltados para o tema, assim como empublicações especializadas, como a revista  História da Historiografia(http://www.ichs.ufop.br/rhh/).

    9  Manoel L. Salgado GUIMARÃES. « Historiografia e cultura histórica: notas para um debate », Ágora, n. 1, vol. 11, 2005, p. 31-47.

    10  Manoel L. Salgado GUIMARÃES. « Nação e Civilização nos Trópicos: o IHGB e o projeto deuma História nacional », Estudos Históricos, n.1, 1988, p. 3-27.

    11 Bertrand BINOCHE. « Le sauvage, l’ancien et le moderne – ou comment penser l’histoire de lasocieté civile? », Revista de História, Edição Especial, 2010, p. 224.

    Continuidade que não deixa de ser um índice dos próprios limites do projetomoderno de sua « auto-instituição ».

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    12  Maria da Glória OLIVEIRA .  Escrever vidas, narrar a história. A biografia como problemahistoriográfico no Brasil oitocentista. UFRJ, Tese de doutorado, 2009, p. 20.

    13  Escrever vidas, narrar a história, op. cit., p. 54.

    14  Valdei Lopes de A RAÚJO. A experiência do tempo. Conceitos e Narrativas na Formação Nacional Brasileira (1813-1845). São Paulo: Hucitec, 2008, p. 19-20.

    15  Manoel L. Salgado GUIMARÃES. « Uma história da história nacional: textos de fundação », inIvana Stolze LIMA ; Laura do C ARMO (éd.).  História social da língua nacional. Rio de janeiro:Edições Casa Rui Barbosa, 2008, p. 412.

    16  João FERES JÚNIOR ; Marcelo J ASMIN (éd.). História dos conceitos. Diálogos transatlânticos.Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio/Loyola/IUPERJ, 2007, p. 299. João FERES  JÚNIOR , (éd.).

     Léxico da História dos Conceitos Políticos do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009, pp.249.Guillermo Z. P ADILLA .  La cultura moderna de la historia. Una aproximación teórica ehistoriográfica. México: El Colegio del México, 2002, p. 246. Javier Fernández SEBASTIÁN; JuanFrancisco FUENTES (éd.).  Diccionario Político y Social del Siglo  XIX  Español. Madrid: AlianzaEditorial, 2002, p. 772.

    17  Reinhart K OSELLECK . « Entrevista com Reinhart Koselleck », in Marcelo J ASMIN; João FERESJÚNIOR   (éd.).  História dos conceitos. Debates e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio/Loyola/IUPERJ, 2006, p. 135-169.

    18  Preocupação semelhante foi colocada por Elias Palti: « Na medida em que modernidade e

    tradição aparecem como blocos perfeitamente coerentes e opostos entre si, as contradições nahistória intelectual aparecerão necessariamente como resultado de uma espécie de assincroniaconceitual, isto é, a superposição de duas épocas históricas diversas ». Elias P ALTI,« Temporalidade e refutabilidade dos conceitos políticos », in João FERES  JÚNIOR ; MarceloJ ASMIN (éd.). História dos conceitos. Diálogos transatlânticos, op.cit., p. 64.

    19  Pierre BOURDIEU. Esquisse d’une theorie de la pratique. Paris: Seuil, 2000, « L’illusion de larègle », p. 300-321.

    20  « Uma história da história nacional: textos de fundação », op.cit., p. 403.

    21 Gonçalves DIAS, « Amazonas. Memoria escripta em desenvolvimento do programa dado porS. M. I. ao sócio effectivo o Sr A. de Gonçalves Dias », RIHGB, Tomo XVIII, 1853, p. 9

    22  « Amazonas. Memoria escripta em desenvolvimento do programa dado por S. M. I. aosócio effectivo o Sr A. de Gonçalves Dias », op.cit., p. 11

    23  Manuel Ferreira L AGOS, « Relatório dos Trabalhos do Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro », RIHGB, Tomo XI, 1847, p. 132.

    24  Januario da Cunha B ARBOSA , « Discurso recitado no acto de estatuir-se o Instituto Historicoe Geographico Brazileiro », RIHGB, 1839, Tomo I, p. 15, Grifos meus.

    25  Visconde de S APUCHAY , « Discurso », RIHGB, Tomo XVII, 1854, Suplemento, p. 6.

    26  Como diz Wittgenstein: « To the philosophical question: ‘Is the visual image of thiscomposite, and what are its component parts?’ the correct answer is: ‘That depends on what

     you understand by ‘composite’. (And that is not an answer but a rejection of the question) ».Ludwig W ITTGENSTEIN.  Philosophical Investigations. The German text, with a revised englishtranslation. Oxford, Blackwell, 2001, p. 20.

    27  Temístocles CEZAR . « Anciens, Modernes, Sauvages, et l’écriture de l’histoire au Brésil auXIXe siècle. Le cas de l’origine des Tupis »,  Anabases, 8, 2008, p. 43-65. Sobre a querela entreantigos e modernos, cf. Marc FUMAROLI. « Les abailles et les araignées », in La Querelle des

     Anciens et des Modernes. Édition établie par Anne-Marie LECOQ. Paris : Gallimard, FolioClassique, 2001, p. 7-218; Joseph LEVINE, The Battle of the Books. History and Literature inthe Augustan Age. Ithaca : Cornell University Press, 1991, p. 428; e Marc André BERNIER  (éd.).

     Parallèle des anciens et des modernes. Rhétorique, histoire et esthétique au siècle des Lumières. Québec, PUL, 2007, p. 211. Sobre os paralelos entre antigos, modernos e selvagens,cf. François H ARTOG. Anciens, Modernes, Sauvages. Paris: Galaade, 2005, p. 252.

    28  Rodrigo TURIN. Tempos cruzados: escrita etnográfica e tempo histórico no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro, UFRJ, Tese de Doutorado, 2009, p. 241. Para um estudorelacionando o discurso etnográfico do IHGB e a política do Segundo Reinado, cf. KaoriK ODAMA . Os filhos das brenhas e o Império do Brasil: a etnografia do Instituto Histórico e

    Geográfico do Brasil (1840-1860). Rio de Janeiro, PUC-Rio, Tese de Doutorado, 2005.29  Logo na quarta sessão do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, realizada em 4 defevereiro de 1839, o Secretário Geral, Januário da Cunha Barboza, leu para os sócios presentes

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    seis questões que deveriam orientar as discussões da casa. Dessas seis questões, todasdevidamente aprovadas, quatro diziam respeito às populações indígenas e as duas outras

     versavam sobre o processo de colonização portuguesa. Os problemas levantados em relaçãoaos primitivos habitantes do Brasil detinham-se nos seguintes pontos: as causas de sua« espantosa extinção »; o que se deveria concluir sobre sua história, ao momento dadescoberta do Brasil; se essa população era formada somente por grupos nômades, « e noprimeiro grau da associação », ou se era descendente de alguma « das grandes nações do restoda América», guardando traços dessas civilizações; qual seria o melhor método para secolonizar os índios (se conviria seguir o sistema dos Jesuítas); e, por fim, se a introdução dos

    africanos teria prejudicado a civilização dos índios do Brasil. Januário da Cunha B ARBOSA , RIHGB: Tomo I, 1839, p. 61.

    30  Manoel L. Salgado GUIMARÃES. « História e Natureza em von Martius: esquadrinhando oBrasil para construir a nação », in Manguinhos- História, Ciências, Saúde. Vol.  II, 2000,p. 391-413.

    31  Paul R ICOEUR  La mémoire, l’histoire, l’oubli . Paris : Seuil, 2001, p. 690. Ver também Jack GOODY . La domestication de la pensée sauvage. Paris : Minuit, 1977.

    32  Convém lembrar que o uso do paralelo, como elemento retórico, inscrevia-se como partedo gênero epidítico, promotor de louvor ou vitupério. Contrastar antigos e modernos poderiaservir tanto para o orador censurar indivíduos ou instituições contemporâneas declarandoserem inferiores aos seus predecessores; como, ao contrário, louvá-los, mostrando o quantoeram superiores àqueles do passado. Como ressaltou Grégory Gicquiaud, todo paralelo se

    aparenta a um « concurso ». Grégory GICQUIAUD. « La balance de Clio: réflexions sur lapoétique et la rhétorique du parallèle », in Marc André BERNIER  (éd.). Parallèle des anciens et des modernes. Rhétorique, histoire et esthétique au siècle des Lumières. Consideraçõessemelhantes são feitas no importante estudo de Robert BLACK . « Ancients and Moderns in theRenaissance: Rhetoric and History in Accolti's Dialogue on the Preeminence of Men of hisOwn Time », Journal of the History of Ideas, Vol. 43, No. 1, 1982, p. 3-32.

    33  Domingos Gonçalves de Magalhães, médico, diplomata, poeta e dramaturgo, nasceu no Riode Janeiro, em 13 de agosto de 1811, e faleceu em Roma, Itália, em 10 de junho de 1882. Em1836, lançou em Paris um manifesto,  Discurso sobre a literatura no Brasil. De parceria com

     Araújo Porto-Alegre e Torres Homem, lançou a revista Niterói  e editou, em Paris, o seu livro Suspiros poéticos e saudades, considerado o iniciador do Romantismo no Brasil. Atuou comosecretário do Duque de Caxias na repressão às revoltas da Balaiada (Maranhão) e Farrapos(Rio de Grande do sul). Entre suas obras, destacam-se:  A confederação dos Tamoios; Osmistérios;  Fatos do espírito humano, Cânticos fúnebres;  A alma e o cérebro, Comentários e

     pensamentos; A confederação dos Tamoios; Memória Histórica e documentada da Revoluçãoda Província do Maranhão. Desde 1839 até 1840. Cf. Antonio C ANDIDO.  Formação daliteratura Brasileira. São Paulo: Editora Ouro sobre Azul, 2009, p. 800.

    34  Francisco Adolpho de Varnhagen nasceu em São João de Ipanema (São Paulo) a 17 defevereiro de 1816. Estudou no Real Colégio da Luz em Lisboa, de 1825 a 1832 e, a seguir,ingressou na Academia de Marinha, cujo curso freqüentou em 1832 e 1833. Faleceu em Viena,

     Áustria, a 26 de junho de 1878. Publicou em 1838 um ensaio intitulado  Notícia do Brasil.Colaborou em O Panorama, dirigido pelo grande historiador português Alexandre Herculano.Já licenciado do exército português tornou-se sócio correspondente do Instituto Histórico eGeográfico Brasileiro (18 de julho de 1840). Nomeado adido à legação do Brasil em Lisboa, em1841, foi incumbido de pesquisar documentos sobre a História e a Legislação referentes ao

    Brasil. Em 1854 edita sua História Geral do Brasil , cujo segundo volume apareceria em 1857.Entre extensa a obra de Varnhagen, inclui-se: O descobrimento do Brasil ; O Caramuru perante a história; Tratado Descritivo do Brasil em 1587 ;  História completa das lutasholandesas no Brasil ;  Épicos brasileiros;  Florilégio da poesia brasileira;  Amador Bueno,drama histórico; Cancioneiro. Para uma bela « antologia de sua existência », cf. TemístoclesCEZAR . «Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência», Topoi,  vol. 8, n. 15,2007, p. 159-207.

    35  D. J. Gonçalves M AGALHÃES. « Os indígenas do Brasil perante a História »,  RIHGB, TomoXXIII, 1860, p. 7

    36  Francisco A. de V  ARNHAGEN. Historia Geral do Brasil, isto é do descobrimento colonisação,legislação e desenvolvimento deste Estado, hoje imperio independente, escripta em presençade muitos documentos autenticos recolhidos nos archivos do Brazil, de Portugal, da

     Hespanha e da Hollanda. Madrid, 1854, p. XXI.

    37  A lista de questões é a seguinte: « 1.Eram os que percorriam o nosso território, á chegadados christãos europeos, os seus legitimos donos? 2. Viviam, independentemente da falta do

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    ferro e de conhecimento da verdadeira religião, em estado social invejável? 3. Esse estadomelhoraria, sem o influxo externo que mandou a Providencia por meio do christianismo? 4.Havia meio de os reduzir a amansar, sem empregar a coacção pela fôrça? 5. Houve grandesexcessos de abuso nos meios empregados para essas reducções? 6. Dos tres elementos depovoação, indio, branco e negro, que concorreram ao desenvolvimento de quasi todos os paizesda America, qual predomina hoje no nosso? 7. Quando se apresentem discordes ou em travadaluta estes tres elementos no passado, qual delles devemos suppor representante historico danacionalidade hoje? ». Historia Geral do Brasil . Tomo II. Madrid, 1854, p. XVII.

    38  Historia Geral do Brasil . Tomo II p. XXVIII.39  « Os indígenas do Brasil perante a História », op.cit., p. 4

    40  «Os indígenas do Brasil perante a História», op.cit., p.51. Grifos meus.

    41  «Os indígenas do Brasil perante a História», op.cit., p. 37.

    42  «Os indígenas do Brasil perante a História», op.cit., p. 6

    43  Essa relação entre autoridade e reconhecimento foi bem destacado por Pascal Payen: « Lefait de reconnaître ainsi une autorité conduit à poser le problème de la relation qu’entretientcette dernière avec le pouvoir et avec la persuasion. L’autorité se distingue du premier en cequ’elle ne s’exerce ni par la coercition ni par la violence ; ‘là où la force est employée, l’autoritéproprement dite a échoué’. Elle se différencie également de la persuasion en ce que persuaderimplique que l’on renonce a priori   à la hiérarchie dont la reconnaisance fonde le lien

    d’autorité ». Pascal PAYEN. « Les anciens en figure d’autorité », in : Dider F OUCAULT; PascalP AYEN (éd.).  Les autorités. Dynamiques et mutations d’une figure de référence à l’Antiquité,op. cit., p. 9.

    44  « Os indígenas do Brasil perante a História », op.cit., p. 11.

    45  Georg SIMMEL.« The Ruin », in K. Wolff (éd.), Georg Simmel: 1858-1918. Columbus: OhioState University Press, 1959, p. 259-66.

    46  Arno W HELING.  Estado, História, Memória: Varnhagen e a construção da identidadenacional . Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1999, p. 240.

    47  História geral do Brasil. Antes de sua separação e Independência de Portugal . 3ª Edição.São Paulo: Melhoramentos, s/d p. 15-16.

    48  A descrição etnográfica de Varnhagen pode ser bem caracterizada pelas palavras de

    François Furet: «Sans lois, sans arts, sans gouvernements, bref sans histoire. Car une échellede valeurs implicite dignifie toujours le temps, créateur dynamique des lois et des nations, audétriment de l’espace, distributeur passif des societés humaines». François FURET. « Del’homme sauvage a l’homme historique: l’expérience américaine dans la culture française auXVIIIe  siècle »,  L’atelier de l’histoire. Paris: Flammarion, 1982, p. 199. Vale destacar quetambém para Varnhagen, como para o caso francês analisado por Furet, o sonho americano sópoderia sobreviver na literatura, e não na ciência ou na política.

    49  « Os indígenas do Brasil perante a História », op.cit., p. 14.

    50  « Os indígenas do Brasil perante a História », op.cit., p. 63.

    51  « Os indígenas do Brasil perante a História », op.cit., p. 45.

    52  Francisco A. de V  ARNHAGEN. L’Origine Touranienne des Américains Tupis-Caribes et des Anciens Egyptiens. Indiquée principalement par la philologie comparée: traces d’uneancienne migration en Amérique, invasion du Brésil par les Tupis, etc., Vienne, Librairie I. etR. de Faesy & Frick, 1876, p. 71. « Nous allons même plus loin. Nous croyons pouvoirexpliquer, par un usage primitif de botoques aux mentons, ces appendicules que l’on y voit,chez les dieux et les rois d’Egypte, et aussi dans les momies des hommes ».

    53  Sobre as operações etnográficas de Varnhagen e suas aproximações e distanciamentos de Antigos, Selvagens e Modernos, remeto ao artigo de T. CEZAR , « Anciens, Modernes, Sauvages,et l’écriture de l’histoire au Brésil au XIXe  siècle. Le cas de l’origine des Tupis », op. cit .Concordo com o autor quando afirma que os indígenas se tornam, para Varnhagen,«primitivos, testemunhas das origens da humanidade», p. 65.

    54  História geral do Brasil. Antes de sua separação e Independência de Portugal . 3ª Edição,op.cit., p. 57.

    55  L’Origine Touranienne des Américains Tupis-Caribes et des Anciens Egyptiens, op.cit.,p. 93.» Deux usages qui se sont conservés chez les Tupis pourraient contribuer à faire supposerque l’émigration a été entreprise à cette époque : ce sont ceux de sacrifier les prisonniers et de

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    tirer vengeance de leurs ennemies, même après la mort, sur leurs cadavres. Or, nous trouvonsces deux usages à l’époque de la guerre de Troie ; et Homère, que l’on a accusé de peu degenerosité pour en avoir fait mention, ne les aura pas inventés ».

    56  Francisco A. de V  ARNHAGEN.  História geral do Brasil. Antes de sua separação e Independência de Portugal . 3ª Edição. São Paulo: Melhoramentos, s/d, 3. Ed., p. 54.

    57  História geral do Brasil. Antes de sua separação e Independência de Portugal . 3ª Edição,p. 59. Essa visão de Varnhagen do processo histórico liga-se à sua concepção de um direito deconquista. Em seu  Memorial Orgânico ele deixa claro o direito básico que legitima a

    «história» brasileira como continuidade do passado colonial: « O Brasil pertence-nos pelamesma razão que a Inglaterra ficou pertencendo aos normandos quando a conquistaram... Oprimeiro direito de todas as nações conhecidas foi o da conquista ». Francisco A. de

     V  ARNHAGEN. «Memorial Orgânico que à consideração das Assembléias geral e provinciais doImpério, apresenta um brasileiro. Dada a luz por um amante do Brasil», 1849, p. 127.

    58  Myriam R EVAULT D’A LLONNES. Le pouvoir des commencements. Essai sur l’autorité, op. cit.,p. 139. « Bien que les Modernes se soient attachés à secouer le joug de l’autorité et à récusertout mode de légitimation lié à la tradition, la proclamation d’un nouveau commencementhistorique et politique n’a cessé de s’accompagner d’une référence à l’antique ». Do mesmomodo, faz-se valer aqui as considerações de Bartrand Binoche : « La leçon qu’il convient detirer de tout ceci pourrait être la suivante: d’un côté, nous n’avons pu élaborer de « philosophiede l’histoire » qu’en cessant de nous demander si nous devions imiter les anciens ou si nousdevions vivre selon la nature; mais d’un autre côté, ces deux questions s’avèrent constitutives

    d’une « identité européenne » – et peut-être même américaine… – qui est en réalité uneinquiétude permanente ». « Le sauvage, l’ancien et le moderne – ou comment penser l’histoirede la société civile? », Revista de História, 2010, p. 230.

     Pour citer cet article

     Référence électroniqueRodrigo Turin, « Os antigos e a nação: algumas reflexões sobre os usos da antiguidadeclássica no IHGB (1840-1860) », L’Atelier du Centre de recherches historiques [En ligne],07 | 2011, mis en ligne le 17 avril 2011, consulté le 30 avril 2016. URL :http://acrh.revues.org/3748 ; DOI : 10.4000/acrh.3748

     Auteur 

    Rodrigo [email protected]  http://lattes.cnpq.br/5721938287561420

     Droits d’auteur 

    L'Atelier du Centre de recherches historiques – Revue électronique du CRH est mis àdisposition selon les termes de la licence Creative Commons Attribution - Pas d'UtilisationCommerciale - Pas de Modification 3.0 France.

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