By Little

2012

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disponibilizado pelo blog Sucker for Vampires.

Prefcio

garagem do museu onde eu trabalho nunca fora um local agradvel, muito

pelo contrrio. Situada no segundo subsolo, como visitar um poro a

quinze metros da superfcie. Permanecer por muito tempo ali d a

sensao de que se est sendo sepultado vivo. O ar frio e mido devido

falta de ventilao e iluminao naturais e suas brancas paredes so adornadas por

faixas amarelas que se estendem at o cho, indicando a separao das vagas

destinadas a cada veculo. Em pontos especficos a imensido daquele espao

quebrada pela presena de largos pilares dispostos de maneira nem sempre

ordenada, que certamente so responsveis pela sustentao da estrutura do prdio e

indignao dos motoristas que precisam estacionar prximo a eles, preocupando-se

em no atingi-los.

Durante a semana, quase possvel perder seu carro em meio a tantos se voc

no tiver certeza absoluta de qual a sua vaga. Porm nas tardes de sbado ocorre

uma evacuao em massa, restando apenas os veculos daqueles que no podem

desfrutar do luxo de folgar no final de semana ou de quem faz questo de trabalhar

alm do expediente regular. O que o meu caso.

Eu costumava gostar da tranquilidade que os finais de semana traziam aquele

lugar, mesmo sendo por si s um local que inspira tranquilidade.

No mais.

~~~~

I

silncio e o vazio me roubavam o ar que j era raro. A corrida acelerada

para chegar at o carro e sair daquele lugar o mais rpido possvel no

permitia que eu respirasse normalmente. Eu estava sendo seguida e

tenho certeza disso, apesar de olhar ao redor e no enxergar

absolutamente nada. No estava escuro. Aproximadamente a cada trs metros

quadrados existia uma lmpada fluorescente acesa. Era a ausncia de algo que

justificasse o som de um grande deslocamento de ar sem haver um sopro de vento

que me preocupava. O estacionamento estava praticamente vazio, exceto pela

presena de dois ou trs carros, um dos quais era meu. Ou seja, o que estava atrs de

mim no tinha onde se esconder e isso no parecia intimid-lo. E algo que no teme

ser visto algo que no teme ser pego e isso era motivo suficiente para querer me

manter distante.

Eu olhei para trs mais uma vez, desejando enxergar algum ou alguma coisa

para ao menos saber do que estava fugindo, mas no tive tanta sorte. O desfecho da

minha histria ficou a cargo da minha imaginao e eu no estava conseguindo ver

um final muito feliz. O que estava atrs de mim? No ter resposta para essa questo

estava acabando comigo.

Onde est o maldito guardinha quando mais preciso dele? Todo o dia que passo

por aqui, aquele infeliz est sentado no mesmo lugar de sempre, fumando seu cigarro

de extico odor, que por sinal eu odeio, observando as cmeras de segurana como

quem assiste a uma verso diferente de Big Brother ao vivo e em tempo integral. Eu

costumava cumprimenta-lo, mas depois de uma semana sem obter uma resposta

satisfatria, ou melhor, uma resposta qualquer, eu decidi guardar minha simpatia a

quem fizesse melhor uso dela. Ser possvel que ele no est me vendo correr

desesperadamente pelas cmeras de vdeo ou est to entusiasmado com a

veracidade da minha performance que est aguardando a sequncia das cenas? Qual

, guardinha! Tem algum atrs de mim!

De repente, um forte estouro me fez parar num sobressalto e na mesma hora

duas sequncias lineares de lmpadas apagaram-se, uma em cada extremidade do

estacionamento. Minha vaga era no meio do lote e ainda havia uns bons metros para

serem percorridos at chegar l. Voltei a correr, se possvel, ainda mais assustada,

porque dessa vez corria em direo escurido que se formava diante de mim e ao

mesmo tempo fugindo da que se formava logo atrs. Conforme eu avanava, mais e

mais lmpadas entravam em curto e paravam de funcionar, encurralando-me em um

feixe cada vez mais estreito de luz. No momento em que atingi meu destino, o carro, a

ltima sequncia de lmpadas apagou e cessaram-se todos os sons, exceto o da

minha respirao, desordenada, ao sentir meu cabelo ser lentamente afastado para o

lado por glidas mos, cujo toque eu saudei com mais desejo do que deveria. No sei

se por medo ou efeito de uma fora maior, era impossvel resistir, no sentido de

impedir aquilo que estava acontecendo. Acho at que uma parte de mim ansiava por

continuar sendo tocada. O prazer deu lugar dor quase imediatamente, uma dor

lacerante, cida e corrosiva que s no acabou com minhas foras e me roubou a

conscincia porque, to repentina como comeou, em questo de minutos, ela se foi.

Aos poucos, luzes de emergncia acenderam-se, revelando a prova irrefutvel de

que eu no corria mais perigo. Eu gritei, pois sobre meus ps estava cado o corpo de

um homem, morto sem sombra de dvidas. Ningum vivo possuiria uma pele to

escurecida e ressecada, parecendo um cadver que fora embalsamado h dcadas.

Ser que eu o matei? No, isso no faz sentido algum. Eu estava paralisada desde

que senti algum mexer no meu cabelo e, alm disso, esse cadver j havia passado

do ponto. Procurando por um terceiro elemento, varri o horizonte com os olhos, no

encontrando nada. Eu estava sozinha e agora tinha um corpo do qual precisava me

livrar ento, com cuidado, me afastei o suficiente para analisa-lo melhor. No era o

que eu estava esperando. Apesar da aparncia centenria, um dia esse homem foi

dono de uma beleza nica. Ossos no mentem e os dele pareciam ser bem sinceros

quanto ao tipo de estrutura esculpida, forte e resistente, mas ainda assim, harmnica.

Bonito, mas ordinrio. Se voc uma jovem arqueloga que ainda dirige o Uno

que seus pais lhe deram ao completar 18 anos, colocar uma pessoa morta dentro do

porta-malas uma coisa um tanto complexa, pois voc necessita de fora e seu carro

de espao e meu companheiro de longa data e eu dispnhamos apenas de um pouco

dos dois. Ainda assim, era melhor do que arrastar aquele indivduo pelo

estacionamento e deposit-lo no interior de um container de lixo, afinal se as cmeras

de segurana estivessem funcionando, poderiam registrar imagens comprometedoras

que eu no conseguiria explicar depois. Eu seria capaz de alegar estar levando uma

mmia para restaurao se questionassem minha ao envolvendo o carro, mas o que

dizer sobre o lixo?! Que estava colocando uma mmia fora? Quem faz uma coisa

dessas? Estando no ambiente do museu, me desfazer de qualquer pea sem as

devidas autorizaes custaria meu emprego e minha reputao, porque alm de ser

um pecado do ponto de vista arqueolgico, um crime! E esse cara nem pertencia ao

museu. Eu tinha que tirar ele daqui de qualquer jeito e a nica soluo para acomodar

o corpo de algum com aquela estrutura ssea no minsculo porta-malas do meu

carro era quebrar alguns de seus ossos, algo nada digno de algum que estudou

diversas formas de conservar a integridade de relquias histricas. Porm no era

como se eu tivesse escolha, ento abri o porta-malas, respirei fundo e orei em silncio

por alguns segundos antes de criar coragem para peg-lo por debaixo dos braos.

Credo, voc realmente pesa resmunguei ao pobre coitado. No sei como

explicar, mas o fato de eu estar viva e ele no, me fazia sentir mal, como se ele

houvesse sido a vtima, no eu. Cheguei a pedir desculpas em voz alta, tamanho era o

meu remorso, ao forar a articulao do fmur com a bacia e deslocar os ossos das

duas pernas. As articulaes dos joelhos foram as prximas, seguidas de mais

pedidos de desculpas.

Assim que consegui fechar a porta, entrei no carro e segui direto para minha casa,

o nico lugar onde aprendi a me sentir segura desde que mudei para essa cidade. Ao

chegar, sequer me preocupei em tirar a distinta bagagem do porta-malas, acionei o

alarme e segui para o pequeno sto localizado no segundo piso da casa onde moro

h cinco anos com meu irmo mais velho e sua filhinha, que graas a Deus estavam

viajando para visitar meus pais, moradores de uma cidadezinha h 320 km de

distncia. Lembro como se fosse hoje da surpresa que tive ao constatar a existncia

de um sto quando pisei nessa casa pela primeira vez. Na mesma hora soube que ali

passaria grande parte do meu tempo livre, que ali seria meu refgio.

Eu sempre tive um e curiosamente eles sempre estiveram em um nvel alm da

superfcie. Durante a escola, quando ainda morava com meus pais, era um mezanino,

construdo sobre nossa humilde garagem para 3 carros e utilizado para guardarmos

coisas velhas que usvamos com pouca frequncia ou que gostaramos de ter como

recordao, como mveis e objetos pessoais. Desde que aprendi a subir escadas,

aquele mezanino fora meu esconderijo. No comeo meus pais brigavam comigo, mas

depois de alguns anos eles acabaram aceitando que eu precisava ter meus momentos

de recluso, como todas as pessoas. A filha deles talvez tivesse essa necessidade

mais acentuada que a maioria dos jovens de mesma idade, mas quando viram os

filhos adolescentes dos seus amigos engravidando e se metendo com drogas, deram

graas a Deus que eu estava enclausurada dentro de casa por livre e espontnea

vontade.

Do mezanino, a nica coisa que eu trouxe junto com a mudana foi meu pufe

gigante de couro que, com a autorizao do me irmo, eu acomodei no sto. Era

onde eu estava sentada, olhando na direo da janela triangular de vidro, esperando

que do cu eu pudesse tirar uma resposta para meu problema, quando senti meu

pescoo arder. Tentei tatear a regio com os dedos, mas o ardor apenas piorou.

Droga, me pegaram de jeito.

E quanto ao que voc fez a ele? Isso no conta? uma voz masculina

questionou, fazendo eu me levantar de cima do pufe com uma velocidade jamais vista.

Eu no estava esperando visitas.

Quem voc e como voc entrou aqui?. Eu tenho certeza que tranquei a porta

assim que entrei em casa. Ser que ele j estava aqui dentro quando eu cheguei?

Que rude da minha parte. Meu nome . A porta de acesso ao sto abre e

outro homem entra completamente alheio ao que estava acontecendo.

Angus, tudo limpo. Somente ento ele percebeu minha presena e parece no

ter gostado muito do que viu. Eu poderia dizer o mesmo sobre ele. Diga que no o

que eu estou pensando.

Sinto muito, Kaiden. exatamente o que voc est pensando.

O que vocs querem? eu arrisquei perguntar. O mais simptico, ou mais

prximo disso, foi quem me respondeu.

Eu presumo, senhorita... Desculpa, eu acho que no sei o seu nome.

Jlia. Um sorriso perverso cruzou seus lbios.

Adorvel. Pois bem, senhorita Jlia. Ns estamos procurando uma pessoa e eu

presumo que voc a conhea. O nome dele Eoghan. Ele no poderia ter sido mais

cnico.

Desculpa, mas acho que vocs esto me confundindo com algum. Eu no sei

do que vocs esto falando. Eoghan? Que tipo de me d um nome assim a um

filho?

O outro grandalho deu dois passos frente, parecendo determinado a romper a

distncia formal que estvamos mantendo uns dos outros. Ele s no foi adiante, pois

o tal Angus o barrou estendendo um brao a sua frente.

Sua mentirosa.... Ele vociferou, fazendo seu amigo revirar os olhos.

E voc acha que com essa sua atitude ela vai dizer algo? Se voc no consegue

se controlar, voc j sabe o caminho da sada, Kaiden. Deixa que eu resolvo isso. O

tal Angus voltou ento a falar comigo.

Como voc pode ver, senhorita Jlia, quanto antes terminarmos isso aqui, melhor

para todas as partes, ento me permita ser mais claro. Esse machucado no seu

pescoo deveria ser letal e eu tenho certeza de que Eoghan foi o responsvel por ele.

Algo mudou na expresso facial de Angus, mas sumiu em questo de segundos. O

que eu no entendo com que direito, depois de mata-lo, voc o quebra em pedaos

e o transporta no porta-malas daquela imundice que voc chama de carro.

Merda, eles sabem sobre o cara do porta-malas. Cara, no. Eoghan, Jlia, o

homem tem um nome. E aqui esto os amigos dele para reclamar o corpo. Como dizer

a eles que esse Eoghan simplesmente caiu morto diante dos meus ps?

Angus, n? Olha, eu no sei o que aconteceu. Eu estava saindo do trabalho

quando .

Pelo amor de Deus, eu no tenho pacincia pra isso o brutamonte

esquentadinho resmungou, virando as costas e saindo pela porta como um furaco

sem rumo. O que foi um alvio, pois a presena dele j estava me dando nos nervos.

No liga pra ele. Mesmo. Kaiden ... basicamente isso que voc acabou de ver.

Um pouco tempestuoso, mas nada com que voc precise se preocupar. Agora, o que

voc estava dizendo?. O jovem Angus parecia envergonhado com o comportamento

do colega, mas no o suficiente para perder o interesse na minha histria.

Ento eu contei o que havia acontecido, desde os sons que ouvi at o momento

em que no pude enxergar mais nada. E que quando eu pensei que conseguiria sair

do estacionamento, veio o ataque sorrateiro, seguido daquela dor quase insuportvel.

Voc disse que seu amigo foi o responsvel pelo ferimento no meu pescoo, mas

honestamente eu no sei o que aconteceu, porque estava escuro. Eu apenas vi o seu

amigo cado sobre meus ps quando a luz acendeu novamente, mas eu juro por tudo

que sagrado que ele no estava l at a escurido tomar conta do estacionamento.

Voc tem certeza de que foi ele que me atacou?.

Sim, eu tenho certeza. Eu estava l tambm e... meio que vi tudo acontecer.

Angus pausou no meio da frase com uma expresso de quem se arrependeu do que

havia dito, mas continuou, observando qual seria minha reao. O que ele queria?

Diante de mim estava uma pessoa que confessou ter visto uma das coisas mais

bizarras que j aconteceu na minha vida e no fez absolutamente nada para ajudar.

Que tipo de cidado faz isso?

Voc estava l? eu disse sem conseguir esconder a irritao Bem, ento eu

espero que tenha gostado do show!. E naquele instante vi evaporar toda a educao

e simpatia daquele homem que conversava comigo. Eu fora longe demais.

Angus avanou na minha direo, agarrando-me pelo pescoo e prensando meu

corpo contra um armrio de uma forma que eu mal conseguia me mexer.

No, eu no gostei. Sabe por qu? Meu irmo est morto por sua causa,

senhorita Jlia. Lembre-se disso da prxima vez que tentar ser engraadinha. Irmo?

Mas que bosta, isso no vai parar de ficar complicado? E que histria essa de que

eu matei algum?

Em minha defesa, eu disse ainda imobilizada, eu no fiz nada contra seu irmo.

Ele morreu por conta prpria, eu juro. Sinto muito se voc precisa achar um

responsvel pelo que aconteceu, mas eu no sou essa pessoa. Eu no contei

nenhuma piada, mas meu ltimo comentrio parece ter encantado o Sr. Angus, que

afastou-se de mim soltando uma risada no to encantadora assim.

Exatamente por ser a pessoa que voc , senhorita Jlia, que a torna

responsvel pela morte de Eoghan. E a trama continua a ficar estranha. Ser que

estou sonhando ou coisa parecida? No entanto, parece que voc no tem a menor

ideia do que voc . Angus encarou-me com um ar de surpresa que me fez esquecer

o que estava pensando.

Eu suponho que voc saiba. Talvez entrando no jogo dele eu consiga algumas

respostas, pelo menos.

Voc , senhorita Jlia, o que ns chamamos de Ophidian .

Tipo uma cobra? Uma cobra venenosa? Desculpa, Angus, mas eu realmente no

estou entendendo onde voc quer chegar.

Digamos que se houvessem mosquitos insulinodependentes, uma gota do seu

sangue seria o equivalente a uma dose de glicose to alta que seria capaz de levar o

organismo deles falncia. Um veneno to delicioso que praticamente valeria a pena

degust-lo, ainda que uma nica e ltima vez. Agora me diga, carregar um veneno

desse tipo no a tornaria to peonhenta quanto uma serpente?.

Voc est insinuando que h algo errado com o meu sangue?. Angus se

permitiu rir mais uma vez.

Ah, sim, senhorita Jlia, algo muito errado. Contudo, isso o que a torna to

especial.

Ok, Angus. Vamos combinar algumas coisas. Corta esse papo de senhorita pra

cima de mim, pois depois de quase me esganar como voc fez agora, essa

cordialidade toda no faz sentido algum. E essa sua teoria sobre meu sangue? Isso

faz menos sentido ainda.

Voc j deu uma olhada no seu pescoo, Julia?. Na verdade, no. Eu apenas

lembrei que havia sido ferida depois que cheguei em casa e senti uma forte ardncia

no local da leso. Com cuidado, me aproximei de um pequeno espelho que havia

pendurado na parede, com uma srie de smbolos chineses ao redor dele. O espelho

em si era do tamanho de uma moeda de um real, mas ainda era possvel enxergar no

meu pescoo dois pequenos buraquinhos com uma distncia de aproximadamente

trs dedos entre eles.

Ironicamente, isso parece muito com uma mordida de cobra.

uma mordida, correto. Mas no de uma cobra. Eu no sei como voc vai reagir

a isso e sinceramente no estou muito preocupado, at porque no posso desperdiar

muito mais tempo aqui. Eu j perdi um irmo hoje e no estou disposto a arriscar a

vida do outro que est l fora a beira de um ataque de nervos. Ento Kaiden tambm

era irmo do cara morto no meu porta-malas? Isso explica muito aquele

comportamento hostil. A verdade, Jlia, que voc foi mordida por um vampiro. Isso

o que eu e meus irmos somos, vampiros. No toa que fiz aquela comparao

antes. Ns somos os tais mosquitos insulinodependentes e voc a alta dose de

glicose capaz de causar a falncia de nosso organismo. Eoghan teve a infelicidade de

partir pra cima de voc antes que eu pudesse fazer alguma coisa. Sendo o mais novo

de ns trs, ele ainda estava aprendendo a controlar a irresistvel tentao de provar

esse nctar proibido que o seu sangue.

Minha vez de cair na gargalhada. Voc sabe o quanto isso difcil de acreditar,

no sabe?.

, Jlia, minha doce Jlia. Eu mesmo me colocaria disposio para demonstrar

que estou falando a verdade se no tivesse que morrer para isso. Venha conosco e eu

prometo provar minha teoria a voc assim que possvel.

Eu no sei como aconteceu, mas de repente Kaiden estava entre ns novamente.

E dessa vez ele no se importou em usar a porta. Ele simplesmente materializou-se

do nada, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Voc est de sacanagem comigo, Angus?! Ns no podemos levar essa coisa

conosco. Kaiden parecia indignado, com seus braos cruzados e uma expresso de

poucos amigos.

Apesar da indelicadeza, eu lancei um olhar furioso na direo de Kaiden

tentando entender, sem sucesso, o problema dele comigo o seu irmo pode ter

razo, Angus. Eu no posso ir com vocs.

Qual crianas, no tornem isso mais difcil ainda.

Ela matou Eoghan, Angus. Ser que eu preciso lembra-lo disso?.

Quantas vezes eu tenho que dizer? Eu no matei o irmo de vocs!! eu disse

indignada. Por acaso a ma levou a culpa por ter sido mordida por Eva? Acho que

no, porque mas no podem fazer escolhas, da mesma forma como eu no pude

escolher ser mordida por um de vocs. Ou vocs acham que agi de caso pensado

oferecendo meu pescoo como isca para uma armadilha?. Ao fim do meu rompante,

eu tinha dois homens possantes me encarando em silncio, analisando cada reao

minha. Angus foi quem decidiu me dar algum tipo de resposta solidria, claro.

o que Ophidians fazem, Jlia. Pessoas como voc so eternos caadores,

verdadeiras armadilhas ambulantes.

Pessoas como eu? Que seja, mas no eu! Fui clara? Eu no estou caando

nenhum... vampiro, ou o que quer que vocs sejam. Eu revirei os olhos, achando um

absurdo ter que usar a palavra vampiro numa frase que deveria soar to sria.

Angus deu aquele sorriso malfico novamente.

A que voc se engana senhorita Jlia. Voc est. Ento tudo se tornou um

grande borro e no instante seguinte, eu apaguei por completo.

~~ ~~

II

uando recobrei a conscincia, eu no tinha a menor ideia de onde estava e

por um momento pensei que a vaga lembrana de ter sido atacada por seres

que se dizem sugadores de sangue era fruto da minha imaginao. Talvez eu

tenha sofrido um acidente, batido a cabea com fora e toda essa fantasia

seja efeito dos medicamentos. Certo, Jlia. Como se algo na sua vida fosse

simples assim.

Ao apoiar os braos no colcho para sentar na cama em que estava deitada e ter

uma viso melhor dos arredores, senti um fisgar no pescoo e constatei, sem o auxlio

de um espelho, que havia um enorme curativo nele. O esparadrapo repuxava minha

pele conforme eu me movimentava, mas aps tentar remov-lo decidi que a dor no

valia a pena. A cola do adesivo estava bem aderida minha pele, o que significava

que um puxo ali somente me deixaria mais dolorida e com marcas indesejadas

adicionais.

O quarto em que estava no era meu, muito menos o de um hospital. A certeza

vinha da ausncia do branco. Os mveis, muito bem acabados e modernos, diga-se

de passagem, eram todos em madeira cedro rosa e alguns deles, como o guarda-

roupa e o criado-mudo, possuam detalhes em metal nos puxadores de portas e

gavetas. A iluminao, feita por spots de luz embutidos, dava um ar de penumbra e ao

mesmo tempo, conforto ao ambiente. A janela do quarto, a nica, estava escondida

por cortinas blackout luxuosas e por esse motivo era difcil dizer se era noite ou dia, j

que no havia nenhum relgio ou uma televiso vista, o nico detalhe que me

impedia de chamar esse cmodo de perfeito. Se as circunstncias fossem outras eu

acho at que no teria problemas em dormir nele todos os dias.

Com cuidado e certa relutncia, afinal no todo dia que durmo no aconchego de

uma cama box king size com duplo pillow top, levantei e fui atrs de pistas que

indicassem onde eu estava. bvio que no encontrei nada. O quarto era o mais neutro

possvel, algo do que nem posso reclamar porque se acordasse em meio a quadros de

pessoas mortas e paredes vermelhas cor de sangue, eu j estaria surtando. Eu curto

neutro. O neutro bom, lhe d possibilidades e garantias. Tomando por exemplo este

quarto, no parece ser um local de tortura ou crcere. Est mais para um quarto de

hspedes do que qualquer outra coisa, aquele cantinho que voc arruma com todo

cuidado pra receber e mimar suas visitas, querendo que elas se sintam vontade ao

ponto de no quererem mais ir embora. Eu tive que rir. E desde quando uma boa

garantia saber que vampiros no querem que voc v embora? Eu tenho que dar um

jeito de sair daqui. E logo.

Presumindo que no havia passagens secretas no interior do guarda-roupa, as

nicas sadas disponveis eram a porta, que devia ser a conexo com o interior de

alguma casa que eu no pretendia conhecer, e a janela, abertura que em 90% das

residncias, comunica-se com a rua. No pensei duas vezes. Janela ser. O que eu

no estava esperando era que esta no possusse abertura alguma. Tratava-se

apenas de uma grande vidraa e certamente aquele no era um vidro comum. No

duvido que se eu jogasse uma cadeira com a inteno de quebr-lo, ela bateria contra

ele e se espatifaria no cho sem causar-lhe nenhum estrago. Frustrada, esmurrei o

vidro.

Pobrezinha! No consegue abrir a janela? eu virei imediatamente ao identificar

a voz inconfundvel de Kaiden. Nunca d as costas a algum que no confia,

principalmente se esse algum no precisa usar a porta para entrar em um ambiente

fechado. Vocs, humanos, so estpidos como moscas quando se deparam com um

simples obstculo como um vidro. Ficam se debatendo, desesperados, gastando

energia sem necessidade. irritante.

Se to irritante, o que voc est fazendo aqui? Ningum o chamou pra comeo

de conversa.

Eu moro aqui, sua insolente. Estou apenas verificando se voc no est

destruindo meu patrimnio. Voc, por outro lado, s est aqui porque meu irmo tem

planos para voc. Caso contrrio, voc no estaria mais respirando.

Planos? O que voc quer dizer com isso?.

Em breve voc saber ele respondeu. E num piscar de olhos eu estava

sozinha novamente.

Kaiden, no!. Corri at a porta numa tentativa ridcula de alcan-lo, forando a

maaneta. Eu estava trancada. Droga, Kaiden. Volta aqui! gritei em vo.

Olhei novamente para a janela. Era noite. Eu no tinha nenhum relgio por

perto e s Deus sabe onde poderia estar meu celular a essa altura do campeonato,

mas pela cor do cu dava pra ver que no faltava muito para amanhecer. Se minhas

contas estiverem certas, seria domingo, ainda bem. Ao menos eu no estaria

perdendo um dia de trabalho. Mas e depois? No, no poderia haver depois, eu disse

a mim mesma. Eu precisava dar um fim nisso hoje.

At a hora em que Angus resolveu aparecer com um prato de comida, graas a

Deus, porque eu estava morta de fome, eu j havia extrapolado os limites de

tolerncia ao cio. No havendo absolutamente nada para fazer dentro daquele

quarto, fiquei brincando com o papel de uma pastilha de Halls que encontrei dentro do

bolso da minha cala. Ento acabei deitando e pegando no sono novamente, o que

no contribuiu muito para o meu hlito. O halls at que ajudou, mas eu no podia

esperar milagres. Eu sei, pois consumo Halls enlouquecidamente desde a poca do

cursinho. Eu e meus amigos mais chegados costumvamos ir at o bar, antes da aula,

torrar algum dinheiro com bobagens que nos ajudassem a deixar a tarde mais doce.

De todas as balas e pirulitos que comprei durante esse perodo foi no Halls que acabei

me viciando, ento eu sei que seus efeitos so temporrios. Meus favoritos so o

preto, de menta-eucalipto e o vermelho, de cereja. No sei explicar porque gosto tanto

deles, talvez seja a combinao entre sabor, frescor e aquele barulhinho caracterstico

do choque da pastilha contra os dentes quando a rolamos de um lado a outro na boca.

Sempre que posso carrego comigo uma embalagem cheia, por isso esse filho nico

certamente deveria ser uma sobra esquecida j h algum tempo. No interessa.

Ganhei meu dia mesmo assim.

O barulho na porta do quarto foi o que me despertou. Mal tive tempo de dar

uma ajeitada na aparncia, como se algum dos meus sequestradores se importasse

com isso, e Angus entrou no quarto empurrando um carrinho com o que imaginei ser

meu almoo. J estava claro na rua e o sol parecia estar a pico.

Ento vocs lembraram que eu preciso me alimentar, que gentileza da parte

de vocs. Eu no pude evitar o sarcasmo. Ficar com fome sempre me deixou mal-

humorada.

Peo desculpas pela demora. Pra dizer a verdade fazia tanto tempo que no

recebamos visita de humanos que precisei ir ao mercado fazer compras e demorei

mais que esperava. Ele estava fazendo compras? Vampiros super fodes no

deveriam ter subalternos que fizessem esse tipo de coisa para eles? Ou ser que com

a minha sorte eu fui sequestrada por vampiros que vivem de aparncias?

Voc cozinhou tambm? disparei sem pensar, mas j era tarde. O vampiro

me olhou, meio confuso e, se possvel, at meio constrangido Quando olhei para o

carrinho, entendi o motivo. Era comida congelada. Talvez a nica participao dele no

preparo da comida tenha sido colocar a bandeja dentro do forno de micro-ondas e

apertado o boto ligar. Ento porque cargas dgua ele demorou tanto?!

Achei que se eu preparasse alguma coisa voc se recusaria a comer, afinal

comer algo feito por um vampiro desconhecido sempre um grande risco, no? Ou

talvez seja apenas uma coisa minha Angus respondeu num tom que eu no soube

discernir se era brincadeira ou no, apesar de fazer todo o sentido.

Bem, agradeo pela considerao. Da prxima vez, apenas lembre que um

ser humano costumar fazer ao menos trs refeies ao dia. E com isso, mandei ver

uma garfada de comida. Era lasanha e at que estava gostosa!

Prxima vez? Agora ele realmente pareceu surpreso. Quanto tempo mais

voc pretende ficar aqui?.

No sei. Quanto tempo mais vocs pretendem me manter aqui?

Difcil dizer. Do jeito como voc tem lidado com Kaiden, no muito.

Ele um grande p no saco, sabia? resmunguei enquanto ainda mastigava,

sem me preocupar com modos. Eu estava com fome e irritada.

Quando ele quer, sim, ele consegue ser um grande p no saco. Porm, no

momento ele est apenas tentando lidar com a morte de algum que ele criou como

um filho. Por que raios Angus est me contando isso? Quer fazer com que eu me

sinta culpada pela morte do rapaz? Eu j disse que no matei ningum! Angus

continuou.

Se serve como consolo, Kaiden no est com raiva de voc. com ele

mesmo. Nosso irmo estava passando por uma fase complicada e tendo dificuldades

em controlar seus impulsos. O dia em que Eoghan lhe atacou, Kaiden deveria estar

junto, mas precisou lidar com um problema que surgiu e ento pediu para que eu

fosse dar uma conferida no lugar dele. Quando cheguei voc j estava sendo mordida

e no havia nada que eu pudesse fazer. Talvez sim, se voc fosse um ser humano

normal, mas voc no . O que posso dizer? At mesmo vampiros tm seus dias de

azar. O sorriso entristecido de Angus quase partiu meu corao. Quase.

Por que voc est me contando isso?. Eu tive que perguntar.

Porque por ser o que voc , cedo ou tarde criaturas como Kaiden e eu viro

atrs de voc, pedindo o que eu estou prestes a lhe pedir. E para tomar uma deciso

dessas importante que voc saiba com quem est lidando. Isso o que eu estou

tentando fazer, mostrar a voc como realmente somos. Porque se precisarmos ser

julgados, ento que seja pelos motivos certos. No somos maus apenas porque

somos vampiros, senhorita Jlia, mas porque s vezes como conseguimos lidar com

nossos prprios monstros. Uau, isso foi profundo.

Ok, eu tentarei manter minha mente aberta. Ento, o que exatamente voc

est prestes a me pedir?.

J que voc perguntou... simples, senhorita Jlia. Eu gostaria de propor um

acordo.

~~ ~~

III

penas porque Angus insistiu muito na importncia dessa misso e por

ter prometido que se eu fosse colaborativa ele me deixaria voltar para

casa amanh cedo, eu concordei em fazer parte dela, caso contrrio

jamais sairia sozinha ao lado de Kaiden pelas ruas da cidade noite ou mesmo

durante o dia. O que me confortava, mas me preocupava ao mesmo tempo, era

perceber que Kaiden estava to incomodado quanto eu. Andar com a Ophidian que

causou a morte de seu irmo mais novo, para ele era to agradvel quanto pisar em

esterco. Palavras dele. Agora, me diga se no de dar medo saber que a criatura ao

seu lado pensa isso de voc e tem srios problemas de temperamento? Eu mal havia

sado e no via a hora de retornar.

D pra se controlar? Voc est fedendo Kaiden fala do nada, me pegando

desprevenida com tamanha grosseria.

O que? Eu sou o prprio esterco agora? Qual a desse idiota?!

Quem me dera ele resmungou.

Olha aqui, seu brutamonte, eu realmente dispenso seus comentrios. Kaiden

parece ter contado at 100 antes de dar uma explicao.

Tudo bem, aqui vai sua primeira lio, sua Taipan. Ophidians, quando em

estresse, exalam um odor caracterstico, uma espcie de chamarisco. como vocs

caam. Os Ophidians mais experientes, e mais letais por consequncia, so capazes

de controlar o momento e a intensidade do uso dessa poderosa arma, sendo

detectados apenas quando e por quem realmente querem. O que no o seu caso,

bvio.

E to ruim assim o cheiro?

Pra voc ter uma ideia, me faz querer pular no seu pescoo nesse mesmo

instante.

, nada bom. Agora eu entendo porque que Angus achou graa quando eu

disse que no estava caando ningum. Talvez eu estivesse. S no sabia disso.

Ento uma dvida passou na minha cabea.

Voc faria isso? Tipo, pular no meu pescoo, como voc disse?. Kaiden

parou de andar, revirou os olhos e mesmo o tendo conhecido h to pouco tempo, eu

soube que havia acertado um nervo.

Est escrito em algum lugar na minha testa que eu tenho tendncias

suicidas?, Kaiden questionou de fato apontando para a regio acima dos olhos. Eu

jamais faria uma coisa dessas sabendo o que voc .

Isso deveria me dar algum tipo de segurana? Porque seu irmo tambm

sabia o que eu era e mesmo assim ele . O olhar no rosto de Kaiden me impediu de

prosseguir. Foi como se ele tivesse tomado na cara um tapa de mo cheia.

Chega de conversa. Vamos.

Kaiden, desculpa, eu....

Voc surda? Ou apenas teimosa?. Uau, pelo visto eu consegui ferir um

vampiro! E usei apenas palavras! T, palavras um pouco cruis pra quem recm

perdeu algum to prximo, mas ainda assim. Se eu tivesse um pouco mais de

coragem teria dito que era a vez dele segurar a onda.

Voc pode ao menos dizer-me onde estamos indo?.

Seguindo uma pista. Agora, como eu disse, chega de papo.

Continuamos andando pelas ruas lado a lado, porm calados, at que a ltima

rua em que dobramos nos levou a um beco sem sada cujas casas eram horrveis e a

iluminao mais ainda. De repente chegar mais perto de Kaiden pareceu at uma boa

ideia. Eu no sabia o que, mas tinha algo errado, muito errado aqui.

Voc tem certeza de que esse o lugar certo?. Ns no tnhamos nenhum

mapa, logo Kaiden poderia muito bem ter se equivocado em algum ponto do percurso.

A esperana a ltima que morre.

Absoluta. Agora lembre-se, voc apenas uma isca ento no se meta em

assuntos que no lhe dizem respeito ou eu mesmo acabo com voc. Aps a delicada

ameaa, Kaiden recapitulou todo o plano. A princpio estaramos visitando um vampiro

chamado Brewer atrs de algumas informaes. Em troca lhe daramos algo

extremamente valioso, amostras do meu sangue. Segundo Angus, o sangue de um

Ophidian no letal se ingerido em quantidades muito pequenas, causando apenas

um frenesi, motivo pelo qual diversos vampiros acabam desenvolvendo uma espcie

de dependncia aps consumi-lo com frequncia. Brewer era um deles e pelo que

disseram, faria qualquer coisa em troca de algumas gotinhas de felicidade, j que o

produto parecia estar em falta no mercado. O motivo da escassez da droga era a falta

de matria prima, Ophidians, cuja populao vinha diminuindo progressivamente nos

ltimos anos, algo bastante incomum, pois por serem como predadores naturais de

vampiros, quase sempre existiram na mesma proporo que eles.

Pelo que Angus falou antes de sairmos, h um grupo de vampiros caando

Ophidians para a realizao de estudos e experimentos com intuito de desenvolver

uma vacina que torne o organismo vamprico imune aos efeitos letais do veneno

Ophidian. A ideia que um vampiro possa beber direto da fonte sem se preocupar

com a quantidade de sangue ingerida. Um prazer sem riscos e sem limites. Vampiros

vo at poder matar um Ophidian, drenando-o at a ltima gota, se assim desejarem.

Quando questionei a Angus se isso no seria bom para a raa deles, ele disse que

seria, se o preo a ser pago por isso no fosse to alto. Ao questionar que preo seria

esse, Angus explicou que estavam usando vampiros como cobaias. Cobaias que

acabavam mortas ao fim do experimento. Eu no quis parecer impertinente pedindo

maiores explicaes, mas estava claro que Angus tinha motivos pessoais para no

concordar com esse tipo de avano cientfico. E ele estava certo quanto a uma coisa.

Se vampiros j tm dificuldades em controlarem-se bebendo de uma fonte que pode

mata-los, quando no houver mais esse risco ser o caos. E no apenas para

Ophidians e vampiros. Se a situao sair de controle ser apenas uma questo de

tempo at os humanos comearem a sofrer as consequncias disso tudo. Alis, um

dos motivos para eu estar aqui to prontamente era saber que estava fazendo algo

pela minha espcie. Ou espcies. Eu ainda no assimilei muito essa ideia de no ser

mais completamente humana.

O outro motivo era a promessa de que depois dessa humilde cooperao eu

estaria livre para voltar a minha rotina desde que eu mantivesse discrio sobre tudo

que acontecera e permanecesse longe do lado negro da fora. No foi uma

negociao fcil, mas por fim decidimos que Angus ficaria de olho em mim por algum

tempo, pelo menos at tudo se acalmar, para certificar-se de que eu no estava

correndo riscos. Tudo em nome da minha liberdade.

Quem nos atendeu aps Kaiden tocar a campainha foi um homem de

aproximadamente quarenta anos com a aparncia bem judiada. Ao contrrio de Angus

e Kaiden, minhas nicas referncias de vampiros e eles eram deslumbrantes, esse

senhor apresentava marcas de escuros hematomas que pareciam ainda piores em

contraste com a plida tonalidade de sua pele. Abaixo dos olhos formavam-se bolsas

inchadas, dando-lhe um aspecto de sono e cansao. E, para minha surpresa, possua

duas presas bem salientes, as primeiras que eu de fato vi desde que me informaram

que o mundo tambm habitado por vampiros. Estavam, porm, opacas e

amareladas, como o resto dos dentes, o que s foi possvel observar graas ao sorriso

luntico que deu provavelmente ao sentir o extico aroma do meu sangue, a soluo

para todos os seus problemas mesmo sob o custo de uma imensurvel perdio.

Brewer Olson, eu presumo o vampiro que me acompanhava disse sem

enrolaes.

O prprio. E voc deve ser o Sr. Krysiak. Kaiden e o Brewer apertaram as

mos formalmente. Krysiak? Ser esse o verdadeiro sobrenome de Kaiden e Angus

ou apenas um nome falso usado por ele nesta ocasio? De qualquer jeito j um

dado que posso usar para pesquisar sobre eles mais tarde. Vcio de arquelogo esse

de ficar pesquisando a histria de coisas e pessoas. Difcil evitar.

Seja bem vindo Brewer disse cordialmente ao nos dar passagem E por

favor, sinta-se em casa. Ter sido ignorada completamente no chegou a ser uma

surpresa. Eu fora bem preparada para esse tipo de situao. No se deixe levar por

sentimentalismos, Srta. Jlia. Pode ser frustrante esperar por respeito ou considerao

vindos de um vampiro. Sbio, sbio Angus.

Aceitando o convite de Brewer, Kaiden passou o brao por trs de mim, me

pegando de surpresa, apoiou a mo sobre meu ombro e, assim, guiou-me ao interior

do casebre que parecia cair aos pedaos por dentro assim como por fora. O no to

simptico anfitrio convidou-nos a sentar no sof da sala, mas graas a Deus Kaiden

alegou estar de passagem rpida e permaneceu em p comigo ao seu lado. Brewer,

no entanto, sentou-se em uma velha poltrona e me estudou de cima a baixo, como

uma mercadoria. Homens... sero eles todos iguais?

Que belo espcime voc tem a, vampiro. Um grande achado, eu diria.

O senhor no faz nem ideia do quanto Kaiden respondeu, entrando no jogo

dele. Vamos ver se vale o preo da informao que o senhor alega ter.

Certamente. Mas antes de falarmos de negcios, que tal uma bebida?. Nesse

momento uma jovem aparece na sala, usando apenas um baby-doll de seda vermelho,

cabelo em um coque preso com um bico de pato de metal e, nos ps, saltos sobre os

quais eu sempre sonhei andar, mas nunca tive coragem. A moa certamente no

passou despercebida pelo escrutnio de Kaiden. O dono da casa, no alheio a isso,

continuou a oferta. O que voc acha dessa jovem 100% humana, vinte e dois

aninhos, sangue puro, sem transfuses?.

Adorvel. A resposta de Kaiden soou alterada, talvez at com uma pitada de

interesse. Ser que isso fazia parte da encenao? To adorvel que chega a doer

ter que recusar.

So seja Rude, Sr. Krysiak. Ester, por favor. Do bolso de sua cala, onde eu

certamente guardaria uma embalagem de Halls, Brewer tirou um pequeno objeto que

entregou jovem e foi nesse simples movimento que vi algo estranho, como se o ar

ao redor dela estivesse tremulando, tal como acontece quando determinadas

superfcies so expostas a temperaturas bastante elevadas. Um efeito sinistro que

prendeu minha ateno at eu perceber que o objeto na mo de Ester era um

pequeno canivete e que ela estava prestes a abrir um talho no prprio pescoo com

ele. Sem conseguir esconder minha repulsa, baixei a cabea, respirando fundo para

no ter um ataque histrico e Kaiden, percebendo meu mal estar, tentou me

reassegurar de que aquilo terminaria logo apertando levemente meu ombro antes de

solt-lo, quase como se dissesse para aguentar firme.

Focando o olhar nos meus ps para me distrair da automutilao a que Ester

estava se submetendo, notei que meu corpo tambm parecia emitir as mesmas ondas

de calor que ela, fazendo com que o ar prximo superfcie da minha pele ganhasse

vida. Se antes de me enojar e baixar a cabea eu no tivesse visto o mesmo

acontecer com Ester, teria pensado que se tratava uma iluso causada pelo choque

de v-la esculpir um corte no pescoo com uma lmina de metal afiada. Mas eu vi e

por alguma razo no acreditei que era apenas uma estranha coincidncia.

Angus repetiu vrias vezes que eu sou especial, que eu poderia mudar o rumo

de muitas histrias e selar destinos apenas por ser o que eu era, uma Ophidian . Um

ser que, de acordo com Kaiden, possui nas veias uma poderosa arma capaz de

confundir at mesmo experientes vampiros, atraindo-os para uma armadilha fatal sem

que nem desconfiassem. Mas ningum mencionou que minha aparncia mudaria.

Ser que isso faz parte do pacote? Eu ergui a cabea.

Se fizer parte do pacote, Kaiden e eu tnhamos um problema porque a pele de

Ester apresentava o mesmo efeito que a minha, ento nada mais lgico concluir que

ramos igualmente especiais e, por que no, letais. E Kaiden, no intuito de acabar

com esse encontro o mais rpido possvel, provavelmente com medo que eu

colocasse tudo a perder, aceitou a bebida oferecida por Brewer e estava prestes a

degust-la direto da fonte.

A certeza de que algo estava errado veio quando percebi a expresso

magnetizada do quarento, que parecia controlar-se para ele prprio no drenar

aquela garota. Com olhos vidrados e lbios levemente partidos, a sensao era de

que Brewer estava vivendo aquele momento atravs de Kaiden, antecipando o prazer

que certamente j conhecia e ansiando para ter tambm a sua dose, comportamento

tpico de um... viciado. Estranho, pensei que sangue humano no causasse esse tipo

de reao em vampiros. As palavras de Kaiden ecoaram na minha cabea na mesma

hora. Ophidians mais experientes, e mais letais por consequncia, so capazes de

controlar o momento e a intensidade do uso dessa poderosa arma, sendo detectados

apenas quando e por quem realmente querem. Meu Deus! Ester no humana coisa

nenhuma! Ela era

KAIDEN! eu gritei sem pensar, fazendo-o parar e virar imediatamente em

minha direo. Quando nossos olhos se encontraram, os meus certamente mais

arregalados e assustados que os dele, eu sacudi rapidamente a cabea para os lados

rezando para que ele entendesse meu recado. Levou um segundo, mas ele entendeu,

pois no instante seguinte estava com as mos no pescoo de Brewer, que parecia

achar graa da situao. Ester aproveitou a oportunidade e fugiu por uma porta lateral.

Eu congelei onde estava.

Que belo espcime voc tem, Sr. Krysiak Brewer repetiu a fala de antes,

porm dessa vez com verdadeiro encantamento. Kaiden no se deu o trabalho de

responder.

A menos que voc queira assisti-lo morrer, eu sugiro que olhe para o outro

lado agora. Sabendo que ele estava falando comigo, segui o conselho. Conforme eu

virei o rosto, ouvi apenas o som de ossos quebrando e de um corpo sem vida

atingindo o cho.

No segundo estrondo eu resolvi dar uma espiada e enxerguei Kaiden cado

tambm, usando apenas o joelho direito e uma das mos como apoio. Completamente

transfigurado, com o olhar perturbado, presas expostas e a respirao acelerada e

irregular aquele belo homem parecia agora um monstro. Um monstro em agonia. Eu

corri at ele, ajudando-o a sentar em uma cadeira prxima.

Droga, Kaiden! praguejei ao limpar uma mancha de sangue no seu lbio

inferior com a ponta do dedo. No credito que voc j havia mordido ela! Quanto

sangue voc ingeriu?. Ele levou um tempo para conseguir me responder.

Mais do que eu deveria, porm menos que o suficiente para matar.

Por que voc fez aquilo? Voc no viu que havia algo errado com ela?.

De novo, sua Taipan, voc acha que eu teria sugado o sangue daquela garota

se eu soubesse o que ela era? Eu j disse que no tenho tendncias suicidas.

Com todo respeito, depois do que voc fez meio difcil de acreditar. Mas isso

tambm no problema meu.

Que bom que voc sabe. Eu revirei os olhos. Pelo visto nem uma alta dose do

que pra Kaiden um veneno capaz de amolecer sua carapaa.

Voc est bem? perguntei para mudar o rumo da conversa.

No muito, mas ficarei. Estou apenas um pouco tonto e com a sensao de

que estou queimando por dentro. Um lucro perto do que poderia ter acontecido.

Ser que voc consegue caminhar? Eu no acho que seja uma boa ideia

ficarmos por aqui. Kaiden ento tirou do bolso um celular e me entregou.

Ligue pro Angus. Discagem rpida nmero um. Ele estar aqui em no mximo

dez minutos.

Enquanto nossa carona no chegava, Kaiden resolveu me interrogar querendo

saber como eu descobri que a tal Ester era uma Ophidian quando nem ele foi capaz

disso. Sem motivos para no o fazer, contei sobre a tnue camada trmula de ar que

observei na superfcie da minha pele e da dela. Curioso, Kaiden fixou o olhar em um

dos meus braos, franziu a testa e me encarou com um ar de dvida.

Voc consegue ver isso agora? ele questionou, recebendo minha

confirmao. Ele, pelo visto, no notara nada de diferente.

Talvez seja algo que somente Ophidians consigam enxergar sugeri.

No de se descartar. Bom palpite, Taipan.

Por que voc me chama disso?.

O qu? Taipan? ele riu pelo que pareceu a primeira vez desde que o

conheci, uma risada letrgica, com suas presas ainda projetadas para fora,

provavelmente devido ao efeito do sangue batizado que ingeriu. Que tipo de

pesquisadora voc? Eu pensei que voc soubesse Kaiden provocou, falando cada

vez mais devagar, parecendo render-se aos poucos a uma sonolncia incontrolvel.

Taipan uma serpente australiana. Considerada a mais peonhenta do mundo. A

resposta dele me deixou sem palavras. Ser que era um elogio ou um insulto? Vindo

dele... Kaiden ameaou a fechar os olhos.

No ouse ir para a terra dos sonhos e me deixar aqui sozinha, Kaiden! Abre

esses olhos! O que fazer pra manter ele distrado? Ah, j sei! Kaiden? Olha, eu

tenho uma tatuagem!!. Foi a primeira coisa que pensei, talvez no a mais inteligente,

pois a nica tatuagem que eu tinha era na nuca, e eu estava prestes a mostra-la a um

vampiro sem condies de responder pelos seus atos naquele momento. Em minha

defesa eu achei que seria engraado, depois da nossa breve conversa, revelar que no

topo do pescoo eu tatuei o smbolo de ouroboros, onde duas serpentes se

entrelaavam, formando dois oitos, a cabea de uma mordendo a cauda da outra.

Kaiden ainda estava sentado na cadeira, ento eu me abaixei com as costas de frente

para ele e puxei meu cabelo para cima, expondo assim minha tatuagem.

Eu a escolhi pelo significado da imagem, que representa a ideia de uma

unidade primordial relacionada a algo que existe ou persiste diante de qualquer

comeo com tanta fora e tantas qualidades que no pode ser extinto. Irnico, no?

Engraado que eu me lembrei dela somente agora. Inesperadamente senti a mo de

Kaiden no meu pescoo, seus dedos deslizando sobre a tatuagem num silncio

introspectivo, como se absorvesse o que eu acabara de dizer. Na verdade era difcil

saber o que estava acontecendo ou o que Kaiden estava de fato pensando porque ele

estava atrs de mim. No entanto, eu senti quando ele se moveu e eu apenas percebi

que era em minha direo quando a respirao dele tocou a minha pele. Meu corpo

reagiu primeiro que o crebro e quando vi estava acertando um tapa daqueles bem

estalados no rosto dele.

Mas que diabos, Kaiden?! Controle-se! Se voc morde meu pescoo agora,

voc morre! eu me obriguei a gritar. Olhos negros enfurecidos me encaravam com

pupilas esbranquiadas que pareciam brilhar, mas eu no estava nem a. Voc disse

que no tem tendncias suicidas, t lembrado?!.

Inacreditvel! a voz de Angus soou como o anncio da chegada dos anjos

atravs da porta principal da casa, mudando o foco da ateno de Kaiden. Eu cheguei

a respirar aliviada.

Voc escondeu de mim alguma informao importante, como ser mentalmente

debilitada, Srta. Jlia? Porque a nica explicao que h para algum que oferece

seu pescoo a um vampiro quando ele est nitidamente vulnervel e que, quando ele

cede tentao, acha que a soluo agredi-lo e tentar intimid-lo, gritando, ainda

por cima! Voc tem muita sorte de ter se prevalecido com Kaiden, pois qualquer outro

vampiro no lugar dele... um sorriso perverso estampou seu rosto, como se estivesse

imaginando a cena. Ok, eu retiro o celestial. Talvez ele tenha chegado com a fria de

um anjo cado.

~~ ~~

IV

ma semana j havia se passado e nenhum sinal de Kaiden. Desde a

visita ao vampiro Brewer, eu no o vira e no era por estar em casa,

vivendo a minha tranquila rotina, como eu tinha planejado. Aps

chegarmos casa dos irmos Krysiak naquele dia eu perguntei a Angus e ele me

confirmou que aquele era o sobrenome original de sua famlia Kaiden ficou em

isolamento contnuo at seu organismo eliminar por completo as toxinas do sangue

que havia ingerido de uma Ophidian. Angus explicou o funcionamento do processo e,

se eu entendi direito, semelhante desintoxicao de um ser humano dependente

qumico, onde o sujeito fica impedido de entrar em contato com a droga quando o

corpo mais sente a necessidade dela, evitando-se, assim, uma possvel recada.

Eu estava ciente de que o tempo de recluso de Kaiden dependeria da reao

de seu organismo, podendo durar alm do esperado, por isso decidi adiar o retorno

vida real. Angus j tinha inclusive autorizado minha partida, mas, sinceramente, depois

de tudo o que aconteceu eu no conseguiria simplesmente virar as costas e seguir

adiante sem esquecer o que vivi naquele fim de semana. Ento o mesmo vampiro que

consentiu minha alforria, me deu carta verde para permanecer em sua manso pelo

tempo que eu achasse necessrio. Ele at me deu dinheiro para comprar algumas

roupas s para eu no ter que ir at a casa do meu irmo buscar as minhas! Eu no

poderia esperar menos de Angus. Ele era o melhor!

Certa de que era o melhor a fazer, liguei para meu irmo Marco e avisei que

estaria envolvida em uma escavao importante para a qual havia sido convocada de

ltima hora e no estaria disponvel pelos prximos 30 dias, o que, vindo de mim, era

a desculpa perfeita. Desde os primeiros anos da faculdade eu precisei me ausentar

por longos perodos em funo dessas atividades, logo Marco no acharia suspeito.

U

Explorar e escavar terrenos para recuperar patrimnios culturais centenrios no

coisa que se faa em menos de 30 dias, ento eu tinha uma boa margem de tempo

para pensar no que fazer da vida daqui adiante.

Meu nico ressentimento era perder o aniversrio da pequena Ruth, minha

sobrinha, que completaria seis anos nesse meio tempo. Mas eu no tinha escolha.

Expor duas pessoas que eu amo tanto a seres sobrenaturais capazes de tudo era

inconcebvel. Ento prometi Ruth levar um achado da escavao como presente de

aniversrio e passar um dia inteiro com ela no parque aqutico assim que retornar,

garantindo meu ttulo de tia mais legal do mundo.

Para o pessoal do museu eu no precisei inventar histrias, afinal eu tinha um

enorme banco de horas para utilizar, ento foi o que fiz. Liguei para o departamento de

recursos humanos e surpreendi a atendente ao informar que ficaria um ms fora, algo

que no fazia h dois anos. A coitada teve tanta dificuldade em acreditar que at

solicitou a confirmao dos meus dados pessoais.

Apenas percebi o prazer de estar me afastando de tudo que me ligava ao

mundo dos humanos quando desliguei o telefone depois de conversar com meus pais

e me senti uma tonelada mais leve. Em parte por estar garantindo a segurana de

pessoas importantes para mim, claro, mas ao mesmo tempo por estar

temporariamente livre de qualquer amarra que me impedia de ser e fazer o que me

desse na telha. Adeus filha-irm-tia-workaholic Jlia. Eu poderia ser agora quem eu

quisesse e quem quisessem que eu fosse.

Pelo menos foi o que eu pensei at levantar da poltrona em que estava

sentada e ver Kaiden encostado no marco da porta localizada atrs dela. Toda

autoconfiana e euforia de poder ser quem eu quisesse escorreram ralo abaixo. O

tubaro capturado fora solto nas guas novamente e com tantos lugares para ir, ele

decidiu vir atrs de mim. Eu no poderia ser quem eu quisesse, no diante de Kaiden.

Eu s poderia ser a caa.

Ento voc realmente ainda est aqui. Por um momento pensei que fosse uma

brincadeira de mau gosto do meu irmo.

Desculpa desapont-lo, vampiro.

Angus por acaso sabe que voc pretende ficar hospedada aqui por 30 dias, no

mnimo?

Voc estava ouvindo minha conversa todo esse tempo? Como voc consegue

ser to inconveniente, para no dizer mal-educado?.

Para sua informao, eu poderia ter escutado sua conversa do poro onde eu

estava trancado. No esquea que eu sou um vampiro, menina-veneno. Agora, me

diga. Angus sabe dos seus planos?.

Sim, Angus sabe dos meus planos. Alis, ele disse que eu poderia ficar o

quanto eu desejasse.

E voc deseja ficar aqui? Isso o mausolu habitado por criaturas que podem

mat-la num piscar de olhos, no um maldito hotel.

J que voc tocou no assunto, posso saber por que raios voc quase pulou no

meu pescoo aquele dia, Kaiden?. Ele congelou, provavelmente no esperando um

confronto to direto. Eu prossegui. Voc tem ideia do que poderia ter acontecido?

Em minha defensa, o seu sangue....

Voc podia ter morrido! eu o cortei, enfurecida. Depois de tudo que voc

bebeu daquela oferecida, apenas o cheiro do meu sangue seria capaz de acabar com

voc!.

Qual o problema? No queria ser responsvel pela morte de mais um

vampiro? Tudo que voc precisava fazer era no interromper o que eu estava

fazendo.

E deixar voc morrer? Olha, o que aconteceu com o seu irmo foi um

acidente. Eu no sabia o que eu era, o que ele era e o que aconteceria se ele bebesse

tanto do meu sangue. Eu no pude evitar a morte dele, mas eu tinha como evitar a

sua. E foi isso que eu fiz.

Mostrando uma tatuagem no seu pescoo? era ntida a ironia na voz de

Kaiden.

Ok, essa foi uma pssima ideia, mas eu no sabia que voc ficaria to

vulnervel e precisava manter voc acordado ento eu achei que mostrar uma

tatuagem no pescoo chamaria sua ateno eu senti meu rosto corar ao admitir

isso.

Olha, quando um Ophidian oferece o pescoo a um vampiro, seja qual for sua

inteno, voc est praticamente o convidando para brincar de roleta russa! H uma

razo para as pessoas no brincarem muito disso e porque vidas podem ser

perdidas. Eu vou acreditar que voc no estava com o intuito de me matar, porque

voc teve a chance de fazer isso antes e no o fez. E por isso eu lhe sou grato.

Entretanto, da prxima vez que quiser brincar de desafiar a morte, sugiro pule da

sacada do 10 andar de um prdio, Taipan. Suas chances de sobrevivncia sero

maiores. Agora se voc me der licena....

Ei, Kaiden eu o chamei quando ele j estava de costas. Eu acho que nunca

vou me acostumar com a sensao estranha de quando aqueles olhos fixam-se nos

meus. desarmador. T tudo bem com voc agora?. Kaiden me encarou com certo

encantamento e um leve, muito leve mesmo, sorriso nos lbios.

No se preocupe, menina-veneno. Eu estou bem, como eu lhe disse que

ficaria. E dessa vez, ele realmente desapareceu de vista, deixando-me apenas na

companhia dos meus prprios pensamentos, os quais me fizeram perceber o quanto

eu estava aguardando essa confirmao.

O que estava acontecendo comigo? De repente era como se eu no me

conhecesse mais. No querer me gabar, mas eu acho que para uma humana, ou

quase isso, eu aceitei super bem a ideia de que existem vampiros entre ns. Agora eu

estou comeando a me preocupar com essas criaturas da noite e deixando minha

famlia de lado para passar 30 dias na casa de duas delas?

Trinta dias... No sei quem eu estava tentando enganar. Bem, talvez eu

mesma.

~~ ~~