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4 OUTUBRONOVEMBRODEZEMBRO2012 CENTRAIS Conversando com Maria da Luz Ferreira, uma senhora com 82 anos, de saúde deli- cada e muito frágil. Neste Verão, durante duas semanas de Agosto, a senho- ra Maria da Luz (ML) passou férias com o neto João, jo- vem da Obra do Ardina, em nossa casa de Martin Joanes. Tivemos, pois, oportunidade de verificar as dificuldades físicas e mentais da referida senhora. Eu Maria dos Anjos Santa- reno (MAS) tive ocasião de dialogar com a avozinha, dia após dia. Registo então: (MAS) – Onde nasceu, Maria da Luz? (ML) – Nasci numa aldeia, próxima de Sabugal, chama- da Casteleiro. (MAS) – Em pequena, certa- mente, viveu com os seus pais e andou na escola?! (ML) – Sim, vivi lá com os meus pais, mas não andei na escola, porque eles não que- riam que eu aprendesse a es- crever cartas aos namorados. (MAS) – O que fazia o seu pai? (ML) – O meu pai trabalhava no campo e com uma espin- garda caçava lebres, coelhos, perdizes e codornizes que vendia e que nós comíamos. (MAS) – E a sua mãe o que fazia? (ML) – Ela fazia a vida de casa e fiava linho. (MAS) – A Maria da Luz já me disse que não andou na escola. Então o que fazia na idade escolar? (ML) – Eu ia com os animais pelos caminhos. E quando eles comiam tomava conta para não fugirem. (MAS) – Quais eram os animais dos rebanhos que guardava? (ML) – Eram carneirinhos, ovelhas,cabras e carneiros com “cornos” que “marravam” nas minhas pernas e andavam à bulha uns com os outros. (MAS) – Os anos foram pas- sando e eu soube que co- nheceu um rapaz de uma al- deia próxima da sua terra, com quem casou. Onde ficou a viver com o seu marido? (ML) – Vivemos no concelho de Loures. (MAS) – Tiveram filhos? Quantos? (ML) – Tivemos filhos, mas não me lembro quantos fo- ram. Eles morreram todos e só ficámos com a Teresa que foi a mãe do João. Ela tam- bém morreu, quando o me- nino só tinha 3 anos. (MAS) – E o seu marido? (ML) – Ele morreu antes da Teresa (MAS) – E depois como pas- sou a viver? (ML) – Passei a viver sozinha com o João numa barraca miserável. (MAS) – A sua vida com o João, penso que seria de grandes dificuldades. (ML) – Fiz o que pude, mas um dia a polícia levou-me o João para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. (MAS) – E o João ficou lá? (ML) – Ficou algum tempo… depois foi para a Obra do Ardina, onde ainda se encon- tra, vai para uns 10 anos. (MAS) – Sim, o João está na Obra do Ardina. Apesar dos traumas profundos por ele ma- nifestados, tem sido um bom estudante. Já está no 12.º ano e acho que pode vir a ser um cidadão de valor social. O João visita-a nos fins-de- -semana e felizmente a se- nhora já não vive na barraca miserável. Não é verdade? (ML) – A casa onde agora vivo é boa. É num bairro social e pago por mês 4,85€ (Quatro Euros e oitenta e cinco Cêntimos). (MAS) – Eu conheço a casa. É boa sim, mas a sua saúde exige que viva acompanhada de dia e de noite e que possa receber todas as atenções ne- cessárias ao seu bem-estar. (ML) – Senhora: agradeço- -lhe tudo o que fez… (MAS) – Maria da Luz, dese- jo que manifeste dia após dia o seu bonito sorriso com Saúde e Paz… Repare neste pormenor: Quando chegou,antes das fé- rias, trazia os pés muito incha- dos e agora já estão normais. A senhora precisa de viver onde seja bem tratada, onde não sinta medos nem imagi- nações más recalcadas. Felicidades Maria da Luz, com tudo de bom na vida… (MAS) Uma Vida demasiado dura e muito CRUEL… Fizemos Caminho, Caminhando até Fátima É ramos 16 peregrinos, todos família, iludidos, unidos e com esperança de andar e chegar. Da Vila linda do Cadaval parti- mos, fomos abençoados, fomos informados de optar por amar um caminho, um trilho, um trajecto e unir aquilo que Deus nunca sepa- rou igrejas e recantos, natureza e cidades, catedrais e capelas, amo- res e gentes, risos e choros e mui- tas dores. Fui peregrino porque amo o próximo, porque estou vivo, porque estou aqui e quero ajudar a modificar este mundo de ódios, de dores e males sem pro- veito. Combato o defeito e aceito o fim, mas primo por elogiar a vida e o gosto de dizer a alguém. Sou também teu irmão.Andei por montes, vales, lezírias, de dia, de noite até, me senti perdido e ilu- dido em modificar algo impossí- vel.Andei com irmãos, tive sauda- des da mulher e da filha Aprecio os humanos, tenho fé, acredito em Deus. A Uma mulher singela lhe peço sempre perdão, a essa grande mulher, mãe de Cristo e eleita Virgem, mãe de todos nós, fui a pé em peregrinação. Pedir humildemente inspiração e vos garanto que rezei por todos, em subidas e descidas, em serras al- gozes, em paisagens soberbas não fui picado, arranhado por silvas, por urtigas ou cardos... Dos com- panheiros retive o querer de cada um deles, o carácter, a perseve- rança, a alegria a força, a confiança e o sorriso. Ao terminar chorei muito no meu interior e sem que alguém o visse ou sentisse, agar- rei-me a todos que comigo termi- naram esta peregrinação e a todos agradeci o estímulo para conti- nuar a minha caminhada não pa- rada. Peregrino, agora sou e con- tinuo.A Fátima fui e amei, gostei e partilho o que sinto. Nos pés re- tenho já não bolhas, mas algumas dores. A pele já não está suada porque já foi lavada, feridas feitas e já cicatrizadas, alma cheia e con- forto. Tanto a dizer e em falta. Agradeço ao Dr. Carlos Diogo, ao Carlos Forte o tempo precioso que nos deu na condução da nossa carrinha até Rio Maior, ao Carlos David, ao Carlos Tavares, ao Tiago Landim, ao Ailton Silva, ao Eugé- nio Aveleira, ao Ivan Moreira, ao João Sanches, ao José Carlos, ao Nuno Mendes, ao Paulo Barbosa, ao Paulo Teles,ao Ricardo Pereira, à Patrícia Sotto-Mayor, à Telma Delgado, ao Sr. Henrique que vo- luntariamente conduziu a nossa carrinha de Rio Maior até Alcane- de, ao Sr. Pe. António Diogo que disponibilizou o salão paroquial, onde retemperámos força, dor- mindo e também tomando algu- mas refeições que foram comple- tadas com alimentos cedidos pelo Sr. Pé. lembro-me muito concre- tamente da deliciosa marmelada caseira que barrou o nosso pão da manhã. Aos Bombeiros Volun- tários de Minde o acolhimento que prestaram disponibilizando o seu pavilhão onde pernoitámos, bem como os duches e o bar onde realizámos duas refeições. Agradecemos também às muitas pessoas que encontrámos pelo caminho e que generosamente nos ofertaram águas, frutas etc. Agra- decemos muito especialmente à Sra. Prof. Eugénia Carpinteiro que abriu as portas de sua casa com o lindo jardim em anexo, onde pudemos retemperar as forças perdidas depois de tantos km percorridos a pé. À Associação “O Saltarico” na pessoa da minha esposa Margarida que mesmo de- bilitada após ida ao hospital, tam- bém ela quis cumprir a promessa de nos ir buscar a Fátima, na car- rinha da Associação atrás referida. Agradeço a todos os que mesmo em pensamento nos apoiaram nesta jornada de fé e peregrina- ção...Viva Fátima, viva o trilho san- to e sempre a peregrinação... Paulo Emanuel 24/09/2012 Maria dos Anjos Santareno à conversa com Maria da Luz Ferreira, uma senhora com 82 anos. …”Ao terminar chorei muito no meu interior e sem que alguém o visse ou sentisse”… …”Fui peregrino porque amo o próximo, porque estou vivo, porque estou aqui e quero ajudar a modificar este mundo de ódios, de dores e males sem proveito”…

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4 OUTUBRONOVEMBRODEZEMBRO2012 CENTRAIS

Conversando com Mariada Luz Ferreira,uma senhoracom 82 anos, de saúde deli-cada e muito frágil.

Neste Verão, durante duassemanas de Agosto, a senho-ra Maria da Luz (ML) passouférias com o neto João, jo-vem da Obra do Ardina, emnossa casa de Martin Joanes.Tivemos, pois, oportunidadede verificar as dificuldadesfísicas e mentais da referidasenhora.

Eu Maria dos Anjos Santa-reno (MAS) tive ocasião dedialogar com a avozinha, diaapós dia.

Registo então:(MAS) – Onde nasceu,Mariada Luz?(ML) – Nasci numa aldeia,próxima de Sabugal, chama-da Casteleiro.(MAS) – Em pequena, certa-mente, viveu com os seuspais e andou na escola?!(ML) – Sim, vivi lá com osmeus pais, mas não andei naescola, porque eles não que-riam que eu aprendesse a es-crever cartas aos namorados.(MAS) – O que fazia o seupai?(ML) – O meu pai trabalhavano campo e com uma espin-

garda caçava lebres, coelhos,perdizes e codornizes quevendia e que nós comíamos.(MAS) – E a sua mãe o quefazia?(ML) – Ela fazia a vida de casae fiava linho.(MAS) – A Maria da Luz jáme disse que não andou naescola.

Então o que fazia na idadeescolar?(ML) – Eu ia com os animaispelos caminhos. E quandoeles comiam tomava contapara não fugirem.(MAS) – Quais eram os animaisdos rebanhos que guardava?(ML) – Eram carneirinhos,ovelhas,cabras e carneiros com

“cornos” que “marravam” nasminhas pernas e andavam àbulha uns com os outros.(MAS) – Os anos foram pas-sando e eu soube que co-nheceu um rapaz de uma al-deia próxima da sua terra,com quem casou.Onde ficou a viver com oseu marido?

(ML) – Vivemos no concelhode Loures.(MAS) – Tiveram filhos?Quantos?(ML) – Tivemos filhos, masnão me lembro quantos fo-ram. Eles morreram todos esó ficámos com a Teresa quefoi a mãe do João. Ela tam-bém morreu, quando o me-nino só tinha 3 anos.(MAS) – E o seu marido?(ML) – Ele morreu antes daTeresa(MAS) – E depois como pas-sou a viver?(ML) – Passei a viver sozinhacom o João numa barracamiserável.(MAS) – A sua vida com oJoão, penso que seria degrandes dificuldades.(ML) – Fiz o que pude, masum dia a polícia levou-me oJoão para a Santa Casa daMisericórdia de Lisboa.(MAS) – E o João ficou lá?(ML) – Ficou algum tempo…depois foi para a Obra doArdina,onde ainda se encon-tra, vai para uns 10 anos.(MAS) – Sim, o João está naObra do Ardina.Apesar dostraumas profundos por ele ma-nifestados, tem sido um bomestudante. Já está no 12.º ano

e acho que pode vir a ser umcidadão de valor social.O João visita-a nos fins-de--semana e felizmente a se-nhora já não vive na barracamiserável.Não é verdade?(ML) – A casa onde agoravivo é boa. É num bairrosocial e pago por mês 4,85€(Quatro Euros e oitenta ecinco Cêntimos).(MAS) – Eu conheço a casa.É boa sim, mas a sua saúdeexige que viva acompanhadade dia e de noite e que possareceber todas as atenções ne-cessárias ao seu bem-estar.(ML) – Senhora: agradeço--lhe tudo o que fez…(MAS) – Maria da Luz, dese-jo que manifeste dia após diao seu bonito sorriso comSaúde e Paz…

Repare neste pormenor:Quando chegou,antes das fé-

rias,trazia os pés muito incha-dos e agora já estão normais.

A senhora precisa de viveronde seja bem tratada, ondenão sinta medos nem imagi-nações más recalcadas.Felicidades Maria da Luz,com tudo de bom na vida…

(MAS)

Uma Vida demasiado dura e muito CRUEL…

Fizemos Caminho, Caminhando até Fátima

Éramos 16 peregrinos, todosfamília, iludidos, unidos e comesperança de andar e chegar.

Da Vila linda do Cadaval parti-mos, fomos abençoados, fomosinformados de optar por amar umcaminho, um trilho, um trajecto eunir aquilo que Deus nunca sepa-rou igrejas e recantos, natureza ecidades, catedrais e capelas, amo-res e gentes, risos e choros e mui-tas dores. Fui peregrino porqueamo o próximo, porque estouvivo, porque estou aqui e queroajudar a modificar este mundo deódios, de dores e males sem pro-veito. Combato o defeito e aceitoo fim, mas primo por elogiar a

vida e o gosto de dizer a alguém.Sou também teu irmão.Andei pormontes, vales, lezírias, de dia, denoite até, me senti perdido e ilu-dido em modificar algo impossí-vel.Andei com irmãos, tive sauda-des da mulher e da filha Aprecioos humanos, tenho fé, acreditoem Deus. A Uma mulher singelalhe peço sempre perdão, a essagrande mulher, mãe de Cristo eeleita Virgem, mãe de todos nós,fui a pé em peregrinação. Pedirhumildemente inspiração e vosgaranto que rezei por todos, emsubidas e descidas, em serras al-gozes, em paisagens soberbas nãofui picado, arranhado por silvas,

por urtigas ou cardos... Dos com-panheiros retive o querer de cadaum deles, o carácter, a perseve-rança, a alegria a força, a confiançae o sorriso. Ao terminar choreimuito no meu interior e sem quealguém o visse ou sentisse, agar-rei-me a todos que comigo termi-naram esta peregrinação e a todosagradeci o estímulo para conti-nuar a minha caminhada não pa-rada. Peregrino, agora sou e con-tinuo.A Fátima fui e amei, gostei epartilho o que sinto. Nos pés re-tenho já não bolhas, mas algumasdores. A pele já não está suadaporque já foi lavada, feridas feitase já cicatrizadas, alma cheia e con-forto. Tanto a dizer e em falta.Agradeço ao Dr. Carlos Diogo, aoCarlos Forte o tempo preciosoque nos deu na condução da nossacarrinha até Rio Maior, ao CarlosDavid, ao Carlos Tavares, ao TiagoLandim, ao Ailton Silva, ao Eugé-nio Aveleira, ao Ivan Moreira, aoJoão Sanches, ao José Carlos, aoNuno Mendes, ao Paulo Barbosa,ao Paulo Teles, ao Ricardo Pereira,à Patrícia Sotto-Mayor, à TelmaDelgado, ao Sr. Henrique que vo-luntariamente conduziu a nossacarrinha de Rio Maior até Alcane-de, ao Sr. Pe. António Diogo quedisponibilizou o salão paroquial,

onde retemperámos força, dor-mindo e também tomando algu-mas refeições que foram comple-tadas com alimentos cedidos peloSr. Pé. lembro-me muito concre-tamente da deliciosa marmeladacaseira que barrou o nosso pãoda manhã. Aos Bombeiros Volun-tários de Minde o acolhimentoque prestaram disponibilizando oseu pavilhão onde pernoitámos,bem como os duches e o baronde realizámos duas refeições.Agradecemos também às muitaspessoas que encontrámos pelocaminho e que generosamente nosofertaram águas, frutas etc. Agra-decemos muito especialmente àSra. Prof. Eugénia Carpinteiro que

abriu as portas de sua casa com olindo jardim em anexo, ondepudemos retemperar as forçasperdidas depois de tantos kmpercorridos a pé. À Associação“O Saltarico” na pessoa da minhaesposa Margarida que mesmo de-bilitada após ida ao hospital, tam-bém ela quis cumprir a promessade nos ir buscar a Fátima, na car-rinha da Associação atrás referida.Agradeço a todos os que mesmoem pensamento nos apoiaramnesta jornada de fé e peregrina-ção...Viva Fátima, viva o trilho san-to e sempre a peregrinação...

Paulo Emanuel24/09/2012

Maria dos Anjos Santareno

à conversa com Maria da Luz Ferreira,

uma senhora com 82 anos.

…”Ao terminar chorei muito no meu interior e sem que alguém o visse ou sentisse”…

…”Fui peregrino porque amo o próximo,porque estou vivo, porque estou aqui equero ajudar a modificar este mundo deódios, de dores e males sem proveito”…