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27 A influência dos tipos psicológicos no relacionamento de casal Psicol. Argum., Curitiba, v. 25, n. 48 p. 27-38, jan./mar. 2007. A INFLUÊNCIA DOS TIPOS PSICOLÓGICOS NO RELACIONAMENTO DE CASAL The Influence of Psychological Types on Couple Relationship Prof. Ms. Tommy Akira Goto 1 Helder Kamei 2 Simone Fujii 3 Resumo O presente trabalho visa verificar como os tipos psicológicos influenciam no cotidiano de um casal e como se dá a manutenção deste vínculo no dia-a-dia, tendo como teoria de base os tipos psicológicos descritos por Carl G. Jung. Analisa a dinâmica dos tipos psicológicos sob duas perspectivas: a intrapsíquica (dinâmica entre a função psicológica principal, as auxiliares e a função inferior) e interpsíquica (dinâmica entre os tipos psicológicos dos cônjuges). O método consiste em um estudo de caso, tendo um casal como sujeito de pesquisa. Para pesquisar a dinâmica do casal, utilizamos três fontes de dados: os resultados das aplicações do QUATI (Questionário de Avaliação Tipológica), o relato da entrevista de cada cônjuge separadamente e a análise vivencial dos sujeitos durante as entrevistas. No nosso estudo de caso, entretanto, os resultados obtidos pelo QUATI não foram tipos opostos ideais. A nossa compreensão do caso é a de que embora os cônjuges não sejam opostos tipológicos ideais, eles funcionam como opostos intrapsíquicos, uma vez que suas atitudes e funções utilizadas são complementares em muitas situações das diversas áreas da vida humana. Observamos também uma relação simbiótica, entretanto a projeção que um cônjuge faz ao outro não é de suas partes sombrias e sim de suas potencialidades latentes, de maneira que a relação torna-se criativa, apesar de conflitiva. Palavras-chave: Tipologia; Personalidade; Relacionamento conjugal; Relações interpessoais. 1 Professor da PUC-Minas – Câmpus Poços da Caldas. Doutorando em Psicologia pela PUCCAMP/SP. 2 Psicólogo. Universidade São Marcos. Rua César Guimarães, 73 casa 16 – bairro Jardim da Glória. São Paulo – SP. CEP: 01545-070. E-mail: [email protected] 3 Psicóloga. Universidade São Marcos.

pa-997

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    A influncia dos tipos psicolgicos no relacionamento de casal

    Psicol. Argum., Curitiba, v. 25, n. 48 p. 27-38, jan./mar. 2007.

    A INFLUNCIA DOS TIPOS PSICOLGICOSNO RELACIONAMENTO DE CASAL

    The Influence of Psychological Types on Couple Relationship

    Prof. Ms. Tommy Akira Goto1

    Helder Kamei2

    Simone Fujii3

    ResumoO presente trabalho visa verificar como os tipos psicolgicos influenciam no cotidiano de um casal e comose d a manuteno deste vnculo no dia-a-dia, tendo como teoria de base os tipos psicolgicos descritospor Carl G. Jung. Analisa a dinmica dos tipos psicolgicos sob duas perspectivas: a intrapsquica (dinmicaentre a funo psicolgica principal, as auxiliares e a funo inferior) e interpsquica (dinmica entre os tipospsicolgicos dos cnjuges). O mtodo consiste em um estudo de caso, tendo um casal como sujeito depesquisa. Para pesquisar a dinmica do casal, utilizamos trs fontes de dados: os resultados das aplicaesdo QUATI (Questionrio de Avaliao Tipolgica), o relato da entrevista de cada cnjuge separadamente ea anlise vivencial dos sujeitos durante as entrevistas. No nosso estudo de caso, entretanto, os resultadosobtidos pelo QUATI no foram tipos opostos ideais. A nossa compreenso do caso a de que embora oscnjuges no sejam opostos tipolgicos ideais, eles funcionam como opostos intrapsquicos, uma vez quesuas atitudes e funes utilizadas so complementares em muitas situaes das diversas reas da vida humana.Observamos tambm uma relao simbitica, entretanto a projeo que um cnjuge faz ao outro no desuas partes sombrias e sim de suas potencialidades latentes, de maneira que a relao torna-se criativa, apesarde conflitiva.Palavras-chave: Tipologia; Personalidade; Relacionamento conjugal; Relaes interpessoais.

    1 Professor da PUC-Minas Cmpus Poos da Caldas. Doutorando em Psicologia pela PUCCAMP/SP.2 Psiclogo. Universidade So Marcos. Rua Csar Guimares, 73 casa 16 bairro Jardim da Glria. So Paulo SP. CEP: 01545-070.

    E-mail: [email protected] Psicloga. Universidade So Marcos.

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    Tommy Akira Goto; Helder Kamei; Simone Fujii

    Psicol. Argum., Curitiba, v. 25, n. 48 p. 27-38, jan./mar. 2007.

    Introduo

    Em O Banquete, Plato narra um anti-go mito grego sobre a origem do homem e damulher. Nele, inicialmente os seres humanos eramandrginos. Por desafiarem Zeus, estes so dividi-dos ao meio, e assim surgem os gneros huma-nos. A partir deste momento, cada metade tem odesejo de encontrar a sua outra metade, a fim dese fundir em um nico ser, de se religar, de sereunir em um s. Cada ser humano busca reen-contrar a totalidade primordial e resgatar a unida-de perdida. Essa incansvel busca do ser humanofoi que nos motivou a buscar um maior conheci-mento e maior compreenso sobre este fenmenopsicolgico.

    O presente artigo baseia-se em uma pes-quisa realizada na Universidade So Marcos, inti-tulada Em busca da unidade perdida: a influn-cia dos tipos psicolgicos na dinmica de casal, etem como objetivo apresentar como os tipos psi-colgicos influenciam na dinmica do relaciona-mento conjugal, fundamentando-se na teoria dostipos psicolgicos elaborada por Carl Gustav Junge sendo explorada por meio de um estudo de caso.Para uma melhor compreenso dos termos envol-vidos, podemos dizer que a teoria dos tipos psico-lgicos s pode ser compreendida segundo a es-trutura da personalidade, e o relacionamento con-jugal por meio da dinmica entre os arqutiposanimus e anima. Esses conceitos se inter-relacio-nam e esto inseridos em um processo mais am-plo, que Jung denominou individuao.

    Na psicologia junguiana, a personalidade entendida como um todo e denominada psi-

    que. Para Jung (citado por Hall & Nordby, 1980), apsique possui uma estrutura, cujos componentesinteragem uns com os outros e com o mundo ex-terior, e subdivide-se em diversos nveis, dentre osquais se distingue a conscincia e o inconsciente.Segundo Jung (1995), o inconsciente se estruturaem duas camadas: uma formada pelo inconscientepessoal e outra pelo inconsciente coletivo, que seriaum inconsciente impessoal ou transpessoal. O in-consciente pessoal contm percepes dos senti-dos que no ultrapassaram o limiar da conscinciapor falta de intensidade, alm de lembranas per-didas, reprimidas ou recalcadas, evocaes dolo-rosas, correspondendo quilo que Jung chamoude sombra. Por outro lado, o inconsciente coletivo totalmente universal, pois contm as imagensprimordiais, ou seja, as formas mais antigas daimaginao humana, imagens humanas universaise originrias, as quais Jung denominou de arquti-pos, e que jazem adormecidas nas camadas maisprofundas do inconsciente.

    Na imaginao de cada ser humano huma aptido hereditria de ser como era nos pri-mrdios. No entanto, Jung (1995, p. 57) alerta parauma diferena importante: Isso no quer dizer,em absoluto, que as imaginaes sejam heredit-rias; hereditria apenas a capacidade de ter taisimagens, o que bem diferente. Os arqutiposmais importantes na formao de nossa personali-dade so: a persona, a sombra, anima e animus eo self.

    A persona o arqutipo da conformida-de. A palavra persona era usada originalmente paradenominar a mscara utilizada por atores no tea-tro. Na psicologia junguiana, o arqutipo da perso-

    AbstracThe present work aims at verifying how the psychological types influence on a couples daily routine andhow this link is kept day by day, having as fundament the psychological types theory described by Carl G.Jung. It analyses the psychological types dynamic under two perspectives: intra-psycho (dynamic amongprincipal conscious function, auxiliaries and inferior function) and inter-psycho (dynamic between thepsychological types of each spouse. The method consists of a study of case, having a couple as researchsubjects. To research the couples dynamic, we use three data source: the results of QUATI application(Questionnaire of Typological Evaluation), each ones reporting of their own interviews and the couplesongoing analyses during the interviews. However, in our study of case, the results obtained by QUATI werenot perfect opposite types. Our comprehension of the case is that, despite the fact that the spouses are notperfect psychological types, they work as opposite intra-psycho, and in addition the behavior and functionsthey use are complementary in many situations of several areas of the human life. We also observe asymbiotical relation, however, the projection that each spouse does to the other is not of shady parts but oftheir latent potentialities, therefore the relationship becomes creative, despite being conflictive.Keywords: Typology; Personality; Marital relationship; Interpersonal relations.

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    na d ao indivduo a possibilidade de compor umapersonagem que necessariamente no seja elemesmo. a mscara ostentada publicamente paraprovocar uma impresso favorvel sociedade, demodo que ela o aceite. Ela nos torna capazes deconviver de forma amistosa com as pessoas, inclu-sive com as que nos desagradam. a base da vidasocial e comunitria.

    Muitas pessoas levam vidas duplas, umadominada pela persona e outra que satisfaz as de-mais necessidades psquicas. Entretanto, uma pes-soa pode usar mais de uma mscara, porm, todasas mscaras, em conjunto, constituem a sua perso-na.

    Alm da persona, um outro arqutipo fun-damental a sombra. Conforme lembra Hender-son (1997), o conceito de sombra ocupa lugar vi-tal na psicologia analtica. A sombra projetada pelamente consciente do indivduo contm os aspec-tos ocultos, reprimidos e desfavorveis da perso-nalidade, mas no representa simplesmente o in-verso do ego consciente. Assim como o ego con-tm atitudes desfavorveis e destrutivas, a sombrapossui algumas boas qualidades instintos nor-mais e impulsos criadores (Henderson, 1997, p.118).

    No entendimento de von Franz (1997), asombra no o todo da personalidade inconsci-ente, pois consiste de aspectos que pertencemsobretudo esfera pessoal e que poderiam tam-bm ser conscientes. A sombra contm tendnciase impulsos que negamos existir em ns, mas queconseguimos ver perfeitamente nos outros, comoegosmo, preguia, negligncia, fantasias irreais,intrigas, tramas, indiferena, covardia, apego aodinheiro e aos bens etc. Continua von Franz (1997,p. 168): Se voc se enche de raiva quando umamigo lhe aponta uma falta, pode estar certo quea se encontra uma parte da sua sombra, da qualvoc no tem conscincia.

    A sombra o arqutipo que possui amaior quantidade de natureza animal. Contm osinstintos bsicos e fonte de intuies realistas ede respostas adequadas, importantes para a so-brevivncia. o arqutipo mais poderoso e po-tencialmente o mais perigoso de todos.

    Em contraposio ao inconsciente, encon-tra-se a conscincia, que, segundo Jung (1988), sempre conscincia do eu. Nesse sentido, o Eu(ou Ego) o sujeito da conscincia, sendo ao mes-mo tempo condio de conscincia.

    Na compreenso de Jung (2000), os pro-cessos inconscientes funcionam de forma compen-satria em relao conscincia, enfatizando queo consciente e o inconsciente no se encontramem oposio, pois se complementam mutuamenteformando uma totalidade, qual denominou deself (si-mesmo). Von Franz (1997) explica que Jungchamou de self o centro organizador de onde ema-na esta ao reguladora, descrevendo-o como atotalidade absoluta da psique, para diferenci-lodo ego, que constitui apenas uma pequena parteda psique. Assim, o self , a um s tempo, o n-cleo e a totalidade da psique e neste sentido, nopodendo ser confundido como sinnimo de in-consciente. Ele pode ser o inconsciente quandopolarizado com o Ego, mas tambm o todo porincluir o Ego. Enquanto o Ego o sujeito da cons-cincia, o self ou si-mesmo o sujeito de toda apsique.

    No nvel pessoal, a conscincia consti-tuda pelos desejos, temores, esperanas e ambi-es de carter pessoal. Os processos inconscien-tes constituem-se de motivos pessoais que a cons-cincia desconhece, mas que afloram nos sonhosou so significados de situaes cotidianas negli-genciadas, de afetos que no nos permitimos ecrticas a que nos furtamos.

    Por meio do autoconhecimento, tornamo-nos mais conscientes de ns mesmos, reduzindoassim a camada do inconsciente pessoal que reco-bre o inconsciente coletivo, colocando o indiv-duo em uma comunho incondicional, obrigatriae indissolvel com o mundo.

    H uma possvel meta para cada ser hu-mano, uma destinao, qual Jung (2000) deno-mina caminho da individuao. Podemos tradu-zir individuao como tornar-se si mesmo (Versel-bstung) ou o realizar-se do si mesmo (Selbstverwi-rklichung). Jung (2000) enfatiza, no entanto, queindividuao nada tem a ver com individualismo,uma vez que a individuao significa a realizaomelhor e mais completa das qualidades coletivasdo ser humano. Esta realizao do self consiste emum processo de desenvolvimento psicolgico quefaculta a realizao das qualidades individuais da-das, tornando-se o ser nico que de fato . Noentanto, o ser humano composto de fatores pu-ramente universais, sendo, portanto, coletivo e demodo algum oposto coletividade. O que ocorre que os fatores universais sempre se apresentamde forma individual, e por isso Jung denomina este

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    processo de individuao. Complementando essaidia, podemos dizer, conforme Vargas (1981, p.24), que todo o indivduo possui uma tendnciapara o desenvolvimento, o que o leva na vida abuscar realizar suas potencialidades.

    O processo de individuao consiste naharmonizao do consciente com o self, este n-cleo psquico, centro da personalidade. Vargas(1981, p. 26) ressalta que o processo de individu-ao resulta ento do interjogo constante entreconsciente e inconsciente sem que um reprima oupossua o outro.

    Sobre os Tipos Psicolgicos

    O modelo junguiano de tipologia nasceude uma ampla reviso histrica, de um estudo de-talhado abordado pela Literatura, Mitologia, Est-tica, Filosofia e pela Psicopatologia, e considera-do um dos principais frutos do desenvolvimentodos estudos sobre o inconsciente. Segundo Staude(1988, citado por Zacharias, 2006), a obra TiposPsicolgicos foi a primeira obra fundamental deJung aps o perodo de rompimento com Freud,da conseqente crise e da anlise extensa dos con-tedos inconscientes.

    Jung percebeu que as pessoas possuamdiferenas individuais de personalidade. Essas di-ferenas tpicas resultam em dois tipos psicolgi-cos: introvertido e extrovertido. A introverso e aextroverso so formas psicolgicas de adaptao.No primeiro caso, o movimento da energia psqui-ca direcionada para o mundo interior e no se-gundo caso para o mundo exterior. Como postulaJung (citado por Sharp, 1987):

    A introverso costuma se caracterizada poruma natureza vacilante, meditativa, reserva-

    da, que espontaneamente se mantm isoladados outros, recua diante dos objetos e estsempre um pouco na defensiva. A extrover-so, pelo contrrio, costuma ser caracteriza-da por uma natureza saliente, franca e obse-quiosa, que se adapta com facilidade s situ-aes propostas, estabelece rapidamente li-gaes e, pondo de lado qualquer tipo deapreenso, arrisca-se, com despreocupadaconfiana, as situaes desconhecidas. (p. 13)

    Por meio de suas observaes, Jung iden-tificou quatro frmulas de atividades da psique emrelao ao mundo, denominando-as de funes daconscincia. Essas funes foram divididas em doisgrupos: as funes de percepo sensao e in-tuio que so as duas maneiras de se receberinformaes sobre algo; e as funes de julgamen-to sentimento e pensamento as duas maneirasde se avaliar algo. Todas estas funes so necess-rias, conforme explica Jung (citado por Sharp, 1987):

    Para que haja uma perfeita orientao, asquatro funes devem contribuir igualmente:o pensamento deve facilitar a cognio e ojulgamento; o sentimento deve nos dizer comoe em que grau uma coisa ou no importan-te para ns; a sensao deve transmitir a rea-lidade concreta atravs da viso, da audio,do paladar, etc; e a intuio deve capacitar-nos a pressentir as possibilidades ocultas, quese encontram em segundo plano, j que estastambm fazem parte do quadro completo deuma determinada situao (p.15).

    Para uma melhor visualizao do queexpomos at o presente momento, vejamos umexemplo. No diagrama abaixo, a funo principal o pensamento, a funo auxiliar a sensao, aintuio a terceira funo e o sentimento consti-tui a funo inferior.

    Tommy Akira Goto; Helder Kamei; Simone Fujii

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    Figura 1. Modelo Tipolgico Cruciforme.

    Sentimento

    (Funo Inferior)

    Sensao

    (Funo Auxiliar)

    Consciente

    Inconsciente

    Pensamento

    (Funo Superior)

    Intuio

    (Terceira Funo)

    Fonte: adaptado de Zacharias (2006, p. 72)

    Nesse exemplo, podemos observar queh uma funo superior e uma inferior, no entan-to, isso no implica em um julgamento de valor. Afuno superior aquela que uma pessoa usa commais freqncia e a funo inferior refere-se que-la funo utilizada em menor grau pelo indivduo.

    A segunda funo mais utilizada cha-mada de funo auxiliar, e a natureza desta (per-cepo ou julgamento) se difere da funo domi-nante. Por exemplo, quando a funo pensamen-to for dominante, o sentimento no poder ser afuno secundria e vice-versa, pois ambos sofunes de julgamento.

    A funo menos utilizada denominadafuno inferior, que aquela que resiste particu-larmente integrao dentro da conscincia, tam-bm chamada de quarta funo. Na tipologia deJung (citado por Sharp, 1987), A essncia da fun-o inferior a autonomia: ela independente,ela ataca, fascina e nos rouba o controle; d-nos aimpresso de que j no somos donos de nsmesmos, de que j no podemos mais distinguirnossa pessoa da dos outros (p. 22).

    No modelo acima, a funo inferior ou aquarta funo possui invariavelmente a mesma na-tureza da funo dominante. Por exemplo, se afuno do pensamento for a mais desenvolvida,ento, a funo menos desenvolvida ou inferiorser a do sentimento. Se a sensao que umafuno perceptiva for a dominante, ento a intui-o ser a quarta funo, e assim por diante.

    Tipologia e Relacionamento Amoroso

    Para compreender o relacionamento amo-roso na psicologia junguiana, dois arqutipos sofundamentais: a anima e o animus. A anima re-presenta o componente feminino na personalida-de do homem e o animus o componente masculi-no na personalidade da mulher. No existe ho-mem algum que seja exclusivamente masculinonem mulher alguma exclusivamente feminina. To-davia, o homem geralmente reprime da melhormaneira possvel seus traos femininos, da mesma

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    forma que a mulher considera inconveniente sermscula e varonil. Esses traos reprimidos acumu-lam-se no inconsciente.

    No homem, o receptculo destas preten-ses constitui a imago da mulher, uma espcie deimagem virtual qual Jung denominou anima. a anima que orienta as escolhas amorosas, pois ohomem buscar a mulher que melhor correspon-da sua feminilidade inconsciente. O mesmo ocor-re com a mulher em relao ao animus. Comoexpe Sanford (1997), os homens identificados comsua masculinidade, tipicamente projetam seu ladofeminino sobre as mulheres, e as mulheres proje-tam seu lado masculino sobre os homens. A proje-o um mecanismo psquico inconsciente queocorre quando um aspecto vital desconhecido danossa personalidade ativado. Diz: quando algo projetado, vemo-lo fora de ns, como se fizesseparte de outra pessoa e nada tivesse a ver conos-co (p. 17). A pessoa que carrega a imagem proje-

    tada passa a ser muitssimo supervalorizada oumuitssimo desvalorizada, causando-nos atrao ourepulsa, ficando assim obscurecida a imagem realdo indivduo.

    Quando o homem e a mulher projetamsuas imagens positivas simultaneamente um sobreo outro, ocorre o estado de fascinao recproca doestar apaixonado (Figura 2). Nesse estado, existeum relacionamento a nvel consciente entre as per-sonalidades do ego do homem e da mulher (setasA). Existe tambm, como foi dito, uma forte atraodecorrente da projeo da anima do homem sobreo ego da mulher e a projeo do animus da mulhersobre o ego do homem (setas B). Contudo, a fontedo magnetismo do estar apaixonado reside na atra-o totalmente inconsciente entre anima e animus(setas C), como se a anima do homem e o animusda mulher estivessem completamente apaixonadosum pelo outro, e por isso que Sanford (1987)denomina-os de parceiros invisveis.

    Figura 2. Esquema de Projeo em um Relacionamento Amoroso

    A

    C

    B

    Fonte: Sanford, 1997, p. 27

    O relacionamento amoroso pode propi-ciar a polaridade com o inconsciente mais profun-do de cada um, depois que o Ego j est estrutura-do. O Ego passa a se relacionar com o arqutipodo animus-anima, que j vinha se manifestandonos namorinhos de infncia e adolescncia. ,porm, na fase adulta que o arqutipo do animus-anima muito ativado, levando o indivduo busca

    do cnjuge. Dentro do processo de individuao,cada um deve passar por vivncias pelas quais in-tegre este arqutipo.

    Para Vargas (1981), na dinmica arquet-pica da escolha do parceiro, a busca parcialmen-te inconsciente, presidida pelos arqutipos doanimus e da anima, onde, freqentemente, soos opostos que se atraem. Um cnjuge tem na

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    conscincia o que o outro tem por se desenvolver,no inconsciente. Fundamentalmente, a personali-dade busca o desenvolvimento da sua outra meta-de. Assim, o homem que tenha predomnio de umdos princpios (masculino ou feminino) tender ase sentir atrado por uma mulher com predomniodo princpio oposto na sua conscincia.

    O mesmo fenmeno ocorre em relao tipologia psicolgica. Assim sendo, aquele que temo pensamento como funo superior conscientetender a sentir-se atrado por uma parceira cujafuno principal seja o sentimento, pois exata-mente esta a sua funo menos desenvolvida, ouseja, sua funo inferior inconsciente. Analogamen-te, o tipo sensao sentir-se- atrado pelo tipointuitivo e o tipo extrovertido tender a sentir-seatrado pelo tipo introvertido.

    Tipos de Conflitos na RelaoConjugal

    Devido nossa cultura patriarcal, o ho-mem torna-se depositrio do princpio masculino,sendo identificado com ele, e a mulher identifica-se e torna-se depositria do princpio feminino.Essa deposio exagerada do princpio masculinono homem e feminino na mulher gera muitos dis-trbios e conflitos na relao conjugal. Assim, amulher sente-se na obrigao de agradar, de atrair,de fazer com que o homem se apaixone por ela,enquanto o homem sente-se na obrigao de con-quistar, de buscar, de possuir. Se o homem propeque a mulher escolha o que vo fazer ou esperaque ela tenha iniciativa, ela pode senti-lo comodesinteressado. Por outro lado, a mulher que tomainiciativas e faz propostas pode ser vista como man-dona e sentida como uma ameaa, pois pode al-mejar o poder sobre o homem e sufoc-lo.

    No existe relacionamento conjugal semconflitos. Alguns casais passam por mais conflitos,outros menos, mas toda relao conjugal passa porconflitos e crises. Para Jung (citado por Vargas,1981), entretanto, o critrio para um relacionamentosaudvel no a quantidade de conflitos e sim odesenvolvimento da individuao, ou seja, o im-portante saber se a vivncia conjugal est propi-ciando ou no a individuao dos parceiros.

    O casamento representa, na nossa cultu-ra, uma das situaes mais ricas para a vivnciadas polaridades e, portanto, para o desenvolvimen-

    to da polaridade de cada um dos cnjuges. Entre-tanto, a unio dos opostos pode ser criativa oupatolgica. Na unio criativa, a relao entre osopostos tipolgicos d-se em uma vivncia dialti-ca criativa, onde, segundo Vargas (1981), Um aju-da o outro a desenvolver-se naquilo que tem demenos desenvolvido, ou seja, na sua funo infe-rior, o que implica na diminuio do predomnioto grande da superior. Cada um integra ao seuconsciente aspectos negados, rejeitados ou nodesenvolvidos e com isto o Ego e a personalidadecom um todo crescem e se desenvolvem em bus-ca de sua individuao (p. 31).

    Podemos observar que enquanto o rela-cionamento estiver na fase da paixo, sempre te-remos uma situao de simbiose entre os cnju-ges. Essa simbiose poder evoluir de maneira cri-ativa e integradora, ou ento tornar-se uma uniocompletamente patolgica, constituindo uma sim-biose conflitiva. Conforme Byington (citado porVargas, 1981), a simbiose conflitiva pode apresen-tar-se de duas formas: simbiose conflitiva criativae simbiose conflitiva dissociativa.

    A simbiose conflitiva criativa caracteriza-se pela unio das funes tipolgicas e das carac-tersticas latentes criativas complementares. Essarelao simbitica porque o marido delega es-posa e ela desempenha a sua funo inferior, en-quanto a esposa, por sua vez, delega ao marido eele desempenha a funo inferior dela. Cada cn-juge cobre as deficincias do outro, podendo ge-rar at uma unidade aparentemente feliz de bem-estar, mas no constitui uma unio criativa e inte-gradora porque no propicia a individuao dosparceiros. Essa relao conflitiva porque, embo-ra seja confortvel delegar ao outro as funes queno desempenha to bem, a pessoa sente-se frus-trada por seu cnjuge na medida em que este, aodesempenhar estas funes de maneira to maisespontnea e fcil, inibe suas possibilidades dedesenvolv-las por si mesmo. Entretanto, essa sim-biose conflitiva classificada como criativa por-que um cnjuge vivencia no outro o seu potencialcriativo, aquilo que ele tem por se desenvolver.

    Muito diferente a simbiose conflitivadissociativa. Nessa relao, um cnjuge vivenciano outro suas partes inaceitveis e sombrias. As-sim sendo, a simbiose conflitiva dissociativa carac-teriza-se pela mtua projeo das sombras, ondecada cnjuge dissocia-se de seus contedos incons-cientes, inclusive de suas funes inferiores, pro-

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    jetando-os no seu parceiro que ento atacado demaneira terrvel e destruidora. Essa relao consti-tui uma unio patolgica, onde o objetivo de mi-nha paixo tem caractersticas que eu abomino erejeito, mas justamente por aquela porcaria queeu me apaixono (Vargas, 1981, p. 121). A ligao mrbida, repetitiva e compulsiva, sem nenhumacriatividade, em total e mtua dependncia. O ca-sal passa a vida toda se agredindo, se destruindo,mas no se separa. Cada cnjuge funcionar comotela das projees de tudo que est inconsciente edissociado do outro e, portanto, de todo o ladomais sombrio de cada um (Vargas, 1981, p. 32).

    Mtodo

    O mtodo da pesquisa consistiu em um es-tudo de caso, tendo um casal como amostra. O crit-rio para a escolha do casal foi o tempo de casamento,sendo que os sujeitos escolhidos estavam casados h42 anos. Partimos do pressuposto de que, quanto maiora durao do casamento, maior a possibilidade de umcasamento harmnico.

    Para pesquisar a dinmica do casal, utiliza-mos a entrevista oral semi-estruturada, como tcnicade investigao. Aps a aplicao individual do QUA-TI, fizemos a entrevista com cada cnjuge separada-mente. A anlise dos resultados foi dividida em: quan-titativa e qualitativa.

    Na anlise quantitativa, ns verificamos e com-paramos as pontuaes obtidas pelo casal no testeQUATI, demonstradas sob a forma de tabelas e diagra-mas abrangendo a relao entre as quatro funes.

    Na anlise qualitativa, comparamos os rela-tos que estes forneceram na entrevista oral semi-estru-turada (realizada antes da aplicao do teste), con-frontando-os com as respostas do QUATI e com oreferencial terico dos tipos psicolgicos junguianos.

    Finalmente, para compreender a influnciados tipos psicolgicos na dinmica deste casal, fize-mos uma anlise da dinmica do casal, comparandoas anlises individuais de cada cnjuge (quantitativa equalitativa) e confrontando com o referencial tericoutilizado.

    Resultados

    O marido tinha 62 anos de idade e a es-posa 61. Tinham dois filhos e duas netas. Na en-

    trevista, relataram que se conheceram quandotinham 20 e 19 anos, respectivamente. Amboseram fisicamente muito bonitos. O marido tra-balhava em uma tica e a esposa era secretriade uma companhia de seguros. Seu nvel socio-econmico, na poca, era de classe mdia bai-xa. O marido s estudou at a 2. srie do Ensi-no Mdio, sendo que nenhum deles fez cursosuperior.

    Nove meses depois j estavam casadose a esposa grvida do primeiro filho. Como ascondies de posse eram pequenas, foram mo-rar na casa da me do marido. Dois anos de-pois, a esposa parou de trabalhar. Assim, come-aram a haver conflitos entre a esposa e sua so-gra, por isso, aps alguns meses, resolveram alu-gar uma casa. Ainda nessa poca, o marido can-tava e foi contratado pela emissora de rdio eteleviso Record e isso no agradava a esposa,porque as mulheres o assediavam muito. Ento,o marido preferiu parar de cantar e dedicar-se famlia.

    O marido passou a ser muito trabalha-dor, praticamente um workaholic. De empre-gado tornou-se proprietrio e cresceu muito fi-nanceiramente. Hoje as condies de posse de-les so muito boas.

    Segundo as entrevistas dos dois, elesnunca passaram por um perodo de crise no ca-samento, nem tiveram nenhuma grande discus-so, apenas algumas briguinhas de ficar sem sefalar por uns dois dias. Os dois enfatizaram issomuitas vezes durante a entrevista. Mesmo assim,a esposa nos revelou que o marido tivera algunscasinhos extraconjugais, mas que ela relevoupor ele ser um bom marido e um bom pai.

    Pelo relato do marido, podemos perce-ber tendncias metdicas e sistemticas, devidoa seu gosto de ter as coisas todas rigorosamenteem ordem, sendo que ele mesmo julga-se tei-moso e chato, atribuindo a isso um ataque car-daco que teve. Segundo a esposa, depois disso,ele mudou bastante, tornado-se mais quieto, maistranqilo e mais caseiro. A esposa, no entanto,continua gostando de sair, mas como o maridoprefere ficar em casa, ela aproveita para fazer ascoisas de que gosta quando ele est viajando.

    Realizamos, alm da entrevista, a apli-cao do teste QUATI para uma melhor com-preenso da tipologia de cada um. Assim, com-parando os resultados do casal, obtivemos:

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    Tabela 1. Tabela Comparativa de Resultados da Aplicao do QUATI no Casal.

    Marido Esposa

    Atitude Extrovertido 5 Extrovertido 22

    Funo Principal Sensao 12 Sentimento 10

    Funo Auxiliar Sentimento 4 Sensao 5

    Representando a tipologia pelos diagramas da quaternidade, obtemos:

    Tabela 1. Diagrama Cruciforme da Tipologia do Casal

    MARIDO ESPOSA

    SENSAO SENTIMENTO

    EXTROVERTIDO EXTROVERTIDA

    SENTIMENTOSENSAO

    PENSAMENTO INTUIO

    INTUIO PENSAMENTO

    INTROVERTIDO INTROVERTIDO

    Discusso

    Observando os diagramas, o primeiro fa-tor que nos chama a ateno o de que o maridoe a esposa no constituem opostos tipolgicos, oque significa que, segundo a teoria junguiana, elesno representam tipos opostos ideais. Mesmo as-sim, so casados h 42 anos e, segundo dizem naentrevista, possuem um casamento tranqilo, pa-cfico, harmnico, quase sem discusses e brigas.

    Ento, como se explica esse relacionamen-to to harmnico e duradouro? Para responder aisso preciso ressaltar aqui duas coisas: primeiro,conforme foi explicado anteriormente, para Jung,o critrio para um relacionamento saudvel no a quantidade de conflitos (ou oposio) e sim odesenvolvimento da individuao, ou seja, o im-portante saber se a vivncia conjugal est propi-

    ciando ou no a individuao dos parceiros; e se-gundo, o fato dos cnjuges no serem opostos ti-polgicos significa que eles no funcionam comoopostos intrapsquicos.

    Vamos comear analisando a atitude.Apesar de ambos possurem uma atitude extrover-tida, a esposa apresentou pontuao 22, enquantoo marido apresentou apenas 5 pontos, havendo,portanto, uma diferena de 17 pontos! Apesar de aatitude geral ser a mesma (Extroverso), provavel-mente, ao se relacionarem um com o outro, omarido deve ach-la extrovertida demais e a espo-sa, apesar dele ser extrovertido, deve ach-lo in-trovertido.

    Podemos comprovar isso analisando al-gumas respostas do QUATI. Na rea de lazer, porexemplo: se algum convida a esposa para sair,ela aceita imediatamente; se algum convida o

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    marido, ele prefere convid-lo para ficar em suacasa. Em viagens, a esposa prefere viajar em umgrupo grande de pessoas, enquanto o marido gos-ta de viajar em um pequeno grupo de pessoas.Observamos no teste que o marido apresenta res-postas de atitude introvertida em todas as reas,mas o mesmo no ocorre com a esposa, pois noapresenta nenhuma resposta introvertida nas re-as de festa, lazer e vida pessoal. Assim sendo, emtermos de atitude, o marido funciona como umoposto intrapsquico para a esposa em muitas si-tuaes. Curiosamente, o marido descreve-se noincio do namoro como muito extrovertido e a es-posa confirma dizendo que ele mudou muito.

    A nossa compreenso da dinmica destecasal a de que, hoje, eles tm uma relao maissaudvel. Como apontamos na anlise do marido,provavelmente ele fez um caminho da Extrover-so para a Introverso. Se ele mantivesse um tipomuito Extrovertido, possivelmente a relao noduraria tanto, porque no promoveria a individua-o dos parceiros.

    Se a atitude a mesma (Extroverso), noincio do relacionamento o casal fica muito em-polgado, porque ambos gostam de sair, viajar, ir afestas, churrascos, cinema etc. Com o tempo o re-lacionamento ficaria vazio, porque ambos seriammuito parecidos e um no completaria o outro. Oque completa uma pessoa no aquele que iguala ela, mas sim aquele que diferente, que temalgo que o outro no tem. O que nos completa aquilo que nos falta para desenvolver. Se ambosforem iguais, um no ter nada a ensinar ao outroe aquilo que um no tem desenvolvido, o outrono tem como ajudar a desenvolver. Em uma rela-o de iguais h pouco crescimento pessoal, queno facilita o processo de individuao.

    Analisando as funes da conscincia,podemos dizer que a funo mais desenvolvida eutilizada pelo marido a Sensao. Para ele, ooposto tipolgico ideal a Intuio. Como a espo-sa Sentimento, o casal no constitui opostos ti-polgicos ideais. Entretanto, em trs das seis reasda vida da esposa (trabalho, lazer e vida pessoal),a Intuio prevalece sobre a Sensao.

    Por exemplo: no trabalho, o marido gos-ta da rotina de trabalho e se apega a ela, pensan-do na maior praticidade e operacionalidade do tra-balho. A esposa, por outro lado, constantementepensa em inovaes e mudanas na rotina e apre-cia participar de novas tarefas e projetos inovado-

    res. No lazer, o marido geralmente faz coisas habi-tuais, enquanto a esposa deixa que a inspiraoimediata diga o que deve fazer. O marido utiliza otempo livre em atividades manuais ou de utilidadeimediatas, enquanto a esposa prefere utilizar estetempo livre para planejar atividades futuras.

    Passemos agora para o caso da esposa. Afuno superior dela o Sentimento, portanto otipo oposto ideal o Pensamento. Embora a fun-o superior do marido no seja Pensamento, eleapresenta respostas do tipo Pensamento em todasas reas e em quantidades nada desprezveis.

    Vejamos alguns exemplos de situaesonde o marido apresenta respostas de tipo Pensa-mento, enquanto a esposa responde como Senti-mento: em festas, a esposa procura ressaltar ospontos positivos da festa, para quem a promoveu,enquanto o marido, por outro lado, no se impor-ta em criticar at mesmo o dono da festa, se issofor necessrio. No trabalho, o marido costuma serlgico e impessoal nas suas decises profissionais,enquanto a esposa costuma ser sensvel aos senti-mentos dos colegas nas suas decises. Nas via-gens, o marido organiza o roteiro da viagem demaneira lgica e objetiva e a esposa organiza oroteiro da viagem tomando por base o que maisgosta de fazer. Nos estudos, em trabalhos de gru-po, o marido mais questionador e crtico, en-quanto a esposa mais conciliadora e pacificado-ra. No lazer, o marido recusaria um convite feitopor um amigo, explicando as razes, enquanto aesposa teria dificuldade em recusar um convite feitopor um amigo. E finalmente, na vida pessoal, omarido se considera consistente e razovel nas suasidias, enquanto a esposa se considera profundanos seus sentimentos.

    Assim, podemos verificar que, em diver-sas situaes, de todas as reas, o marido se com-porta de maneira oposta esposa, formando umacomplementaridade tipolgica. Resta-nos agorasaber em que tipo de relacionamento podemosclassific-los.

    Como descrevemos anteriormente, h trstipos de relacionamento conjugal: unio criativa,simbiose conflitiva criativa e simbiose conflitivadissociativa. Certamente o casal pesquisado noconstitui uma simbiose conflitiva dissociativa, poisessa relao caracteriza-se pela mtua projeo dassombras, onde um cnjuge vivencia no outro suaspartes inaceitveis e sombrias, e atacado de ma-neira terrvel e destruidora. A ligao mrbida,

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    repetitiva e compulsiva, sem nenhuma criativida-de, em total e mtua dependncia. O casal passa avida toda se agredindo, se destruindo, mas no sesepara.

    Seguramente, nosso casal no se enqua-dra neste tipo de relao. O relacionamento delesquase no tem brigas, um no agride o outro enem sequer falam mal do parceiro. Existe, sim,uma relao simbitica, porque eles interagem-secom uma certa dependncia tipolgica. No nossoentendimento, a relao simbitica porque omarido delega esposa e ela desempenha a fun-o inferior dele, enquanto a esposa, por sua vez,delega ao marido e ele desempenha a funo infe-rior dela.

    Por exemplo, no trabalho, o marido gos-ta da rotina e faz coisas habituais, preocupando-secom a praticidade e operacionalidade das tarefas.A esposa, no entanto, gosta de fazer mudanas narotina, planeja atividades futuras e implementa ino-vaes. O marido costuma ser lgico e impessoalnas suas decises profissionais, enquanto a espo-sa costuma ser sensvel aos sentimentos dos cole-gas nas suas decises. Assim, ambos complemen-tam-se no trabalho, o que gera bons resultadosprofissionais, mas certamente essa complementa-o tipolgica contribuiu muito para a prosperida-de da empresa.

    Cada cnjuge cobre as deficincias dooutro, podendo gerar at uma unidade aparente-mente feliz de bem-estar, mas no chega a consti-tuir uma unio criativa e integradora, porque nopropicia a individuao dos parceiros ou ento esseprocesso torna-se muito lento. Por exemplo: a es-posa gosta de ir ao cinema, mas como o maridoprefere assistir filmes em casa, ela deixa para ir aocinema quando ele vai pescar. O que ela gosta defazer, ela faz sozinha. Como ela diz na entrevista:(...) enquanto ele vai pescar, ponho tudo em dia(sic).

    Concluindo, cada um delega ao outro suasfunes no desenvolvidas, havendo pouco cres-cimento pessoal, o que dificulta o processo de in-dividuao. Assim sendo, segundo nossa compre-enso do caso analisado, a relao deste casal no uma simbiose conflitiva dissociativa, mas tam-bm no chega a ser uma unio criativa constitu-indo, portanto, uma relao simbitica conflitivacriativa. Esta simbiose conflitiva criativa porqueum cnjuge vivencia no outro o seu potencial cri-ativo, aquilo que ele tem por se desenvolver. Ca-

    racteriza-se pela unio conflitiva das funes tipo-lgicas e das caractersticas latentes criativas com-plementares.

    Consideraes Finais

    Quando comeamos a construir o proje-to desta pesquisa, ficamos fascinados pela belezado mito platnico, onde o personagem Aristfa-nes narra como os seres humanos primordiais fo-ram divididos ao meio e por isso, desde ento,homens e mulheres passam suas vidas em buscada unidade perdida.

    At o momento, pensvamos apenas nomito e no fenmeno comum de homens e mulhe-res procurando, como comumente dizem suas al-mas gmeas, sua cara-metade, a tampa da panela,ou ainda, a metade da laranja. E em como essaunio fazia o casal sentir-se como se fossem unos,fundidos em um s.

    Quo surpresos ficamos quando come-amos as leituras junguianas para o referencial te-rico! Foi com assombro que descobrimos que,quando Jung fala em recuperar a unidade perdi-da, no est falando sobre relacionamento de ca-sal, mas sim sobre a integrao de si mesmo. Fois ento que compreendemos a profundidade domito platnico. E tambm compreendemos por queJung estudara tanto os mitos e como concebera aidia dos arqutipos do inconsciente coletivo. Sub-jacente ao mito do homem buscando reintegrar-se mulher, encontrava-se a idia do homem tentan-do reintegrar-se a si mesmo, do homem procuran-do resgatar suas prprias partes perdidas, aquelasque foram deixadas sombra, reprimidas no in-consciente. A busca da unidade perdida a buscapela integrao entre consciente e inconsciente,entre ego e sombra, entre funo superior e inferi-or, entre princpio masculino e feminino, entreanima e animus.

    Curiosamente, para que o casal consigaresgatar a unidade perdida, necessrio abando-nar o projeto de formar uma unidade perfeita.Podemos resgatar a unidade perdida, mas essaunidade no se d com o outro e sim por meio dooutro. pelo outro que podemos atingir a unida-de conosco mesmo. Pela integrao de aspectosidealizados projetados no outro, podemos resta-belecer a conexo necessria entre ego e self. Eiso caminho da individuao, que nos ensina Jung.

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    somente pela busca pela nossa prpria totalida-de psquica que ns conseguiremos, quem sabeum dia, resgatar a nossa to desejada unidade per-dida.

    Referncias

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    Zacharias, J. J. M. (2006). Tipos: A diversidadehumana. So Paulo: Vetor.

    Recebido em/received in: 19/05/2006

    Aprovado em/approved in: 02/10/2006

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