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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO JORGE AMADO PADRÃO GLOBO DE COMÉDIA: A ESTÉTICA TELEVISIVA DAS COMÉDIAS ROMÂNTICAS BRASILEIRAS (2003 – 2013) 1 Tiago Costa Pinho 2 RESUMO: Na última década se fez notável o surgimento e a ascensão de um novo gênero cinematográfico nacional: a comédia romântica brasileira. Filmes de comédia, coproduzidos pela Globo Filmes, braço cinematográfico da Rede Globo de comunicações, feito por artistas conhecidos pelo trabalho na televisão, que levam para as telonas dos cinemas os referenciais estéticos da teledramaturgia da Rede Globo. Esses filmes em pouco tempo ganharam grande destaque por conta de sua popularidade. Esse trabalho tem o objetivo de analisar esteticamente essas produções, procurando observá-las dentro do contexto histórico em que o gênero surgiu. PALAVRAS CHAVE: Comédias Românticas Brasileiras, Globo Filmes, Estética audiovisual. ABSTRACT: In the last decade it’s notorious the emergence and rise of the Brazilian romantic comedy. Comedy movies that presents the participation of Globo Filmes, the film producer linked to Rede Globo de Comunicações, made by known artists for their work on television, leading to 1 Trabalho de conclusão do curso de Especialização em Linguagens e Mídias Audiovisuais, oferecido pelo Centro Universitário Jorge Amado, sob orientação da professora doutora Patrícia Moraes. 2 Bacharel e Licenciado em História com habilitação em Patrimônio Cultural pela Universidade Católica de Salvador. Email: [email protected]

Padrão Globo de Comédia: A Estética Televisiva Das Comédias Românticas Brasileiras (2003 – 2013)

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Na última década se fez notável o surgimento e a ascensão de um novo gênero cinematográfico nacional: a comédia romântica brasileira. Filmes de comédia, coproduzidos pela Globo Filmes, braço cinematográfico da Rede Globo de comunicações, feito por artistas conhecidos pelo trabalho na televisão, que levam para as telonas dos cinemas os referenciais estéticos da teledramaturgia da Rede Globo. Esses filmes em pouco tempo ganharam grande destaque por conta de sua popularidade. Esse trabalho tem o objetivo de analisar esteticamente essas produções, procurando observá-las dentro do contexto histórico em que o gênero surgiu.

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CENTRO UNIVERSITRIO JORGE AMADOPADRO GLOBO DE COMDIA: A ESTTICA TELEVISIVA DAS COMDIAS ROMNTICAS BRASILEIRAS (2003 2013)[footnoteRef:1] [1: Trabalho de concluso do curso de Especializao em Linguagens e Mdias Audiovisuais, oferecido pelo Centro Universitrio Jorge Amado, sob orientao da professora doutora Patrcia Moraes.]

Tiago Costa Pinho[footnoteRef:2] [2: Bacharel e Licenciado em Histria com habilitao em Patrimnio Cultural pela Universidade Catlica de Salvador. Email: [email protected]]

RESUMO: Na ltima dcada se fez notvel o surgimento e a ascenso de um novo gnero cinematogrfico nacional: a comdia romntica brasileira. Filmes de comdia, coproduzidos pela Globo Filmes, brao cinematogrfico da Rede Globo de comunicaes, feito por artistas conhecidos pelo trabalho na televiso, que levam para as telonas dos cinemas os referenciais estticos da teledramaturgia da Rede Globo. Esses filmes em pouco tempo ganharam grande destaque por conta de sua popularidade. Esse trabalho tem o objetivo de analisar esteticamente essas produes, procurando observ-las dentro do contexto histrico em que o gnero surgiu.PALAVRAS CHAVE: Comdias Romnticas Brasileiras, Globo Filmes, Esttica audiovisual.

ABSTRACT: In the last decade its notorious the emergence and rise of the Brazilian romantic comedy. Comedy movies that presents the participation of Globo Filmes, the film producer linked to Rede Globo de Comunicaes, made by known artists for their work on television, leading to cinemas big screens the esthetics of Globo Soap Operas. These films soon gained prominence because of its popularity. This article aims to analyze these films in it's esthetical elements, observing them within of the historical context that the genre emerged. Key Words: Brazilian Romantic Comedy, Globo Filmes, audiovisual esthetics.

1. INTRODUONa primeira dcada do sculo XXI a comdia ressurgiu como gnero dominante no mercado cinematogrfico brasileiro. A partir do sucesso de bilheteria da comdia romntica Sexo, amor e traio (Direo de Jorge Fernando, 2004), que foi assistido por mais de 2 milhes e 200 mil pessoas nas salas de cinema de todo o Brasil (ANCINE, 2013), a Globo Filmes, brao cinematogrfico da Rede Globo, descobriu nesse gnero um grande potencial comercial, o que fez a produtora apostar cada vez mais em filmes desse tipo. Contando com uma esttica televisiva, parecida com a das produes da TV Globo (ARAJO, 2010), apresentando, inclusive, atores e diretores renomados pelo trabalho na teledramaturgia, as Comdias Romnticas Brasileiras se propem ao objetivo de entreter e conquistar o grande pblico, buscando solues para a difcil concorrncia com o cinema hollywoodiano. Nesse sentido, tendo em vista a histrica aceitao e reconhecimento do padro Globo de teledramaturgia, no difcil entender o porqu de a Globo Filmes utilizar isso no cinema. A produtora faz uso das melhores armas que a Rede Globo pode oferecer. Aps o sucesso do filme de Jorge Fernando, outros ttulos superaram a marca de 2 milhes de espectadores. A mulher invisvel (Direo de Claudio Torres, 2009), Minha me uma pea (Direo de Andr Pellenz, 2013), Cilada.com (Jos Alvarenga Jr., 2011), Se eu fosse voc (Direo de Daniel Filho, 2006) e De pernas pro ar (Direo de Roberto Santucci, 2009), so grandes exemplos. Os dois ltimos ttulos, inclusive, devido ao estrondoso sucesso, ganharam continuaes, sendo que Se e fosse voc 2 (Direo de Daniel Filho, 2009) ultrapassou a marca de 6 milhes de espectadores, tornando-se a 4 maior bilheteria de todos os tempos de um filme brasileiro.(ANCINE, 2013) Apresentando tramas que fogem de discusses polticas ou sociais, personagens de classes abastadas (COTA, 2006) e com temticas que falam sobre relacionamentos, sexo, amor, conflitos familiares etc. (ARAJO, 2010) as Comdias Romnticas Brasileiras no s se afastam das outras produes que caracterizam a retomada do cinema brasileiro, que prezam por um realismo e por discusses sociais, como tambm se afastam do que se produzia de comdia no Brasil at a dcada de 1990. As novas comdias buscam referencias nas tramas das comdias romnticas hollywoodianas, misturando-as com a linguagem caracterstica das novelas e sries da Rede Globo e rejeitando a herana das chanchadas que caracterizaram a comdia brasileira at ento. Trata-se, portanto, de um fenmeno novo, e ainda pouco estudado. Fruto do contexto histrico-econmico que se formou com o fim do ciclo da Embrafilme, e com o incio da era das leis de incentivo a cultura, onde o Estado abdicou da responsabilidade de selecionar as produes que estariam aptas a receber investimentos pblicos, relegando a tarefa a empresas privadas, que buscam, atravs do investimento, as melhores vitrines para exibir suas prprias marcas. Sendo assim, vemos surgir uma nova lgica de financiamento, onde, agora, os produtos com maior potencial comercial saem na frente na busca por verbas para financiar seus projetos. O objetivo deste trabalho apresentar uma anlise dessa produo enquanto novo gnero cinematogrfico, buscando entender como surgiu o gnero, assim como revelar suas razes estticas. Tomaremos como objeto de anlise os filmes Sexo, amor e traio, Seu eu fosse voc e De pernas pro ar. Os trs filmes foram coproduzidos pela Globo Filmes, apresentam um elenco estrelado por atores conhecidos pelos trabalhos feitos na Rede Globo, assim como diretores e roteiristas, entre outros artistas e tcnicos que fizeram parte dessas produes. Alm disso, todos eles ultrapassaram a marca de dois milhes de espectadores e apresentam caractersticas que permitem rotul-los como comdias romnticas.Atravs de uma anlise crtica e reflexiva desses filmes, alm de dialogar com textos escritos por crticos cinematogrficos que acompanharam o surgimento e ascenso desse gnero, e a comparao com outras produes audiovisuais, busca-se desnudar as caractersticas da comdia romntica brasileira. Assim como entend-la enquanto produto da Indstria cultural brasileira, e inserida no contexto da ps-retomada do cinema brasileiro.

2. CONTEXTO HISTRICO-ECONMICO. O surgimento de um gnero de comdia popular e lucrativo se deve principalmente ao cenrio que se formou para o mercado cinematogrfico brasileiro a partir do incio da dcada de 90. Nesse perodo o cinema nacional passava pelo auge de uma grave crise, que vinha se estendendo desde meados dos anos 80. Por conta da popularizao do videocassete e da televiso que passaram a competir com o cinema, potencializada ainda pela crise econmica que o pas enfrentava, houve um encarecimento dos ingressos das salas de cinema comerciais, o que afastou grande parte do pblico, prejudicando o mercado cinematogrfico nacional. Nesse momento, o cinema nacional conseguia sobreviver apenas por conta do apoio do Estado produo, distribuio e exibio de filmes atravs rgos como a Embrafilme, a Fundao do Cinema Brasileiro e o Concine. Com a subida do pensamento Neoliberal ao poder, atravs da figura do ento presidente da repblica, Fernando Collor de Melo, o Estado deixa, de uma hora para outra, de intervir no mercado cinematogrfico. O Ministrio da Cultura, com todos os rgos a ele ligados, incluindo os rgos que sustentavam o cinema nacional, so extintos. De acordo com Marson (2009, P.17-18)A concepo poltica adotada por Collor tratou a cultura como um problema de mercado, eximindo o Estado de qualquer responsabilidade nesta rea. Isto significa dizer que a produo cultural passou a ser vista como qualquer outra rea produtiva, que deve se sustentar sozinha atravs de sua insero no mercado. A partir das medidas adotadas por esta nova postura poltica ou melhor dizendo, a partir da ausncia de medidas adotadas toda a produo cultural foi afetada. No caso especfico do cinema, que tinha um vnculo muito forte com o Estado desde a criao da Embrafilme, a sada de cena do governo federal foi um abalo muito forte, considerada por cineastas e pesquisadores a morte do cinema brasileiro. Como tentativa de remediar o estrago causado no mercado cultural brasileiro, em 1991 instituda a Lei Rouanet e em 1993 a Lei do Audiovisual. Essas leis surgiam com o objetivo de promover, proteger e valorizar as expresses culturais nacionais, mas, sem com isso ir de encontro ideologia Neoliberal. Sendo assim, o foco das leis estava na promoo ao patrocnio privado, atravs de uma poltica de incentivos fiscais. A lei Rouanet permite que cidados ou empresas privadas invistam uma pequena porcentagem de seus impostos de renda em projetos culturais. J a lei do Audiovisual cria mecanismos de investimento parecidos, mas especficos para os projetos audiovisuais, especificando que os projetos devem se caracterizar enquanto obras audiovisuais brasileiras independentes, ou seja: aquela cuja empresa produtora, detentora majoritria dos direitos patrimoniais sobre ela, no tenha qualquer associao ou vnculo, direto ou indireto, com empresas de servios de radiodifuso (Decreto N 6.304 de 2007). Com isso h surgimento de um novo modelo de financiamento para as produes audiovisuais. Onde agora a interveno do Estado se d, de maneira geral, de forma indireta. Simis (2010, p.159) explica queSe, por um lado, no h mais tutela do governo, com comisses que selecionam os filmes aptos a obter recursos do Estado, o que conta a capacidade do produtor de atrair uma empresa pagadora de impostos, que tem seus crditos reafirmados e que, por sua vez, no corre nenhum risco. Ou seja, diferentemente das dcadas anteriores onde os projetos para serem financiados precisavam do aval do Estado para receber investimentos, agora precisam agradar s empresas privadas, que por sua vez buscam as melhores vitrines para exibir suas marcas. Sendo assim, enquanto antes o Estado mantinha uma poltica de investir em projetos que dariam credibilidade e maior visibilidade ao cinema nacional em festivais internacionais, buscando apoiar obras com propostas estticas que agradavam a crtica especializada, agora os projetos com maior potencial de atrarir um grande nmero de espectadores tm mais chances de conseguir maiores investimentos. Lia Bahia (2007, p. 35), entende que a partir de ento se estabelece um cenrio desigual, que favorece algumas grandes produtoras, em detrimento das demais. Para a autoraO Estado abdica do compromisso de construir um painel cinematogrfico marcado pela diversidade de custos, profissionais, linguagens e discursos ao deixar a deciso da escolha dos projetos de produo nas mos das empresas. Em consequncia, o mercado dominado por um pequeno nmero de pessoas, restando pouco espao para a inovao e diversidade. Dentro desse cenrio, em 1998, a Rede Globo decide se inserir no mercado cinematogrfico atravs da Globo Filmes. Em pouco tempo a produtora se firma como a maior e mais bem sucedida empresa do ramo, tendo participado em mais de 100 produes (GLOBO FILMES, 2013), entre elas alguns dos filmes de grande sucesso, tanto de bilheteria como de crtica. Filmes como Carandir, Cidade de Deus, Tropa de Elite, Olga, entre outros. Porm, por ser o brao cinematogrfico das organizaes Globo, a Globo Filmes, no se caracteriza como uma produtora independente e, sendo assim, impossibilitada de concorrer em editais de financiamento. Por conta disso, so poucos os filmes em que a Globo Filmes assume a produo como principal produtora. A maior parte dos trabalhos da empresa se caracteriza como coprodues. Segundo Butcher (2006, p.75):Entre dezembro de 1998 e dezembro de 2005 (em sete anos de atuao, portanto), a Globo Filmes participou de 36 longas-metragens nacionais, sendo que em apenas quatro sua marca figura como produtora exclusiva nos crditos de apresentao: Zoando na TV, de Jos Alvarenga (1999), O auto da Compadecida, de Guel Arraes (2000), Um anjo trapalho (2000), de Alexandre Boury e Marcelo Travesso, e Caramuru A inveno do Brasil, de Jorge Furtado (2001). Todos os outros, mesmo os que contavam com estrelas contratadas como Xuxa, Renato Arago, a dupla de cantores Sandy & Jnior, o grupo humorstico Casseta & Planeta, foram realizados por produtores de fora. A produtora, portanto se utiliza de uma estratgia de parceria com produtoras independentes para conquistar as verbas pblicas e assim realizar seus filmes, sendo que muitas dessas empresas so ligadas a produtores ou diretores com vnculo com a Rede Globo. Ao analisar as produtoras cinematogrficas que lanaram filmes entre 1995 e 2005, BORGES (2007, p.80) relata que Algumas dessas produtoras com que a Globo Filmes coproduziu tm apenas um filme produzido durante todo o perodo analisado ou, se tm dois, ambos so coprodues com a Globo Filmes. Nesse caso, esto as produtoras Lereby Produes, Natasha Enterprises, Nexus Cinema e Vdeo, Misso Impossvel Cinco Produes, Rio Vermelho Filmes e Spectra Mdia Produes. Apesar de pequenas e de terem produzido, no mximo, trs filmes entre 1995 e 2005, cada uma dessas produtoras conseguiu bom ndice de bilheteria para suas produes, o que pode ser explicado pela parceria mantida com a Globo Filmes. [...] A estratgia de coprodues da Globo Filmes tem dois lados. Por um lado, ajuda produtores pequenos a realizarem projetos de grande repercusso nacional. Por outro lado, coloca o seu nome em grandes xitos de bilheteria da produo brasileira, mas, como o faz como coprodutora, possibilita que suas parceiras consigam utilizar os recursos subsidiados pelo governo, reduzindo seus prprios investimentos nessas coprodues.Entre as produtoras independentes citadas por Borges, temos a Natasha Enterprises, empresa que pertence a produtora Paula Lavigne, responsvel por Lisbela e o Prisioneiro, a Misso Impossvel Cinco Produes, que tem Eduardo Figueira, executivo da Tv Globo, como dono, responsvel por Os Normais O filme e a Lereby, empresa do produtor e Diretor Daniel Filho, responsvel por Se eu fosse voc. Portanto, apesar de serem consideradas produtoras independentes apresentam profissionais conhecidos nas suas direes, muitos deles ligados de alguma forma a TV Globo. (BORGES, 2007, P.80)A Globo Filmes alm de contar com o poder de divulgao da Rede Globo de comunicaes, que inclui diversos canais de televiso aberta e de assinatura, revistas, jornais e emissoras de rdio, tambm conta com investimentos conseguidos atravs da lei do Audiovisual, competindo de maneira desigual com outras produtoras que tambm buscam investimentos para suas produes. Atravs da estratgia de coprodues a Globo praticamente monopoliza a produo de longas metragens no Brasil, abocanhando os investimentos provindos das leis de incentivo fiscal e as verbas provindas das bilheterias. Surge, ento, um cenrio de concorrncia desigual, onde o Estado passa a patrocinar, de forma indireta, empresas e profissionais j estabelecidos no mercado audiovisual, principalmente os ligados a teledramaturgia da TV Globo, dando pouco espao para produtoras que no queiram se submeter interferncia da Globo Filmes. nesse cenrio que vemos o nascimento e o sucesso das Comdias Romnticas Brasileiras. Gnero comercial e intimamente ligado esttica do Padro Globo.

3. DA TELONA PARA A TELINHA E DA TELINHA PARA A TELONA: OS CAMINHOS DO HUMOR NA PRODUO AUDIOVISUAL BRASILEIRA. A comdia sempre foi um dos gneros mais populares da produo audiovisual brasileira. Entre as dcadas de 40 e 60 o gnero dominou o mercado cinematogrfico nacional atravs das chanchadas que lotavam salas de exibio fazendo frente aos sucessos de Hollywood. Nas dcadas seguintes, apesar do desaparecimento dos grandes estdios, como a Atlntida e a Vera Cruz, responsveis pelas produes desses filmes, a chanchada continuou a caracterizar o humor cinematogrfico nacional atravs dos filmes de Mazzaropi e dos Trapalhes. Na dcada de 70 h, tambm, o surgimento da pornochanchada, que, apesar do nome, pouco parecia com as inocentes comdias protagonizadas por Oscarito, Grande Otelo e companhia. Abordando temas de comdias de costumes, sempre ligadas ao sexo, com forte influencia das comdias italianas, e produzidos, em sua maioria, de forma independente, com baixssimos oramentos e pouco refinamento tcnico. De acordo com Abreu (1996, p.71) a pornochanchada [...]garantiu seu espao no cinema brasileiro por conta, principalmente, dos programas de incentivo ao cinema nacional que garantiam que todos os cinemas deveriam ter uma cota mnima de filmes nacionais exibidos. Isso fazia com que a produo de filmes de baixo custo fosse bastante lucrativa.A pornochanchada, juntamente com o ideal esttico do cinema marginal, contriburam para que o pblico brasileiro passasse a ver com maus olhos a cinematografia nacional. Grande parte da sociedade brasileira passara a desprezar a indstria cinematogrfica local, no somente as pornochanchadas, ou os filmes erticos em geral, os caretas passaram a questionar as polticas publicas de incentivo ao cinema, que obrigavam as salas de cinema a expor esses filmes. (PINHO, 2011, p. 21)Aps a crise do cinema nacional, no incio da dcada de 90, durante a fase da retomada, a comdia perdeu espao. Poucos filmes de humor brasileiros ganham destaque nas bilheterias nacionais entre 1990 e 2000, com exceo de filmes infantis. Somente a partir da entrada da Globo Filmes no mercado que as comdias brasileiras voltaram a dominar as bilheterias atravs dos sucessos das comdias romnticas.Na televiso, o humor tambm no demorou em se firmar como grande gerador de audincia. At a dcada de 70 os programas televisivos apresentavam marcas caractersticas da tradio radialista. Os programas de humor no fugiam a essa regra, programas como A Praa nossa e Balana, mas no cai eram programas de rdio que haviam sido adaptados para a televiso (NUNES, 2001, p.251) A partir da dcada de 70 as emissoras comeavam a inovar com programas humorsticos que traziam outras influncias, principalmente das chanchadas. Em 1973, o famoso diretor de chanchadas da Atlntida, Carlos Manga, que havia dirigido clssicos do humor nacional como Matar ou correr (1954) e O homem do Sputnik (1959) foi chamado para trabalhar na TV Globo na produo de Chico City, programa onde o humorista Chico Anysio interpretava diversos personagens. Com Carlos Manga e Chico Anysio as comdias da TV deixaram de ser apresentadas ao vivo e passaram a se utilizar de truques de edio.A partir de ento vemos na televiso, principalmente na TV Globo, uma diversificao nos programas humorsticos, apresentando grandes nomes como os trapalhes, Chico Anysio e J Soares. Porm, o humor na televiso ainda apresentado, majoritariamente, em programas de esquetes (TRAVAGLIA, 1989, p.43). Na dcada de 80, o humor comea a ser visto sob outras perspectivas. A srie Armao Ilimitada foi o primeiro projeto assinado por Guel Arraes na Rede Globo. Antes disso, o pernambucano havia tido participao na direo de novelas das 18:00h, trabalhando com Jorge Fernando em tramas escritas por Slvio de Abreu, autor com origem ligada a pornochanchada, e Cassiano Gabus Mendes. Essas novelas marcam uma mudana na forma de se pensar a teledramaturgia, assim como se pensar o humor na TV, ao trazer narrativas que fugiam ao melodrama tradicional, propondo estrias mais dinmicas e bem humoradas (ARRAES, 2001, p.174).Armao Ilimitada, se tratava de uma srie voltada para o pblico adolescente. Apresentando uma edio extremamente dinmica, com influncia dos clipes musicais e buscando referencias nos quadrinhos, a srie diferia de tudo que j havia sido produzido em termo de teledramaturgia. Sucesso tanto de pblico quanto de crtica, abriu as portas da Globo para as ideias de Guel Arraes, que viriam a forjar os parmetros para uma linguagem televisiva. Uma proposta que busca desenvolver, dentro da televiso, um trabalho que seja ao mesmo tempo comunicativo e sofisticado, recorrendo metalinguagem em uma tentativa de explodir os signos televisivos (BUTCHER, 2006, p.100). Ou seja, um discurso que ao mesmo tempo valoriza a televiso enquanto mdia artstica, com potencial para trabalhos de qualidade igualveis ao cinema, e subverte vrios pressupostos que, at ento embasavam a linguagem televisiva. Fechine (2013, p.5) enumera algumas dessas caractersticas: No conjunto dos programas produzidos pelo Ncleo para a TV Globo, pode-se identificar ento tendncias tcnico-estticas que so oriundas do experimentalismo dos anos 80 margem da televiso e que podem, genericamente, ser tratadas como: montagem expressiva, apelo auto-referencialidade, apresentao do processo como produto e esttica da inverso. A montagem expressiva diz respeito a uma montagem extremamente rpida e fragmentada, que utiliza os recursos visuais e sonoros de forma a expor uma grande quantidade de informaes ao mesmo tempo. O que ia de encontro ideia de que o telespectador, por conta das particularidades do consumo do produto audiovisual atravs da televiso, no seria capaz de prestar a devida ateno. As demais caractersticas apresentadas dizem respeito a metalinguagem (FECHINE, 2013, p.9). Ou seja, usar o prprio contedo da programao da emissora, bem como a linguagem e o modo de produo caractersticos do fazer televisivo, como temas. Incluindo a um espao para autocrtica. Essa caracterstica se tornou bastante visvel em programas como TV Pirata, Brasil Legal e Dris para maiores. Segundo o prprio Guel Arraes, em entrevista publicada no livro Pais da TV (ARRAES, 2001, p.181)Alguns dos quadros falavam da televiso dentro da televiso e acabaram se tornando uma referencia para ns. De uma maneira geral, o humor que se fazia na poca era assim: ou vinha do rdio ou do teatro. Ns tambm tnhamos um pouco disso porque nossos autores seriam bem formados em comdia teatral, mas da nova gerao de humor do teatro e, sobretudo, atores e autores que cresceram vendo televiso. Quando pequenos, eles no liam gibis ou ouviam rdio ou iam ao cinema. Eles viam TV, vibravam com as aventuras de Nacional Kid ou as trapalhadas de Satiricom (1974). Isso deu margem para que fizssemos uma televiso onde a imagem contaria muito, uma espcie de cineminha de humor. Nas dcadas posteriores outros programas e sries de humor fizeram sucesso na Rede Globo. Na dcada de 90 o sitcom Sai de Baixo se apresenta como principal exemplo. Nos anos 2000 Os Normais e A Grande Famlia despontam como principais sucessos da teledramaturgia de humor da emissora. Anos mais tarde, inclusive, essas sries ganhariam suas verses cinematogrficas. Mais importante do que assinalar o sucesso de pblico dessas sries notar que elas apresentam uma linguagem televisiva bastante definida. No eram mais cineminhas de humor, mas seriados de humor, que apresentavam influncias tanto do cinema, quanto das novelas da Rede Globo. Sai de Baixo, Os Normais e A Grande Famlia, apresentavam tramas no estilo comdia de costumes, com piadas e situaes que caberiam nos ncleos cmicos das telenovelas, apresentando esteretipos comuns ao que o telespectador j se acostumara a ver na televiso. Ao mesmo tempo, que seguiam os exemplos deixados por Arraes, no que diz respeito a uma maior ousadia na direo e na montagem. importante ainda assinalar, que em todas as comdias romnticas brasileiras h roteiristas que trabalharam em alguma dessas sries. Se at a dcada de 90, a televiso buscou referncias no cinema para aprimorar sua linguagem, nos anos 2000, aps o surgimento da Globo Filmes, as coisas comeavam a se inverter. Ao se inserir no mercado cinematogrfico a produtora no levou somente a fora dos canais de divulgao das corporaes Globo, mas tambm o ideal esttico do padro Globo de qualidade. No caso especfico das comdias romnticas brasileiras isso fica ainda mais evidente. Porm, esse gnero, no surge no mesmo momento em que a produtora. Ele comea a ser construdo aos poucos, sendo que sua histria comea com a experimentao feita por Guel Arraes na minissrie O auto da compadecida. Concebida como minissrie de 4 episdios O auto da compadecida trata-se de uma adaptao da pea homnima escrita por Ariano Suassuna. Trazendo uma comdia lrica e regionalista, sobre dois sertanejos pobres que usam da malandragem para sobreviver. Dentro da proposta de experimentao de Guel Arraes que concebeu e produziu a srie como de forma cinematogrfica. Um ano depois de exibir na televiso, a srie foi reeditada e exibida nos cinemas. Com o sucesso da empreitada, Caramuru- A inveno do Brasil seguiu a mesma frmula, assegurando a capacidade do padro Globo de televiso no cinema. Esses experimentos no s deixavam claro a fora da capacidade de penetrao da esttica dos produtos da Globo, como tambm demonstravam a vontade de consumir comdias nacionais, por parte do pblico. Sendo assim, em 2003, a Globo Filmes aposta em outras duas comdias: Os Normais O filme, 2003, Direo de Jos Alvarenga Jr. e Lisbela e o Prisioneiro, 2003, direo de Guel Arraes. O primeiro levava para o cinema a trama que j havia conquistado o pblico na TV, a srie narrava as aventuras do casal de noivos Rui e Vanir, j o filme, mostraria como o casal se conheceu, no melhor estilo comdia romntica hollywoodiana. O filme de Guel Arraes, por sua vez, trazia de volta o estilo regionalista e a comdia lrica, mas dessa vez, assim como o primeiro filme, apresentando uma trama de comdia romntica. Os dois filmes so grandes sucessos de bilheteria, ao ponto de transformar 2003 em um ano para ser lembrado na histria do cinema nacional. Em 2004, seguindo a tendncia iniciada no ano anterior lanado nas salas de cinema Sexo, amor e traio. Mais um sucesso da comdia romntica, que formularia os padres que seriam seguidos. O filme de Jorge Fernando pode ser considerado a primeira comdia romntica brasileira propriamente dita. Butcher (2006, p.78) d detalhes de como se deu a participao da Globo Filmes nesse projeto: A Total Entertainment firmou contrato com a Globo Filmes desde o incio da produo, e, sob a orientao do produtor associado Daniel Filho e do diretor Jorge Fernando (contemporneo de Guel Arraes na TV Globo e especialista em telenovelas cmicas como Guerra dos sexos, realizando aqui seu primeiro longa-metragem), vrias modificaes foram impressas. Para comear, do ttulo original caram as palavras pudor e lgrimas e entraram amor e traio. Uma deciso que j muda o tom do projeto, retirando o melodrama e transformado-o em uma comdia de costumes. Os dilogos foram completamente reescritos por roteiristas com experincia em TV (Denise Bandeira e Emanuel Jacobina), o atropelamento com morte do filme original foi substitudo por um acidente grave, mas de fundo cmico (em que o personagem reaparece todo enfaixado), e o elenco foi montado com estrelas de telenovelas, com um detalhe importante. Quando o filme estreou, em janeiro de 2004 (posicionando-se, portanto, como um filme de vero), a dupla de protagonistas, Malu Mader e Fbio Assumpo, estava no ar com a novela Celebridade, de Gilberto Braga.Com Sexo, amor e traio a Globo Filmes cunhou um novo gnero cinematogrfico. Uma comdia romntica urbana, que trata sobre temas burgueses, no estilo comdia de costumes. Uma transposio do que a Rede Globo j fazia na televiso com as sries de humor. Trata-se de usar formulas que trazem uma certa segurana no que diz respeito ao retorno do pblico, uma vez que a linguagem formulada pelos artistas da emissora j , antes de chegar a telona, aprovada pelo pblico na televiso. Se existiam dvidas de que esse formato no funcionaria no cinema, essas dvidas foram respondidas com os projetos anteriores. A popularidade da comdia romntica ficou assegurada pela resposta dada pelo pblico.

4. NEM GLOBOCHANCHADA, NEM NEOCHANCHADA. Tambm chamadas de Globochanchadas (CALIL,2011), ou Neochanchadas (MORATELLI, 2011), por crticos de cinema, as comdias romnticas coproduzidas pela Globo Filmes no se parecem esteticamente em nada com as comdias protagonizadas por Oscarito, Grande Otelo, Ankito, Z Trindade e companhia. Somente se for considerada a estratgia de se utilizar a comdia, feita com frmulas repetitivas, para atrair um pblico variado, ou ainda na existncia de um grande estdio por trs das produes, pode-se estabelecer um nexo entre essas produes. Sendo assim, a ligao feita a partir de concepes mercadolgicas, enfatizando o aspecto comercial dos filmes. Alm disso, outra semelhana que se pode estabelecer o desprezo da crtica especializada por essas produes. Na sua poca a chanchada era considerada produto de pouca qualidade esttica. Humor barato. A intelectualidade brasileira almejava filmes com maior engajamento poltico, no se contentando com a comdia pastelo e o humor popular das comdias protagonizadas por Oscarito, Grande Otelo, Ankito, Z Trindade e companhia. (COSTA, 2007) As comdias romnticas atuais tambm sofrem com o desprezo da crtica por conta, no s de seu carter comercial e de seu afastamento poltico-social, mas tambm pela suposta falta de uma linguagem esttica prpria original (NVOA, 2012, p.184), ou por considerar um erro a associao com a linguagem televisiva (ARAJO, 2010). As chanchadas, populares entre as dcadas de 50 e 70, tinham como principal referencial esttico os grandes sucessos de Hollywood, fazendo pardias de clssicos do western (Matar ou Correr, 1954, dirigido por Carlos Manga), musicais (Aviso aos Navegantes, 1950, dirigido por Watson Macedo), ou mesmo picos dramticos (Nem Sanso Nem Dalila, 1954, dirigido por Carlos Manga). As Comdias Romnticas Brasileiras tambm bebem dos sucessos do cinema estadunidense, mas nesse caso, buscam inspiraes nas tramas das comdias romnticas populares, misturando-as com a linguagem comercial das produes da Rede Globo. Enquanto que os filmes de Oscarito e Grande Otelo assumiam-se como produes de terceiro mundo, brincando com o fato de no ter como competir com a qualidade das produes estrangeiras, as produes da Globo Filmes se apresentam enquanto obras que almejam competir esteticamente com as produes do primeiro mundo, usando e abusando dos recursos provindos dos estdios da Rede Globo, bem como do trabalho de profissionais experimentados na teledramaturgia e a imagem de artistas conhecidos do pblico pelo trabalho na TV. Mas talvez a diferena mais marcante entre esses dois gneros esteja na representao social dos personagens. As chanchadas se tratavam de filmes feitos para atrair um pblico provindo das classes mais pobres da sociedade, sendo que para isso se utilizavam de personagens marginais, que viviam situaes que circundavam o imaginrio popular da poca, buscando, com isso, a identificao do pblico. Segundo COSTA (2007)[...] as chanchadas celebram apenas a malandragem e o se virar para viver. Os enredos tratam em geral de personagens recm-chegados de um ambiente rural portadores de valores tradicionais ligados honra pessoal, famlia, vizinhana ou que tm subempregos urbanos camels, manicures, porteiros, desocupados, biscateiros, doceiras, todos aspirantes a uma ascenso social que os inclua no verdadeiro sistema industrial moderno. Dentro disso, o tema recorrente a realizao desse objetivo atravs de um lance de sorte: uma herana, um achado, um objeto valioso, um segredo, um prmio que aparece no caminho do protagonista por obra do acaso. Essa tradio tem continuidade na obra tanto de Mazzaroppi, nos anos 70 e 80, que privilegiava o estereotipo do caipira, quanto na filmografia dos trapalhes, onde a figura do vagabundo era a mais recorrente. J nas comdias da Globo, os personagens representam a classe mdia alta brasileira. Os tipos mais representados como protagonistas so escritores (sexo, amor e traio, E a, comeu?) publicitrios (Se eu fosse voc, cilada.com, Sexo, amor e traio) e empresrios (De Pernas pro ar, Se eu fosse voc). Assim como nas novelas da Rede Globo as camadas mais pobres da sociedade so sub-representadas ou representadas de maneira idealizada, bem como a figura de tipos excludos (negros, indgenas, gays etc.).Ao analisar Se eu fosse voc, COTA (2006) reflete sobre o assunto, destacando alguns dos elementos presentes em quase todas as comdias romnticas brasileiras:A classe mdia alta, as crises conjugais, as relaes distanciadas com os filhos, os escritrios de publicidade, os carres, os restaurantes, as casas com piscinas e telas planas, as mes endinheiradas, enfim... Tudo reflete um Brasil idealizado, moldado na voga da globalizao, que exige seu lugar no Conselho de Segurana da ONU cinemtogrfica. [...] A busca da identidade deixa de ser particular para se generalizar e consagrar uma tese de amplo sentido: ser brasileiro ser global. Em Se eu fosse voc, por exemplo, os personagens constituem-se enquanto uma famlia rica. Cludio, o chefe da famlia, interpretado por Tony Ramos, publicitrio, scio majoritrio da empresa onde trabalha. J em De Pernas pro ar, a personagem principal, Alice (Ingrid Guimares) promovida a gerente de Marketing de uma grande empresa antes de ser demitida. Seu marido arquiteto e a famlia vive em um apartamento luxuoso. J em Sexo, amor e traio, os dois casais de protagonistas moram em prdios vizinhos na zona sul do Rio de Janeiro, suas profisses so: Escritor (Murilo Bencio), publicitrio (Caco Ciocler), Fotgrafa (Malu Mader) e modelo (Alessandra Negrini). Enquanto as chanchadas apresentavam um humor calcado no pastelo e na pardia, com gags visuais e inverso de valores. As comdias romnticas atuais se utilizam da comdia de costumes, assim como acontecia com as pornochanchadas, porm as comdias romnticas no tem seu humor baseado nas referencias sexuais, mas sim nas referencias a situaes vividas no cotidiano. O humor das comdias da Globo Filmes calcado na identificao por parte do pblico das situaes vividas pelos personagens. No filme de Jorge Fernando, a trama explora as crises nos relacionamentos de dois casais de amigos. Se eu fosse voc explora um argumento j batido em comdias estadunidenses, uma troca de personalidades, sem explicao, entre marido e mulher, onde um passa a enxergar o mundo atravs dos olhos do outro. E De pernas pro ar apresenta a estria de uma mulher moderna, que no consegue conciliar a vivncia familiar com o estresse do trabalho. Sendo assim, as tramas giram sempre em torno de conflitos familiares de famlias burguesas tradicionais. De acordo com ARAJO (2010) Temos aqui alguns temas tradicionais da comdia de costumes: mulheres insatisfeitas com os maridos, maridos em busca de outros amores e tal. Esses assuntos so tratados com "bom gosto", isto , evitando excessos de todo o tipo, buscando apoio no elenco da Globo e fazendo do cinema brasileiro uma extenso da tela do televisor. Mudando o foco das comparaes, as comdias romnticas, alem de romper com a tradio humorstica da chanchada no cinema, tambm rompem com a ambientao realista que caracterizava a retomada do cinema brasileiro at ento. Filmados quase exclusivamente em estdios, ao contrrio dos filmes que marcaram a retomada do cinema brasileiro, como, por exemplo Central do Brasil (1998, direo de Walter Salles), O que isso companheiro? (1997, direo de Bruno Barreto) e Cidade de Deus (2002, dirigido por Fernando Meirelles), que prezavam por ambientaes extremamente realistas, com filmagens feitas privilegiando o uso de locaes. Para CALIL (2011) as comdias passam a sensao de que todas as cenas at as externas foram filmadas num shopping center ou num condomnio fechado, cuidadosamente protegidos do caos, da vida, das ruas.A presena da esttica do Padro Globo, ainda se faz notar nos aspectos tcnicos. Na escolha de planos, na iluminao e fotografia, bem como na montagem. (SANTOS & CARDOZO, 2009, p.76) Os trs filmes analisados demonstram pouca ousadia tcnica nesses aspectos. Nota-se a preferncia pelos planos tradicionais, com mais destaque para os planos fechados, assim como ocorre nos produtos televisivos da Rede Globo. Com isso o foco da ao est, majoritariamente no texto, no dilogo dos personagens. A fotografia e a iluminao apresentam-se, em geral, enquanto elementos neutros, sem apresentar qualquer novidade. A montagem se caracteriza por cortes mais curtos. Nesse aspecto, De Pernas pro ar, apresenta uma utilizao mais ousada da montagem expressiva em algumas cenas. Todos esses elementos fazem parte de uma proposta comercial, no sentido de atingir o maior nmero de espectadores. Para isso, os diretores e roteiristas buscam diluir ao mximo o contedo poltico-social dos filmes, a fim de fazer obras facilmente palatveis, procurando evitar temas espinhosos, ou polmicos, que no firam a sensibilidade dos espectadores mais conservadores, a fim de atrair o mximo de pessoas possveis. Por outro lado, a assimilao aos pressupostos tcnicos e estticos da linguagem televisiva pode ser entendida aqui como proposital. Fazer filmes que se parecem com produtos da Rede Globo serve para atrair um pblico j acostumado a essa esttica audiovisual. Para (COTA, 2006) nesse sentido, o filme Se eu fosse voc poderia ser classificado como filme manifesto do gnero. Se Eu Fosse Voc assumidamente direto em seu propsito de retorno imediato. Abraa-se incondicionalmente aos esteretipos. E justamente essa desfaatez, essa coragem de entrega, que faz dessa bobagem um filme a ser visto com todas as atenes, como o grande manifesto, o Terra em Transe do que poderamos chamar de Cinema Espuma, um gnero que enfim assume com orgulho a sua condio de entrega ao mercado e s gordas bilheterias, seja nas salas de cinema, no comrcio de DVD ou na futura explorao nos canais de tev aberta ou a cabo. Sendo assim, no h como no considerar a comdia romntica brasileira um gnero bem sucedido. Atravs da criao de um gnero cinematogrfico, com frmulas repetitivas e um ideal esttico conhecido e aceito pelo pblico brasileiro a produtora consegue levar para as salas de cinema uma experincia parecida com a que a Rede Globo proporciona na televiso. Tanto no que concerne a linguagem quanto criao de um produto confivel. Quando as primeiras imagens dos novos filmes comeam a ser exibidas nos trailers e spots comerciais na televiso, o pblico j sabe o que esperar: uma comdia para toda famlia, com os atores mais populares e estrias e piadas previsveis, assim como as tramas das telenovelas.

5. CONSIDERAES FINAISAs polticas culturais neoliberais brasileiras ajudaram na criao de um cenrio, no mnimo, contraditrio, para o mercado cinematogrfico brasileiro. A rede Globo de comunicaes, atravs de brechas na legislao, se impe enquanto Manda-Chuva do cinema brasileiro, utilizando seu poder de divulgao como barganha e impondo a aceitao do Padro Globo enquanto esttica do cinema nacional. As comdias romnticas se apresentam, nesse sentido, enquanto produto que legitima esse cenrio, uma vez que demonstra a aceitao do padro esttico pelo pblico. Por outro lado, h de se considerar que o mesmo padro de qualidade um dos principais responsveis pelo atual momento do cinema brasileiro.O Padro Globo de cinema s pde surgir em um cenrio onde as polticas culturais favorecem projetos com o carter comercial. Os filmes brasileiros passaram a ser pensados para o pblico, ao invs de serem pensados para os especialistas. A Comdia Romntica Brasileira, bem como o Padro Globo de cinema, so, portanto, produtos da Indstria Cultural brasileira, mas no devem ser encarados unicamente como padres impostos de cima para baixo, mas sim como construdos historicamente, a partir de diversas influncias, que vo desde o teatro de revista, passando pelas chanchadas, pornochanchadas e, inclusive, pelos Centros Populares de Cultura, o teatro Opinio (BUTCHER, 2006, p.46), entre outras referncias. A esttica defendida pela Globo , antes de ser massiva popular. Ou no entender de Martim-Barbero (2003, p.169)A cultura de massa no aparece de repente, como uma ruptura que permita seu confronto com o popular. O massivo foi gerado lentamente a partir do popular. S um enorme estrabismo histrico e um potente etnocentrismo de classe que se nega a nomear o popular como cultura pde ocultar essa relao a ponto de no enxergar na cultura de massa seno um processo de vulgarizao e decadncia da cultura culta. A popularidade do padro Globo de cinema contribuiu para fazer com que os velhos preconceitos que recaam sobre a produo nacional fossem esquecidos. Os filmes brasileiros no so mais vistos como filmes de baixa qualidade tcnica, excesso de sexo e palavres etc., pelo Grande Pblico. H um clima de otimismo em relao ao futuro da produo cinematogrfica brasileira, e no h como se pensar nisso sem se pensar em uma relao harmoniosa entre cinema e televiso. Mas, relao harmoniosa no pode ser entendida como dominao tirnica de um meio sob o outro. A dominao da Globo Filmes atenta contra a diversidade do cinema nacional. Diversidade no apenas esttica, mas tambm de pontos de vistas e representaes sociais. Por tanto, se faz necessrio refletir sobre polticas culturais que prezem pela democratizao do cinema nacional. O que passa pelo entendimento dessa produo como um todo. Uma democratizao do cinema diz respeito diretamente a um enfrentamento ao monoplio das grandes emissoras de televiso do Brasil, ou seja, diz respeito a uma regulao efetiva da televiso brasileira. Alm disso, se faz necessrio pensar em mecanismos de descentralizao da produo audiovisual, criando espaos para o surgimento de novos artistas, vindos de diferentes cantos do Brasil, bem como diferentes lugares sociais, que tragam bagagens culturais diversas e propostas estticas inovadoras.

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