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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE BIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
Padrões espaciais e de atividade da cuíca
d’água Chironectes
minimus
em rios
de
Mata
Atlântica no sudeste do Brasil
Melina de Souza Leite
Orientador: Fernando Antonio dos Santos Fernandez
Dissertação apresentada ao Programa de Pós‐Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito para obtenção do título de Mestre em Ecologia.
2009
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i
BANCA EXAMINADORA
________________________________
Prof. Dr. Gonzalo Medina‐Vogel
(Universidad Andrés Bello)
________________________________
Prof. Dr. Marcus Vinícius Vieira
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
_______________________________
Prof. Dr. Fernando A. S. Fernandez
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Suplentes
_________________________________
Profa. Dra. Rosana Gentile
(Fundação Oswaldo Cruz)
_________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo de Viveiros Grelle
(Universidade Federal do Rio de Janeiro)
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ii
FICHA CATALOGRÁFICA
Leite, M. S.
Padrões espaciais e de atividade da cuíca d’água Chironectes minimus em rios de Mata Atlântica
no sudeste do Brasil.
Rio de Janeiro, 2009
xi + 81 p.
Dissertação (Mestrado em Ecologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,Departamento de
Ecologia, 2009.
1. Marsupiais
2. Organização espacial
3. Sistema de acasalamento
4. Extensão de uso
5. Ritmos circadianos
I. Fernandez, F. A. S. (orient.)
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro ‐ Departamento de Ecologia
III. Título
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iii
AGRADECIMENTOS
À minha família por todo apoio, incentivo, carinho e principalmente amor durante
todos os momentos da minha vida. A minha avó Julia por todo o amor e por suas histórias da
roça. A minha mãe, Elza, por acreditar em mim mesmo sem saber no que eu realmente
trabalho e o que eu tanto faço no “mato”. A minha irmã, Juliana, por todas as referências
como bióloga e irmã, de onde pude me espelhar e ser capaz de trilhar meus próprios passos.
Ao meu pai, Ary de Souza Leite, pelo amor que carrego comigo desde sua partida. Aos meus
irmãos mais velhos, Ariany, Allan, Ary, Augusto e Rodrigo que mesmo de longe sempre
amaram e cuidaram da irmã caçula.
Ao meu orientador, um rodentia efetivo, Fernando por acreditar em meu potencial e
entregar‐me o desafio de estudar o mais maravilhoso mamífero do mundo. Por me apoiar em
cada passo importante, me ajudando a seguir com minhas próprias pernas os tortuosos
caminhos do conhecimento.
Aos meus amigos mais queridos que já foram ou ainda são do Laboratório de Ecologia
e Conservação de Populações, Alexandra, Bruno, Camila, Clarissa, Daniela, Leandro, Maron,
Paula, Renato, Thiago, Verônica, por tudo que a gente fez, falou, trabalhou e curtiu dentro e
fora do laboratório.
Às novas paulistanas: Camila, pelas revisões de texto, caronas, saídas, fofocas e
mostrar que garra é um dos requisitos básicos para se ser ecólogo no Brasil; e Paula pelas
dicas, projetos, revisões e por me ensinar o penoso ofício de fazer radiotelemetria no campo.
Ao Maron por começar toda essa aventura junto comigo e não desistir nunca, não
desanimar e ir pra campo com toda empolgação e força sempre (He‐man!). Ao Thiago por ser
paciente, controlado, organizado e sistemático, sempre disposto a uma noite de rádio de puro
sufoco aos trancos e barrancos, e mesmo sendo ranzinza, taciturno e sorumbático eu gosto
muito da sua compania. À gauchinha Daniela, que chegou de pára‐quedas e bombacha na
capital fluminense, compartilhando comigo cada momento na difícil jornada de uma
mestranda em pleno caos carioca, me mostrando o lado bom das coisas (ou menos pior) e
acreditando que, mesmo não sendo nerd, a gente é boa nisso e consegue o que quer. À
Cristina pela linda amizade, compartilhando também dos sofrimentos e alegrias da pesquisa no
Brasil, por me permitir usar a estufa do seu laboratório e alugar um carro em seu nome para
eu ir a campo no desespero de uma Kombi quebrada.
À Lelê, por ser um exemplo de pesquisadora e um amor de pessoa, por ajudar nos
projetinhos de curso de campo com idéias criativas. Toda vez que a Lelê fala eu tenho vontade
de ter um gravador à mão! Por ser o meu lema: “quando eu crescer, quero ser igual a você!”.
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Aos amigos que desfrutaram de pelo menos uma noite de radiotelemetria buscando
bichos quase imaginários, caminhando (ou nadando) cambaleante, porém sem desistir, sobre
pedras, matacões, cachoeiras e poços fundos, seguindo uma louca correndo de vestes
estranhas e aparelho esquisito no pescoço e antena na mão: Maron, Thiago, Dane, Leandrão,
Bernardo Papi, Léo, Ana Fiorini, Verônica, Jerê, Gordon, Vinícius, Lara, Gabriel, Jorge, Jayme,
Renato, João, Igor, Bruno, Luiz Felipe e Pelotas. Aos muitos outros amigos que foram para uma
excursão de campo ajudar na armadilhagem e triagem dos animais. Por compartilharem das
aventuras e desaventuras, das conversas e jogos em noites claras ou de chuva forte no campo.
Às meninas do apertamento, Cintia, Janaína, Gabriela e por último, mas não menos
importante, Natália, por compartilharem o mesmo teto por quase seis anos, limpando (ou não)
a casa, se reunindo pra conversas sérias, conversas fora, festinhas e joguinhos. Por me
aturarem tanto em todos os momentos de perturbação, quando não estava no campo ou em
Tarituba. Aos amigos da vida que fazemos entre encontros e desencontros, por todo
aprendizado e carinho recebido.
Ao Franklin por me ensinar o mais simples e puro amor que se pode sentir. Por
acreditar em mim em todos os momentos da carreira e da vida, aturando as crises de estresse
e TPM, os nervosismos de momentos decisivos e dando toda força e motivação pra seguir em
frente. Também por me ajudar a ser menos nerd, fazer esportes e curtir a vida!
Ao pessoal da Fazenda Reserva Botânica Águas Claras, França, Silvino, Dona Maria,
Florentino, Gunga, Guila e muitos outros, por todo apoio, conversas, dicas de campo,
desatolamentos de Kombi e ajuda nos mais de 4 anos de convivência mensal. À proprietária da
Fazenda, Cecília Amorim, e sua família por confiarem em nós e nos acolherem em sua casa,
nos dando todo suporte necessário e acreditar em nossos estudos.
À querida Gabriela Labouriau que trouxe com todo carinho meus colares de Nova
Iorque pro Rio de Janeiro. Meus sinceros agradecimentos à família Labouriau, tio Ivan, tia Lucy
e Luciana, que me acolheram no Rio da melhor maneira para que eu pudesse estudar.
Aos órgãos financiadores: CNPq pela bolsa de iniciação científica (PIBIC) e de
mestrado; CEPEF‐IC por dar suporte financeiro nos início do projeto; Idea Wild por financiar
colares radiotransmissores; e em especial à Fundação O Boticário de Proteção à Natureza por
acreditar em nossos trabalhos e apoiar por quatro anos consecutivos os projetos
desenvolvidos para a elaboração desta dissertação e de muitos outros estudos do LECP. À
Associação Mico‐Leão Dourado pelo apoio logístico no início do projeto e pela disposição em
sempre poder colaborar. Ao Peter Laver pela ajuda como o programa ABODE, criado pelo
próprio, e pela ajuda nas análises dos dados de padrões espaciais.
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Ao Programa de Pós‐Graduação em Ecologia, seus coordenadores, professores e
secretárias pela dedicação em fazer um dos melhores programas de pós‐graduação do Brasil,
do qual me orgulho de fazer parte.
Por fim, mas não menos importante, ao mais maravilhoso e único marsupial semi‐
aquático do mundo, ser possuidor de adaptações únicas e fantásticas, capaz de motivar
pesquisadores loucos por desafios e em busca das descobertas mais interessantes na ciência.
Quem será??
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RESUMO
Os padrões espaciais e de atividade da cuíca d’água Chironectes minimus foram estudados
usando radiotelemetria e captura‐marcação‐recaptura, em rios de Mata Atlântica do sudeste
do Brasil. Este estudo teve o objetivo de entender: (1) a organização espacial; (2) o sistema de
acasalamento; (3) os padrões de atividade diária da espécie e (4) compará‐los com outros
marsupiais e com outros mamíferos semi‐aquáticos. Entre outubro de 2004 e outubro de 2008
foram realizadas 45 sessões de captura e 15 indivíduos foram monitorados com radiocolares
na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. A razão sexual da população capturada foi
fortemente desviada para machos. Machos foram cerca de 30% mais pesados e apresentaram
extensões de uso de rio cerca de três vezes maior (amplitude 2580 – 7700 m) do que fêmeas
(amplitude 870 – 2460 m). Houve alta sobreposição de extensões de uso entre os indivíduos
(mediana, mínimo ‐ máximo: 53, 8 – 100%), com exceção das fêmeas que apresentaram
extensões de uso aparentemente exclusivas em relação a outras fêmeas. Ambos os sexos
percorriam cerca de 30% da extensão de uso por noite. Este padrão está de acordo com as
distâncias médias calculadas entre tocas subseqüentes. Em geral, a cuíca d’água apresentou
um padrão unimodal de atividade noturna, com um pico de atividade nas primeiras horas após
o pôr do sol, entretanto houve grande variação individual. Machos e fêmeas não diferiram
quanto à duração da atividade por noite (machos 299 ± 137 minutos; fêmeas 232 ± 75,6
minutos). A duração da noite influenciou positivamente a duração da atividade dos animais. O
horário de início de atividade das fêmeas foi positivamente correlacionado com o horário de
pôr do sol, o mesmo não ocorreu para machos. O horário de fim de atividade não foi
correlacionado com o horário de nascer do sol para nenhum dos sexos. Os padrões espaciais
observados, o dimorfismo sexual e o desvio na razão sexual da população sugerem um sistema
de acasalamento poligínico ou promíscuo para a cuíca d’água. As diferenças ecológicas e
comportamentais encontradas entre os sexos, tanto no que diz respeito ao uso do espaço
quanto do tempo, podem ser atribuídas às estratégias reprodutivas distintas para cada sexo. A
maioria dos marsupiais neotropicais previamente estudados apresenta padrões espaciais e de
atividade semelhantes aos resultados encontrados para a cuíca d’água. Sendo assim, conclui‐
se que as semelhanças nos padrões espaciais e de atividade exibidos pelos marsupiais
neotropicais provavelmente ocorrem devido às restrições filogenéticas moldadas por ritmos
endógenos.
PALAVRAS‐
CHAVE: marsupiais, organização espacial, sistema de acasalamento, extensão de uso, horário de atividade.
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vii
ABSTRACT
Spatial and activity patterns of the water opossum Chironectes minimus were studied by
radiotracking and capture‐mark‐recapture, in Atlantic Forest streams, southeastern Brazil. This
study aimed to understand: (1) the species’ spatial organization; (2) mating system; (3) daily
activity pattern and (4) comparing it with others marsupials and semi‐aquatic mammals.
Between October 2004 and October 2008, 45 capture sessions were conducted and 15
individuals were radiotracked in Águas Claras basin, Silva Jardim, Rio de Janeiro state.
Captured population sex ratio was strongly male biased. Males were 30% heavier and showed
home length about three times longer (2580‐7700 m) than females (870 – 2460 m). There was
high home length overlap between individuals (median, minimum – maximum: 53, 8 – 100%),
with exception of females that apparently showed exclusive home lengths in relation to other
females. Both sexes traveled about 30% of its home length per nigth, and it was consistent
with the mean distance between adjacent dens. In general, the water opossum showed a
nocturnal unimodal activity pattern, with an activity peak in the first hours of the night,
however there were high individual variation. There was no sexual differences as to the
activity length per night (males 299 ± 137 minutes; females 232 ± 75.6 minutes). Night length
positively influenced animals activity length. Activity beginning for females was positively
correlated with sunset, unlike males. Activity ending was not correlated with sunrise for
neither sexes. Spatial patterns, sexual dimorphism and biased sex ratio suggest a poliginic or
promiscuous mating system. Thus, ecological and behavioral differences found between sexes
in the use of space and time can be attributed to distinct reproductive strategies by each sex.
The most of neotropical marsupial every studied show spatial and activity pattern similar to
thw water opossum. Thereby, the similarities between marsupials ecology probably are
atributed to philogenetic constraints shaped by endogen rhytms.
KEYWORDS: marsupials, spatial organization, mating system, home length, activity rhytms.
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viii
Í NDICE GERAL
AGRADECIMENTOS iii
RESUMO vi
ABSTRACT vii
Í NDICE DE TABELAS ix
Í NDICE DE FIGURAS x
INTRODUÇÃO GERAL 1
ÁREA DE ESTUDO 5
MÉTODOS GERAIS 7
CAPÍTULO I – Organização espacial e sistema de acasalamento da cuíca d’água Chironectes
minimus em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil
1.1 – INTRODUÇÃO 11
1.2 – MÉTODOS 14
1.3 – RESULTADOS 20
1.4 – DISCUSSÃO 29
CAPÍTULO II – Padrões de atividade da cuíca d’água Chironectes minimus em rios de Mata
Atlântica no sudeste do Brasil.
1.1 – INTRODUÇÃO 40
1.2 – MÉTODOS 42
1.3 – RESULTADOS 44
1.4 – DISCUSSÃO 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS 56
CONCLUSÕES 60
REFERÊNCIAS 61
ANEXOS 76
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ix
Í NDICE DE TABELAS
CAPÍTULO I
TABELA I.1 21
Resultados do monitoramento de nove cuícas d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras,
Silva Jardim, RJ. As informações fornecidas são: sexo, massa corporal, período de monitoramento,
número de localizações consideradas para as análises, estimativas de extensão de uso por comprimento
total entre localizações extremas (CT) e kernel unidimensional (K‐UNI), CT por noite, proporção do CT
usada a cada noite, extensão núcleo e proporção do K‐UNI que a extensão‐núcleo representa.
TABELA I.2 26
A ‐ Sobreposição de extensão de uso (CT e K‐UNI) e extensão‐núcleo (E‐NÚCLEO) entre pares de
indivíduos da cuíca d’água Chironectes minimus
monitorados num mesmo período na bacia do rio Águas
Claras, Silva Jardim, RJ. B ‐ Mediana (mínimo – máximo) da porcentagem de sobreposição entre um
indivíduo do sexo na linha com outro indivíduo do sexo na coluna. Letras diferentes apontam diferenças
significativas (P
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x
Í NDICE DE FIGURAS
ÁREA DE ESTUDO
FIGURA 1 3
A cuíca d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ.
FIGURA 2 6
Localização da área de estudo no município de Silva Jardim, estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil.
Em destaque, porção média da bacia do rio Águas Claras mostrando os rios e alguns pequenos tributários
(linhas de menor espessura) utilizados pela cuíca d’água Chironectes minimus. Em negrito está a área de
cobertura da grade de armadilhagem. A área hachurada indica um pequeno pântano. As setas negras
indicam quedas d’água naturais de pelo menos 5 m de altura e a seta cinza indica uma represa desativada
de 3 m de altura. Coordenadas na projeção Universal Transverse Mercator (UTM).
CAPÍTULO I
FIGURA I.1 16
Método de delineamento de áreas núcleo segundo Powell (2000). Áreas núcleo (linha côncava) são
delimitadas quando a densidade de probabilidade é maior do que esperado para uma distribuição
aleatória (linha reta) ou uniforme (linha convexa). Modificado de Laver (2005b).
FIGURA I.2 22
Análise das assíntotas utilizando os estimadores CT (A) e K‐UNI (B) e o número de localizações para as
nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. CT –
comprimento total entre localizações extremas. K‐UNI – kernel unidimensional (ver métodos). Cada curva
refere=se a um indivíduo monitorado, cujos nomes estão citados na legenda da figura A. Os indivíduos
Robin e Panqueca estão representados por duas curvas, cada qual referente a um ano de
monitoramento.
FIGURA I.3 24
Fidelidade à extensão de uso para dois indivíduos da cuíca d’água Chironectes minimus monitorados por
dois anos na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. As linhas negras representam as sobreposições
entre os anos através das estimativas de CT. A – Robin; os círculos contínuos representam as estimativas do kernel para o ano de 2005 e os pontilhados o ano de 2007. B – Panqueca; os círculos contínuos
representam as estimativas de kernel para o ano de 2006 e os pontilhados o ano de 2007.
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CAPÍTULO II
FIGURA II.1 45
Correlação entre o horário de início de atividade e o horário de pôr do sol da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Círculos em negrito indicam fêmeas (n = 13) e
círculos em cinza indicam machos (n = 32). Linha contínua em negrito: reta de melhor ajuste para fêmeas
em ambas as estações (rs = 0,705 n =13 , P = 0,007). Linha pontilhada em negrito: reta de melhor ajuste
para machos apenas na estação chuvosa (rs = 0,664, n = 11, P = 0,025). A linha pontilhada cinza marca o
horário do pôr do sol; pontos acima dela indicam início de atividade após do pôr do sol. Acima estão
marcados os intervalos de horários de pôr do sol nas estações seca e chuvosa.
Figura II.2 46
Correlação entre o horário de fim de atividade e o horário de pôr do sol da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Círculos em negrito indicam fêmeas (n = 14) e
círculos em cinza indicam machos (n = 17). A linha pontilhada cinza marca o horário do nascer do sol,
pontos acima dela indicam fim de atividade após do nascer do sol.
Figura II.3 47
Proporção de localizações ativas em cada período da noite de seis indivíduos da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. a ‐ c machos; d ‐ e fêmeas.
Figura II.4 48
Medianas das proporções de localizações ativas em cada período da noite entre machos (n=7) e fêmeas
(n=3) da cuíca d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. As barras
representam o 3º quartil. As proporções de localizações ativas diferiram entre os sexos (G = 20,9, g.l. = 2,
P = 0,0001), mas somente na segunda parte da noite (U = 1,5, P = 0,04).
Figura II.5 49
Regressão linear parcial entre a duração da noite e a duração da atividade da cuíca d’água Chironectes
minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. R²adj = 0,59, F2,8 = 7,495, P = 0,01.
ANEXOS
Anexo 1 75
Extensões de uso por CT (linhas em negrito) e K‐UNI (contorno externo), extensões‐núcleo (contorno interno), e locais de tocas (pontos brancos) de nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na
bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ.
Anexo 2 80
Curvas de delineamento da área‐núcleo para nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na
bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. Métodos segundo Powell (2000), na qual as linhas côncavas
representam a relação entre a máxima probabilidade de uso da área de vida e a porcentagem da área de
vida. As áreas‐núcleo são delineadas quando a curva apresentar um coeficiente angular igual a ‐1 (ver
métodos do Capítulo I).
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INTRODUÇÃO GERAL
A organização dos animais no espaço e no tempo tem sido uma das principais
preocupações das ciências Ecologia, Biologia Evolutiva e mais atualmente da Biologia da
Conservação. Um dos aspectos de interesse é a área de vida, definida como a área usada por
um organismo durante suas atividades normais, como forrageamento, reprodução e cuidado
com a prole (Burt 1943). O conhecimento do tamanho, forma e padrão de utilização da área de
vida de um animal é particularmente importante para estudos relacionados com dinâmica
populacional, sistema de acasalamento, forrageamento, seleção de habitat, distribuição de
recursos e interações ecológicas (Harris et al. 1990, Kernohan et al. 2001). Tal conhecimento é
também uma importante ferramenta para o manejo e conservação das espécies. Apesar da
natureza fundamental da área de vida para a biologia das espécies, determinar os aspectos de
seu tamanho e estrutura ainda é uma tarefa difícil para certos grupos animais, como é o caso
dos mamíferos semi‐aquáticos. Para estes animais de difícil captura e hábitos discretos, a
radiotelemetria se tornou uma ferramenta muito útil para coletar dados sistematicamente
sobre seu comportamento e características de seu uso do espaço e tempo.
O formato da área de vida de um animal é fortemente influenciado pelo tipo e forma
do habitat, como também pelo comportamento da espécie no habitat. De acordo com estas
características, um animal pode possuir uma área de vida relativamente unidimensional,
quando o comprimento do habitat é bem maior do que a largura, bidimensional, ou até
mesmo tridimensional, quando se considera a estratificação vertical em animais voadores,
arborícolas, escansoriais ou aquáticos. A unidimensionalidade do habitat e, conseqüentemente
da área de vida, é particularmente importante para as espécies de mamíferos semi‐aquáticos
que vivem em rios, costa de estuários e lagos. Entretanto, esta conformação relativamente
linear da área de vida limita o número de técnicas que podem ser empregadas para as
estimativas unidimensionais de área de vida (extensão de uso), já que quase todos os
estimadores até hoje propostos são bi‐dimensionais.
O conhecimento da distribuição espacial dos indivíduos na população, o grau de
interação entre eles e a existência de territorialidade são informações imprescindíveis para o
entendimento do sistema de organização social e acasalamento de uma população (Hixon
1987, Ostfeld 1990, Maher & Lott 1995). Para mamíferos, as relações entre os padrões de
organização espacial e social resultaram em modelos que predizem o sistema de acasalamento
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Introdução geral
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de acordo com as diferenças de uso do espaço entre machos e fêmeas na população (Hixon
1987, Ims 1987, Ostfeld 1985, 1990). Segundo Emlen & Oring (1977), dependendo do grau de
monopolização de parceiros sexuais, o sistema de acasalamento em uma população pode ser:
monogâmico, quando nenhum dos sexos tem oportunidade de monopolização de membros adicionais do sexo oposto; poligínico, quando machos freqüentemente controlam ou têm
acesso a múltiplas fêmeas; poliândrico, quando fêmeas freqüentemente controlam ou têm
acesso a múltiplos machos; e promíscuo, quando ambos os sexos têm acesso a múltiplos
parceiros sexuais.
Assim como é importante saber onde o animal está e como ele se relaciona com o
espaço, não se pode deixar de entender uma importante dimensão do nicho ecológico, a
alocação do tempo para as atividades e descanso. Determinar os padrões de atividade das
espécies em vida livre é tão importante para a história natural das espécies como para o
manejo e desenvolvimento de projetos de pesquisas. Tais padrões geralmente seguem uma
periodicidade circadiana nos mamíferos (Bartnes & Albers 2000) e claramente possuem valor
adaptativo porque eles permitem aos organismos antecipar mudanças periódicas (Aschoff
1966, Enright 1970). Os ritmos de atividade resultam de complexos trade‐offs entre o tempo
de forrageamento ótimo, a ecologia social, as interações competitivas e de predador‐presa,
restrições ambientais e fisiológicas e requerimento de energia. O uso da radiotelemetria
também permitiu avanços nos estudos de padrões de atividade, principalmente para espécies
pequenas, crípticas e noturnas. Esse é o caso da cuíca d’água Chironectes minimus, onde
apenas recentemente aspectos de sua ecologia puderam ser estudados (Galliez et al. 2009).
A cuíca d’água é o único marsupial semi‐aquático do mundo (Marshall 1978) (Fig. 1) e
habita principalmente rios de montanha desde o norte da Argentina até o sul do México
(Nowak 1991). É uma espécie noturna, de hábitos discretos e com diversas adaptações ao
modo de vida anfíbio, tais como: corpo fusiforme, patas traseiras com grandes membranas interdigitais, pêlo denso e impermeável e grande quantidade de vibrissas (Marshall 1978,
Nowak 1991, Fernandez et al. 2007). A cuíca d’água parece utilizar principalmente rios paras
suas atividades de locomoção e alimentação (Galliez et al. 2009). Os primeiros dados
ecológicos consistentes sobre a espécie apontam para um sistema de acasalamento poligínico
ou promíscuo, pois há diferenças sexuais marcantes na forma de uso do espaço (Galliez et al.
2009). Fêmeas aparentam ser territorialistas com áreas de vida pequenas, enquanto machos
possuem áreas de vida muito maiores e não exclusivas (Galliez et al. 2009). Quanto aos seus
padrões de atividade diária, a cuíca d’água parece concentrar suas atividades no início da noite
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Introdução geral
3
(Zetek 1930, Mondolfi & Padilha 1958), sendo que machos estendem suas atividades para a
segunda metade da noite enquanto fêmeas restringem‐se à primeira metade (Galliez et al.
2009).
Figura 1. A cuíca d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ.
Este estudo teve por objetivo compreender de maneira mais aprofundada os padrões
espaciais e temporais da cuíca d’água em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil através
das técnicas de radiotelemetria e de captura‐marcação‐recaptura. O conhecimento gerado
neste estudo, além de contribuir para a história natural, é particularmente destinado a
utilização para o manejo e conservação da espécie. A cuíca d’água é considerada rara ao longo
de sua distribuição (Emmons & Feer 1997) e encontra‐se em diversas listas de espécies
ameaçadas no Brasil (SEMA 1998, Bergallo et al. 2000, Marques et al. 2002, Fundação
Biodiversitas 2003, Mikich & Bérnis 2004), principalmente por falta de dados ou ameaças ao
habitat. Segundo Galliez et al. (2009), as principais ameaças à espécie são a degradação dos
rios e matas ciliares, que pode impedir a dispersão dos indivíduos e o fluxo gênico entre
populações, acelerando as taxas de extinção, assim como ocorre com a fragmentação de
ecossistemas terrestres. Outros riscos para a cuíca d’água são a poluição e a eutrofização dos
rios e a introdução de espécies exóticas, processos já comuns no Brasil (Agostinho et al. 2005).
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Introdução geral
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Por se tratar de uma espécie semi‐aquática restrita a rios, os padrões espaciais da
cuíca d’água foram calculados por estimativas unidimensionais (extensão de uso) a fim de
produzir estimativas mais acuradas e comparáveis entre estudos. Os ritmos de atividade foram
descritos e comparados aos padrões unimodal, uniforme ou arrítmico. Devido à possível
existência de um sistema de acasalamento poligínico ou promíscuo (Galliez et al. 2009), os
sexos foram comparados em quase todos os parâmetros analisados, a fim de compreender
melhor as diferenças sexuais na organização espacial e temporal da espécie. Adicionalmente,
foram descritos aspectos comportamentais observados oportunisticamente durante o
monitoramento dos animais. Por fim, foram feitas comparações dos resultados encontrados
com outras espécies de mamíferos semi‐aquáticos e marsupiais neotropicais. Estas
comparações buscaram compreender a influência das convergências adaptativas ao ambiente
e das restrições filogenéticas moldando a ecologia da espécie. A cuíca d’água pode apresentar
padrões espaciais e de atividade mais semelhantes aos mamíferos semi‐aquáticos,
independente de sua ancestralidade filogenética, decorrentes das adaptações ao modo de
vida. Alternativamente, a cuíca d’água pode apresentar padrões semelhantes a outros
marsupiais neotropicais, indicando um predomínio das restrições filogenéticas sobre sua
ecologia.
A presente dissertação encontra‐se dividida em dois capítulos, cada qual abordando
subtemas da ecologia da espécie. O primeiro capítulo trata da organização espacial e do
sistema de acasalamento da cuíca d’água. O segundo capítulo discorre sobre os padrões de
atividade da espécie. Por fim, encontram‐se as conclusões sobre os aspectos da ecologia da
espécie abordados nos dois capítulos.
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5
ÁREA DE ESTUDO
O presente estudo foi conduzido na bacia do rio Águas Claras (22° 30’S; 42° 30’O),
situada no município de Silva Jardim, estado do Rio de Janeiro, Brasil (Fig. 2). A bacia do rio
Águas Claras deságua no médio curso do rio São João, o qual se caracteriza por ser um dos
principais cursos d’água da região sudeste do estado (Bidegain & Völcker 2003). A região é
fortemente influenciada pelas cadeias de montanhas circundantes, as quais atingem elevação
máxima de cerca de 1000 m acima do nível do mar (Mantovani 1997). O clima é classificado
como tropical úmido e quente. Entre 1968 e 2008, a média mensal da precipitação (± desvio
padrão) variou entre 104,2 ± 50,5 mm na estação seca (abril a setembro), e 272,6 ± 74,1 mm
na estação chuvosa (outubro a março; Fonte: Agência Nacional das Águas). A temperatura
média mensal varia entre 19°C no inverno e 25°C no verão (Mantovani 1997). A vegetação é
classificada como floresta ombrófila densa submontana, e atualmente inclui porções de
vegetação secundária e remanescentes da floresta original (Mantovani 1997).
O rio Águas Claras nasce no Parque Estadual dos Três Picos a 800 m de altitude,
percorrendo uma extensão de 10,3 km até desembocar no rio São João (Bidegain & Völcker
2003). Este rio possui oito tributários principais (Bidegain & Völcker 2003), dentre os quais os
rios Floresta, Dona Rosa, Maria Antônia, Jordão e Canoa Podre. Seu curso superior e médio
ainda possui condições bem conservadas, com substrato pedregoso e a presença de
corredeiras, remansos e ocasionalmente poços profundos (Bidegain & Völcker 2003). Próximo
à foz do rio Dona Rosa existe uma represa desativada de cerca de 3 m de altura. O curso
inferior do rio Águas Claras, depois da confluência com o rio Floresta, flui através de campos
de agricultura e pasto e sofreu retificações entre as décadas de 1950 e 1980 (Bidegain &
Völcker 2003). Nesta parte do rio o substrato é arenoso, as águas são calmas e rasas, e há
trechos sem mata ciliar. Atualmente ainda existe extração ilegal de areia e pedras para
construção civil. O trecho estudado do rio Águas Claras – final do curso superior, curso médio e
início do curso inferior – possui largura média de 10 m e profundidade média de 0,4 m.
Os rios Floresta e Dona Rosa são tributários do trecho médio do rio Águas Claras e são
bem preservados, com poucas áreas sem mata ciliar; consistem de corredeiras e remansos
com substrato pedregoso. Ao longo do rio Floresta existe uma seqüência de três cachoeiras de
até 12 m de altura. O trecho estudado do rio Floresta – curso médio e inferior – possui largura
média de 7 m e profundidade média e 0,4 m. O curso médio e inferior do rio Dona Rosa possui
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Área de estudo
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largura média de 4 m e profundidade média de 0,3 m. Os rios Maria Antônia e Jordão são
tributários do trecho superior do rio Águas Claras e possuem características bem conservadas
tanto no leito de substrato pedregoso quanto nas margens de mata ciliar. A largura média do
trecho inferior do rio Maria Antônia é de 5,5 m e do rio Jordão de 4,5 m, sendo as profundidades médias 0,4 e 0,3 m, respectivamente. O rio Canoa Podre desemboca no trecho
inferior do rio Águas Claras, entre campos de pastagem e agricultura. Possui substrato
pedregoso com áreas de remanso e corredeira ao longo de todo seu curso, entretanto
apresenta trechos da margem sem mata ciliar, sua profundidade média é de 0,3 m e largura
média de 4 m. Todos os rios da bacia são abastecidos por pequenos tributários permanentes e
sazonais de até 1,5 m de largura, e 0,2 m de profundidade, de substrato arenoso e pedregoso.
Figura 2. Localização da área de estudo no município de Silva Jardim, estado do Rio de Janeiro, sudeste do Brasil.
Em destaque, porção média da bacia do rio Águas Claras mostrando os rios e alguns pequenos tributários (linhas de
menor espessura) utilizados pela cuíca d’água Chironectes minimus. Em negrito está a área de cobertura da grade
de armadilhagem. A área hachurada indica um pequeno pântano. As setas negras indicam quedas d’água naturais
de pelo menos 5 m de altura e a seta cinza indica uma represa desativada de 3 m de altura. Coordenadas na
projeção Universal Transverse Mercator (UTM).
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MÉTODOS GERAIS
Métodos de captura – Sessões de captura de cinco noites de duração foram realizadas
mensalmente entre outubro de 2004 e outubro de 2008, exceto em novembro de 2004,
março, novembro e dezembro de 2006. As áreas amostradas incluíram um trecho do rio Águas
Claras e três pequenos tributários, um trecho do rio Floresta e dois pequenos tributários e um
trecho do rio Dona Rosa (Fig. 1). As estações de armadilhagem eram posicionadas em locais
favoráveis para maximizar o sucesso de captura. As distâncias entre estações consecutivas
variaram entre 20 e 200 m. Cada estação possuía de uma a três armadilhas dependendo da
largura do rio. De acordo com o desenho amostral, foram posicionadas de 10 a 120 armadilhas
em diferentes trechos do rio em cada sessão de captura, totalizando 4.931 armadilhas x noite.
Seguindo o método desenvolvido por Bressiani & Graipel (2008), armadilhas de arame
de captura viva de dupla entrada (Gabrisa Ltda., Cafelândia, Brasil, 90,0 x 21,0 x 21,0 cm;
Tomahawk Live Trap Co., Tomahawk, Wisconsin, EUA, 96,6 x 15,2 x 15,2 cm e 81,3 x 22,9 x
22,9 cm) foram posicionadas sobre barreiras formadas por pedras e galhos dentro dos rios de
maneira que o pedal ficasse fora da água. A barreira era formada de modo a direcionar o fluxo
d’água através da armadilha, induzindo o animal a entrar na armadilha enquanto nadava. Após
cada sessão de captura, as armadilhas eram removidas e as barreiras desmanchadas. Até
março de 2006, não foram usadas iscas nas armadilhas. Em abril e maio de 2006, as armadilhas
foram iscadas com bacon e frutas, e de junho de 2006 até o fim do estudo foram utilizados
camarões (Litopenaeus vannamei ) ou peixes (Engraulidae) como isca.
Animais capturados foram marcados individualmente usando brincos numerados
(modelo 1005‐1, National Band and Tag Co., Newport, Kentucky, EUA). Para cada indivíduo
capturado, foram registradas a estação de captura, sexo, condição reprodutiva (filhotes no
marsúpio ou tetas inchadas para fêmeas, posição dos testículos para machos), medidas
corporais (massa e comprimento da cauda), e idade (seqüência de erupção dentária). Como o
padrão de erupção dentária para a cuíca d’água não é bem conhecido, a identificação da idade
dos animais baseou‐se na classificação proposta por Rocha (2000) para Didelphis e Philander ,
dois gêneros filogeneticamente próximos a Chironectes (Jansa & Voss 2000). Após a triagem os
animais foram imediatamente soltos no mesmo local de captura.
Radiotelemetria
–
Indivíduos adultos capturados foram equipados com um radiocolar com sensor de atividade (SOM‐2380A, Wildlife Materials, Inc., Murphysboro, Illinois, EUA; ou
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Métodos gerais
8
TXE‐207C, Telenax, Playa del Carmen, México). Os radiotransmissores pesavam
aproximadamente 15 g, correspondendo a até 5% da massa do animal, como recomendado
por Jacob & Rudran (2003). Não foram observados efeitos adversos óbvios do radiocolar nos
animais monitorados.
Os animais foram monitorados durante a noite, utilizando a técnica “homing‐in on the
animal” com um receptor TR‐4 e uma antena RA‐14k (Telonics, Inc., Mesa, Arizona, EUA). Esta
técnica consiste em seguir o sinal do transmissor até a obtenção de contato visual do animal
monitorado (White & Garrot 1990), ou quando é possível ouvir o sinal do radiocolar com a
antena desconectada do receptor (Lira et al. 2007). Para diminuir os problemas de
autocorrelação dos dados, localizações sucessivas do mesmo indivíduo foram tiradas com pelo
menos 1 h de intervalo (Linders et al. 2004, Endries & Adler 2005), o qual é considerado tempo
suficiente para um indivíduo atravessar toda a extensão de sua área de vida. As localizações
foram registradas com um aparelho de sistema de posicionamento global portátil (GPS Garmin
12; Olathe, Kansas, EUA), com base em referências geográficas (coordenadas na projeção
Universal Transverse Mercator – UTM). Os erros das localizações foram calculados através da
distância média à qual os indivíduos localizados eram avistados. Em 67 avistamentos durante
as sessões de monitoramento, o animal encontrava‐se a até 15 m de distância do observador.
Cada sessão de monitoramento iniciava‐se quando o animal deixava a toca,
normalmente depois do pôr do sol, e terminava apenas ao nascer do sol no dia seguinte, com
o animal já de volta a uma toca. Localizações diurnas foram obtidas para verificar possíveis
atividades diurnas e para localização de tocas. A atividade dos indivíduos foi detectada através
da flutuação da intensidade do sinal do radiocolar. Todo o protocolo de captura, triagem e
monitoramento do animal foi aprovado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA‐SISBIO, processo número: 12425‐1).
Análise dos dados – Todos os teste estatísticos seguiram Zar (1999) e foram calculados
utilizando os programas BioEstat 5.0 (Ayres et al. 2008) e Statistica 7.0 (StatSoft, Inc., Tulsa,
Oklahoma, EUA). A normalidade dos dados foi testada com o teste de Shapiro‐Wilk e através
de análises gráficas dos resíduos segundo Gotelli & Ellison (2004). A homogeneidade das
variâncias foi testada com o teste de Levene. Os resultados dos testes paramétricos são
apresentados como média ± desvio padrão. Para os dados que violaram as premissas acima
descritas, foram utilizados testes não paramétricos e os resultados são apresentados como
mediana, valor mínimo – valor máximo. Nos testes em que cada indivíduo monitorado foi
considerado uma amostra, a mediana dos valores foi calculada para cada indivíduo. Esta
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Métodos gerais
9
medida foi tomada devido ao baixo tamanho amostral de alguns indivíduos e ao fato de que os
resultados em minutos não estão estritamente em escala contínua, para testes analisando
duração da atividade. O nível de significância considerado foi de α = 0,05. Os valores de P
apresentados são bicaudais, exceto aqueles onde há uma predição direcional para comparação
dos grupos, por exemplo, em alguns testes comparando machos e fêmeas.
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CAPÍTULO I
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL E SISTEMA DE ACASALAMENTO
DA CUÍCA D’ÁGUA C HIRONECTES MINIMUS EM RIOS DE
MATA ATLÂNTICA NO SUDESTE DO BRASIL
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INTRODUÇÃO
A organização dos animais no espaço descreve a maneira pela qual os indivíduos
dentro de uma população se distribuem na paisagem, incluindo a manutenção de áreas‐
núcleo, áreas de vida e territórios (Mares & Lacher 1987). Tal organização é resultado de
táticas adotadas pelos indivíduos para sobreviver e maximizar o sucesso reprodutivo (Sandell
1989 apud Belcher & Darrant 2004). O uso de tocas é também um importante aspecto do uso
do espaço pelos animais e pode prover informações sobre o grau de sociabilidade (Brock &
Kelt 2004), sistema de acasalamento (Endries & Adler 2005) e preferências de habitat da
espécie (Shibata et al. 2004). Tal padrão de distribuição espacial fornece informações
imprescindíveis para o entendimento do sistema de organização social e acasalamento de uma
população (Hixon 1987, Ostfeld 1990, Maher & Lott 1995). Dentre os mamíferos, as fêmeas
são tipicamente encarregadas de grande parte do cuidado parental, o que resulta no uso
diferencial do espaço entre os sexos (Trivers 1972, Emlen & Oring 1977, Clutton‐Brock 2007,
2009).
Os modelos para pequenos mamíferos que relacionam a organização espacial com a
social (Ostfeld 1985, Hixon 1987, Ims 1987, Ostfeld 1990) predizem que o uso do espaço por fêmeas reflete a abundância, distribuição, taxa de reposição dos recursos e proteção da prole
(Wolff 1993), o que pode levar à territorialidade intrasexual (Ostfeld 1990, Wolff 1993). Já o
uso do espaço por machos reflete uma estratégia de maximizar o acesso às fêmeas, que vai
depender da distribuição e uso do espaço pelas fêmeas (Ostfeld 1990). Machos podem
apresentar territorialidade se a distribuição de fêmeas é agrupada, ou ausência de
territorialidade se distribuição de fêmeas é uniforme (territorial) (Ostfeld 1990). Portanto, a
existência ou não de territorialidade intrassexual pode permitir entender os sistemas de
organização social e, por conseguinte, o sistema de acasalamento da espécie.
Diversos são os fatores que determinam o tamanho da área de vida dos animais
(Harestad & Bunnell 1979, Damuth 1981, Bergallo 1990, Kelt & van Vuren 2001), tais como:
tamanho corporal, taxas metabólicas, disponibilidade, densidade e distribuição de recursos,
dieta, estrutura social e densidade populacional. A massa corporal tem sido considerada uma
das principais causas de variações interespecíficas no tamanho da área de vida entre
mamíferos (McNab 1963, Harestad & Bunnell 1979, Swihart et al. 1988, Kelt & van vuren
2001). Por conseguinte, diferenças marcantes de tamanho corporal entre machos e fêmeas
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Capítulo I ‐ Introdução
12
(dimorfismo sexual) podem atuar como fatores que diferenciam os padrões espaciais entre os
sexos de uma mesma espécie (Fisher & Owens 2000, Marcelli et al. 2003). O dimorfismo sexual
é supostamente causado pela especialização em diferentes presas para evitar competição
intersexual ou por diferenças na estratégia reprodutiva entre os sexos (Erlinge 1979, Moors 1980). Em mamíferos, o dimorfismo sexual desviado para machos é geralmente associado à
seleção sexual atuando na competição por fêmeas em sistemas poligínicos ou promíscuos
(Wilson & Pianka 1963, Erlinge 1979, Moors 1980). Dessa forma, em espécies onde haja
dimorfismo sexual marcante, os sexos devem possuir diferenças na forma de uso do espaço
não só devido ao sistema de acasalamento, mas também devido a diferenças ecológicas e
comportamentais (Erlinge 1979, Moors 1980, Marcelli et al. 2003 Isaac 2005).
Poucos estudos já foram feitos com marsupiais neotropicais e seus padrões de uso do
espaço. O padrão geralmente encontrado prediz que machos se movimentam mais e possuem
áreas de vida não exclusivas e maiores do que fêmeas, enquanto fêmeas são geralmente
territoriais com pequena área de vida (Lay 1942, Fleming 1972, Gillette 1980, Sunquist et al.
1987, Ryser 1992, Grelle 1996, Pires & Fernandez 1999, Cáceres & Monteiro‐Filho 2001,
Cáceres 2003, Moraes Jr & Chiarello 2005, Galliez et al. 2009). Este modelo de organização
espacial indica um sistema de acasalamento poligínico, no qual um macho tem acesso a várias
fêmeas, ou promíscuo, no qual ambos os sexos têm acesso a mais de um parceiro sexual.
Entretanto, há relatos na literatura de ausência de territorialidade em marsupiais tanto inter
quanto intrasexualmente (Holmes & Sanderson 1965, Hunsaker 1977 apud Cáceres &
Monteiro‐Filho 2001, Charles‐Domininque 1983, Julien‐Laferrière 1995, Gentile et al. 1997),
levando alguns autores a acreditarem que a ausência de territorialidade possa ser uma regra
em marsupiais neotropicais (Charles‐Dominique 1983, Julien‐Laferrière 1995).
O objetivo deste capítulo foi entender o padrão de organização espacial e o sistema de
acasalamento da cuíca d’água em rios de Mata Atlântica no sudeste do Brasil, com a utilização das técnicas de radiotelemetria e de captura‐marcação‐recaptura. Baseado no escasso
conhecimento ecológico existente para a espécie (Mondolfi & Padilha 1958, Marshall 1978,
Nowak 1991, Galliez et al. 2009), e nos modelos de organização espacial descritos para
pequenos mamíferos (Ostfeld 1985, Hixon 1987, Ims 1987, Ostfeld 1990), testou‐se a hipótese
de um sistema de acasalamento poligínico ou promíscuo para a cuíca d’água formulando‐se as
seguintes predições. (1) Machos devem possuir maior massa que fêmeas. (2) Machos devem
possuir maiores extensões de uso do que fêmeas. (3) Fêmeas devem ser territoriais quanto à
presença de outras fêmeas. (4) Deve haver uma grande sobreposição espacial entre as
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Capítulo I ‐ Introdução
13
extensões de uso de machos. (5) Machos devem possuir padrões de movimentação diários
maiores do que fêmeas. (6) Fêmeas devem percorrer maiores proporções de sua extensão de
uso por noite para defesa de território. (7) Os sexos devem diferir quanto às suas preferências
de uso de habitats e de tocas.
Para testar as hipóteses formuladas foram selecionadas dois métodos diferentes para
as estimativas de extensão de uso. Os estimadores de extensão de uso foram comparados
entre si e discutidos quanto às suas implicações ecológicas e aplicabilidade para uma espécie
semi‐aquática. Os resultados encontrados foram comparados com outras espécies de
marsupiais neotropicais e mamíferos semi‐aquáticos, na busca de melhor compreensão dos
mecanismos evolutivos e adaptativos que atuam na manutenção do sistema de organização
social e de acasalamento da espécie.
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MÉTODOS
Parâmetros populacionais
–
A razão sexual da população foi analisada a partir das
taxas de captura e recaptura dos indivíduos adultos. Esta medida, apesar de não ser
exatamente a razão sexual operacional (razão entre machos e fêmeas prontos para
reprodução, Kvarnemo & Ahnesjö 1996), pode ainda assim fornecer informações importantes
sobre o sistema de acasalamento da espécie. O dimorfismo sexual foi analisado apenas através
da massa corporal de machos e fêmeas adultos capturados.
Padrões espaciais – Para calcular a extensão de uso da cuíca d’água, as localizações
obtidas para cada indivíduo foram plotadas em um mapa georreferenciado contendo o curso
dos rios, utilizando o programa ArcGIS 9.3 (Environmental Systems Research Institute,
Redlands, California). Para as estimativas de uso do espaço, foram utilizadas tanto as
localizações obtidas por radiotelemetria quanto por captura.
O primeiro estimador de extensão de uso escolhido para análises foi o comprimento
total de rio utilizado entre as localizações mais extremas (CT). Esta forma de estimar a
extensão de uso é amplamente utilizada para mamíferos semi‐aquáticos por ser simples e de
fácil aplicação para um conjunto de dados com número amostral baixo (Sauer et al. 1999,
Blundell et al. 2001). Além disso, parece não ser afetado por dados autocorrelacionados (Garin
et al. 2002).
Como o CT pode ser considerado pouco acurado e conservativo (Sauer et al. 1999), a
extensão de uso foi também calculada através do comprimento dos rios inseridos no
delineamento de área produzido pelo método kernel (K‐UNI), como recomendado por Blundell
et al. (2001). Este método já se mostrou bastante acurado para estimativas unidimensionais
(Sauer et al. 1999, Blundell et al. 2000, 2001, Medina‐Vogel et al. 2007). Foi utilizado o kernel
fixo com parâmetro de suavização de referência (href) para estimativas lineares dentro de 95%
do volume de contorno da área de vida (Blundel et al. 2001). O href é considerado adequado
quando as localizações são precisas (Jacob & Rudran 2004) e é menos sensível a pequeno
tamanho amostral (Seaman et al. 1999, Blundell et al. 2001). Excluir os 5% do volume de
contorno do kernel ou localizações é um método padrão para correções do efeito de
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Capítulo I ‐ Métodos
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localizações extremas em estimativas de área de vida (Jacob & Rudran 2004); tais localizações
podem representar excursões ocasionais para fora da área de vida do animal (“outliers”).
Área‐núcleo é considerada a área mais freqüentemente usada por um animal dentro
de sua área de vida (Samuel et al. 1985). Nem todos os animais possuem necessariamente
uma área‐núcleo (Powell 2000), e isso pode ocorrer devido a padrões de uso do espaço
aleatórios ou uniformes. Para testar a possível existência de áreas‐núcleo (extensões‐núcleo)
dentro da extensão de uso da cuíca d’água, foi utilizada a análise proposta por Powell (2000)
(Fig. I.1), ao invés da utilização de uma porcentagem já estabelecida como área‐núcleo (e.g.
50% do volume de contorno do kernel). Neste método, é observado para cada animal a curva
resultante da relação entre a porcentagem da área de vida e a máxima probabilidade de uso
da área de vida. Em teoria, o uso de espaço de maneira aleatória produzirá uma reta de
coeficiente angular igual a ‐1. O uso uniforme resulta em uma curva convexa, enquanto o uso
agrupado em uma curva côncava. A área‐núcleo é então delineada dentro de uma
porcentagem do volume de contorno da área de vida. Esse delineamento ocorre no ponto em
que a curva côncava possui um coeficiente angular igual a ‐1, na qual o volume de contorno da
área‐núcleo é a maior distância entre a curva e a reta de distribuição aleatória (Fig. I.1).
Entretanto, este modelo pode produzir áreas‐núcleo mesmo para distribuições aleatórias ou
uniformes, apenas porque a probabilidade de uso aumenta significativamente para dentro da
distribuição (Laver 2005a). A decisão, portanto, baseia‐se na forma das curvas apresentada
pelo gráfico para cada indivíduo (Laver 2005a), quanto mais côncava maior a probabilidade do
animal possuir uma área‐núcleo. Adicionalmente, um critério de seleção utilizado para decidir
se um indivíduo possui área‐núcleo ou não foi comparar a proporção de localizações que
estavam inseridas nas áreas‐núcleo. Acima de 90% das localizações inseridas na área‐núcleo
podem indicar um uso não agrupado da área de vida, ou seja não há área‐núcleo, mesmo que
a curva resultante tenha sido côncava.
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Capítulo I ‐ Métodos
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uniforme
aleatório
Máxima probabilidade de
uso (%)
%
d a á r e a d e v
i d a
agrupado
Figura I.1. Método de delineamento de áreas núcleo segundo Powell (2000). Áreas núcleo (linha côncava) são
delimitadas quando a densidade de probabilidade é maior do que esperado para uma distribuição aleatória (linha
reta) ou uniforme (linha convexa). Modificado de Laver (2005b).
Para as análises de área‐núcleo foi utilizado o kernel fixo com parâmetro de suavização
por validação cruzada dos quadrados mínimos (LSCV, Blundell et al. 2001). O volume de
contorno resultante da área‐núcleo foi utilizado para delimitar a extensão‐núcleo
(comprimento de rio dentro do contorno da área‐núcleo). As extensões‐núcleo calculadas
foram transformadas em porcentagens da extensão de uso e comparadas com a porcentagem
da área‐núcleo através do teste de Wilcoxon. Este teste foi feito porque a relação
bidimensional de uma área‐núcleo dentro de uma área de vida pode diferir da relação
unidimensional da extensão‐núcleo dentro de uma extensão de uso. Todas as estimativas de
extensão de uso e análises de área núcleo foram calculadas utilizando a extensão ABODE
(Laver 2005a) no programa ArcGIS 9.3 (Environmental Systems Research Institute, Redlands,
California).
A autocorrelação entre localizações sucessivas não possui efeito aparente nas
estimativas de extensão de uso com qualquer método kernel (Blundell et al. 2001) ou CT
(Garin et al. 2002). Desta forma, foi presumido que a autocorrelação não afetou as estimativas
de tamanho de extensão de uso (de acordo com Swihart & Slade 1985, Otis & White 1999,
Powell 2000). Entretanto, foi respeitado o intervalo de uma hora entre localizações sucessivas,
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Capítulo I ‐ Métodos
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como explicado anteriormente. Este intervalo se mostrou suficiente para que um animal possa
se mover entre os extremos de sua área de vida/extensão de uso, como sugerido por Otis &
White (1999).
A estimativa do tamanho da área de vida de um animal é fortemente dependente do
número de localizações obtidas e tende a aumentar à medida que aumenta o número de
localizações, até atingir uma assíntota (Harris et al. 1990). A sensibilidade das estimativas de
tamanho de extensão de uso foi analisada para ambos estimadores de extensão de uso (CT e
K‐UNI) através da construção de curvas entre o número de localizações e o tamanho
cumulativo da extensão de uso para cada indivíduo. As curvas foram construídas adicionando
as localizações de maneira aleatória, como recomendado por Harris et al. (1990) para dados de
localizações com intervalos irregulares. Para as estimativas de K‐UNI foram utilizadas as
assíntotas de área construídas a partir da área obtidas pelo kernel, já que estas estimativas são
altamente correlacionadas e provém uma boa indicação das assíntotas unidimensionais
(Blundell et al. 2001). Para o estimador K‐UNI foram feitas 20 reamostragens para cada
indivíduo, sendo a curva construída a partir da média das reamostragens (Laver 2005b). Os
resultados plotados no gráfico foram inspecionados visualmente para verificar se houve
suficiência amostral para cada indivíduo combinando os resultados para CT e K‐UNI.
Adicionalmente, foram feitas correlações de Spearman (rs) entre o número de localizações e o
tamanho da extensão de uso para analisar se o esforço amostral foi suficiente.
Como a territorialidade possui diversas definições dependendo do táxon e do objetivo
do estudo (Maher & Lott 1995), a territorialidade neste estudo será definida como a área
defendida contra indivíduos da mesma espécie e, portanto, exclusiva para um indivíduo.
Entretanto, a defesa de território pode ser difícil de observar em espécies crípticas, como é o
caso da cuíca d’água; logo o grau de sobreposição entre extensões de uso será usado como
uma evidência da territorialidade (Maher & Lott 1995). Para isso foi desenvolvida uma análise
de interação estática entre indivíduos que foram monitorados num mesmo período. A
interação estática mede a quantidade de sobreposição espacial entre dois animais sem
referência ao tempo (White & Garrot 1990, Kernohan et al. 2001). As sobreposições foram
estimadas pela proporção de extensão de uso do indivíduo A que se sobrepõe com a do
indivíduo B, e pela proporção de extensão de uso do individuo B que se sobrepõe com a do
indivíduo A (White & Garrot 1990, van der Ree & Bennett 2003).
O grau de sobreposição entre as áreas‐núcleo/extensões‐núcleo pode ser um descritor mais acurado da tolerância social do que sobreposições entre áreas de vida/extensões de uso.
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Desta forma, calculou‐se também as sobreposições entre as extensões‐núcleo dos indivíduos
da mesma maneira descrita acima. É importante ressaltar que o grau de sobreposição é
específico de cada indivíduo (% sobreposição de A com B é diferente da % sobreposição de B
com A). Foram calculadas interações estáticas para pares definidos pelos sexos: macho‐macho
que é porcentagem de sobreposição da extensão de uso de um macho com outro macho;
fêmea‐macho, a porcentagem de sobreposição da extensão de uso de uma fêmea com um
macho; e macho‐fêmea, a porcentagem de sobreposição da extensão de uso de um macho
com uma fêmea. A ausência de fêmeas monitoradas num mesmo período impossibilitou os
cálculos de interação para a dupla fêmea‐fêmea. A fidelidade à extensão de uso foi calculada
apenas para indivíduos com mais de um ano de monitoramento, através da proporção de
sobreposição entre as estimativas dos anos (Kernohan et al. 2001). Para estes indivíduos, foi
utilizada a média entre os anos das extensões de uso para as análises dos padrões espaciais.
Para entender melhor o uso de diferentes tipos de corpos d`água pela cuíca d’água, foi
feita uma comparação entre sexos das proporções de uso de pequenos tributários e rios
principais, através do teste de Mann‐Whitney. Em cada ocasião na qual foi possível visualizar o
animal, foi anotada sua posição em relação ao rio: dentro do rio, na margem ou na mata ciliar
(≥1 m da calha do rio).
Padrões de movimentação – A velocidade de deslocamento dos indivíduos dentro do
rio foi calculada através das distâncias e do tempo entre localizações sucessivas do animal em
atividade. Devido à possível influência da correnteza da água, foram comparadas as
velocidades de deslocamento dos indivíduos a favor e contra o fluxo d’água através do teste
de Wilcoxon. Para entender o padrão de movimentação noturno dos animais, as estimativas
de extensão de uso (CT) foram calculadas para cada noite de monitoramento. Estas
estimativas foram transformadas em proporções das estimativas totais do CT, e comparadas
entre os sexos através do teste t. O K‐UNI não foi utilizado para este cálculo devido ao baixo
número de localizações por noite.
Uso de tocas – Os indivíduos monitorados tiveram suas tocas localizadas durante o dia,
quando o animal se encontrava inativo dentro da toca. A localização precisa da entrada da
toca foi feita diretamente através do avistamento do animal saindo da toca no início da
atividade noturna, ou indiretamente através da busca de aberturas na margem dos rios de
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Capítulo I ‐ Métodos
19
acordo com a intensidade do sinal do radiotransmissor. O número de tocas por indivíduo foi
calculado e comparado entre os sexos através do teste de Mann‐Whitney. Para entender o
padrão de distribuição das tocas dentro da extensão de uso dos animais, foi calculada a
distância entre as tocas contíguas para cada indivíduo. A partir daí, foi calculada para cada
distância a porcentagem do CT que esta distância representa. Para cada indivíduo foi calculada
a mediana destas porcentagens de distância e estas medidas comparadas entre machos e
fêmeas através do testes de t.
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RESULTADOS
Foram obtidas 108 capturas de 37 indivíduos, o que corresponde a um sucesso de
captura de aproximadamente 2,2%. Durante o estudo, a razão sexual foi fortemente desviada
para machos, havendo cerca de seis machos para cada fêmea na população. Das capturas, 93
foram de 32 machos e 15 de cinco fêmeas (indivíduos: χ ² com correção de Yates = 18,27 , g.l. =
1, P
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Tabela I.1. Resultados do monitoramento de nove cuícas d’água Chironectes minimus na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. As info
período de monitoramento, número de localizações consideradas para as análises, estimativas de extensão de uso por comprimento to
unidimensional (K‐UNI), CT por noite, proporção do CT usada a cada noite, extensão‐núcleo, proporção do K‐UNI que a extensão‐núcleo repre
extensão‐núcleo.
Indivíduo Sexo Massa
(g) Período de
monitoramento
Número de localizações
CT (m)
CT por noite (m)
Proporção do CT (CT por noite/CT)
K‐UNI (m)
Extensão‐núcleo (m)
Godofredo macho 380 jul-nov 05 60 3370 1180 0,35 3730 1520
Margarida fêmea 310 ago-set 05 16 870 140 0,16 900 380
Robin* macho 321ago 05‐fev 06 e ago 07‐nov 07
34 4140 580 0,22 4270 1980
Paçoca fêmea 235 mai 06-out 06 28 1250 310 0,25 1330 472
Panqueca* macho 390 abr 06-out 06 e jan 07-jul 07
54 2390 310 0,13 2660 1230
Tonico macho 340 jan‐mar 07 17 3440 1930 0,56 2700 1980
Malandro macho 330 abr-jul 07 19 3620 1635 0,45 5220 3630
Florzinha fêmea 350 abr 07-abr 08 65 2330 580 0,26 2460 1240
Rivaldo macho 335 abr-jul 08 28 5860 2835 0,48 7700 2400
* indivíduos monitorados por mais de um ano; resultados apresentados como média entre os anos.2 1
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A
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
5 15 25 35 45 55 65
C T ( m )
Número de localizações
Rivaldo Robin2005 Robin2007
Malandro Tonico Panqueca2006
Godofredo Panqueca2007 Florzinha
Paçoca Margarida
B
0,00
0,50
1,00
1,50
2,00
2,50
3,00
3,50
4,00
5 15 25 35 45 55 65
Á r e a
d e v
i d a
( K m
² )
Número de localizações
Figura I.2. Análise das assíntotas utilizando os estimadores CT (A) e K‐UNI (B) e o número de localizações para as
nove cuícas d’água Chironectes minimus monitoradas na bacia do rio Águas Claras, Silva Jardim, RJ. CT –
comprimento total entre localizações extremas. K‐UNI – kernel unidimensional (ver métodos). Cada curva refere=se
a um indivíduo monitorado, cujos nomes estão citados na legenda da figura A. Os indivíduos Robin e Panqueca
estão representados por duas curvas, cada qual referente a um ano de monitoramento.
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Capítulo I ‐ Resultados
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Padrões espaciais – As estimativas de CT variaram entre 870 e 5860 m de extensão de rio
utilizada para a cuíca d’água (Anexo 1). Machos apresentaram estimativas de CT cerca de três
vezes maiores do que fêmeas (machos: 3530, 2580 – 5860; fêmeas: 1250, 870 – 2330 m; U’ =
18, n1 = n2 = 3, P = 0,02). Os resultados das estimativas de K‐UNI foram, em todos os casos
exceto por um, cerca de 15% maiores do que os resultados de CT (t8 = ‐1,86, n = 9, P = 0,049).
As estimativas de K‐UNI variaram entre 900 e 7700 m de extensão de rio (Anexo 1). Da mesma
forma, machos apresentaram estimativas de K‐UNI cerca de três vezes maiores do que fêmeas
(machos: 4475, 2700 – 7700 m; fêmeas: 1330, 900 – 2460 m; U’ = 18 n1 = 6, n2 = 3, P = 0,02).
Não houve correlação entre a massa corporal e o tamanho da extensão de uso dos animais
monitorados (CT: rs = 0,15, n = 9, P = 0,70; K‐UNI: rs = 0,23, n = 9, P = 0,54).
De acordo com o modelo proposto por Powell (2000), a análise das curvas entre a
porcentagem da área de vida e a porcentagem da máxima probabilidade de uso indicam que
quase todos os indivíduos apresentaram localizações agrupadas formando áreas‐núcleo
(Anexo 2). Apenas os indivíduos Tonico e Malandro pareceram não possuir uma área núcleo.
Isso foi constatado pela observação da curva gerada, pelas maiores proporções de delimitação
da extensão‐núcleo e pela alta proporção das localizações inserida na área núcleo, chegando
até a 100% das localizações para o indivíduo Malandro (Tab. I.1). A delimitação das áreas‐
núcleo variou entre 51 e 66 % (n = 7) do volume da área de vida. Entretanto essa delimitação
representou uma variação entre 31 e 50% da porcentagem da extensão de uso (K‐UNI). A
porcentagem de delimitação para as áreas‐núcleo foi cerca de 30% maior do que a
porcentagem de delimitação para as extensões‐núcleo (Wilcoxon: Z = 2,37, n = 7, P = 0,02),
sendo ambas as porcentagens não correlacionadas (rs = 0,30, n = 7, P = 0,50). Machos e fêmeas
não diferiram quanto à proporção da extensão de uso que formavam a extensão‐núcleo (U = 8,
n1 = 4, n2 = 3, P = 0,16).
As extensões‐núcleo variaram entre 380 e 2400 m de comprimento de rio. Machos
ti