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Langa, David. 2002. Algumas reflexões em volta das classes locativas em Changana. In. Direccão Científica. 2003. III Seminário de Investigação na UEM: Livro de Comunicações. Maputo: Imprensa Universitária. PP 153-163 Página 1 Universidade Eduardo Mondlane Faculdade de Letras e Ciências Sociais Departamento de Línguas Secção de Línguas Bantu David Langa email. [email protected] Algumas reflexões em volta das classes Locativas do Changana 1. Introdução A presente comunicação propõe-se a apresentar uma discussão em volta das classes locativas no Changana. Esta é uma das língua do grupo bantu que podemos considerar ter já uma tradição de escrita conforme mostram os trabalhos descritivos linguísticos de Junod (1967), Ouwehand (1964), Ribeiro (1965), Sitoe (1996) de entre outros. Contudo, esta “tradição de escrita” não foi acompanhada de uma uniformização da gramática desta língua sobretudo no que diz respeito à morfologia nominal, isto é, ao sistema de classes nominais. Sobre este assunto, alguns autores sustentam que Changana apresenta um sistema de 18 classes nominais, a saber, as classes de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 18, 21 (Baumbach 1970 e 1988, Sitoe 1996, 2000) e outros apresentam uma lista de classes nominais que é semelhante à lista a cima, mas não apresenta a classe 21 (Chimbutana 2002); e outros ainda, apresentam uma lista que não inclui para além da classe 21, as classe 16, 17 e 18 (Ouwehand 1964, Ribeiro 1965 e Junod 1967). Este facto díspare na apresentação das classes nominais, constitui o problema que se propõe discutir e sugerir proposta de solução com base na análise de dados empíricos conforme os procedimentos necessários para este tipo de análise descritiva, num período em que se aprovou a introdução das línguas moçambicanas no ensino e a elaboração de materiais para esse efeito torna-se imperiosa. Vários trabalhos foram feitos sobre o Changana em Moçambique mas parece não dispormos de trabalhos pormenorizados sobre a morfologia nominal nesta língua. Entende-se por morfologia, a “disciplina da linguística que tem por objecto a palavra, e

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Langa, David. 2002. Algumas reflexões em volta das classes locativas em Changana. In. Direccão Científica. 2003.

III Seminário de Investigação na UEM: Livro de Comunicações. Maputo: Imprensa Universitária. PP 153-163

Página 1

Universidade Eduardo Mondlane

Faculdade de Letras e Ciências Sociais

Departamento de Línguas

Secção de Línguas Bantu

David Langa

email. [email protected]

Algumas reflexões em volta das classes Locativas do Changana

1. Introdução

A presente comunicação propõe-se a apresentar uma discussão em volta das classes

locativas no Changana. Esta é uma das língua do grupo bantu que podemos considerar

ter já uma tradição de escrita conforme mostram os trabalhos descritivos linguísticos de

Junod (1967), Ouwehand (1964), Ribeiro (1965), Sitoe (1996) de entre outros. Contudo,

esta “tradição de escrita” não foi acompanhada de uma uniformização da gramática

desta língua sobretudo no que diz respeito à morfologia nominal, isto é, ao sistema de

classes nominais. Sobre este assunto, alguns autores sustentam que Changana apresenta

um sistema de 18 classes nominais, a saber, as classes de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11,

12, 14, 15, 16, 17, 18, 21 (Baumbach 1970 e 1988, Sitoe 1996, 2000) e outros

apresentam uma lista de classes nominais que é semelhante à lista a cima, mas não

apresenta a classe 21 (Chimbutana 2002); e outros ainda, apresentam uma lista que não

inclui para além da classe 21, as classe 16, 17 e 18 (Ouwehand 1964, Ribeiro 1965 e

Junod 1967).

Este facto díspare na apresentação das classes nominais, constitui o problema que se

propõe discutir e sugerir proposta de solução com base na análise de dados empíricos

conforme os procedimentos necessários para este tipo de análise descritiva, num período

em que se aprovou a introdução das línguas moçambicanas no ensino e a elaboração de

materiais para esse efeito torna-se imperiosa.

Vários trabalhos foram feitos sobre o Changana em Moçambique mas parece não

dispormos de trabalhos pormenorizados sobre a morfologia nominal nesta língua.

Entende-se por morfologia, a “disciplina da linguística que tem por objecto a palavra, e

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que estuda, por um lado, a sua estrutura interna, a organização dos seus constituintes e,

por outro, o modo como essa estrutura reflecte a relação com outras palavras” (Faria et

al 1996:215).

Vários estudos foram realizados nesta língua: Cavele (1997) realizou um trabalho

virado para a linguística aplicada priorizando a estrutura informacional em textos

escritos nesta língua; Chimbutana (2002) realizou um trabalho assentado sobre a sintaxe

desta língua; Langa (2001) realizou um trabalho relacionado com a morfologia verbal;

Sitoe (2001) o trabalho focalizava a morfologia verbal nesta língua; Magaba (1996)

visava fazer uma sistematização do funcionamento das construções relativas em

Changana, no entanto, sintaxe; Magaia (1999) visava identificar evidência que está por

detrás da expansão de Changana em detrimento do Rhonga, isto é, o trabalho estava

virado à Sociolinguística; Sitoe (1997) realizou um trabalho virado para a Linguística

Aplicada no tocante aos processos de importação dos neologismos nas línguas bantu;

Mabasso (1994) preocupou-se com a área da tradução das formas invariáveis -ti e kona

em Changana; Moreno (1994) estudou a área de Sociolinguística e preocupou-se com a

variação fonética do Rhonga na Cidade de Maputo; Moiane (2000) estudou os

empréstimos lexicais do Português no Changana; Nhaombe (1991) preocupou-se com a

semântica, mais concretamente com o estudo de algumas expressões ideomáticas.

Como se pode ver, não são poucos oa trabalhos académicos realizados sobre esta língua.

Estes trabalhos, em cuja lista pode ser ainda mais longa, são, na sua maioria,

dissertações para a obteção do grau de licenciatura, mestrados e/ou Doutoramentos, mas

como se pôde ver a língua Changana carece ainda de um estudo sistematizado sobre a

sua morfologia.

A maioria das gramática que existem têm como variante de referência o Changana

falado na África do Sul e mesmo assim os autores não são unânimes quanto à

apresentação das classes nominais nesta língua conforme Baumbach (1970 e 1980) que

apresenta uma lista de prefixos nominais de Changana como vimos a cima em que,

embora apresente o prefixo da classe 21, contrariamente com o que faz com as outras

classes, não apresenta nenhum exemplo de nomes desta classe. Este limita-se a dizer

que o prefixo desta classe estabelece alguma relação, que não diz qual, com o prefixo da

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classe 5. Por outro lado, Junod (1967) e Ouwehand (1965), apresentam um lista em que

excluem os prefixos das classes 16, 17 e 18, que Baumbach apresenta, e argumentam

que a semântica destas classes é expressa por sufixação.

Perante esta problemática, o presente trabalho preocupa-se com as classes locativas , as

que são representadas morfologicamente pelos prefixos das classes 16, 17 e 18 (ha-, ku-,

mu-) respectivamante e semanticamente exprimem situação espacio-temporal de

localização de algo. Nele argumenta-se que considerar que as classes locativas como

actualmente se encontra representadas (os prefixos ha-, ku-, mu-), pode ser enganador

visto que actualmente não são produtivas, por isso não devem ser considerados como

estando ao mesmo nível dos outros prefixos desta língua, pois, morfologicamente, a

locativização é expressa por sufixação.

A elaboração de trabalho baseou-se em 3 métodos de investigação nomedamente, o

método filológico que consiste no levantamento de materiais escritos sobre esta língua,

o método de entevista que consiste na recolha de dados com base em pergunta e

resposta em que o falante responde de acordo com o seu saber bem como o método de

introspecção que se acenta no recurso no conhecimento linguístico do investigador, uma

vez, ser também falante desta língua.

O presente trabalho apresenta a seguinte organização. Depois desta introdução (secção

1), apresenta-se “Classes locativas em Changana” (secção 2) que constitue o

desenvolvimento do trabalho. Nesta secção, discutir-se as listas de classes nominais

apresentadas pelos diferentes autores acerca das classes nominais no geral e das classes

locativas em particular, e finalmente, apresenta-se as conclusões (secção 3).

2. Classes Locativas em Changana

Uma das características das línguas bantu é de apresentar um sistema de géneros

gramaticais cujos indicadores de género devem ser prefixos, através dos quais os nomes

podem ser distribuídos em classes. O número destas varia, geralmente, entre 10 e 20

(Ngunga 2000, Sitoe1996). Entende-se por classe nominal ao grupo do nome com o

mesmo tipo de prefixo e/ou padrão de concordância (Bleek 1962, Guthrie 1967, Sitoe

1974 citados por Ngunga 2002), veja-se o exemplo que se segue:

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(1)a. n’wana wanga (cl.1) „meu filho‟

vana vanga (cl.2) „meus filhos

b. yindlu yanga (cl.9) „minha casa‟

tiyindlu tanga (cl.10) „minhas casa‟

c. ribze ranga (cl.5) „minha pedra‟

maribze yanga (cl.6) „minhas pedras‟

Os exemplos em (1) mostram que os prefixos de classe (destacado em negrito)

determinam a concordância dos nomes da língua (prefixo de concordância em

sublinhado). Os prefixos de classe são conhecidos por prefixos independentes (PI) por

serem eles a determinar a concordâncoa no sintagma e os prefixos de concordância são

tidos como prefixos dependentes (PD) por dependerem dos primeiros para ocorrem em

sintagmas. Deste modo, em (a) a presenta-se os PI da classe 1 (mu-) e da classe 2 (va-)

bem como o PD desta classe (wa-) e (va-) respectivamente; em (b) apresenta-se os PI da

classe 9 e da classe 10 (yiN- e tiN-) bem como os seus PD (yi- e ti-) e, finalmente, em

(c) apresenta-se os PI das classes 5 e 6 cujos PD são respectivamente (ri- e yi-).

Os nomes nesta língua estão organizados tal que a relação entre PI e PD é obrigatória a

não observância dessa obrigatoriedade resulta em agramaticalidade dos sintagmas como

se pode ver nos exemplos que se seguem:

2. *yindlu (cl.9) tanga (cl.10)

*tiyindlu cl.10) ranga (cl.5)

*ribwe (cl.5) yanga (cl.6)

*maribwe (cl.6) ranga (cl.5)

Como se pode ver, em (2), apresenta-se a rigidez do sistema de concordância na língua.

Por isso os exemplos estão assinalados com asterisco.

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Os prefixos nominais podem juntar-se a temas nominais atravez de três processos

morfológicos: adição, substituição e subtração como se pode ver nos exemplos que se

seguem:

3. yindlu „casa‟

ti-yindlu „casas‟

ribwe „pedra‟

maribwe „pedras‟

Em (3), para a formação do plural, o prefixo ti- precede o prefixo do singular yi(n)- ,

isto é, o prefixo do plural adiciona-se ao prefixo do singular, por isso a este processo se

chame aditivo. Quando o plural é formado como em (4) diz se que o processo é por

substituição.

4. munhu „pessoa‟

vanhu „pessoas‟

murhi „remédio‟

mirhi „remédios‟

O processo em (4) diz-se ser por substituição porque o morfema do plural substitui o do

singular

5. lusulo „rio‟1

sulo „rios‟

luwuumbo „fio de cabelo‟

wuumbo „cabelo‟

O caso do processo em (5) é daquele prefixo que elimina o outro para a formação do

plural. Por isso o processo se chame de sutractivo.

Os prefixos nominais em Changana (ou de qualquer língua bantu) juntam-se a temas

nominais através destes três processos.

1 Exemplos de Yao extraídos de Ngunga (2000)

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Antes de debruçar-nos sobre as classes Locativas no Changana, veja-se a forma díspare

como os autores a baixo apresentam os prefixos nominais da mesma língua:

Tabela 1: Quadro resumo dos prefixos nominais em Changana2

Classes

nominais

Prefixos Nominais

Junod

(1967)

Ouwehand

(1965)

Ribeiro

(1965)

Baumbach

(1970)

Baumbach

(1987)

Sitoe

(1996)

1 mu- mu- mu- mu- mu- mu-

2 va- va- va- va- va- va-

3 mu- mu- mu- mu- mu- mu-

4 mi- mi- mi- mi- mi- mi-

5 ri- ri- ri- ri- ri- ri-

6 ma- ma- ma- ma- ma- ma-

7 xi- xi- chi- xi- xi- xi-

8 swi- swi- bsi- swi- swi- svi-

9 yi (n)- yi- yi- yi- yi(n)- yi(n)-

10 ti(n)- ti- ti- tiyin- ti(n)- ti(n)-

11 ri- ri- ri- ri- ri- ri-

14 vu- wu- wu- wu- wu- wu-

15 ku- ku- ku- ku- ku- ku-

2 Estes autores não apresentaram desta forma os prefixos nominais. A apresentação neste tabela foi

apenas metodológica para facilitar uma análise comparativa das classes nominais por estes autores. As

classes e os prefixos nominais, não são desta forma originalmente apresentados pelos autores. Esta

arrumação é também metodológicaca.

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16 - - - ha- ha- ha-

17 - - - ku- ku- ku-

18 - - - mu- mu- mu-

21 - - - dyi- ji- ji-

A tabela acima mostra as classes nominais em Changana de acordo com os diferentes

autores patentes na segunda linha da referida tabela,. Desta podemos fazer a seguinte

leitura:

(i) A mesma língua (o Changana) apresenta classes e prefixos nominais

diferentes;

(ii) Junod (1967), Ouwehand (1965) e Ribeiro (1965), apresentam as classes

nominais da classe 1 a classe 15 sem as classes 12 e 13;

(iii) Baumbach (1970, 1987) e Sitoe (1996) apresentam para além das classes

apresentadas em (ii), as classe 16, 17 e 18 e 21;

(iv) A escrita desta língua não está uniformizada visto que os prefixos das classes

7, 8 e 21 ser diferente;

Uma apreciação geral destas obras, mostra que os autores apresentam exemplos dos

nomes das respectivas classes de 1 a 15, com a devida excepção das clasess 12 e 13,

para uns e de 1-18 para outros. Contudo, os autores que apresentam a classe 21 não dão

nenhum exemplo dos nomes desta classe. A explicação que Baumbach (1970)

apresenta, no lugar dos exemplos, é a de que o prefixo desta classe se relaciona com o

da classe 5 e ocorreu processos fonológicos na classe 21.

No estudo das línguas bantu, os prefixos das classes 16, 17 e 18 são chamados de

prefixos locativos. Segundo Ngunga (2000) os prefixos locativos são basicamente

secundários3 e têm a função de indicar a localização do nome a que se afixam no tempo

e no espaço. O mesmo autor reconhece que a prefixação não é a “única forma

3 Considera-se função primária do prefixo nominal quando um nome, que de forma não marcada, se junta

a apenas um prefixo e a partir dele estabelece a concordância e morfologicamente o prefixo desempenha

função secundária quando se junta a um nome que já por si inclui um prefixo com função primária. Em

termos semânticos o locativo é também considerado com função secundária porque acrescenta um outro

sentido ao nome que primeniramente já tem um sentido (Ngunga 2002)

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morfológica de expressão dos processos de locativização” (ibd.13). em termos

semânticos, o prefixo *pa- (ha-) exprime a locativização situacional geral (em/por cima,

em/ por baixo, área); o prefixo da classe 17 (ku-) exprime a locativização direcional

com a ideia de movimento (para, rumo a) e o prefixo da classe 18 (mu-) exprime a

locativização num espaço fechado, limitado, com ideia de interioridade. Os exemplos

que se seguem, apresentam os prefixos com função primária. Entende-se por função

primária dos prefixos nominais àqueles que este desempemha, regra geral, em contexto

não derivado (Ngunga 2000); para, em seguida, contratá-los com os de função

secundaria, na língua Sena4:

6. nyumba yangu (cl.9)

munda wangu (cl.3)

nsuwo wangu (cl.3)

øthupi yangu(cl.5)

‘minha casa'

'minha machamba'

'minha porta’

‘meu corpo’

Em (6), apresentam-se nomes pertecentes às clases 9, 3 e 5 cujos os prefixos de classe

(PI) e (PD) estão destacados em negrito. Nos exemplos que se seguem se apresenta os

os nomes em (6) integrados nas classes 16, 17 e 18 na mesma língua.

(7)a. panyumba(cl.16)

pamu nda (cl.16)

pansuwo (cl.16)

'em casa'

'na machamba'

'na porto’

b. kunyumba (cl.17)

kumunda (cl.17)

kuthupi (cl.17)

'para casa'

'para a machamba'

'para o corpo'

c.

munyumba (cl.18)

munda (cl.18)

muthupi (cl.18)

'dentro da casa'

'dentro da machamba'

'dentro do corpo

4 A língua Sena é convenientemente escolhida por ser uma das que tem as classes locativas produtivas e

em termos metodológicos pode ajudar na percepção do argumento central do texto.

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Os exemplo a cima mostram que os prefixos locativos têm função secundária visto que

só ocorrem com nomes a que já estejam prefixados primeiramente com a função

semântica de expressar em (a) a situação, em (b) a direcção e em (c) a interioridade. Os

Como se pode ver, estes morfemas são aditivos segundo Nida (1949) citado por Ngunga

(2000) e como tal podem se juntar com nome de qulquer classe. Estes, uma vez afixados

a nomes passam a controlar a concordância. Os exemplos em (8) da mesma língua são

ilucidativos:

(8) a. panyumba pangu (cl.16)

pamunda pangu (cl.16)

pansuwo pangu (cl.16)

'em minha casa'

'na minha machamba'

'na minha porto‟

b. kunyumba kwangu (cl.17)

kumunda kwangu (cl.17)

kuthupi kwangu (cl.17)

'para a minha casa'

'para a minha machamba'

'para o meu corpo'

c.

munyumba mwangu (cl.18)

mumunda mwangu (cl.18)

muthupi mwangu (cl.18)

'dentro da minha casa'

'dentro da minha machamba'

'dentro do meu corpo

Em (8) apresenta-se os prefixos locativos a desecadearem concordância nos sintagmas

em que eles ocorrem. Em (a) o P.D. deixa de ser os prefixos com função primária (c.f.

os exemplos 6) e passa a ser o prefixo da classe 16; o mesmo se pode dizer nos

exemplos (b) e (c) que a concordância passa a ser desencadeada pelos prefixos (ku-) e

(mu-) das classes 17 e 18 respectivamente.

Como se pode verificar, em Sena, os prefixos locativos ocorrem sem restrições, o que

que dizer que nesta língua estes prefixos existem e são produtivos.

Para a melhor discussão dos prefixos locativos em Changana, repetiremos o mesmo

processo que em Sena. Começemos pelos prefixos primários, vejam-se os exemplos que

se seguem:

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9. yindlu yanga (cl.9) „minha casa‟

murhi wanga (cl.3) „meu remédio‟

xilo xanga (cl.7) „minha coisa‟

Em (9) apresenta-se os PIs e PDs das classes 9, 3, e 7 respectivamente. Em (10)

apresenta-se os mesmos nomes com prefixos das classes 16, 17 e 18

(10).a. *hayindlu

*hamurhi

*haxilu

b. *kuyindlu

*kumurhi

*kuxilu

c.

*muyindlu

*mumurhi

*muxilu

Em (10), mostram-se os prefixos das classes locativas em Changana. Nesta língua o uso

destes prefixos resulta na agramaticalidade, isto é, os prefixos (secundários) locativos

não funcionam como seria de esperar nesta língua. Para efeitos de aferição, podíamos

usá-los como morfemas subtractivos ou substativos o resultado seria na mesma

agramatical, ou seja, resultaria em palavras que não existem na língua.

Como se pode ver, parece-nos claro que a locativização nesta língua não é expressa por

prefixação. Aliás como Ngunga (2000:15) advoga que “em algumas línguas, como o

Changana, os prefixos das classes locativas perderam algumas das suas características

semântico-morfológicas”. A perda dessa característica, em Changana caracteriza-se por

a locativização ser morfologicamente expressa pelo sufixo –ini, como se pode ver nos

exemplos que se seguem:

(11) nsimwini < nsimu+ini „na machamba cultivada‟

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ndlopfhwini < ndlopfhu + ini „no elefante‟

nomwini < nomu + ini „na boca‟

Em (11), apresenta-se a locativização expressa por sufixação do morfema (unidade

mínima de análise morfológica) -ini em Changana. Este sufixo, adjunta-se a temas

nominais. O sufixo apresenta os alomorfes (realizações diferentes do mesmo morfema) -

ini e -eni que se distribuem complementarmente conforme a qualidade da última vogal

do tema nominal. Esta distribuição de morfemas resulta da aplicação de processos

fonológicos de assimilação que consiste na cópia de taços dos segmentos adjacentes

(Katamba 1989) fazendo com que resulte em alomorfes.

As línguas apresentam uma estrégia de separação de vogais sempre que o encontro de

morfemas o suscite (Ngunga 1999). Sendo a terminação de tema nomianal sempre

vocálica e o sufixo locativo iniciar também por uma vogal (esquematicamente ...CV +

VC...), a língua tende a resolver esse encontro indesejável de vogais que na literatura de

especialidade é conhecido por Hiato. Estes processos podem ser a coalescência ou

circulação de vogais que se basea no pressuposto segundo o qual o encontro de duas

vogais primárias resulta numa vogal secundária (Hyman 1975).Veja-se os exemplos

(12) que se seguem:

12. misaveni < misava + ini „na terra‟

khaleni < khala + ini „no carvão‟

mangeni < manga + ini „na manga‟

xikhambeni < xikhamba + ini „no cafuro‟

Em (12) apresenta-se o alomorfe do sufixo –ini. Nestes exemplos, a vogal do tema

nominal é [a] e a vogal inicial do sufixo [i]. O encontro destas duas vogais primárias

resulta numa vogal secundária [e] fazendo com que o sufixo locativo seja na estrutura

de superfície -eni.

Outro processo fonológico que condiciona a alomorfomia do sufixo locativo é elisão.

Este processo postula que alguns sons se podem apagar em determinados contextos

(Hyman 1975). Vejam-se os exemplos que se seguem:

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13. ndleveni < ndleve+ini „na orelha‟

maribzeni < maribze+ini „nas pedras‟

xikheleni < xikhele + ini „na cova‟

maveleni < mavele + ini „nos seios‟

Em (13) mostra se o alomorfe de –ini que resultou do apagamento da vogal [i] do

sufixo. Esta vogal é a mais susceptível de apagamento visto ser ele a vogal do sufixo

que se adiciona a vogal do tema. Desta forma, sempre que tivermos vogal do tema

nominal [e], a vogal do sufixo apagar-se-á.

Nos casos em que a vogal do tema nominal for [u], ocorre a semivocalização que se

forma quando auma vogal alta [u] ou [i] ou recuada [u] ou [o] é seguida por outra vogal

(Ngunga 2000). Vejam-se os exemplos que se seguem:

14. xilwini < xilu + ini „na coisa‟

xilepfwini < xilepfu + ini „no queixo‟

mbilwini < mbilu + ini „no coração‟

xitulwini < xitulu + ini „na cadeira‟

Em (14) temos o caso em que o tema nominal e o sufixo apresentam vogais altas [u] e

[i]. O encontro entre essas vogais vai resultar na transformação de [u] em semivogal [w]

uma vez que sequências de vogais não ocorrem em fronteiras intermorfémica (fronteira

entre dois morfemas p.e. *u + e, *u + i, etc). Esta transformação de vogal em semivogal

resolve o hiato que se forma no encontro de dua vogais e a única vogal que resta é a do

sufixo.

15. ntirhweni < ntirho +ini „no serviço‟

litihweni < litiho+ini „no dedo‟

ritweni < rito + ini „na voz‟

sontweni < sonto + ini „no domingo‟

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Em (15) ocorre também a semivocalização de [o] que se torna [w]. Neste caso, a regra

de semivocalização alimentou a de assimilação. Considera-se alimentação de regras

fonológicas quando a ocorrência de uma regra obriga a aplicação de outra (Hyman

1975) e por assimilação a modificação de um som de modo a ser similar ao som

vizinho (Katamba 1989). Sendo a vogal do tema nominal [o] cujos traços fonéticos são

[-alt, -bxo] e a vogal [i] ter os traços [+alt, -rec], então esta vogal vaia assimilar o traço

[-alt] da vogal do tema nominal, passando a ser [-alt, -rec] o que quer dizer [e]. Desta

forma, a estrutura de superfície do sufixo passa a ser -eni.

Os exemplos acima visavam provar que o sufixo locativo em Changana é -ini que se

pode realizar -eni em determinados contextos fonológicos.

O facto de os prefixos locativos não serem produtivos nesta língua, não se quer dizer

que nunca existiram visto que algumas formas deixaram algum vestígio como é o caso

das seguintes palavras:

(16) a. hansi (cl.16) „no chão‟

henhla (cl.16) „em cima‟

handle (cl.6) „fora‟

b. kule (cl.17) „longe‟

kusuhi (cl.17) „perto‟

kaya (cl.17) „em casa‟

c. ndzeni (cl.18) „dentro‟

ndzaku (cl.18) „atrás de‟

Os exemplos em (16) mostram alguns “vestígios” das classes locativas em Changana

que se encontram morfológica e semanticamente lexicalizados. Por razões históricas

deixaram de ser produtivos uma vez que não podem ser dissociados dos temas nominais

a que se associam. Estes “prefixos” são intrinsecos às palavras e eles junto com o tema

nominal constituem uma palavras formada.

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O prefixo locativo pode também recuperado sintacticamente conforme Ngunga (2000)

todas as palavras independentimente que tenha marca de uma classe locativa (ha-, ku-

ou mu-) estabelecem concordância com o morfema ka-, como se pode ver nos seguintes

exemplos

17. ndzile kaya kamina „estou dento da minha casa‟

xipuni xile henhla katafula „a colher esta em cima da mesa‟

nyoka yile ndzeni kampala „a cobra está dentro do buraco‟

Os exemplos em (14) mostram que a locativização pode ser expressa sintactimente

através da colocação do morfema invariável ka- antes do nome do lugar para onde se

pretende locativizar.

Visto que a estratégia morfológica por sufixação é a única produtiva na expressão da

locativização nesta língua, parece-nos enganador apresentar, da mesma forma como se

apresentam os prefixos de outras classes, as classes locativas porque esta não é expressa

por prefixação. A ter de se incluir os prefixos das classes locativas, devido aos

“vestígios” históricos por elas deixado, na tabela de classes e prefixos nominais desta

língua deve-se colocar entre parêntesis acompanhado de uma nota de chamada onde se

explica as razões daquela distinção com as outras, ou seja, as classes e prefixos

nominais apresentam-se de 1 a 18 sem as classes 12 e 13 e as três últimas (as classe

16,17 e 18) devem vir entre parêntisis como de pode ver na proposta que se seguem

(apresenta-se apenas as classes e prefixos locativos):

Classes

locativas

Prefixos

locativos

16 (ha)-

17 (ku)-

18 (mu)-

Através de propostas como estas evitava-se considerar os prefixos das classes 16, 17 e

18 como estando ao mesmo nível que os outros prefixos da mesma língua ou com os

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mesmos prefixos de línguas em que estes prefixos sejam produtivos. Para efeitos de

ensino-aprendizagem, o professor ou o aluno tomaria a devida atenção nestas classes.

3. Conclusão

O trabalho tinha o objectivo de apresentar uma discussão em volta das classes locativas

em Changana, uma vez que os autores que se debruçaram no estudo desta língua

apresentavam sistemas de classes nominais diferentes. Da análise de dados concluiu-se

que o Changana não tem as classes locativas 16, 17, 18 uma vez que estas estão

lexicalizadas. Nesta língua a locativização é expressa morfologicamente por sufixação

de -eni/-ini na posição final dos temas nominais a que e se associam. Para provar a

posição segundo a qual os prefixos locativos não produtivos nesta língua, deu-se o

exemplo de Sena, uma língua em que as classes locativas são produtivas.

Assim, uma proposta das classes nominais em Changana deve terminar na classe 15,

com a devida excepção das classes 12 e 13, e fazendo-se uma nota em que se diz que as

função dos prefixos locativos é desempenhada pelo sufixo ou pode-se listar os prefixos

locativos, para preservar a hostória, mas deve vir entre parêntesis com uma nota a

justificar tal procedimento.

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