47
Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos meus lábios O sabor do beijo que virá. Cedeste mas até lá Lisboa te acolhe. Miro-a de cima e com O meu olhar anseio-te. Por que calçadas incertas Vagueias, vais deambulando? O preto da calçada, É o da minha visão, Onde o escasso branco São as tuas perfeições. Nesta palidez de vida, Só o vermelho penetra, Não o teu casaco de veludo, Mas o veludo dos teus lábios. Dos teus lábios, do beijo que virá,

Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

  • Upload
    others

  • View
    6

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Pairas por Lisboa

Sinto-te a pairar no ar,

Percorrendo Lisboa,

Do Bairro à Sé,

Algures te escondes.

Sinto ainda nos meus lábios

O sabor do beijo que virá.

Cedeste mas até lá

Lisboa te acolhe.

Miro-a de cima e com

O meu olhar anseio-te.

Por que calçadas incertas

Vagueias, vais deambulando?

O preto da calçada,

É o da minha visão,

Onde o escasso branco

São as tuas perfeições.

Nesta palidez de vida,

Só o vermelho penetra,

Não o teu casaco de veludo,

Mas o veludo dos teus lábios.

Dos teus lábios, do beijo que virá,

Page 2: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Tudo vai ganhando cor,

As folhas do chão aos ramos levitam

Como se para trás andasse o tempo.

Tudo composto, eu e tu,

Num banco, de roseiras ladeado,

Sob um jovem e sonhador plátano,

Pisando a calçada cândida e incerta da vida.

Page 3: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Vagueios Melancólicos

A cidade, turva da chuva,

percorro sem rumo.

Das chaminés e do calor do lar, o fumo

invade o ar e inebria-me

como se, uma malga, fosse de uva.

O vinho ainda no jarro a fermentar,

A castanha estalada

no papel a fumegar,

O tinir da chuva na calçada.

É Lisboa melancólica.

O frio tolda-me a carne,

aquece-me a nostalgia, o coração.

E por a esta cidade devoção,

não vacilo, com as mesmas esquinas,

o mesmo povo, maravilhado.

Mas enquanto chuva não é neve

E o frio que já foi verão é frio de novo,

Na lassidão da folha caída,

sento-me no sofá de manta aos pés,

a mirar, ao fundo, o Tejo de sempre.

Page 4: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Dracaena Draco L.

Porque todos fazemos parte de um ciclo,

Tu és eu e eu sou tu,

Porque todos somos todos,

Todos somos nada.

Um fluxo de energia,

Tão amplo, tão fluido,

Tão forte,

Tão vulnerável.

Tratamo-nos como algo descartável.

Não gostamos e passamos ao próximo,

Quando dermos conta todos teremos passado,

E a inevitabilidade da nossa espécie surge…

Nada temos para além de nós,

E se formos sendo amachucados,

Postos de lado, a ameaça vinda de nós,

É a que chega, e depois?

Dói a falta de amor,

Sentirmo-nos completos,

Em Harmonia com ele,

Ela, vós e o mundo.

A amargura da vida que se esvai

Page 5: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

em lágrimas, mas que persiste.

Não obstante, a lágrima vai galgando,

Ruga a ruga, o nosso rosto.

É andar de mãos dadas, mesmo se sozinho…

É como se ela ali estivesse a meu lado,

A mão dela na minha, mas não.

E o meu ser revolta-se!

Rasga-se a carne,

Sangra, oxida, gangrena…

O cheiro fétido, sufocante,

Mas com a dor arrastada continua-se.

Porque sou feito de ti, mas também

De todos eles. E vocês são tão diferentes,

Enriquecem-me,

Tornam mais bela a vida, a minha vida.

No fundo, todos nos apoiamos

Uns aos outros, como estacas

Que nos suportam para não sermos derrubados

Pelo vento.

Por mais feios que sejamos,

Haverá alguma maravilha,

E é a essa a que os outros se agarram,

Erguem-nos e tornam-nos especiais.

Page 6: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Enfim…

Quem um dia passar diante desta árvore,

Só espero que olhe para ela como eu olhei,

Que olhe e veja o mundo inteiro, se veja a si próprio!

Page 7: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Lanzarote

Miro-te e nada mais és

Que pedra negra,

Suave inferno de areia,

Vento fresco e água límpida.

És bruta e rude.

Angulosa espinha e

Sinuosos contornos.

Ele, sem cessar,

vai-te conquistando.

Putrefacta terra,

Como que uma madre seca,

Estás velha e encarquilhada,

Queimada na face pelo teu próprio veneno.

Ele debalde vai tentando,

Fêmea nata:

Gostas mas rejeita-lo.

Estás podre e ele tão rico,

Velha tonta!

Estás magoada:

Alguém já te remexeu

Outrora, Profanada

Retrais-te dele e de todos.

Page 8: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Quem te maculou?

Foi aqueloutro,

Imponente e viril?

Rasgado de fúria

Não te poupou?

Medrosa,

Queres clemência mas

Só sabes afastar os outros,

Não mostras teu esplendor.

Esse monstro está velho, adormecido.

A pouco e pouco vais recuperando,

Deixa o sal deste jovem te fertilizar.

Sal de águas benzidas,

Salutares para a tua maleita.

Perscruto e vejo-a,

Tímida escondida pela vegetação.

Pelas folhagens vai espreitando-o,

Vai vendo as cortesias que te faz.

É a tua casa das Quatro.

Aqui, neste lar, é sempre entardecer.

Nada tarda, tudo chega a seu tempo.

Lá dentro vive,

Aquele pelo qual vais fluindo.

Page 9: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Ele sim está velho, cego,

Mas apaixonado como nunca pela sua musa.

Ela é o seu suporte, o seu pilar.

Há quem queira sê-lo para ti, imbecil!

O tempo não escorre sempre no mesmo sentido,

Na mesma cadência…

Aqui são sempre Quatro.

Para ti pode ser sempre um, mas Uno com Ele.

Não o faças desesperar.

O teu velho e fiel lacaio,

Apela à tua razão.

Pois seus olhos já viram muito,

Já derramaram muito.

Podem ser cegos,

Mas reconhecem tal namoro

Entre ela, ex-líbris luso, e o seu belo pajem.

Conquistou-a e desde então protege as suas portas:

Para sempre fortificada a princesa Lys!

O teu enleio não é diferente.

O ímpeto é o mesmo,

Vem de ti, vem dele.

Agarra-o e nunca mais soltes.

Page 10: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

O Fogo te matou,

Deixa agora a água ressuscitar-te.

E Deus escreve por linhas tortas,

Para ti, para mim

E para o velho e cego lacaio.

São quatro da tarde e todos descansamos à sombra deste Sol, por fim…

Page 11: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Névoa

Saio à rua e… nada!

Algo se adensa pela noite fora,

Uma humidade que se entranha nos ossos,

Um arrepio que nos desorienta…

Este nevoeiro cerrado,

Quem estará atrás de mim,

Quem estará de fronte?

Ninguém…

Viver numa comunidade,

Que coisa mais corrompida.

Quando no derradeiro momento,

Se ressume a mim e o infinito, o nada!

A calçada escorregadia,

Todo o mundo apto

A fazer-me deslizar,

A derrubar-me.

Vulnerável a tudo,

A ameaça virá de qualquer lado,

E os meus olhos só vêem um de cada vez,

O coração acelera.

Estugo o passo, escuto.

Page 12: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Procuro por um som dissonante,

Um passo em falso.

Não paro!

Até que um passo ecoa,

Uma respiração cortada trá-la o vento,

Quase que corro,

Perscruto tudo.

O frio rasga-me o peito e

Humedece-me os olhos.

A adrenalina faz-me

O sangue fervilhar.

Esta névoa tão incerta

Que a vida é.

Ingenuidade por ignorância,

Almejo mas não alcanço.

A frustração turva ainda mais,

A linha cada vez menos recta,

Mais sinuosa, quando chegarei

Finalmente, ao início pelo qual tanto anseio?

É injusto esconderes-te assim,

Aparece de vez, eu procuro-te,

Estupidamente em vão.

Não! Em vão, não, valerá a pena, sei que sim…

Page 13: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Porque não te compadeces?

Que tortura, que prazer sádico é esse?

A minha alma que se vai estilhaçando,

Exausta de tanta busca, de tanto sentimento,

De tanto… vazio.

Vou-me refugiando na vida,

Que me vai envolvendo nos enleios que tece.

Perversamente me ilude,

Faz-me pensar que me controlo.

Serei eu nada mais que uma alma à deriva,

Com a incerteza de um destino já traçado?

Por ventura… mas não. Recuso-me,

Que sentido teria a minha existência?

Nenhum… dizem-me!

Então mas porque existo?

Para que ames e sejas feliz,

Mas acima de tudo para que sofras.

Por mais sádico que isso pareça?

Por mais sádico que pareça…

Page 14: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Pavio

Tu que nada por ora mais és

Que névoa intrigante, chama difusa.

Por onde te escondes,

Por que trilhos te esvais?

Neve complacente, flocos eternos,

Focos de luz aconchegantes?

Ou escarpa e mar, arvoredos citadinos,

Maravilhas humanas subtis, sois de mil cores?

Talvez por entre múltiplas pessoas,

Cadência metálica do carril, pedra incerta,

Sol quente e folgo fresco

De hoje e sempre?

Só carne ensanguentada,

Suspiros rasgados,

Laivos de loucura comedida.

Por onde andais? Que nada é certo

Na fatalidade do destino.

Estonteante busca,

Existência sem obséquios.

O pavio cada vez menor,

Um sufoco de sadio prazer!

Até que me esfumo…

Page 15: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Preciso de escrever

Preciso de escrever!

O mundo gira

E a vida flui.

Estagnado miro para trás

E nada é igual, nada é diferente.

Nada é ou acontece.

Os pombos debalde

A esgravatar o tempo oco

Que os não alimenta,

Invejosos das irmãs

Que banqueteiam no mar perto.

Os grãos do tempo

Enlapam-se-me nos pés,

Impedem-me de andar, de correr, de ser.

Que impotência é esta?

Vacilamos, queremos mais

E de novo vacilamos.

Somos fracos perante o mundo,

Ele é fraco para com ela,

Ela é fraca diante dele.

Page 16: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Há que deixarmo-nos guiar

Pelas rédeas do vento,

Largarmo-nos dos grãos

E voar para lá do Infinito.

Mas sou homem,

Sou terreno.

Nada mais sou que a ocupação

Do lugar vazio a fitar

Os grãos da areia do tempo,

Na eterna queda da ampulheta da vida.

Page 17: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Sôfrego

Sôfrego, quando tu nos teus braços

Me recebes, estou.

Hipóxicas as minhas ideias

Confudem-me e confusas estão.

Até que na tua boca mergulho

E nos cruzamos no íntimo.

Sôfrego, o beijo não cessamos

Porém cada vez maior lúcido torpor.

Estivemos, fomos e havemos

De regressar: a nós,

A tu e a eu.

Não aqui ou agora.

Sôfrego, avidamente

O cessar retardar fazemos.

A amarga segregação,

Visceralmente repudiamos.

Sempre um, sempre dois.

As pútridas vísceras são

Sôfrego,dos teus braços

responsáveis, Por me afastar.

E a última sofreguidão

No último íntimo, derradeiro culminar

Dos lábios de um nos do outro,

Te a ofereço e parto em paz.

Page 18: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Vagueando por esta vida enrugada

Vagueando por esta vida enrugada,

Vou escutando, observando.

O propósito primordial,

De um ser, de uma espécie,

O mais primitivo é evoluir.

Essa falta de objectivos,

Tão humanamente criada,

Na tacanhice de não reconhecer os que

A vida nos impõe,

Angustia-me.

Atingiram um ponto e estagnaram.

Não progridem, não procuram por mais,

Não crescem!

Numa atitude estúpida

Para com a vida,

Miram o mundo e os outros,

Como se fossem débeis,

Como se para mais não estivessem capacitados.

Profanar assim o nosso dom,

O dom de viver.

Tanto potencial desperdiçado,

Tanto suor e sangue

Page 19: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

E nada…

Uma existência frívola,

Na iminência constante

De se dissolver numa mera

Auréola de fumo cinzento,

Tóxico e asfixiante.

É como se o tabuleiro,

Já completo, se desfizesse

Das peças inúteis.

Desprezados, independentemente

De serem torre, cavalo ou Rei.

E de fora,

Acabam por se aperceber que

O jogo continuou sem eles,

Que todos saíram vitoriosos,

Ambos os lados.

Somente eles,

E seus discípulos, mentes obtusas,

Saíram lesados.

E assim a vida vai marcando os seus trilhos,

Vai enrugando a face do mundo e de si própria,

Uns ficam para trás,

Não por serem menores, mas por não terem lutado.

Page 20: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Lutado por serem eles a passar o testemunho.

Assisto a este enredo com a vontade tremenda

De alterar os seus entremeios,

Mas não tenho esse poder divino,

E a vida seguirá, indubitável e invariavelmente,

O seu caminho, o nosso fado!

Page 21: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Globo

De tudo, de todo o universo

O mais belo é o mundo.

Este globo periclitante

Onde tudo coabita:

O que foi e o que virá.

Esfera de floresta negra:

Arvoredos de Ébano

Que se adensam a norte,

E a sul se rarefazem,

Salpicados de espigas de milho rei.

Partindo da planície que um dia será serra,

Acercamo-nos desses dois lagos de água salgada,

Em constante abundância

Vão purificando com seu sal,

As terras em redor.

Como que de outro mundo se tratasse,

Aqui o riacho que desses lagos nasce,

Sobe montanha acima e

No cume verte em cascata,

Espargindo essa gruta, boca do mundo.

Gruta escondida

por entre essa vegetação,

Page 22: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

E este solo de rocha dúctil.

Ora Côncavo ou convexo,

As brechas vão dando de si.

Brechas que jorram sangue,

Maculam a pedra.

Escorre que nem lava,

Deixando um rasto de mágoa

Sofrida e por sofrer amor.

Essa lava sanguínea cobre de rubis

As espigas reais.

Sangue fecundo,

Que nos vai alimentado,

Nos vai enfraquecendo.

Mundo imperfeito,

Globo estilhaçado.

Remendado por mãos trôpegas,

Tornas-te áspero e árido,

Outrora jovem agora ressequido.

Careces de água,

Ninguém rega teus solos,

Tua face jucunda.

Face que observa o horizonte,

Em busca de algo, de alguém…

Page 23: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Amigo de deitar fora

Quero poder falar

Falar sem pudores,

Sobre nada de importante

Só para afugentar de mim

Os males da vida.

Quero ter alguém que me oiça

Mas que quando assim eu quiser

O amachuque, rasge, corte

O possa deitar fora

Sem ferir susceptibilidades.

Quero usá-lo,

No sentido mais bruto,

Mais rude da palavra.

Tê-lo só quando mais

Ninguém me vale e estou em baixo.

Agora quero-o

E não o tenho,

Deve andar escondido

Entretido com os meus entremeios,

Encontrá-lo-ia mas para isso…

… ter-me-ia de encontrar primeiro.

Page 24: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Caxin

O bafejar do folgo,

Que se escapa

Com o esforço da escalada

Pela Costa do Castelo,

Macula o breu da noite

Com a sua névoa gelada.

Galgando a calçada,

Pedra a pedra,

Se vai subindo a colina,

Mostrando se vai

O Esplendor desta cidade

Sinuosa e mística: Lisboa.

Page 25: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Choro no silêncio do meu quarto

Choro no silêncio do meu quarto,

No recato dos meus lençóis,

Que me abraçam e

Se deixam embeber.

Retêm a minha respiração

Periclitante, soluçada por vezes.

Quero rasgá-los mas depois

Nada teria se não a mim!

Cubrir-me com eles,

Afastar-me do mundo,

Ser eu e somente eu,

Para comigo e o meu eu!

No calor do nosso amor,

Adormecer embalado,

Vagueando por fantasias

Nada mais que o desejável,

Tudo menos que o real…

Page 26: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Eterno grão geológico

Eterno grão geológico,

Rolando seixo sobre seixo

Se vai moldando,

Se vai desfazendo.

Da areia à pedra,

Da pedra à areia,

O ciclo é soberano.

Eu sou mero espectador!

O violento mar

Esfomeado avança,

Traiçoeiro recua,

Levando-me com ele nesta dança anciã.

O tempo passa,

A pedra desfaz-se

Mantendo-se a mesma,

Dia após dia.

Enterrar meus pés

Por entre estes grãos

Que entre cada onda,

Em vão se secam!

Page 27: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Irónica Vida

Irónica vida,

Olho para ti e

Rio-me contigo.

Esse regozijo

Pelos sacrifício dos outros…

Maldade deliciosa,

Não por ruindade,

Por compaixão.

Quem não sofre,

Não reconhece.

Que teias teces nesse

Jogo que vais jogando,

Nos quais somos teus peões.

Joga, podes jogar

Desde que não me deites fora.

Fazer parte,

Viver em comunhão

É o que se logra com tal jogo,

Ser peão que faz cheque,

Rei branco tombado

Em território negro.

Page 28: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Caminhada errante,

Vaguear o mundo como

Tudo fosse uma estrada

Em constante reviravolta,

E eu sem rumo.

Caio onde calhar,

Seja na estação inóspita

Da vida de onde nada

Parte nem chega.

Carril polido pelo desuso…

Gaivotas agourentas,

Frio arrepiante,

O passo não foi certo,

Mas fui eu que o dei,

Estou onde quis.

Onde quer que esteja,

Onde quer que vá,

Serei eu e será o meu caminho,

Sem rumo mas com

A fatalidade de ir para

E por onde devo.

Page 29: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Linhas Tortas ou Fadada Vida

As marcas vazias

no tecido da cadeira abandonada.

O pó que teima,

As dedadas que ficam marcadas,

A pegada na poeira solta.

O sol que reflecte

Nessas partículas de outrora,

De outra gente.

Onde foram,

Onde estarão.

Partiram mas

Aqui ficaram.

Não mexas,

Não mudes,

Deixa ficar assim.

A minha pele seca

Saturada de lágrimas,

Doí-me de carpir o

Coração,

Enxugá-las-ia…

Querer não chega,

O afecto não se

Page 30: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Dissimula, não se finge.

É reflexo do carinho.

E quando este não existe, que se faz?

Não ponhas a cadeira

No seu sítio, a mesa

No seu quadrado

Perfeito losango

Estava, era ela.

Não removas o pó,

Partículas do tempo

Escasso e largo em que

ela teve e foi.

A ausência é melhor que nada.

Ela já foi mas não tires

O vazio que ela deixou,

Ai mocidade, agente do tempo,

Profanam assim as oferendas da vida,

Deixai-me em paz.

A apodrecer por dentro,

O vidro estalará,

a flor murchará,

as portadas pelo vento

serão forçadas.

Page 31: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

No entanto eu impávida e serena,

Manter-me-ei sentada,

Até que seja eu a estalar,

A murchar,

A ser levada pelo vento.

E aí, da amargura da vida

Ao inferno do purgatório,

Subirei até ele e agora sem remorso

Talvez entender-nos-emos mutuamente.

Sem julgamentos, sem olhares de esguelha…

Ai vida sofrida,

porquê tanta compaixão

com tanta maldade e

mãos sangrentas?

Page 32: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Minha Pequenina

Oh minha pequenina,

Tanta azáfama,

tão pouco tempo

E tu tão longe.

Falas comigo e compreendo-te,

Em cada palavra só quero

Que sintas este calor que vai de mim,

Para te aquecer nesse ambiente frio.

Tanta dúvida, tanta questão

Tanta decisão a tomar e

Tu tão nova, tão inexperiente.

Queria ter-te aqui e abraçar-te!

Chamas-te egoísta

E preocupaste-te tanto

Com os outros, dói-me a alma

Não estar à distancia de uns meros metros de calçada.

Quero que sofras o mínimo

E que voltes em breve,

Pois aqui será sempre o teu porto seguro,

Este porto de amigos, pais, amor e carinho.

Pois aqui se

Page 33: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

E quando tiveres de te atirar

Estarei descansado pois

Lá estarei para te apanhar.

Não são cartas, nem mapas,

É a vida e ela tece-se a si própria

Levando-nos atrás,

Sem nos precaver de antemão.

Posso não estar sempre

Lá para te apanhar,

Mas estou sempre a teu lado,

Pronto a apertar-te nos meus braços.

Estou sempre a velar por ti,

Mesmo que tu nem sempre o sintas,

Parte de mim está aí,

Pois se há algo que é para vida… é um amigo!

Page 34: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Morrerei em Lisboa

Viver, breve momento

Entre duas mortes;

Inspiração voraz

Antes do sufoco;

Uma colcheia

Em cadência perfeita.

Múltiplas são as

Vidas dentro de mim.

Desconheço-as mas

sei que as vivi ou viverei.

Viver, na pedra

Que estala ao Sol,

Na árvore que respira

O mundo,

Na toupeira que cegamente

Perscruta toda a terra.

O percurso talhado

Em constante mutação,

Sei os limites do compasso,

Mas não da linha recta.

Viver, é dor eterna e

Tremendo deleite;

Page 35: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

É Dom abençoado,

Maldição sofrida;

É Chaga em carne viva,

Fruto em terra infértil.

Seja onde for,

O tempo nunca escoa

No mesmo ritmo,

A dois seres diferentes.

Viver, em plena

Dependência citadina

Ou Total comunhão rural?

Estrada da vida,

De sólido macadame

Ou compacta e maleável areia?

É entre estas ruas

Geometricamente cruzadas,

Que me sinto em casa,

Talvez seja esta a verdadeira vida.

Page 36: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Muchacha en la Ventana

Acerco-me e miro o horizonte:

Arvoredos de

Humanização salpicados.

A vela que ondula ao largo

sobre a Água

ao vento esticada.

Sedoso ao toque este mundo,

Safira de luz,

Raios de sonhos.

Reflexos que

No vento se distorcem,

E os seus olhos bebem.

Ébano pensante

De sinuosas curvas

E largos cachos.

Mirando este

Mirar de Horizonte,

Tudo pode ser:

O ébano marfim,

A safira rubi,

Os arvoredos deserto.

Page 37: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

O mundo a seus olhos

É teu, do jeito que o desenhares,

Pincelada linha sem princípio nem fim.

Perfeita Vidraça

Finalmente chegou…

Oiço-a bater na vidraça,

E sem me mexer acolho-a

E deixo-a expurgar

Os males de um ano inteiro.

Cá dentro está quente,

Qualquer dia de chama acesa

E chávena fumegante estarei mirando-a.

E ela… tal qual amigo incansável

A bater na vidraça.

Fertilizando a alma,

Espargindo-a de amor imenso

Pelo reencontro bem-aventurado.

Com a saudade afinal saciável

Na vidraça vai batendo.

Toldando-nos a vista,

Protegendo-nos do

Hostil exterior,

Page 38: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Recolhamo-nos no nosso âmago,

Para cá da vidraça onde ela bate…

Ahhh lá no fundo,

Na essência tudo é simples,

Esta vida pejada de artimanhas

Tão humanamente imperfeitas

É que não nos deixa escutar o seu bater na vidraça.

É tempo de introspecção,

Reflectirmos e meditarmos,

Sobre os nossos actos.

Tempo de parar e para além de escutar,

Senti-la batendo na vidraça.

Depois de esclarecidos,

Uma vez iluminados

Talvez o Sol regresse

E esta nossa vida brote novamente,

Mas antes há que deixar-mo-nos… bater na vidraça.

Page 39: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Porque cada lágrima caída

Porque cada lágrima caída

É um desperdício de energia

Que me rasga por dentro

Um grito em desespero por se fazer ouvir!

Porque tu não mereces,

Velha mesquinha,

De intrigas vives, todos te servem

E só sabes espezinhar.

Obscena, depravada,

Perversa que é!

Não tolero cada verde que queimas

Neste belo prado que é a minha vida.

Enterra-te, aí terás quem te compreenda

Seres esses que nos sugam a carne e o sangue,

Isto quando mortos,

Mas tu enquanto vivos!

Serpente sinuosa e sibilante,

O ímpeto é pisar-te, torcer-te

Asfixiar-te e nada me faria

Retribuir de igual forma!

Estes gritos de angústia,

Page 40: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Exasperante nãs os ouves tu,

E porquê??

Porque tudo e todos te poupam…

Não mereces!

Oh Lúcifer encarnado,

Esse fogo envenenado

Manchando a alvura…

Pecado, blasfémia!

Mas valha a lágrima,

Água salgada,

Extingue o fogo,

Inferteliza a terra.

Não me molesta,

Deveres morais,

Porque no irracional,

Não se é permeável a tal.

Quero atirar-me do precipício,

Abrir asas e ver-me livre

Dessas grilhetas invisíveis,

Que me prendem a esse teu sangue.

Enoja-me que circules em mim,

Pudesse a cada lágrima, verter,

De sangue vermelho teu,

Page 41: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Purificar-me e subir aos céus.

Num rasgo de energia,

Fazer vibrar o mundo,

Abalar-te e poder, enfim…

Respirar.

Quero chuva, Quero frio

Quero chuva, quero frio

Quero lareira e chá quente!

Enfastia-me estas alterações constantes,

Humores dissimulados.

Sejam coerentes!

Quero mantas quentes e grandes

Onde caiba eu e a minha alma,

Agarrados um outro,

Aconchegados, Aninhados…

Em paz.

Quero o mar revolto,

As árvores em devaneio,

Os céus em dilúvio,

A terra impávida,

E eu… sedento de tudo isto!

Quero essa chuva

Page 42: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Que me expurgará de pecados,

Lavar-me-á por dentro,

Acalentando o meu eu,

Mantendo-o em sossego.

Quero esse neblina de manhã à noite,

O silêncio dos pássaros,

A nostalgia deste ambiente

Familiarmente hostil,

Estranhamente acolhedor.

Quero acima de tudo

Sossego, paz, calmaria.

Quero estar só, por uma vez que seja,

Apenas eu e este mundo,

Ambos naturalmente imperfeitos!

Page 43: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Sabem bem viver

Sabe bem viver!

Nunca algo me fez tão feliz…

Respirar segundo a segundo,

Perscrutar este mundo a cada piscar de olhos.

Tanto já feito

E outro tanto ainda por fazer.

E ter aquela atitude plácida

De quem tem tempo e amanhã fará.

Virar-me para trás e mirar

Os passos, a maioria, incertos

Dados no trilho que,

Neste meu mundo, palmeei.

Crescer é ousar,

É pisar chão inseguro,

E mesmo assim arriscar

Calcar pé firme.

É descobrir o novo,

Errar estupidamente,

Rirmos de nós,

E finalmente entender.

E o bom de tudo isso…

Page 44: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Crescer, viver, é aquilo que fica marcado

Nessa consistência nebulosa que é um pensamento,

Nos recônditos do nosso ser.

Olhando para o lado e ver-vos

Como iguais, amigos eternos,

Correr atrás de mim para esta incerteza,

Isso sim vale o esforço, vale a dor.

Como que pairando,

De soslaio vou-vos seguindo,

Pois esse sorrisos milhares,

Que ecoam eternamente…

Gargalhadas

que cintilam que nem estrelas,

Maculando céu escuro

Da noite perfeita!

Page 45: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Árvore velha e ressequida

A árvore velha e ressequida,

Cansada de crescer, cansada de ser

Acaba por tombar.

Foi-se mas reside agora

Nas sementes que fertilizarão

De novo a terra.

A energia é cíclica,

O que foi é

O que é,

E por elas respira e vive.

Não é tempo de adeus,

É tempo de acolher.

Recebei-la no seu coração

E lá deixai-a descansar em paz

Page 46: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Saberás

Sabes o que é tocar no teu corpo,

Sentir-te como uma pluma sobre mim,

Delinear com as minhas mãos a tua silhueta,

Reconheceres o respirar cansado ao teu ouvido?

Sei que não,

Mas eu sim, sei-o pois já o vivi tanto

Mas tantas vezes e sei que estavas lá,

Comigo, nos meus braços, no meu ritmo.

Poderá algo tão concreto,

Nada mais ser que

Uma aura nebulosa

De um sonho perfeito?

Mas como se eram teus

Os lábios que tocavam os

Meus, naquela sofreguidão

De tão intensa que por certo real.

Mas depois abro meus olhos

E desvaneces-te como se tudo isto

Nada mais fosse

que um delírio.

Ainda há pouco te sentia

Page 47: Pairas por Lisboa - edicoesesgotadas.com Editorial - Emanuel...Pairas por Lisboa Sinto-te a pairar no ar, Percorrendo Lisboa, Do Bairro à Sé, Algures te escondes. Sinto ainda nos

Em meu redor,

Cobrias-me nesse teu interior:

Câmara sagrada de sementes fecundas.

Sabes o que é

De tanto te imaginar,

Sentir-me em ti

E tu comigo?

Sinto-me imerso nesta esfera

Sem saber o que é real,

O que é imaginário,

O que é meu e o que não é.

Sinto a minha pele macia

Na tua, em teu redor

Sinto-me um petiz

Mas quando, nesta vida efémera

Cruzar-me-ei eu contigo?

Emanuel Cunha