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A Igreja no Brasil, desde 1971, dedica o mês de setembro à palavra de Deus.Entrada da bíblia, coreogra- fias e cânticos próprios enriquecem as celebrações nas comunidades. Desde 1947, o último domingo de setembro é o dia da bíblia. Todo ano o mês da bíblia é guia- do por um livro.Este ano a Igreja escolheu a Carta aos Filipenses, com o título "carta do coração", devido a várias declarações de amor, ternura e alegria no início (1,4.7 -9), no meio (2,17-18.29) e no fim (4,1.4.10) da carta. A bíblia nasceu dentro da história humana, escrita ao longo de muitos anos por mãos humanas, dizendo coisas do relacionamento do homem com Deus. "A palavra de Deus, expressada em línguas humanas, se faz semelhante à linguagem huma- na, como a palavra do Eterno Pai, assumindo a nossa frágil condição humana, se fez semelhante aos ho- mens" (Deiverbum, 13). O conteúdo da história da sal- vação é prova de como a palavra de Deuviva (cf. Lc 20,38). Deus tomaainiciativa de se comunicar, sua palavra dirige-se ao homem. A palavra de Deus acompanha o homem do início ao fim da sua pe- regrinação na terra, manifesta-se de diversos modos, atingindo o ápice com a encarnação, quando, por obra do Espírito Santo, oVerbo se fez carne (cf. Jo 1,1.14). Jesus Cristo, morto e ressuscitado, é "o vivente" (Ap1,18),aquele que tem palavras de vida eterna (cf. Jo 6,68). A palavra de Deus abre a his- tória com a criação do mundo e do homem,"Deus disse" (Gn 1,3), proclama que o seu centro está na encarnação do Filho, Jesus Cristo, "o Verbo se fez carne" (10 1,14), e fecha-a com a promessa do encontro com Ele numa vida sem fim, "sim, Eu virei em breve" (Ap 22,20). , , A ressurreição de Jesus é o evento que ilumina e revela aos cristãos o sentido da bíblia , , A formação do Cânon A tradição da Igreja foi aos pou- cos discernindo quais escritos eram inspirados. A lista destes escritos é denominada Cânon das Escrituras, palavra grega que significa medida, regra. Nem todos os livros escritos entre o povo de Deus fazem parte do cânon da sagrada escritura; muitos livros se perderam com o tempo. O cânon compreende 46 livros para o antigo testamento (AT) e 27 para o novo (NT). Os judeus consideravam que existiam dois câ- nones: o breve, escrito em hebraico (palestinense), e o longo que incluía escritos em grego (alexandrino). O AT em hebraico (Cânon Breve) é formado por 39 livros e se divide em três partes: a Torah, os Profetas e os Escritos. O Cânon Alexandrino, antigo testamento que compreendia também os livros escritos em grego, está formado por 46 livros. A versão grega da bíblia, co- nhecida como dos Setenta, contém sete livros a mais: Tobias, Judite, Baruc, Eclesiástico, I e 11Macabeus e Sabedoria, além de partes do livro de Ester e Daniel. Os judeus de Alexandria tinham um conceito mais amplo da inspiração bíblica, conven- cidos de que Deus não deixava de se comunicar com seu povo, mesmo fora dos limites da Palestina,e de que o fazia iluminando os seus filhos nas circunstâncias em que se encon- travam. Os apóstolos, ao levarem o evangelho ao mundo greco-romano, utilizaram o Cânon Alexandrino. O Cânon do Novo Testamento é formado por 27 livros, e se divide em quatro partes: Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Cartas e Apocalipse. No séc. I, o número dos livros variava de comunidade para comunidade; no séc. 11, algumas correntes heréticas afirmavam que apenas o evangelho de Lucas e as cartas de Paulo eram inspirados, e pretendiam introduzir seus próprios escritos, de modo que foi necessária a formação do cânon para os livros do novo testamento. O Concílio de Hipona (393) e os de Cartago (397 e 419)reconhe- ceram o cânon de 27 livros para o novo testamento. A chegada do Protestantismo no séc. XVI rea- cendeu antigas reflexões acerca da inspiração dos livros. O Concílio de Trento (1545) definiu dogmatica- mente a lista dos livros do NT para a Igreja Católica. 079

Palavra de Deus na Vida dos Homens

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Catequese Bíblica

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Page 1: Palavra de Deus na Vida dos Homens

A Igreja no Brasil, desde 1971,dedica o mês de setembro à palavrade Deus. Entrada da bíblia, coreogra-fias e cânticos próprios enriquecemas celebrações nas comunidades.Desde 1947, o último domingo desetembro é o dia da bíblia.

Todo ano o mês da bíblia é guia-do por um livro. Este ano a Igrejaescolheu a Carta aos Filipenses, como título "carta do coração", devido avárias declarações de amor, ternurae alegria no início (1,4.7 -9), no meio(2,17-18.29) e no fim (4,1.4.10) dacarta.

A bíblia nasceu dentro da históriahumana, escrita ao longo de muitosanos por mãos humanas, dizendocoisas do relacionamento do homemcom Deus. "A palavra de Deus,expressada em línguas humanas, sefaz semelhante à linguagem huma-na, como a palavra do Eterno Pai,assumindo a nossa frágil condiçãohumana, se fez semelhante aos ho-mens" (Dei verbum, 13).

O conteúdo da história da sal-vação é prova de como a palavrade Deus é viva (cf. Lc 20,38). Deustoma a iniciativa de se comunicar,sua palavra dirige-se ao homem.A palavra de Deus acompanha ohomem do início ao fim da sua pe-regrinação na terra, manifesta-se dediversos modos, atingindo o ápicecom a encarnação, quando, por obrado Espírito Santo, o Verbo se fezcarne (cf. Jo 1,1.14). Jesus Cristo,morto e ressuscitado, é "o vivente"(Ap 1,18), aquele que tem palavrasde vida eterna (cf. Jo 6,68).

A palavra de Deus abre a his-tória com a criação do mundo edo homem, "Deus disse" (Gn 1,3),proclama que o seu centro está naencarnação do Filho, Jesus Cristo,"o Verbo se fez carne" (10 1,14), efecha-a com a promessa do encontrocom Ele numa vida sem fim, "sim,Eu virei em breve" (Ap 22,20).

, , A ressurreiçãode Jesus é o eventoque ilumina e revelaaos cristãos osentido da bíblia , ,

A formação do CânonA tradição da Igreja foi aos pou-

cos discernindo quais escritos eraminspirados. A lista destes escritos édenominada Cânon das Escrituras,palavra grega que significa medida,regra. Nem todos os livros escritosentre o povo de Deus fazem parte docânon da sagrada escritura; muitoslivros se perderam com o tempo.

O cânon compreende 46 livrospara o antigo testamento (AT) e27 para o novo (NT). Os judeusconsideravam que existiam dois câ-nones: o breve, escrito em hebraico(palestinense), e o longo que incluíaescritos em grego (alexandrino). OAT em hebraico (Cânon Breve) éformado por 39 livros e se divideem três partes: a Torah, os Profetase os Escritos. O Cânon Alexandrino,antigo testamento que compreendia

também os livros escritos em grego,está formado por 46 livros.

A versão grega da bíblia, co-nhecida como dos Setenta, contémsete livros a mais: Tobias, Judite,Baruc, Eclesiástico, I e 11Macabeuse Sabedoria, além de partes do livrode Ester e Daniel. Os judeus deAlexandria tinham um conceito maisamplo da inspiração bíblica, conven-cidos de que Deus não deixava de secomunicar com seu povo, mesmofora dos limites da Palestina, e deque o fazia iluminando os seus filhosnas circunstâncias em que se encon-travam. Os apóstolos, ao levarem oevangelho ao mundo greco-romano,utilizaram o Cânon Alexandrino.

O Cânon do Novo Testamento éformado por 27 livros, e se divide emquatro partes: Evangelhos, Atos dosApóstolos, Cartas e Apocalipse. Noséc. I, o número dos livros variavade comunidade para comunidade; noséc. 11, algumas correntes heréticasafirmavam que apenas o evangelhode Lucas e as cartas de Paulo eraminspirados, e pretendiam introduzirseus próprios escritos, de modo quefoi necessária a formação do cânonpara os livros do novo testamento.

O Concílio de Hipona (393) eos de Cartago (397 e 419) reconhe-ceram o cânon de 27 livros parao novo testamento. A chegada doProtestantismo no séc. XVI rea-cendeu antigas reflexões acerca dainspiração dos livros. O Concílio deTrento (1545) definiu dogmatica-mente a lista dos livros do NT paraa Igreja Católica. 079

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Antes de se tornar um livro, abíblia foi vivida e experimentada,foi contada e celebrada, e, na me-dida do possível, algumas pessoascomeçaram a escrever a experiênciado povo com Deus.

As formas de leitura e de in-terpretação variam de acordo coma comunidade; os acontecimentosbíblicos podem ser vistos por váriosângulos. A intenção é descobrir averdadeira mensagem de Deus, co-muni cada em linguagem humana."Movido pela fé, conduzido peloEspírito do Senhor que enche o orbeda terra, o povo de Deus esforça-sepor discernir nos acontecimentos,nas exigências e nas aspirações denosso tempo, em que participa comoutros homens, quais os sinais verda-deiros da presença ou dos desígniosde Deus. A fé, com efeito, esclarecetodas as coisas com luz nova, mani-festa o plano divino sobre a vocaçãointegral do homem, e por isso orientaa mente para soluções plenamentehumanas" (Gaudium et spes - 11).

A mensagemcentral da bíblia

As histórias que a bíblia contanasceram do relacionamento deDeus com o povo e guardam umamensagem que perpassa os 73 livrosque a compõem. "Eu vi a miséria domeu povo que está no Egito, ouvios seus clamores por causa de seusopressores, C9nheÇOsuas angústias,por isso desci a fim de libertá-Ios ..."(Ex 3,7). Na sarça ardente, Deusrevelou seu nome a Moisés: "Eusou o Deus de teus pais, o Deus deAbraão, o Deus de Isaac e o Deus deJacó" (Ex 3,6). O nome de Deus é aespinha dorsal da bíblia. Deus querser a presença que nos liberta e dásentido para a nossa caminhada. Eledeu provas de que esta é a sua von-tade; libertou o seu povo do Egito eressuscitou Jesus dos mortos.

Ser povo de Deus exige sériastransformações em nossa vida, nãohaveria mais opressão, reinaria a jus-

tiça, o direito e a verdade. O amor aopróximo seria igual ao amor a Deus.

A aliança com Deus sempre foirenovada, e Israel procurava ser povode Deus buscando atingir, para si epara os outros, os bens das promes-sas divinas. Algumas vezes se aco-modava, em vez de servir pretendiaser servido, reduzindo a vontade dêDeus a seus interesses mesquinhos.

Na bíblia encontramos os profe-tas. Homens e mulheres que apare-ciam em momentos de crise do povo,denunciando o erro e anunciandoa vontade de Deus. Seus nomes,suas palavras e gestos foram con-servados. São 4 profetas maiores:Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel,e 12 menores: Oseias, Joel, Amós,Abdias, Jonas, Miqueias, Naum,Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias eMalaquias, e muitos outros profetasque não deixaram escritos men-cionados na bíblia, o maior deles éElias. A mensagem central da bíblia,em torno da pureza do nome deDeus, faz nascer em nosso coraçãouma abertura acolhedora.

A aliança de Deuscom o povo

A aliança é um compromisso deamor. Quem ama escolhe, se apaixo-na, se dá a conhecer, caminha juntoe ajuda. O Deus da aliança não é umDeus distante. Ele decide habitar nomeio de seu povo, presença divinana sua criação.

A bíblia não tem dificuldade deensinar que o relacionamento deDeus com o povo é de amor: "foi poramor que vos escolhi" (Dt 7,8). Onosso Deus cria, ama, se compadece,perdoa, renova as promessas paramanter sua fidelidade. Oseias foi oprofeta que transmitiu a ideia de quea relação de Deus com o povo é comoum casamento. O NT revela que orosto de Deus é amor (110 4,8.16).

A primeira aliança de Deus foiestabeleci da com Noé: "Eu estabe-leço a minha aliança com vocês ecom seus descendentes" (Gn 9,9). A

segunda aliança foi com Abraão (Gn12-25), Deus fez uma promessa e elesaiu em busca de uma terra nova;depois Deus fez aliança com Jacó,mantendo a promessa feita a Abraão(Gn 25 e 27).

A aliança do Êxodo é uma re-leitura das promessas de Deus aoseu povo, numa situação de duraservidão e opressão. A revelação donome de Deus como aquele que estápresente, que "vê a opressão, queouve o grito de aflição, que toma co-nhecimento de seus sofrimentos, quedesce para libertá-I os e fazê-Ios sairpara uma terra espaçosa, onde correleite e mel" (Ex 3,7-8), é a aliançaque permanecerá para sempre nahistória do povo de Deus. Moisésfoi enviado para libertar o povo elevá-Io para a terra onde corre leitee mel, num longo processo em queo povo viu a ação de Deus que ajudaa vencer a escravidão: "Vou tomarvocês por meu povo e eu serei oDeus de vocês" (Ex 6,7). No MonteSinai, Deus se revela como protetor esalvador do povo libertado. Deus deunormas ao seu povo para ajudá-Io anão cair novamente na escravidão, eesperava a fidelidade. Estas normassão os dez mandamentos. Na bíbliaencontramos muitas orações quecantam a beleza dos mandamentosde Deus, caminho seguro para vivera aliança.

Os profetas utilizaram váriasimagens para descrever a aliança ereforçar a fidelidade; comparavamDeus com um esposo dedicado,enfatizando com a aliança o amoreterno.

A leitura da bíblia quetemos em nossas mãosA ressurreição de Jesus é o even-

to que ilumina e revela aos cristãoso sentido da bíblia. Tudo o que Jesusensinou e que os profetas anuncia-ram ganhou novo sentido com aressurreição.

A cena dos discípulos de Emaúsilustra a situação em que a comuni-

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dade vivia. Os dois não reco-nheceram Jesus que caminhavacom eles no dia da Páscoa (cf.Lc 24,15-1), fa1tava-Ihes a luz;quando, porém, o reconheceramao partir o pão, Jesus desapare-ceu (cf. Lc 24,30-31).

Jesus usou a bíblia para sus-citar neles uma profunda trans-formação de vida, do medo paraa coragem, do desespero para aesperança. A conversa com osdois discípulos estabelece pon-tos fundamentais para a nossaleitura da bíblia. Jesus refletecom eles sobre a realidade, criaum ambiente de conversa a res-peito dos fatos que aconteceramem Jerusalém naqueles dias,com jeito, leva os dois a falaremdos problemas que causavamdesânimo. Com isto veio à tonaa realidade, a tristeza, a falsa es-perança de um messias glorioso,a condenação e a morte de Jesus(cf. Lc 24,13-24).

Depois de ouvir os dois,Jesus, partindo das escrituras,começou a interpretar os fatos eanimá-Ios, refletiu e provou, coma luz da palavra, que os fatos nãoestavam escapando das mãos deDeus. Estudaram a palavra deDeus a partir da vida.

O texto bíblico tem um sen-tido que deve ser respeitado, nãopodemos manipulá-Io em favordas nossas próprias ideias. Falarda vida e da bíblia aqueceu o co-ração dos dois, eles convidaramJesus para partilharem o pão.Jesus ficou com eles, sentou-seà mesa, rezou e partilhou o pão.Ensinou, mas antes fez gestosconcretos de amizade.

Estes elementos devem estarpresentes na nossa leitura dabíblia. A força da palavra aque-ce nosso coração, abre nossosolhos (cf. Lc 24,33-35).

CLEMILSONTEonOROMISSIONÁRIO DA

lMACULADA-P ADRE KOLBE