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www.medicinaatual.com.br Pancreatite aguda Autores Carlos de Barros Mott 1 Publicação: Mai-2007 1 - Como conceituar a pancreatite aguda? Trata-se de um processo inflamatório agudo do pâncreas, conseqüente a ativação precoce intra-glandular de certas enzimas pancreáticas e que, geralmente, manifesta-se clinicamente com dor abdominal e elevação sérica das enzimas pancreáticas (amilase e lipase). 2 - Como são classificadas as pancreatites agudas? As pancreatites agudas apresentam espectro clínico-evolutivo extremamente variado, sendo classificadas, quanto a gravidade, em leves e graves. Pancreatite aguda leve Forma benigna, limitada ao pâncreas, sem repercussões sistêmicas, com morbidade e mortalidade desprezíveis, caracterizada histologicamente por edema intersticial. Pancreatite aguda grave Apresenta repercussões sistêmicas (choque, insuficiências respiratória, renal e circulatória) além de complicações locais (necrose, flegmão, pseudocistos e abscesso), com morbi- mortalidade, ainda hoje, importante, caracterizada histologicamente por necrose pancreática e/ou peri-pancreática. Na forma leve a mortalidade não ultrapassa 2% , enquanto que na grave oscila entre 30% a 40%, sobretudo nos casos que evoluem com infecção da necrose. Como veremos, é imprescindível, desde o estabelecimento do diagnóstico de pancreatite aguda, caracterizar a sua forma, se leve ou grave, visto que a conduta terapêutica e o prognóstico variarão conforme o tipo da apresentação da inflamação aguda do pâncreas. Em nosso meio, cerca de 80% dos pacientes apresenta a forma leve e 20% a forma grave da doença. 3 - Qual a prevalência das pancreatites agudas? A pancreatite aguda é uma doença de distribuição mundial, com morbidade e mortalidade, ainda hoje, importantes. Sua incidência vem aumentando significativamente nos últimos anos, passando de 21 casos/milhão de habitantes para 242 casos/milhão. O motivo dessa mudança é desconhecido, mas fatores como melhora das técnicas diagnósticas, aumento da prevalência da litíase biliar e da população idosa podem ter contribuído. 4 - Quais os principais fatores etiológicos da pancreatite aguda? Do ponto de vista prático, é imprescindível o conhecimento adequado dos principais fatores etiológicos das pancreatites agudas, para que, em época oportuna e de forma adequada, possam ser reparados, para prevenir novas crises, que podem ser graves e mesmo fatais. A persistência do fator etiológico propicia o aparecimento de novas crises em cerca de 50% dos casos. Numerosos fatores etiológicos são habitualmente citados na gênese das PA. De um modo geral e de forma didática podemos agrupá-los em cinco causas: mecânicas, metabólicas, infecciosas, vasculares e miscelâneas. Os dados aqui expostos sobre a etiologia das pancreatites agudas basear-se-ão nos resultados obtidos em 304 portadores de pancreatite aguda por nós investigados prospectivamente (tabela 1) no Grupo de Pâncreas do Hospital das Clínicas de São Paulo- HCFMUSP. 1 Professor Livre Docente e Membro do Grupo de Pâncreas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Pancreatite aguda

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Pancreatite aguda

Autores Carlos de Barros Mott1 Publicação: Mai-2007

1 - Como conceituar a pancreatite aguda?

Trata-se de um processo inflamatório agudo do pâncreas, conseqüente a ativação precoce intra-glandular de certas enzimas pancreáticas e que, geralmente, manifesta-se clinicamente com dor abdominal e elevação sérica das enzimas pancreáticas (amilase e lipase).

2 - Como são classificadas as pancreatites agudas?

As pancreatites agudas apresentam espectro clínico-evolutivo extremamente variado, sendo classificadas, quanto a gravidade, em leves e graves. Pancreatite aguda leve Forma benigna, limitada ao pâncreas, sem repercussões sistêmicas, com morbidade e mortalidade desprezíveis, caracterizada histologicamente por edema intersticial. Pancreatite aguda grave Apresenta repercussões sistêmicas (choque, insuficiências respiratória, renal e circulatória) além de complicações locais (necrose, flegmão, pseudocistos e abscesso), com morbi-mortalidade, ainda hoje, importante, caracterizada histologicamente por necrose pancreática e/ou peri-pancreática. Na forma leve a mortalidade não ultrapassa 2% , enquanto que na grave oscila entre 30% a 40%, sobretudo nos casos que evoluem com infecção da necrose. Como veremos, é imprescindível, desde o estabelecimento do diagnóstico de pancreatite aguda, caracterizar a sua forma, se leve ou grave, visto que a conduta terapêutica e o prognóstico variarão conforme o tipo da apresentação da inflamação aguda do pâncreas. Em nosso meio, cerca de 80% dos pacientes apresenta a forma leve e 20% a forma grave da doença.

3 - Qual a prevalência das pancreatites agudas?

A pancreatite aguda é uma doença de distribuição mundial, com morbidade e mortalidade, ainda hoje, importantes. Sua incidência vem aumentando significativamente nos últimos anos, passando de 21 casos/milhão de habitantes para 242 casos/milhão. O motivo dessa mudança é desconhecido, mas fatores como melhora das técnicas diagnósticas, aumento da prevalência da litíase biliar e da população idosa podem ter contribuído.

4 - Quais os principais fatores etiológicos da pancreatite aguda?

Do ponto de vista prático, é imprescindível o conhecimento adequado dos principais fatores etiológicos das pancreatites agudas, para que, em época oportuna e de forma adequada, possam ser reparados, para prevenir novas crises, que podem ser graves e mesmo fatais. A persistência do fator etiológico propicia o aparecimento de novas crises em cerca de 50% dos casos.

Numerosos fatores etiológicos são habitualmente citados na gênese das PA. De um modo geral e de forma didática podemos agrupá-los em cinco causas: mecânicas, metabólicas, infecciosas, vasculares e miscelâneas. Os dados aqui expostos sobre a etiologia das pancreatites agudas basear-se-ão nos resultados obtidos em 304 portadores de pancreatite aguda por nós investigados prospectivamente (tabela 1) no Grupo de Pâncreas do Hospital das Clínicas de São Paulo- HCFMUSP.

1 Professor Livre Docente e Membro do Grupo de Pâncreas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

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Tabela 1. Principais etiologias de pancreatite aguda observadas em 304 pacientes atendidos no Grupo de Pâncreas do HC-FM-USP

Causas N (%) Mecânicas 212 (69,8%) Metabólicas 48 (15,8%) Infecciosas 16 (5,3%) Vasculares 3 (0,9%) Miscelâneas 3 (0,9%) Idiopáticas 22 (7,2%) Alcoolismo agudo 0 (0%)

Como pode ser observado pela análise da tabela 1, cerca de 70% dos fatores etiológicos estavam relacionados a causas mecânicas (litiásicos e não-litiásicos), 15,9% com alterações metabólicas (hiperlipemia e drogas); 5,3 % com agentes infecciosos (parasitas, bactérias e vírus), 0,9% com alterações vasculares (poliarterite nodosa e lúpus eritematoso) e, finalmente, 0,9% com causas mais raras (transplante renal, doença de Crohn e hormônio do crescimento).

5 - Quais são as principais causas mecânicas de pancreatite aguda?

A tabela 2 ilustra as principais causas mecânicas de pancreatite aguda.

Tabela 2. Principais etiologias relacionadas às causas mecânicas de pancreatite aguda nos pacientes atendidos no Grupo de Pâncreas do HC-FM-USP

Causas litiásicas (174/212 – 82,1%)

Causas não litiásicas (38/212 – 17,9%)

Cálculos 158 (91%) Pâncreas divisum 9 (23%) Lama biliar 5 (3%) Dutos bíleo-pancreático 3 (8%) Microcristais 11 (6%) Ascaris 6 (16%)

Divertículo justa-pancreático 3 (8%) Esfincterotomia 6 (16%) Papilotomia 4 (11%) CPRE 3 (8%) Tumor pancreático 2 (5%)

Pós-operatório 2 (5%)

Convém salientar que, em 6,3% dos pacientes com doença biliar, o cálculo biliar não pode ser identificado pelos métodos habituais de investigação. Assim, torna-se evidente a importância, como veremos posteriormente, da pesquisa de microcristais de colesterol e de bilirrubinato de cálcio na bile nos casos suspeitos de doença biliar.

O pancreas divisum resulta de uma alteração na embriogênese do pâncreas de tal sorte que o ducto pancreático principal, ao invés de desembocar na papila maior junto com o colédoco o faz na papila menor, determinando um regime de hipertensão intra-canalicular, que pode levar à inflamação aguda do pâncreas. O diagnóstico do pancreas divisum pode ser estabelecido facilmente pela pancreato-colangiografia endoscópica trans-papilar ou, preferencialmente, pela ressonância magnética.

O ascaris lumbricoides, responsável em seis casos pela pancreatite aguda, dos quais quatro eram crianças, representa a causa etiológica mais freqüente, na infância, em países em desenvolvimento.

6 - Quais as principais causas metabólicas de pancreatite aguda?

As principais causas metabólicas de pancreatite aguda são hiperlipemia, drogas, hipercalcemia e álcool. A tabela 3 ilustra a participação de cada uma delas nos casos de pancreatite do ambulatório de doenças pancreáticas do HC-USP.

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Tabela 3. Causas metabólicas de pancreatite aguda nos pacientes atendidos no Grupo de Pâncreas do HC-FM-USP (15,8% de todas as causas – 48 casos em 304)

Causas N % Hiperlipemia 41 85,4% Drogas 7 14,6% Álcool 0 0% Hipercalcemia 0 0%

A hiperlipemia constitui-se na segunda causa das pancreatites agudas mais freqüente em nosso meio. Seus portadores, em geral, apresentam níveis de triglicérides acima de 1.000 mg/dl.

Em relação às drogas, são descritos mais de 80 medicamentos capazes de determinar a inflamação aguda do pâncreas. O envolvimento pancreático pelas drogas resulta de fenômenos de hipersensibilidade ou de acúmulo de metabólicos tóxicos nas células do órgão. As principais drogas são representadas pelos imunossupressores, corticóides, anticonvulsivantes e antivirais.

Contrariamente ao que tem sido observado por alguns autores, não observamos na presente casuística nenhum caso de pancreatite aguda relacionado à ingestão aguda excessiva de álcool.

7 - Quais as principais causas infecciosas de pancreatite aguda?

Infecções virais (coxackie, caxumba, hepatites, AIDS), parasitárias e bacterianas podem levar a pancreatite aguda. Na Tabela 4 encontram-se os principais agentes infecciosos responsáveis pela pancreatite aguda na casuística do HC-USP.

Tabela 4. Causas infecciosas de pancreatite aguda aguda nos pacientes atendidos no Grupo de Pâncreas do HC-FM-USP (15,8% de todas as causas – 48 casos em 304)Causas N % Viral 6 37,5% Parasitária 6 37,5% Bacteriana 4 25,0%

8 - O que são pancreatites agudas idiopáticas e qual a conduta diagnóstica?

Quando, apesar de uma investigação diagnóstica minuciosa dos principais fatores etiológicos das pancreatites agudas, não conseguimos caracterizá-los, denominamos pancreatite aguda idiopática ou de origem indeterminada.

Até há duas ou três décadas, a incidência da pancreatite aguda idiopática oscilava entre 10% e 20%. Com a introdução rotineira na prática médica de vários exames subsidiários, em particular os métodos de imagem, hoje somente entre 5% e 10% das vezes não conseguimos caracterizar o fator determinante da inflamação aguda do pâncreas. Nesse sentido, três exames têm se mostrado extremamente úteis: a pesquisa de microcristais na bile, a ecoendoscopia e o mapeamento genético. Esses três procedimentos devem sempre ser realizados quando, pelos métodos diagnósticos habituais, não conseguimos saber a causa determinante da afecção.

9 - Como se pesquisam microcristais na bile e quando este exame está indicado?

A pesquisa de microcristais na bile é de fácil realização. Coleta-se 5 ml de bile, por via endoscópica transpapilar, centrifuga-se e pesquisa-se a presença dos microcristais de colesterol e/ou de bilirrubinato de cálcio em microscópio de luz polarizada.

Este procedimento deve ser sempre realizado, sobretudo, quando há indícios clínicos e bioquímicos de doença biliar e os métodos convencionais, em particular a ecografia, não

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conseguem caracterizá-lo. Vale a pena realizá-lo também em situações em que a incidência de doença biliar é elevada. A tabela 5 resume todas essas situações.

Tabela 5. Situações em que a pesquisa de microcristais na bile está indicada Indícios clínicos

Indícios bioquímicos Situações de elevada incidência de doença biliar

• Cólica biliar pregressa

• Icterícia

• Transaminases 3 vezes maiores que o limite superior normal

• Aumento de enzimas canaliculares

• Obesidade • Emagrecimento rápido • Alimentação parenteral

prolongada • Jejum prolongado • Gravidez • Hepatopatias crônicas • Drogas (contraceptivos,

ceftrioaxone, octreotide) • Vagotomia troncular • Doença ileal • Ressecção ileal e colônica

A ecoendoscopia também tem se mostrado extremamente útil na caracterização da microlitíase.

10 - Qual a importância do estudo genético na investigação etiológica da pancreatite aguda?

Mais recentemente algumas mutações genéticas têm sido incriminadas na gênese das pancreatites agudas, em particular a mucoviscidose, podendo, na forma heterozigótica, ser a pancreatite aguda a única manifestação clínica da doença.

11 - Qual á a patogenia das pancreatites agudas?

A patogenia das pancreatites agudas está relacionada com a ativação precoce, intraglandular, das enzimas pancreáticas. Em condições normais, muitas das enzimas pancreáticas são secretadas sob a forma de pró-enzimas e o tripsinogênio, ativado por peptidases nos vilos do intestino delgado (enteropeptidases), é o responsável pela ativação das mesmas.

Existem inúmeros mecanismos que previnem a auto-digestão da glândula pancreática:

• as enzimas proteolíticas que digerem as membranas celulares são produzidas sob a forma de pró-enzimas;

• as enzimas digestivas são separadas por compartimentos dentro das células acinares, longe do contato com enzimas lisosomiais;

• o pâncreas produz um inibidor de tripsina juntamente com as enzimas proteolíticas; • a enteroquinase, enzima que ativa o tripsinogênio, encontra-se no duodeno, separada

fisicamente do pâncreas; • o fígado produz dois inibidores séricos da ativação das enzimas pancreática, a alfa-1

antitripsina e a alfa-2 macroglobulina.

As pancreatites agudas surgem em decorrência da ativação de enzimas ainda dentro do pâncreas, cujo agente desencadeador de tal processo ainda hoje não está totalmente esclarecido. A partir da ativação do tripsinogênio em tripsina, inicia-se, precocemente, a transformação de outras enzimas, antes protegidas em grânulos de zimogênio, em enzimas ativas, como a elastase, a quimotripsina e a fosfolipase A, que passam a agir no interior da própria glândula pancreática, à sua volta e à distância.

Tudo leva a crer que o princípio fisiopatológico desta ativação enzimática precoce está na alteração da microcirculação pancreática. A lesão isquêmica seguida de reperfusão é, provavelmente, a responsável por esta alteração na microcirculação nas pancreatites agudas, sendo os radicais livres de oxigênio e os leucócitos polimorfonucleares produzidos no tecido isquêmico os agentes da lesão celular. Paralelamente à agressão às células pancreáticas,

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causada pela isquemia seguida de reperfusão, o sistema cinina-calicreína age como mediador do processo inflamatório agudo, aumentando ainda mais a permeabilidade capilar e o acúmulo de leucócitos polimorfonucleares.

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12 - Qual o quadro clínico das pancreatites agudas?

A dor abdominal é o sintoma mais freqüente e, geralmente, revelador da afecção. Localiza-se no andar superior do abdome, por vezes em faixa, podendo ou não se irradiar para o dorso. Concomitantemente, surgem náuseas e vômitos, por vezes, incoercíveis.

A palpação abdominal mostra, no início do quadro, um abdome paradoxalmente inocente em relação à queixa dolorosa; com o passar das horas surge a distensão abdominal secundária ao íleo paralítico. A persistência da dor abdominal e do íleo paralítico, por mais de três a quatro dias sugere gravidade do processo inflamatório.

Mais tardiamente, após o início dos sintomas, embora raras, podem surgir manchas equimóticas periumbilical (sinal de Cullen) ou em flancos (sinal de Gray Turner) e, até mesmo, ascite. Esses três sinais sugerem a presença de hemorragia retroperitoneal e apontam para a instalação da pancreatite aguda grave.

Icterícia ocorre em cerca de 25%dos casos, decorrente habitualmente da litíase biliar, seja por coledocolitíase, com ou sem colangite associada, seja pela passagem de cálculo biliar pela via biliar principal, determinado edema da papila duodenal, seja, ainda, por compressão do colédoco distal pelo edema na cabeça do pâncreas.

13 - Quais são as complicações sistêmicas das pancreatites agudas?

Nas formas graves, quando evoluem com necrose, é comum o aparecimento de alterações circulatórias, respiratórias e renais, situações essas que, quando presentes, indicam prognóstico desfavorável.

Além da taquicardia e da hipotensão arterial decorrentes da hipovolemia, a liberação de cininas vasoativas, por suas ações tanto vasodilatadora quanto depressora do miocárdio, contribui para a instalação do quadro de choque.

As complicações respiratórias caracterizam-se por hipoxemia arterial grave, secundária à presença de atelectasias e edema pulmonar não cardiogênico, constituindo a síndrome do desconforto respiratório agudo. Outra complicação respiratória é o surgimento de derrame pleural.

A insuficiência renal surge principalmente pela acentuada hipotensão arterial que leva à isquemia e necrose tubular.

Outras manifestações clínicas tais como hemorragia digestiva, alterações do sistema nervoso central, lesões cutâneas esteato-necróticas e dores articulares são bem mais raras.

14 - Como fazer o diagnóstico das pancreatites agudas?

O diagnóstico clínico das pancreatites agudas é extremamente difícil de ser estabelecido em razão da similaridade de seu quadro com outras afecções abdominais e, mesmo, extra-abdominais e pela presença de forma indolor da doença. Nesse sentido, torna-se imprescindível em todo caso suspeito a realização de exames subsidiários para o estabelecimento do diagnóstico definitivo. Esses exames incluem determinações bioquímicas séricas e métodos de imagem.

15 - Quais são os exames bioquímicos úteis para o diagnóstico de pancreatite aguda?

Em relação aos exames bioquímicos, a amilase e a lipase sérica, quando superiores a três vezes seus valores máximos normais, sugerem fortemente a ocorrência da inflamação aguda do pâncreas. Níveis pouco elevados de amilase e lipase podem estar presentes em úlceras perfuradas, isquemia mesentérica, falência renal, inflamação ou perfuração da trompa uterina e, mesmo, em doenças inflamatórias intestinais.

A dosagem da lipase sérica é recomendada para o diagnóstico de pancreatites agudas, tanto precoce como tardiamente, por ser mais específica e por permanecer mais tempo elevada que a amilase. Ambas determinações são altamente específicas quando elevadas, mas apresentam

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baixa sensibilidade diagnóstica e não têm nenhum valor prognóstico. Após um surto de pancreatite aguda, a persistência de amilasemia elevada por mais de sete dias, sobretudo se houver dor abdominal persistente e massa abdominal palpável, sugere fortemente a possibilidade de pseudocisto.

16 - Quais os métodos de imagem mais utilizados no diagnóstico das pancreatites agudas?

Os métodos de imagem mais utilizados no diagnóstico das pancreatites agudas incluem:

• radiografia simples de abdome, • radiografia de tórax, • ultra-sonografia convencional • ultra-sonografiaendoscópica, • tomografia computadorizada de abdome, • ressonância magnética de abdome.

17 - Quais são os achados na radiografia simples de abdome na pancreatite aguda?

O exame radiológico simples de abdome pode ser normal em caso de pancreatite aguda leve. No entanto, pode-se evidenciar:

• presença de velamento da região pancreática, correspondendo a edema do órgão ou a um pseudocisto,

• alça sentinela (segmento de alça do delgado paralisada no nível do jejuno proximal), • bolhas gasosas na região pancreática ou peri-pancreática (aspecto de miolo de pão)

são sugestivas de abscesso pancreático por germes anaeróbios.

18 - Quais são os achados na radiografia de tórax na pancreatite aguda?

O exame radiológico do tórax pode mostrar-se alterado em cerca de 30% dos pacientes com pancreatite aguda, com elevações de cúpulas diafragmáticas, derrame pleural uni ou bilateral, atelectasias de bases pulmonares ou, ainda, imagens alveolares difusas (compatíveis com a síndrome de desconforto respiratório agudo).

19 - Qual o papel do ultra-som abdominal na pancreatite aguda?

O exame ultrassonográfico de abdome é de fácil realização e inofensivo para o paciente, podendo ser repetido várias vezes. Apresenta enorme interesse, não só para o diagnóstico da inflamação aguda do pâncreas, mas auxilia também na evolução da afecção e, sobretudo, na caracterização da eventual doença biliar. As principais alterações ecográficas observadas na vigência das pancreatites agudas são representadas pelo aumento segmentar ou difuso da glândula pancreática com diminuição da ecogenicidade (edema) e a presença de coleções líquidas que se estendem para os espaços peri-renais anteriores, mesocólon transverso e mesentério do intestino delgado e de ascite. Esse método pode ter sua sensibilidade diminuída, tanto para o diagnóstico da pancreatite aguda, quanto da necrose pancreática, pela interposição das alças intestinais distendidas.

A ecoendoscopia (ultra-som endoscópico) pode ser útil para a comprovação da litíase biliar, especialmente a microlitíase não diagnosticada por outros métodos subsidiários.

20 - Qual o papel da tomografia computadorizada na pancreatite aguda?

A tomografia computadorizada do abdome com contraste endovenoso constitui procedimento extremamente útil não só no diagnóstico da pancreatite aguda e de suas complicações (ascite, abscesso, necrose), mas também na evolução da doença, sobretudo nos casos que evoluem com necrose pancreática.

21 - Qual o papel da ressonância magnética na pancreatite aguda?

A ressonância magnética tem valor semelhante à tomografia computadorizada no diagnóstico da pancreatite aguda e de suas complicações, bem como na avaliação da sua evolução. A

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possibilidade da realização da pancreatocolangiografia por esse método torna esse procedimento subsidiário importante na avaliação dos ductos pancreáticos e biliares.

22 - A pancreatocolangiografia endoscópica trans-papilar deve ser feita na suspeita de pancreatite aguda?

Não a pancreatocolangiografia endoscópica trans-papilar, para fins diagnósticos, não deve ser utilizada na vigência da pancreatite aguda, pois não se mostra superior a obtida pela ressonância magnética e pode favorecer a infecção da glândula pancreática ou, ainda, a ruptura dos ductos pancreáticos.

23 - Quais são os critérios utilizados na avaliação da gravidade da pancreatite aguda?

A forma grave da pancreatite aguda pode ser caracterizada através de parâmetros clínicos, bioquímicos, escores e pelos métodos de imagem.

Do ponto de vista clínico, a persistência de dor e de distensão abdominal por mais de quatro a cinco dias, aparecimento de febre, manchas equimóticas peri-umbilical e/ou nos flancos, indícios clínicos de choque, insuficiência renal e respiratória e hemorragia digestiva sugerem fortemente a presença da forma grave da doença.

Entre os marcadores bioquímicos da gravidade, vários parâmetros laboratoriais têm sido preconizados na tentativa do diagnóstico precoce de gravidade da pancreatite aguda, como as dosagens de metamalbumina e antiproteases (alfa-2 macroglobulina e alfa-1 antitripsina), da proteína C reativa, do peptídeo ativador do tripsinogênio urinário e da elastase granulocítica dos leucócitos. Dentre eles, a proteína C reativa tem se mostrado útil e de fácil realização. Valores acima de 150 mg/l, 48 horas após o início dos sintomas, sugere, com muita probabilidade, a presença de necrose pancreática.

Os sistemas de escores clínicos-bioquímicos (RANSON e GLASGOW) necessitam de pelo menos 48 horas a partir da admissão do paciente para uma avaliação completa dos mesmos, o que, do ponto de vista prático, compromete a identificação precoce da pancreatite aguda grave.

Mais recentemente, o sistema APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation) mostrou-se útil, permitindo uma avaliação adequada do paciente em 24 horas, fornecendo informações tão válidas quanto aquelas obtidas pelos escores de RANSON e GLASGOW.

A tomografia computadorizada abdominal, sobretudo a helicoidal multislice, com contraste endovenoso, é o padrão ouro para o diagnóstico da necrose pancreática e peri-pancreática, possibilitando avaliar a sua extensão e, quando presente, a infecção (bolhas gasosas) (escore de BALTHAZAR).

Resumidamente, a presença de um ou mais dos critérios abaixo, indica a forma grave da pancreatite aguda:

1. Insuficiência de órgão(s) i. Choque: PA sistólica menor que < 90 mmHg ii. Insuficiência pulmonar: PaO2< 60 mmHg iii. Insuficiência renal: creatinina sérica maior que 2 mg/dl iv. Hemorragia gastrointestinal: acima de> 500 ml em 24h.

2. Proteína C Reativa > 150mg/dl 3. Complicações locais

i. Necrose ii. Pseudocistos iii. Abscessos

4. Escores i. Ranson > 3 ii. APACHE II > 8 iii. BALTHAZAR > 7

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24 - Quais as medidas iniciais nas pancreatites agudas?

O tratamento das pancreatites agudas deve ser sempre, inicialmente, clínico e conservador. Uma vez estabelecido o diagnóstico de pancreatite aguda, do ponto de vista clínico, cinco orientações precisam ser seguidas para o sucesso terapêutico:

1. Internar o paciente. 2. Prescrever cuidados terapêuticos iniciais. 3. Investigar o fator etiológico. 4. Caracterizar a forma da pancreatite aguda. 5. Prevenir e tratar a necrose pancreática.

25 - Preferencialmente, onde devemos internar o portador de pancreatite aguda?

O paciente deverá ser internado, desde que possível, em hospital que disponha de retaguarda intensiva adequada, de equipe médica multidisciplinar, constituída por gastroenterologista, intensivista, radiologista, endoscopista e cirurgião, e que possibilite, pelo caráter imprevisível da doença, a realização de certos exames subsidiários não só para caracterizar a forma da pancreatite aguda, se leve ou grave, mas também para acompanhar a evolução da mesma, sobretudo nos casos que evoluem com necrose glandular.

26 - Qual é a base do tratamento nas pancreatites agudas?

Os cuidados terapêuticos clínicos iniciais incluem:

• repouso glandular pancreático, • manutenção da perfusão tecidual, • analgesia.

27 - Como promover o repouso da glândula na pancreatite aguda?

É convencionalmente aceito que o pâncreas deverá permanecer em repouso durante o episódio de pancreatite aguda Os procedimentos preconizados para tal fim incluem, além do jejum, redução das secreções cloridro-péptica e pancreática.

Embora não exista na literatura nenhum estudo controlado comprovando a eficácia do jejum no surto de pancreatite aguda, não resta dúvida que esta conduta constitui medida terapêutica eficaz e necessária, sobretudo nos casos que evoluem com íleo paralítico.

Na redução da secreção gástrica são preconizadas aspiração nasogástrica e utilização de bloqueadores H2 e /ou de inibidores da bomba de prótons. A utilização da sonda naso-gástrica tem dupla finalidade: 1. impedir a passagem dos íons hidrogênio para o duodeno, prevenindo a liberação dos hormônios duodenais pancreáticos, em particular a secretina, responsável pelo estímulo da secreção hidroeletrolítica do pâncreas; 2. melhorar a distensão abdominal secundária ao íleo paralítico.

A drenagem gástrica, através da sonda nasal, não diminui a mortalidade nem o tempo de internação, mas trata o íleo paralítico, impede a aspiração do conteúdo gastroduodenal e diminui o desconforto do paciente, reduzindo dor, náuseas e vômitos.

Em relação aos bloqueadores e inibidores da secreção gástrica, em estudos controlados, nenhum destes medicamentos melhorou a evolução clínica ou preveniu complicações das pancreatites agudas, pois não apresentaram nenhum efeito sobre a secreção pancreática. Hoje, suas utilizações restringem-se à prevenção de lesões gastroduodenais, sobretudo nos pacientes que permanecem em jejum prolongado.

Várias drogas têm sido preconizadas nos últimos anos com o intuito de reduzir a estimulação da secreção pancreática (atropina, inibidores proteolíticos, prostraglandinas, antiproteases, antioxidantes, glucagon, somatostatina, calcitonina e PPY). Em estudos controlados, nenhum destes medicamentos melhorou a evolução clínica dos pacientes ou foi capaz de prevenir as complicações de forma estatisticamente significativa. Da mesma forma, o uso de drogas que inibem os mediadores inflamatórios (aprotinina, gabexate, indometacina, etc) ou a realização de procedimentos, como a lavagem peritoneal, também não têm se mostrado eficazes em

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estudos controlados, em relação à evolução clínica, à incidência de complicações e à mortalidade destes pacientes. Assim sendo, ainda hoje, não há nenhuma droga ou procedimento que seja capaz de impedir a evolução ou reverter a inflamação aguda do pâncreas.

28 - Como deve ser mantida a perfusão tecidual na pancreatite aguda?

Tanto a manutenção da perfusão tecidual quanto a correção eletrolítica deverão ser precoces e eficientes para prevenir a hipovolemia decorrente do enorme seqüestro de líquido para o terceiro espaço, diminuindo assim, a possibilidade de necrose tubular aguda, do choque e melhorando a perfusão da microcirculação pancreática.

A reposição líquida deverá ser maciça, com a administração endovenosa de cristalóides (soro, ringer) e colóides (dextram, albumina), não só para prevenir o choque, mas também porque a hemoconcentração é considerada como fator de risco para a necrose pancreática.

29 - Como deve ser o tratamento da dor na pancreatite aguda?

O tratamento da dor também deverá ser precoce e adequado, pois, além do desconforto para o paciente, pode precipitar e/ou agravar o estado de choque.

Para a analgesia, têm sido utilizados os derivados da meperidina, o cloridrato de tramadol, o cloridrato de buprenorfina, além da novocaína. A morfina deve ser proscrita, pois, além do espasmo do esfíncter de Oddi, é potente estimulante da secreção pancreática, por via vagal. Nos casos de dor intensa e persistente, a analgesia peridural pode ser necessária.

30 - Qual a importância e quando investigar o fator etiológico das pancreatites agudas?

É imprescindível o conhecimento adequado do fator etiológico responsável pela inflamação aguda do pâncreas para que, em época oportuna, o mesmo possa ser reparado, prevenindo, assim, novas crises que eventualmente podem ser graves, ou mesmo fatais. A persistência do agente etiológico nas pancreatites agudas propicia sua recidiva em aproximadamente 50% dos casos.

Hoje, com o desenvolvimento dos métodos subsidiários, em particular os métodos de imagem e as pesquisas de microcristais na bile, o conhecimento exato do fator etiológico para uma pancreatite aguda ultrapassa 90% dos casos.

De modo geral, essa investigação deve iniciar-se precocemente, na vigência do surto agudo inicial, desde que não sejam utilizados procedimentos invasivos, que estão totalmente contra-indicados nesta fase.

31 - Qual a importância de se caracterizar a forma da pancreatite aguda?

É imprescindível, desde o início, procurar caracterizar a forma de pancreatite aguda, se leve ou grave, através de parâmetros clínicos, bioquímicos (proteína C reativa) escores prognósticos (Ranson, Glasgow, APACHE II) e de métodos de imagem (US convencional e endoscópio, CT helicoidal, ressonância magnética), visto que a abordagem terapêutica e o prognóstico variarão segundo o grau do comprometimento glandular.

Na forma leve (edema intersticial) a mortalidade é inferior a 2% e geralmente devida à presença de outra doença, enquanto que na forma grave (necrose pancreática e/ ou peri-pancreática) a mortalidade oscila entre 20% e 40% dos casos, sobretudo naqueles que evoluem com necrose, em especial quando infectada.

Nas formas graves, além dos cuidados terapêuticos gerais, há necessidade do tratamento das alterações sistêmicas, sobretudo dos distúrbios metabólicos, dos transtornos cardiovasculares, das alterações pulmonares, renais e hematológicas.

32 - Como prevenir a infecção da necrose pancreática na pancreatite aguda?

Cerca de 20% dos casos de pancreatite aguda evoluem com necrose pancreática e/ou peri-pancreática, com extensão variável. A necrose pancreática é o principal fator preditivo negativo

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da gravidade da pancreatite aguda, sobretudo quando se infecta, o que ocorre espontaneamente em 50% dos casos, sendo a principal causa de morte da doença.

Assim sendo, todo empenho clínico deve ser orientado no sentido de prevenir a infecção da necrose. Isto pode, algumas vezes, ser conseguido não utilizando procedimentos invasivos (pancreatocolangiografia e papilotomia endoscópica, tratamento cirúrgico precoce), cateteres centrais, prevenindo a translocação bacteriana e, finalmente, com o uso de antibioticoterapia profilática.

Não se justifica, em hipótese alguma, realizar papilotomia endoscópica precocemente nos casos suspeitos e/ou comprovados de coledocolitíase, se houver boa evolução clínica elaboratorial. Da mesma forma, não deve ser realizada colecistectomia precoce na vigência do surto agudo da pancreatite, com litíase biliar e/ou coledociana, se a evolução clínica for satisfatória. Ainda, com o intuito de prevenir a infecção do tecido necrótico, este não deve ser puncionado precocemente com agulha fina, se a evolução clínica for satisfatória.

Além da prevenção de infecção pela não utilização de cateteres centrais, tem sido observado ultimamente que a alimentação enteral apresenta inúmeras vantagens em relação à parenteral. Sua utilização reduz significativamente as complicações infecciosas, o tempo de permanência hospitalar, apresenta menor custo, maior facilidade de administração e, sobretudo, ocorre melhora da função imune e diminui a translocação bacteriana. Sabe-se hoje que, além dos procedimentos terapêuticos inadequados, a translocação bacteriana, ou seja, a passagem das bactérias viáveis da mucosa intestinal para outros órgãos e sistemas, é a principal causa da infecção da necrose pancreática. Experimentalmente tem sido demonstrado que, após a indução da pancreatite aguda, ocorre redução do sistema monocítico fagocitário, favorecendo a translocação bacteriana. Portanto, a crescente evidência de que a translocação bacteriana a partir do cólon seja a causa mais importante de infecção em casos de necrose pancreática reforça a hipótese de que o antibiótico a ser usado nestes casos seja aquele eficaz contra microorganismos entéricos e que tenha alta penetração no tecido pancreático.

A administração profilática de antibióticos reduz as complicações sépticas imediatas e tardias da necrose pancreática, quando utilizados por período superior a quatro semanas, além de possibilitar o retardo da indicação da seqüestrectomia, diminuindo significativamente a mortalidade nestes pacientes. Sabe-se hoje que medicamentos como imipenem, ciprofloxacino e metronidazol apresentam elevada concentração no tecido e no suco pancreáticos.

As bactérias responsáveis pela infecção da necrose pancreática provêm do trato intestinal, sendo quase sempre representadas por agentes gram-negativos e por poucos anaeróbicos. Na vigência da antibioticoterapia, se houver persistência do processo infeccioso, após duas a três semanas de evolução, deve-se atentar para a possibilidade de mudança de perfil microbiano para um quadro polimicrobiano que, em geral, inclui o Staphylococcus sp e, às vezes, infecção fúngica, tornando necessárias medidas terapêuticas específicas.

33 - Qual a conduta terapêutica na necrose pancreática estéril?

Existe consenso quase unânime que a melhor conduta terapêutica para a necrose estéril, coleções líquidas e pseudo-cistos não complicados é o acompanhamento clínico conservador, com a introdução precoce e prolongada da antibioticoterapia profilática, evitando procedimentos subsidiários invasivos e utilizando a via enteral para alimentação.

Nos casos com boa evolução clínica, sobretudo quando não ocorre infecção associada, em alguns poucos meses, ocorre restituição ad integrum do parênquima glandular, com normalização das funções exócrina e endócrina do pâncreas.

34 - Qual a conduta terapêutica na necrose pancreática infectada?

A infecção da necrose pancreática, embora possa ocorrer precocemente, surge, em geral, a partir da segunda ou terceira semana do início do quadro clínico.

Na vigência da comprovação da necrose glandular pela TC, surgindo indícios de infecção, tais como febre e/ou leucocitose, aparecimento e/ou agravamento da falência sistêmica de órgãos, o diagnóstico da infecção da necrose precisa ser estabelecido com segurança para a indicação

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da seqüestrectomia do tecido infectado. O diagnóstico definitivo da sepse pancreática pode ser feito pelo encontro de bolhas gasosas na região pancreática e/ou peri-pancreática pela tomografia computadorizada ou, ainda, pela punção do tecido pancreático e/ou peri-pancreático com agulha fina, por punção direta e/ou pela eco-endoscopia, seguida de exame microbiológico direto e culturas do material recolhido.

Diferentemente da necrose estéril, na infectada o tratamento é sempre cirúrgico, constituído da seqüestrectomia (retirada do tecido pancreático não viável), acompanhada de ampla drenagem da loja pancreática e da cavidade abdominal. Desde que possível clinicamente, a abordagem cirúrgica deverá ser sempre realizada a partir de dez dias do início do quadro clínico, visto que a mortalidade diminui significativamente em relação à cirurgia precoce.

35 - Qual a conduta terapêutica específica na pancreatite aguda biliar?

A doença biliar (litíase, barro biliar e cristais), como vimos, é a causa mais freqüente da inflamação aguda do pâncreas. Vejamos qual a conduta terapêutica que se deve tomar diante das formas leve e grave, nas pancreatites agudas biliares e, em particular, o momento mais adequado da abordagem cirúrgica da doença biliar e/ou do pâncreas.

Pancreatite aguda biliar leve, com boa evolução, com: 1. Litíase vesicular

a. manter o paciente internado b. tratamento cirúrgico tardio da litíase biliar, após uma semana do surto agudo

inicial c. colecistectomia com exploração das vias biliares.

2. Litíase vesicular + coledociana a. retirada endoscópica do cálculo coledociano, após uma semana do surto

agudo inicial b. colecistectomia com exploração das vias biliares , 48 horas após a papilotomia

endoscópica

Pancreatite aguda biliar 1. Tratamento endoscópico (esfincterotomia)

a. Fortes indícios e/ou certeza de coledocolitíase, somente se houver: i. evolução desfavorável (clínica e bioquímica) ii. colangite associada

Pancreatite aguda biliar grave a. necrose pancreática não infectada b. coleções líquidas estéreis c. pseudo-cistos não complicados

Tratamento conservador associado a antibioticoterapia profilática prolongada. Necrose pancreática e/ou peri-pancreática infectada Seqüestrectomia, se possível, tardia (mais que dez dias após o surto agudo), com drenagem ampla da loja pancreática e da cavidade abdominal. 36 - Qual o papel da endoscopia terapêutica na pancreatite aguda?

Até recentemente não havia consenso entre os autores sobre a importância terapêutica da esfincterotomia endoscópica na vigência do surto agudo da pancreatite, por falta de estudos prospectivos bem conduzidos. Atualmente existe tendência, quase unânime, que a papilotomia endoscópica durante a pancreatite aguda deve ser realizada somente em duas situações:

• quando houver fortes indícios de doença biliar, sobretudo coledocolitíase, com piora do quadro clínico e/ou

• quando houver colangite associada.

Fora essas duas eventualidades, esse procedimento não deve ser realizado, com finalidade diagnóstica e/ou terapêutica, pois pode favorecer a infecção pancreática, sobretudo nos casos que evoluem com necrose glandular.

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37 - Qual a evolução das pancreatites agudas?

A evolução natural das pancreatites agudas, mesmo nas formas graves com intenso comprometimento glandular, é para a cura com restituição ad integrum do parênquima pancreático. Somente em condições excepcionais a pancreatite aguda no seu processo de cicatrização pode determinar estenose de ductos pancreáticos, levando, com o passar do tempo, a pancreatite crônica obstrutiva. Esta ocorrência, no entanto, é extremamente rara.

38 - Leitura recomendada

Banks PA. Practice guidelines in acute pancreatitis. Am J Gastroenterol 2006;101:2379–2400.

Chebli JMF, Martins Junior EV, Gaburri AK, Ferreira LE, Gil JZ, Neves MM. Microcristais biliares: papel no diagnóstico da pancreatite aguda idiopática. Arq Gastroenterol 1996;33:232-43.

Guarita DR, Mott CB. Pancreatites agudas: conhecendo melhor seus fatores etiológicos e sua fisiopatogenia. Arq Gastroenterol 1999;36:1-3.

Guarita DR, Pedroso MRA, Cunha RM, Mott CB. Pancreatopatias. In: Barbieri D, Koda YKL, eds. Doenças Gastoenterológicas em Pediatria. São Paulo: Atheneu, 1995; 382-86.

Guarita DR, Cunha RM, Mott CB. Pancreatites agudas: tratamento clínico. Gastroclínica Atual. 1998;6:12-13.

Guarita DR, Mott CB. Etiopatogenia da pancreatite aguda. In: Dantas W, Coelho LGV, Gonçalves CS, Fonseca CS. eds. A gastroenterologia rumo ao terceiro milênio. São Paulo, Lemos- Editorial, 2000: 255-62.

Machado MCC, Jukemura J, Monteiro da Cunha JE, Penteado S. Pancreatite aguda. In: Pinotti HW, ed. Tratado de clínica cirúrgica do aparelho digestivo. São Paulo, Livraria Atheneu Editora, 1994: 1006-14.

Mott CB, Guarita DR. Pâncreas. In: Moraes Fo JPP, Borges DR. Manual de Gastroenterologia. II ed. São Paulo: Roca, 2000.p.475-507.

Mott CB, Cunha RM, Pedroso MRA, Guarita DR. Etiologia das pancreatites agudas. In: Nader F, ed. Gastroenterologia II. Pelotas: Editora e Gráfica Universitária, 1999:413-20.

Sousa LJ. Tranlocação bacteriana na pancreatite aguda: efeitos dos antagonistas do fator de ativação plaquetário (PAF) e da depleção de enzimas pnacreáticas. São Paulo, 1999, 117p, Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo.