Para a Menina Unwin - Acerca Do Objetivo Da Vida

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  • 8/9/2019 Para a Menina Unwin - Acerca Do Objetivo Da Vida

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    Para a menina Unwin, 20 Maio 1969

    [Acerca do objectivo da vida]

    Lamento o atraso da minha resposta. Espero que chegue a tempo. Que grande pergunta! Acho que asopinies, sejam de quem forem, no servem de muito sem uma explicao da forma como seformaram, mas, nesta questo, no fcil ser breve.O que significa realmente a pergunta? preciso definir Objectivo e Vida. uma pergunta puramentehumana e moral ou refere-se ao Universo? Pode querer dizer: Como devo tentar utilizar o tempo de vida

    que me dado? OU: Que objectivo/desgnio servem os seres vivos ao viverem? No entanto, a resposta primeira pergunta s ser possvel aps considerarmos a segunda.Parece-me que as perguntas sobre o objectivo s so realmente teis quando se referem aosobjectivos ou objectos conscientes dos seres humanos ou s utilizaes das coisas por eles concebidos ecriados. Quanto s outras coisas, o seu valor reside nelas prprias: elas SO, existiriam mesmo quens no existssemos. Mas, uma vez que existimos, uma das suas funes serem contempladas porns. Se subirmos a escala da existncia at outras coisas vivas, como, por exemplo, uma pequenaplanta, esta apresenta forma e organizao: um padro reconhecvel (com variaes) nos seusparentes e descendentes, e isso profundamente interessante, pois essas so outras coisas e nofomos ns que as fizemos. Parecem derivar de uma fonte de inveno incrivelmente mais rica do que anossa.A curiosidade humana em breve coloca a questo COMO: como foi que isto passou a existir? E uma vezque o padro reconhecvel sugere o desgnio, pode passar a colocar a questo PORQU? Mas oPORQU, neste sentido, pode apenas referir-se a uma MENTE. Apenas uma Mente pode ter objectivos emqualquer sentido ou relacionados com os objectivos humanos. Por isso, a pergunta Porque que a vida,a comunidade de seres vivos, apareceu no Universo fsico? introduz imediatamente a pergunta: serque existe um Deus, um Criador/Designer, uma Mente com que as nossas mentes sejam aparentadas(tendo origem nela) de modo a tornar-se, em parte, inteligvel?Chegamos, assim, religio e s ideias morais que dela derivam. Quanto a isso, direi apenas que asmorais tm duas faces, devido ao facto de sermos indivduos (como, em certo grau, todos os seresvivos), mas no vivermos, nem podermos viver, em isolamento, e de termos uma ligao com todas asoutras coisas, mais prxima da ligao absoluta nossa prpria espcie humana.Assim, as morais devero ser um guia para os nossos objectivos humanos, para a conduta das nossasvidas: (a) a forma como os nossos talentos individuais podem ser desenvolvidos sem que osdesperdicemos ou faamos mau uso deles; e (b) sem prejudicar os outros membros da nossa espcie ouinterferir com o seu desenvolvimento. (Para alm e acima de tudo isto, encontra-se o sacrifcio pessoalpor amor).Mas estas so apenas respostas pergunta menor. Para a maior, no existe resposta, pois essa exigeum conhecimento completo de Deus, o que inatingvel. Se perguntarmos porque que Deus nosincluiu no seu Desgnio, s poderemos responder: porque sim.Se no acreditarmos num Deus pessoal, no ser possvel perguntar nem responder pergunta: Qual o objectivo da vida?". A qu ou a quem dirigiramos a pergunta? Mas, uma vez que num estranho canto(ou estranhos cantos) do Universo, as coisas se desenvolveram com mentes que fazem perguntas etentam dar-lhes resposta, poderia dirigir-lhe uma destas peculiares questes. Se eu fosse uma dessasmentes, poderia ousar dizer (falando com absurda arrogncia pelo Universo): Sou como sou. No hnada a fazer. Podem continuar a tentar descobrir o que sou, mas nunca conseguiro. E no sei porquequerem saber.Talvez o desejo de saber apenas por saber esteja relacionado com as oraes que alguns de voz dirigemquele a quem chamam Deus. Nos seus momentos mais elevados, estas parecem simplesmente louv-Lo por existir, tal como , e por ter feito aquilo que faz tal como o fez.Aqueles que acreditam num Deus, num Criador pessoal, no pensam que o prprio Universo digno deser louvado, embora estud-lo aplicadamente possa ser uma das formas de O honrar. E se, comocriaturas vivas, fazemos parte dele, as nossas ideias sobre Deus e as nossas formas de as expressarmossero, em larga medida, extradas da contemplao do mundo que nos rodeia. (Embora exista tambmuma revelao dirigida simultaneamente a todos os homens e a cada pessoa em particular).Assim, pode-se dizer que o principal objectivo da vida, para cada um de ns, aumentar, de acordo coma nossa capacidade, o nosso conhecimento de Deus, recorrendo a todos os meios de que dispomos paraque esse conhecimento nos conduza a orar e a dar graas. Fazer o que dizemos em Gloria in Excelsis:Laudamus te, benedicamus te, adoramus te, gloroficamus te, gratias agimus tibi propter magnamgloriam tuam. Louvamos-te, chamamos-te santo, adoramos-te, proclamamos a tua glria, agradecemosa grandiosidade do teu esplendor.E, em momentos de exaltao, podemos apelar a todas as coisas criadas para que se juntem ao nossocoro, dando-lhes voz, como no Salmo 148 e no Cntico das Trs Crianas em Daniel 2: LOUVAI OSENHOR [...] todas as montanhas e montes, pomares e florestas, coisas rastejantes e aves que voam.Isto demasiado longo, e tambm demasiado curto, para responder a tal questo.Com os melhores cumprimentos,J. R. R. Tolkien.