Para Pensar o 11 de Setembro

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    Para Pensar o 11 de Setembro

    O mundo passou, nos ltimos meses, por mais um daqueles momentos-chave de suahistria. Com Bin Laden morto, encerra-se um captulo da saga americana contraseus inimigos. Mas, como entender todo o processo que se estendeu de 11/09 de

    2001 at maio de 2011? E como pensar as consequncias da queda das torresgmeas, a assimilao deste acontecimento pelo povo americano e pelo mundo?Como entender pelo que passamos e como nos prepararmos para o que passaremos?

    Nossa fonte primria de informao, a mdia de massa, por mais que se esforce, podefornecer apenas informaes. Quando muito, alguma reflexo ligeira. Por isso, voltar-nos bibliografia filosfica condio fundamental para compreendermos nossahistria viva em toda a sua complexidade.

    Pois o filsofo conta com o que grande parte da mdia no conta: com umdistanciamento crtico. Alm, claro, do hbito de aprofundar-se com muita

    perspiccia na anlise e de contar com uma viso aguada de nuances, movimentose consequncias que o olho leigo incapaz de perceber.

    Nesta edio, recomendaremos uma seleo de livros que nos ajudam, e muito, apensar o mundo contemporneo, a entender as relaes psicolgicas e de poder quese estabeleceram depois dos atentados, e a significar com embasamento epropriedade aquilo que o mundo viveu nos dez ltimos anos.

    A primeira obra uma coletnea de ensaios do filsofo que hoje ocupa posio dedestaque no cenrio mundial. Slavoj Zizek. A obra Bem-vindo ao deserto do real.

    Sua interpretao , ao mesmo tempo, inesperada, fascinante e reveladora. Analisa,

    em um primeiro momento, como nos sugere o ttulo, a relao do primeiro-mundocom o real. O avano tecnolgico do sculo XX acabou por transformar da maneiramais radical a nossa experincia de realidade. Sempre uma realidade mediada.Sempre um relato. Ou uma fico com aparncia de real.

    o caso do cinema, que, inmeras vezes retratou a invaso americana, que, nessescasos chegava beira da aniquilao. Lacaniano, analisa este fenmeno, e tantosoutros, sob a gide do psicanalista francs. A fico dos filmes tornou-se realidade, e,pelo prazer tantas vezes suscitado pelos filmes, o choque desta fantasia realizada foiainda maior. E, para piorar, a imagem da destruio veio da mesma forma que afantasia. Repetida incessantemente na televiso, trazia uma realidade que invadia afantasia, com toda a sua desgraa e peso. Pois o trauma s aumenta quando osamericanos se do conta de que, em primeiro lugar, no esto sozinhos no mundo,depois, de que o atentado foi uma reminiscncia de suas prprias aes anteriores,do prprio capitalismo globalizado que impulsionou.

    Com este fantstico livro, que reflete ainda sobre muitos outros pontos, ficamexpostas questes centrais do pensamento americano, que voltou-se sua

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    tradicional ideologia e fechou-se, vitimizando-se, pensando-se legtimo para agirconforme quisesse, pois sentiu ferida sua prpria honra.

    E isto nos leva ao nosso segundo livro, Estado de Exceo, de Giorgio Agamben. Aanlise da cultura poltica norte-americana ps 11/09 brilhante e slida.

    A discusso inicial gira em torno da conceituao de democracia e de tirania, ou, nostermos contemporneos, ditadura. A instituio de temporrios estados no-democrticos que concedem praticamente todos os poderes a uma s autoridade,que sob a justificativa de proteger a democracia, podem no final ser justamente ascausas de sua runa.

    Isto porque esta prtica acabou tornando-se cada vez mais corriqueira, umverdadeiro hbito dos Estados contemporneos. At mesmo naquela situaonormal, como a do Brasil, o poder legislativo perde, progressivamente, suasfunes, tornando-se um mero aprovador de decretos, cada vez mais abrangentes.

    No escapam do estado de exceo nem aqueles que so uma das bases do Estadocontemporneo: Os direitos humanos. Pois, como lembra Agamben, o Patriot Act,dispositivo central do Estado de Exceo Americano, que perdura at hoje, cria umanova categoria de prisioneiros. Aqueles que podem ser detidos apenas por umasuspeita vaga, de qualquer ligao com o Grande Outro, como colocaria Zizek, ouseja, com o Terrorismo. Este prisioneiro aquele que Agamben chama de Homosacer, resgatando o termo da Roma antiga. Este o homem destitudo de suahumanidade.

    Agamben realiza, ao longo dos captulos de seu livro, uma extensa reflexo sobre aintrincada dialtica entre um estado de direito e um estado de exceo. Buscaanalisar todas as nuances histricas da exceo poltica e refletir sobre astransformaes dos sistemas jurdicos, e, por conseguinte, da justia como um todo.Se trata-se de uma exceo e se esta exceo constante, haver tambm umsistema jurdico de exceo? Seria este sistema legtimo? possvel que a justia sejapor um momento interrompida em nome de um temor de perda de segurana?

    O constante Estado de exceo que testemunhamos no se sustenta sozinho. Paraque ele exista, necessria uma cultura especfica. Um clima social de constanteperigo, de alerta constante, de desgraa iminente. O medo tem se tornado, cada vezmais, o sentimento padro da sociedade ocidental contempornea. Mas um medo

    transformado. Ideologizado. Pois o medo de um inimigo desconhecido, mal-explicado, obscuro e difuso. Um medo paralisante e que domina toda a conscincia.Este medo especfico o Terror.

    O Terror, Uma coletnea de artigos, feitos em parceria Brasil-Frana busca analisareste sentimento, que uma das principais sequelas psquicas deixadas pelos ataquesde 11 de Setembro.

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    Surgido a partir da percepo de que a cena intelectual falhava gravemente aoanalisar as transformaes sociais ps-atentado e tentar atribuir sentido ao contextosocial em que vivia. Caindo em bravatas e clichs, buscando sempre causas e maiscausas, a intelectualidade mundial revelou-se despreparada para entender o 11 desetembro. E o livro prope-se a buscar aquilo que aparece de novo no cenrio cultural

    humano.

    Assim, divide-se em quatro sees, cada uma contando com a participao depensadores das mais diversas reas do conhecimento. Filosofia, Poltica, Psicanlise,Literatura, entre outras. A diversidade, que, por um lado pode horizontalizar areflexo, por outro, faz-nos compreender a extrema complexidade de um problemado presente. Problema que no conta com o distanciamento histrico que, combastante eficcia, auxiliaria a sua compreenso.

    Assim, pode-se esperar, aqui, ler de tudo um pouco. Mas tudo sempre organizado epautado a partir do tema da barbrie. Um tema que desde sempre alvo das cincias

    humanas. O entendimento que temos dela um problema central da questo doterror. Barbrie e civilizao novamente entram em discusso: Ora como opostos, oracomo preticamente simbiticos. O livro busca no somente esta caracterizao,tradicional e importante, mas tambm outras dialticas envolvendo a barbrie. Cadauma mais fascinante que a outra.

    Primeiro, rivaliza-se Barbrie com terrorismo. Aps uma crtica inicial ao desvio daateno intelectual de questes fundamentais que envolviam a tica caracteriza-seem texto de Jean-Franois Matti caracteriza a barbrie do pensamento. Esquecer-sede seu carter fundamental, da busca pela sabedoria que a prpria definio defilosofia. Deixar-se levar pela confuso do caos, da katastroph.

    O contraste entre terror e barbrie leva, em ltima instncia a uma discusso sobre aincapacidade da razo compreender os ataques. O bom e velho embotamento darazo uma das principais consequncias do clima de terror generalizado instauradono ps 11 de setembro. Fascinante perceber a dinmica entre a paixo aterrorizada ea razo quase paralizada.

    Linguagem e barbrie o segundo tema. Interessante a apropriao de um temamuito importante nas cincias sociais, as diferentes manifestaes lingusticas e aespecificidade de cada civilizao foram sempre tema de muito debate,principalmente sobre a validade da tese da superioridade de umas sobre as outras.

    Na origem da palavra brbaro, temos o verbo gaguejar. Nota-se a grande improtnciaque sempre se deu s formas de linguagem, que Kathrin Rosenfield define noprimeiro artigo desta parte do livro detentora de "poder de ordenar e regrar asociedade".

    Daniel Piza, analisando com astcia e perspiccia o cenrio cultural-poltico-econmico, nos brinda com um texto interessantssimo que por si s um guia de

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    estudos aos mais interessados. O conservadorismo posto em cena, e seus motivosso destrinchados brilhantemente.

    Democracia e Barbrie Leva-nos diretamente referncia da misso americana deimplantar este sistema de governo naqueles que so considerados seus principais

    inimigos. Poltica e ideologia so tratados em artigos fascinantes.A quarta diviso aquela mais conhecida: Civilizao e Barbrie. Aqui, artigos queabordam a mais clssica diviso entre ns e o outro. O Grande outro, motivo demedo, quebra de protocolo, embotamento da razo, que s se recupera na reflexo.Livros recomendados para que triunfe o entendimento e a clareza.