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Paralelo Entre FAP e ACT

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Paralelo Entre FAP e ACT

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À SOMBRA DA PERDA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE ANSIEDADE E CONTROLE

IN THE SHADOW OF LOSS: A CASE STUDY ON ANXIETY AND CONTROL

Natália Sousa Faria1,2,3,4,5 e 6, Edhen Laura Torquato de Araújo Lima Instituição de Educação Superior de Brasília

Resumo

O presente trabalho teve como objetivo principal realizar um estudo de caso de uma cliente submetida à psicoterapia individual, que apresentava como demanda principal ansiedade e necessidade de controle, principalmente em relação a seus familiares. Para tanto, foram desenvolvidas análises funcionais de comportamentos da cliente emitidos nos mais diversos contextos sociais. Tais análises possibilitaram o entendimento de seus padrões comportamentais, tornando mais efetivos o planejamento e desenvolvimento das intervenções psicoterapêuticas utilizadas. Palavras-chave: ansiedade, controle, análises funcionais.

1 Trabalho de conclusão de curso da primeira autora, que foi orientada pela segunda autora. O trabalho

será defendido no dia 02 de dezembro de 2010.

2 A primeira autora agradece a Deus por mais essa conquista, e por ter tornado possível o alcance de mais

este objetivo.

3 A primeira autora agradece sua família, em especial seus pais e irmã, pelo carinho, apoio e confiança

depositados.

4 A primeira autora agradece aos seus amigos e colegas, pela força e companheirismo, e as amizades

fortalecidas ao longo desses anos.

5 A primeira autora agradece à Professora Laura Torquato, pela dedicação ao presente trabalho,

demonstrando grande conhecimento e muita sabedoria, uma profissional exemplar, que transmitiu

tranquilidade e segurança no decorrer desse processo, à Professora Miriam Pondaag, por também ter

supervisionado o presente caso, com observações de grande relevância, e à Professora Fernanda

Mendizabal, por aceitar o convite para a banca examinadora, sendo uma grande honra sua presença e

avaliação.

6 A primeira autora agradece às supervisoras técnicas do Serviço de Psicologia, Karolline Abraham e

Maíra Roza, pelo apoio, pelas dicas e experiências compartilhadas, e às assistentes Andresa e Renata pelo

carinho e pela convivência, sem dúvidas, de grande importância e motivação para o alcance deste

objetivo.

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Abstract

The main goal of the present work was to develop a case study of a client submitted to individual psychotherapy. Her main problems were related to anxiety and need for control, especially with her family members. For such, functional analyses of the client’s behaviors emitted in social contexts were performed. These analyses favored the comprehension of her behavioral repertoires, making the planning and development of the used psychotherapeutic interventions more effective. Keywords: anxiety, control, functional analysis.

A ansiedade é reconhecidamente uma das maiores queixas enfrentadas nos tempos atuais, a qual atinge diferentes tipos de pessoas e está cada vez mais presente nos diversos contextos sociais. Tal comportamento é caracterizado como um estado quase constante e permanente de inquietação, preocupação, angústia e medo, que provoca mal estar e tensão (Santiago, 2006).

De acordo com Graeff, Guimarães e Deakin (1993, citados por Mestre & Corassa, 2000), ansiedade é um sentimento relacionado à ameaça de algumapunição. Por outro lado, apesar do caráter aversivo atribuído a tal sentimento, a ansiedade também envolve consequências adaptativas, uma vez que a sinalização de punição pode fazer com que um indivíduo não entre em contato com eventos que possam causar-lhe frustração. Outro fator atrelado à ansiedade, também considerado de grande importância por muitos pesquisadores, é a necessidade de controle. De acordo com Logan (1991, citados por Singh, Moraes & Ambrosano, 2000), o fator controle refere-se a situações em que o indivíduo percebe que tem em seu repertório condutas que podem diminuir ou eliminar um evento aversivo presente. Segundo Gebrim (2010), a ansiedade está diretamente relacionada à necessidade de controle sobre diversas situações, uma vez que uma das características principais da ansiedade envolve antecipar o que irá ocorrer no futuro e, portanto, tentar controlar eventos subsequentes. Tal comportamento controlador ocorre, principalmente, quando o indivíduo possui um histórico de perdas, passando então, a querer ter o controle de tudo, não só de sua vida, mas da vida de outras pessoas, com a finalidade de evitar novas perdas.

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Para enfrentar contextos ansiogênicos que envolvem a necessidade de controle é necessário promover mudanças no comportamento do indivíduo, o qual precisa identificar as causas de sua ansiedade e os motivos que envolvem o desejo de ter o controle das situações. Tais contingências podem ser identificadas por meio de análises funcionais, a partir da identificação dos estímulos antecedentes, das respostas emitidas a esses estímulos, e as consequências desencadeadas, a fim de entender as variáveis das quais o comportamento é função. Uma maneira considerada bastante eficaz para o alcance de tais mudanças é a psicoterapia. A busca por psicoterapia geralmente ocorre quando as pessoas estão sob efeitos de contingências aversivas (Skinner, 1953/1993 citado por Marçal, 2005). Segundo Marçal (2005), para que essas condições mudem, é necessário interferir nas contingências mantenedoras, caso contrário, o quadro permanecerá o mesmo. Uma das modalidades clínicas utilizada para o estudo do comportamento humano é a abordagem analítico-comportamental, na qual, segundo Marçal (2005), as estratégias de intervenção estão voltadas para o que ocorre dentro do setting terapêutico, em que há ênfase na análise operante do comportamento verbal, na relação terapeuta-cliente e na análise dos eventos privados sem, no entanto, perder o cunho externalista de causalidade do comportamento, em sua relação com o ambiente e os contextos em que se insere. Nessa modalidade, o comportamento é sempre compreendido contextualmente, a partir das relações funcionais. Tais relações são entendidas por Carrara (2004), como sendo as relações entre o comportamento de um organismo e o ambiente, onde as respostas do organismo a esse ambiente ocorrem em um contexto que envolve condições prévias, e são seguidas por eventos consequentes, cujo efeito é genérico para uma classe de respostas e ocorre mediante um processo de seleção pelas consequências. Dessa maneira, entende-se contingência como uma relação entre todos esses eventos: os estímulos antecendentes, os comportamentos e as consequências que os mantém. Entre alguns modelos clínicos baseados na Análise do Comportamento, destacam-se a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e a Terapia da Aceitação e do Compromisso (ACT). A aplicação clínica da FAP, segundo Kohlenberg e Tsai (2006), é caracterizada pela análise de comportamentos clinicamente relevantes (CRBs, do inglês Clinically Relevant Behavior) emitidos pelo cliente dentro da relação terapêutica, tanto aqueles compreendidos como problemas (CRBs 1), os progressos em relação aos CRBs 1 (que são os CRBs 2) e as análises funcionais ou interpretações sobre os CRBs 1 desenvolvidas pelo cliente (CRBs

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3). Tendo em vista o principal objetivo da FAP, que é o reforço imediato dos comportamentos emitidos pelo cliente no ambiente terapêutico, a terapia torna-se ineficaz se o cliente melhorar no ambiente terapêutico, mas esses ganhos não se transferirem para a vida cotidiana. Já em relação à ACT, segundo Menezes e Brandão (2006), o foco de trabalho envolve a compreensão do contexto sócio-verbal do cliente enquanto gerador de problemas psicológicos. Sua estratégia consiste em alterar a forma como as relações verbais funcionam e, para isso, busca alterar as respostas de esquiva emitidas pelo cliente em relação a eventos aversivos, as respostas literais disfuncionais, e a inabilidade de assumir e manter compromisso com a mudança comportamental. Acredita-se, assim, que não são os comportamentos problema que devem ser modificados, mas sim o contexto sócio-verbal em que ocorrem. Tendo em vista a importância do tema apresentado, o presente estudo teve como objetivo realizar um estudo de caso de uma paciente que apresentava queixas de ansiedade atreladas ao comportamento de controle, decorrentes de perdas anteriormente sofridas por ela. Por meio do manejo de contingências e do contato com as causas do problema, a paciente conseguiu modificar tais comportamentos.

Método

Participante

Márcia (nome fictício), 47 anos de idade, é natural de Recife, casada há 17 anos e tem um filho de 16 anos. Ela procurou terapia por indicação de vários médicos, em função de apresentar problemas psicossomáticos, além de já ter sido diagnosticada com depressão. A queixa inicial trazida pela cliente consiste no fato de ter psoríase desde os cinco anos de idade, como também hipotireoidismo. Ela ainda relatou ter tido uma dormência do lado esquerdo do corpo, no período em que se mudou para Brasília. Os médicos não souberam dar uma explicação para esse fato, o qual só melhorou quando a cliente começou a fazer atividades físicas. De acordo com Márcia, as feridas no corpo decorrentes da psoríase aumentam quando ela se sente estressada ou sobrecarregada. A cliente sofre de ansiedade e obesidade, come muito quando está ansiosa, além de apresentar uma grande necessidade de ter o controle de tudo ao seu redor.

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Márcia é a filha mais velha de cinco irmãos. Sua irmã mais nova morreu há doze anos, em decorrência de um tumor cerebral. Possui o segundo grau completo, é formada em jornalismo, profissão que exerceu durante dois anos e, posteriormente, interrompeu para se dedicar à casa e à família. A cliente relatou que, aos 16 anos de idade, seu pai abriu uma conta bancária conjunta com ela, para que Márcia ficasse responsável pelas contas da casa e ele pudesse ajudar sua mãe no trabalho. Por ser a filha mais velha, também ficava responsável por cuidar dos irmãos. Seus pais sempre a cobraram muito, e comparavam-na muito a outras crianças. Talvez por esse motivo apresente dificuldade em aceitar cobranças atualmente.

Há 17 anos casou-se com o atual marido, o qual trabalha na base aérea. Em 2003, a cliente mudou-se para Brasília, em função da transferência de trabalho do marido. Seu casamento sempre foi estável. Márcia diz que tem uma relação muito boa com o marido, apesar de perceber a dependência dele em relação à ela. Desde a época de namoro, seu marido atribuía à ela a resolução das questões financeiras da família. Quando se mudou para Brasília, Márcia começou a praticar atividades físicas e a participar de grupos de oração, o que ela considera terem ocasionado efeitos benéficos para si. Material e Instrumentos

Para a coleta de dados, foram utilizados relatórios de cada sessão psicoterapêutica, contendo registros de informações de todas as sessões realizadas.

Procedimento

As sessões foram conduzidas por uma terapeuta estagiária, sob supervisão de professores da instituição, designados para o cargo.

O processo psicoterapêutico foi fundamentado na abordagem analítico comportamental. As informações foram coletadas durante o segundo semestre de 2009, tendo continuidade do tratamento, no período de março a junho de 2010, o qual foi retomado em agosto e encerrado em novembro de 2010. Foram realizadas 34 sessões, caracterizadas por um atendimento semanal, com duração de 50 minutos cada, em horário pré-estabelecido entre cliente e terapeuta. Portanto, o tratamento psicoterapêutico teve duração de um ano e meio.

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A seguir, as sessões psicoterapêuticas serão descritas, levando-se em consideração os pontos mais enfatizados pela cliente em cada sessão.

Após a formação do vínculo terapeuta-cliente, foram coletadas informações acerca da história de vida da cliente, por meio de escuta não punitiva. A terapeuta trabalhou com a cliente questões voltadas à assertividade, dificuldade em aceitar cobranças, além da extrema necessidade de controle sobre todas as situações de sua vida, tendo como foco a ansiedade gerada. A terapeuta procurou seguir a ACT e as regras da FAP, atentando à emissão de CRBs.

Nas primeiras sessões, a cliente apresentou muito incômodo em relação ao fato de ter se mudado para Brasília, pois sentia falta das amizades que tinha em Recife e queixava-se das cobranças dos pais, os quais enfatizavam que ela não estava mais com eles como antes. Por outro lado, considerava boa a mudança para Brasília, pois seus pais eram muito dependentes dela e, portanto, ela sentia-se menos sobrecarregada e, com isso, percebia que sua saúde estava melhorando em Brasília. Márcia relatou querer resolver tudo, e, com isso, seu estado emocional abala-se, o que é refletido fisicamente. Outro incômodo apresentado pela cliente no início do tratamento foi o fato de não gostar de receber remuneração por fazer algo. Informou que preferia fazer alguma coisa por gostar, evitando, assim, o direito das pessoas cobrarem e exigirem mais dela. Foi observado pela terapeuta que Márcia apresentava dificuldades em ser assertiva, em função dos relatos apresentados por ela sobre sentir-se sobrecarregada nas atividades de casa, seu sentimento de culpa por não aceitar determinadas situações de maneira passiva, e, segundo a própria cliente, sua agressividade em expressar opiniões. No decorrer das sessões, a terapeuta trabalhou com Márcia questões voltadas à sua assertividade, procurando investigar as situações em que ela se comportava de maneira agressiva, fazendo-a perceber e identificar novas possibilidades diferentes de comportar-se. A terapeuta também pontuou com a cliente o fato desta fazer tudo pelos outros e somente por último pensar em si. Foi sendo observada uma melhora em relação à assertividade da cliente, a qual passou a ser mais assertiva sem ser agressiva, além de começar a importar-se mais com ela e envolver-se menos com os problemas dos outros. Por outro lado, seu sentimento de culpa em relação aos seus pais aumentou ainda mais, pelo fato de ter passado a pensar mais nela e ter deixado de ceder algumas coisas para os pais, fazendo com que se sentisse egoísta.

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No segundo semestre de tratamento, a cliente voltou de férias afirmando estar passando por uma fase muito difícil com o filho, que está na adolescência, e ela não sabia lidar com isso. Um outro episódio apresentado pela cliente nesse período foi o fato de ter sofrido abuso sexual três vezes na sua infância. Em uma dessas vezes, a cliente estava com a avó em um ônibus durante uma viagem, e sentou-se ao lado de um rapaz, pois sua irmã havia sentado ao lado da avó. O rapaz passou grande parte da viagem com a mão dentro de sua calcinha, e ela não reagiu. Márcia afirmou não ter trocado de lugar com a irmã para que ele não fizesse a mesma coisa com essa irmã. Admitiu não ter contado tal fato para ninguém, por vergonha e culpa, mas afirmou que considera ter sido um descuido de sua avó com ela e, com isso, sentiu-se abandonada.

A cliente também relatou que já chegou a ter sonhos que, para ela, foram premonitórios, como um sonho que teve pouco tempo antes da morte de sua irmã, o qual também gerou sentimentos de culpa. Durante esse período do tratamento, outros comportamentos da cliente foram sendo observados, como sua necessidade de controle de situações que, na maioria das vezes, não estavam ao seu alcance, além de uma grande preocupação com questões financeiras. Márcia relatou muitas vezes que tinha medo que seu filho se envolvesse com entorpecentes, ou que, assim como ocorreu com ela, sofresse abuso sexual, ou mesmo que seguisse um caminho similar ao que ela teve, caracterizado por muitas responsabilidades desde cedo, além de se preocupar muito com os estudos do filho. Tais fatos preocupavam Márcia e faziam com que ela controlasse seu filho de forma exagerada. Muitas vezes, conforme relatado por ela, o excesso de controle levou seu filho a mentir para ela. A terapeuta questionou sobre o modo como a cliente falava com o filho sobre tais assuntos, o qual, segundo ela, ”era numa boa” (sic), mas admitia que falava demais sobre isso com ele.

Ao final do semestre, Márcia apresentava resultados quanto à cobrança de seus pais, passou a evitar envolver-se em alguns assuntos da família e a dividir alguns problemas de seus pais com os irmãos. Porém, seu sentimento de culpa aumentava, na medida em que ela se afastava desses problemas. Os progressos da cliente foram sempre reforçados pela terapeuta.

No último semestre do processo terapêutico, uma outra questão enfatizada pela cliente foi o fato de ter bastante ansiedade com coisas que poderão ou não ocorrer no futuro, tendendo a ter pensamentos pessimistas e sofrendo por antecipação. Tais comportamentos podem ter sido eliciados devido às perdas e sofrimento vivenciados anteriormente por Márcia. A terapeuta trabalhou com a cliente questões relacionadas ao seu controle sobre o filho, o que a possibilitou

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perceber o quanto era em vão tal controle, e fez com que ela diminuísse a emissão de alguns comportamentos, que foram reconhecidos e reforçados pelo próprio filho. A terapeuta também utilizou técnicas da ACT para trabalhar esse determinado assunto, tais como a alteração de alguns comportamentos de esquiva da cliente, que muitas vezes evitou entrar em contato com questões, como culpar os pais por seus comportamentos, sendo assim, a terapeuta passou a direcionar e pontuar tais questões com a cliente, para diminuir seus comportamentos de esquiva.

Resultados

Com base nas informações obtidas durante o processo terapêutico foi possível organizar e analisar os relatos trazidos pela cliente, a partir de sua queixa inicial. Sendo assim, o tratamento psicoterápico com Márcia teve como objetivos: (1) a diminuição de sua necessidade de controle em várias situações de sua vida, (2) a diminuição de sua ansiedade, e (3) o desenvolvimento de sua assertividade. Para que o alcance de tais objetivos fosse possível, foram feitas análises funcionais dos comportamentos de Márcia, visando identificar as contingências mantenedoras deste padrão comportamental da cliente. As análises funcionais do início do processo terapêutico estão apresentadas abaixo: Nota-se que Márcia apresentava muito incômodo em relação aos comportamentos emitidos pelos seus pais, sobretudo cobranças e pressão que exerciam sobre ela, “toda vez que eu ligo para eles, começam a me contar os problemas

que estão acontecendo e eu acabo me preocupando e me envolvendo, eles podiam me

poupar, pois eles sabem que eu não estou bem de saúde” (sic). Tais comportamentos dos pais foram sendo reforçados por Márcia desde a sua adolescência, tendo em vista ela sempre fazer o que os pais solicitavam. Houve tentativas de mudanças realizadas por Márcia, que passou a evitar a resolução de determinados problemas, mas, com isso, seus pais passaram a emitir verbalizações de estranhamento e julgamentos sobre a cliente, e isso fez com que ela se sentisse ainda mais culpada. Dessa forma, ela respondia às solicitações intermitentemente, fazendo com que a extinção do comportamento de seus pais se tornasse mais difícil. Observa-se, ainda, um padrão comportamental na cliente em relação ao seu filho e ao seu marido, os quais apresentam muita dependência dela, como por exemplo, o fato do filho só fazer as refeições em casa se Márcia preparar. No que diz respeito ao marido, este solicita que ela gerencie as contas bancárias, que leve seu carro à oficina ou quando vai fazer algo, sempre telefona para ela, para perguntar como deve fazer. Tais comportamentos também foram sendo

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reforçados por Márcia. Muitas vezes, a cliente chegou a dizer que não ia mais fazer algo que lhe era solicitado pelo filho ou marido, mas acabava fazendo, reforçando o comportamento de dependência deles. Ela sempre resolveu tomar a frente das decisões, pois acreditava que iria resolver tudo de forma mais eficaz e eficiente do que o filho, o marido ou, até mesmo, outras pessoas. Percebe-se, também, que as consequências que mantinham esses comportamentos da cliente era o fato de todos a elogiarem, o que fazia com que ela se sentisse “envaidecida”(sic). É perceptível que a dependência das pessoas em relação à Márcia foi consequência aos comportamentos emitidos por ela (e.g., resolver e controlar tudo a sua volta), fazendo com que os outros se aproveitassem, além de cobrarem da cliente quando ela deixava de fazer algo. Observou-se, ainda, que a necessidade de controle apresentado por Márcia era uma resposta de esquiva a acontecimentos que poderiam assemelhar-se àqueles vividos por ela desde muito nova. As perdas que vivenciou fizeram com que ela passasse a evitar mais perdas. Ou seja, os abusos sexuais sofridos por ela, a morte da irmã, os sonhos que para ela foram premonitórios envolveram perdas muito significativas, e despertaram em Márcia o sentimento de querer proteger todos a sua volta, principalmente seu filho, para evitar que as mesmas coisas acontecessem a ele. Márcia também apresentou grande controle em relação às questões financeiras, que pode ter sido causado pelo fato de desde cedo ter cuidado das contas de casa, a pedido de seu pai. Atualmente, Márcia é quem organiza e controla as questões financeiras em casa, pois segundo ela, seu marido não sabe mexer com essas coisas. Tal comportamento da cliente foi mantido em função das consequências de ter assumido todo o controle financeiro e temer perder ou faltar dinheiro, caso ela não gerenciasse tais contas, já que não confia nesta habilidade do marido. A necessidade de controle observada em Márcia também envolvia o fato de não deixar os outros fazerem, quando tinham oportunidade, o que fazia com que se sentisse sobrecarregada e aumentasse, cada vez mais, a dependência das pessoas. É notório que embora houvesse consequências aversivas em relação a esse padrão comportamental, também havia consequências positivas, como os reforços relacionados ao “poder” de estar no controle, isto é, obter reconhecimento das pessoas e esquivar-se de ser controlada pelos outros.

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Nas últimas sessões de atendimento, a cliente relatou mudanças em seu comportamento com o marido, o filho e seus pais. Tais relatos estão apresentados, por meio de análises funcionais, a seguir: Durante o processo psicoterápico, a cliente identificou que seus comportamentos mantinham o padrão comportamental de seus pais que tanto a incomodava e, com isso, ela conseguiu estabelecer determinados limites. No momento em que ela passou a agir diferente, seus pais estranharam a sua mudança, fazendo com que Márcia se sentisse bem, por conseguir colocar limites às cobranças dos pais. Porém, ao mesmo tempo, continuava a se sentir culpada e egoísta, o que era sempre enfatizado por eles. Porém, como estava muito sobrecarregada com os afazeres domésticos, realmente não tinha como atender a todas as solicitações dos pais. Tendo em vista o fato de que resolver e querer ter o controle de todas as situações de sua vida passou a incomodar a cliente, por sentir-se sobrecarregada, ela começou, então, a dividir suas tarefas de casa com o marido, como também a ir deixando algumas coisas que antes fazia, para que seu filho fizesse. No início dessa transição comportamental, a cliente ainda cedia a determinadas chantagens feitas pelo marido e filho. Porém, para que ela conseguisse lidar com a extinção do comportamento deles, ela precisava aprender a ser menos reativa emocionalmente aos comportamentos emitidos por eles e, com isso, não fornecer consequências. Em relação aos seus pais, a cliente passou a evitar perguntar sobre os problemas nos quais eles estavam envolvidos, para que ela não se envolvesse. Posteriormente, no decorrer das sessões, a cliente apresentou uma melhora em sua assertividade, passando a dizer claramente aos pais que não iria se envolver em certos assuntos, e deixando de fazer coisas que eram contra sua vontade. Quanto ao controle sobre o filho, a cliente passou a se preocupar menos quando ele não estava em casa, parou de telefoná-lo várias vezes por dia, obtendo reforço do próprio filho sobre tal mudança. Sobre isso, ela afirmou “já faz um

tempo que não ligo para ele quando ele se atrasa um pouco depois da escola. No primeiro

dia que não liguei, ele chegou em casa afobado e me perguntando o que tinha acontecido

que eu ainda não tinha ligado, eu fiquei feliz com isso, me senti melhor”(sic). Ao final das sessões, a cliente ainda apresentava ansiedade e necessidade de controle sobre algumas coisas, mas conseguia perceber o que precisava mudar.

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Márcia atualmente apresenta mais facilidade em lidar com seus sentimentos, e apesar de ainda não estar apta a receber alta, está disposta a continuar exercitando outras formas de comportar-se, frente às suas limitações.

Discussão

Comparando-se o início e o final do tratamento, observa-se uma mudança nos comportamentos de Márcia em relação aos seus pais, marido e filho, e outras pessoas. Nota-se, no início da terapia, uma grande cobrança dos pais de Márcia, o que fazia com que ela fizesse tudo para eles, de forma a evitar o sentimento de culpa que emergia nessas situações. Em decorrência do tratamento, Márcia apresentou uma melhora em sua assertividade, passando a colocar limites sobre os comportamentos emitidos pelos pais. Com isso, Márcia evitou envolver-se nos problemas dos pais, e mesmo com a permanência do sentimento de culpa, ela já se sentia mais tranquila, o que foi refletido no seu modo de agir com outras pessoas, como seu marido e filho. Era, ainda, notória a dependência do filho e marido em relação à Márcia, comportamento que foi reforçado por ela desde cedo. Isso fazia com que se sentisse sobrecarregada. Por meio do processo psicoterapêutico, foi possível observar grandes mudanças nesse aspecto, uma vez que Márcia passou a dividir as tarefas de casa, evitando ceder aos apelos e chantagens do marido e filho, pensando mais em si. Observa-se, também, que no primeiro semestre de atendimento, além de sua falta de assertividade, ou muitas vezes, agressividade, Márcia apresentava grande ansiedade e muita necessidade de controle sobre várias situações. Já no segundo semestre, a cliente apresentou uma melhora em relação a sua assertividade, passando a evitar fazer coisas contra sua vontade, sendo assertiva, sem ser agressiva, tanto com seus familiares, como com outras pessoas. No terceiro e último semestre de atendimento, Márcia ainda apresentava ansiedade e necessidade de controle, principalmente em relação ao seu filho, o que fez com que tais comportamentos continuassem a ser trabalhados. Constata-se que Márcia apresentou uma diminuição de seu controle sobre o filho e sobre determinadas situações, além da diminuição em sua ansiedade. De acordo com Zamignani e Banaco (2005), o que define qual o melhor tratamento a ser utilizado em cada caso é a avaliação funcional, com a qual se torna possível o desenvolvimento de uma boa análise da queixa apresentada pelo cliente e o delineamento adequado de intervenções, identificando as variáveis que estão mantendo o comportamento-problema e atuando na modificação das contingências. E ainda, segundo Meyer (1997, citado por Lima,

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2007), uma análise funcional também é essencial em estudos cujo objetivo inclua a predição ou o controle de repertórios em situações específicas. Sendo assim, a identificação dos antecedentes, respostas e consequências de determinados comportamentos, pode fazer com que tais comportamentos não voltem a ocorrer no futuro. Tendo em vista tais direcionamentos teóricos, e seguindo as estratégias de intervenção da FAP e da ACT, foi possível auxiliar a cliente no desenvolvimento de seu processo de autoconhecimento, fazendo com que ela percebesse seus comportamentos e o que os mantinham. A partir daí, tornou-se possível a mudança do modo de agir da cliente, bem como da maneira de lidar com determinados comportamentos das outras pessoas, principalmente de sua família, que até então eram mantidos e reforçados por ela. Mudando seus comportamentos, Márcia conseguiu modificar, também, os padrões comportamentais de seu filho e de seu marido, os quais antes apresentavam grande dependência e, posteriormente, passaram a realizar tarefas que antes não realizavam. Quanto aos seus pais, ao evitar entrar em contato com as reclamações e problemas deles, Márcia passou a sentir-se menos obrigada a resolver as situações que não cabiam à ela, e mesmo tendo o comportamento punido por seus pais, ela se sentia menos sobrecarregada. Visando o reforço e a manutenção do progresso e dos atuais comportamentos de Márcia, sugere-se uma continuidade em seu tratamento, uma vez que a cliente ainda apresenta sentimentos de culpa, por estar mudando sua postura em relação às outras pessoas, mas observa-se que grande parte dos objetivos terapêuticos delineados por Márcia foram alcançados, especificamente, por haver a presença de muitos CRBs 2 e CRBs 3, como por exemplo “eu quero

pensar mais em mim, fazer o que eu tenho vontade, sem me preocupar com o que vão

pensar” (sic), e ainda, “Meu filho e meu marido sempre se comportaram assim, porque

eu deixei, eu fazia tudo para eles e fiz com que eles continuassem dependendo de mim,

mas eu estou conseguindo diminuir isso.”(sic), “também estou menos controladora,

antes eu não conseguia encontrar uma explicação, hoje eu sei que meu controle está

relacionado ao meu medo de perder” (sic). Esses e outros CRBs emitidos pela cliente durante as sessões, foram sendo reforçados pela terapeuta, provocando efeitos positivos, como por exemplo, a percepção de Márcia quanto a sua melhora, fazendo com que ela se sentisse ainda mais motivada a continuar emitindo determinados comportamentos de mudança, como relatou, “ estou conseguindo

perceber minha mudança, suas observações me ajudam a continuar” (sic).

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Conclui-se assim, que, em concordância com Kohlenberg e Tsai (2006), “o aumento do contato com contingências ocultas, ou seja, o contato com as condições em que determinados comportamentos ocorrem e suas causas, até então desconhecidas, pode ser muito benéfico. É importante notar que investir no processo de autoconhecimento conduz não só a uma maior percepção da dor e sofrimento do mundo, mas também a um aumento da percepção do que é seleto e sublime na vida do cliente.”

Referências

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Setembro de 2010, em: http://www2.uol.com.br/vyaestelar/eu_ansiedade.htm. Kohlenberg, J. R. & Tsai, M. (2006). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas

intensas e curativas. Santo André: Esetec. Lima, A. M. (2007). Sobre a Análise Funcional. Análise e Síntese. Acessado em 20 de Setembro de

2010, em: http://analiseesintese.blogspot.com/2007/02/sobre-anlise-funcional.html. Marçal, J. V. S. (2005). Estabelecendo objetivos na prática clínica: Quais caminhos seguir? Revista

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Recebido em: 25/05/2011

Aceito em: 20/11/2011