Upload
dinhdiep
View
219
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PARÂMETROS MORFOMÉTRICOS E ENCHENTES E INUNDAÇÕES NO
MUNICÍPIO DE GUARUJÁ – SP
Autora: Ana Luisa Pereira Marçal Ribeiro
Universidade Estadual de Campinas [email protected]
Orientadora: Regina Célia de Oliveira
Universidade Estadual de Campinas [email protected]
Resumo
O acelerado e desordenado processo de urbanização que vem sendo desencadeado nos grandes centros urbanos tem como uma de suas principais conseqüências a impermeabilização do solo. Tal impacto torna-se ainda mais acentuado em cidades litorâneas, podendo ser diretamente relacionado com a questão das enchentes e inundações. As dinâmicas naturais de escoamento e deposição nas zonas costeiras sofrem importante influência marinha, configurando-se então ambientes específicos com níveis de fragilidade distintos, nos quais a intensa pressão do processo de urbanização acelera a ocorrência dessa fragilidade, definindo graus diversos de impactos, tais como aqueles relacionados às inundações. Essas questões relacionadas ao intenso processo de urbanização e os impactos na dinâmica hidrológica tornam o município de Guarujá, no estado de São Paulo, uma relevante área de estudo que abrange tal problemática. O município apresenta situações como, ocupações irregulares nas regiões de nascente, avanço urbano sobre áreas de mangues e ocupações com alto grau de verticalização em áreas de grande fragilidade ambiental, situações essas que devem ser analisadas e discutidas de acordo com o contexto histórico, social e ambiental, visando um uso do solo e gestão urbana voltados para atender a uma melhor qualidade de vida da população e qualidade ambiental. Através de uma abordagem sistêmica, seguindo os preceitos de Christofoletti (1974) e Trícart (1960), o presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise do uso do solo no município de Guarujá, relacionando-o com a impermeabilização do solo, através da correlação das cartas de declividade, de uso do solo e de níveis de impermeabilização do solo, para chegar-se então, a uma discussão sobre a questão das enchentes e inundações no município. Palavras-chave: Guarujá, uso do solo, impermeabilização, inundações
Abstract
The rapid and disorderly urbanization process that has been triggered in large cities has as one of its main consequences soil sealing. This impact becomes even more pronounced in coastal cities and can be directly related to the issue of flooding and flood. The dynamic nature of flow and deposition in coastal areas have significant marine influence, then setting up specific environments with different levels of vulnerability, where the intense pressure of the process of urbanization accelerates the occurrence of fragility, defining different degrees of impacts, such as those related to floods. These issues related to the intense process of urbanization and the impacts on hydrological dynamics make the city of Guaruja, state of São Paulo, an important area of study that covers this issue. The council presents situations as illegal occupations in the regions of spring, progress on urban areas of mangroves and occupations with a high degree of verticalisation in areas of high environmental fragility, these situations should be analyzed and discussed according to the historical context, social and environment, to a use of land and urban management aimed to meet a better quality of life and environmental quality. Through a systemic approach, following the precepts of Christofoletti (1974) and Tricart (1960), this work aims to make an analysis of land use in the city of Guaruja in relation to soil sealing through the correlation letters of slope, of land use and levels of soil sealing, to get itself to
a discussion on the issue of flooding and flood the city. Key-words: Guarujá, use of land, sealing, flood
Introdução
A problemática das enchentes e inundações nos centros urbanos tornou-se um dos principais
dilemas vivenciados pelas populações no cenário das conseqüências dos impactos do uso do solo
indevido. Sobretudo em zonas costeiras onde as dinâmicas naturais de escoamento e deposição são
acrescidas de importante influência marinha, consolidando a organização de ambientes específicos
com níveis de fragilidade distintos, nos quais a intensa pressão de uso urbano acelera a ocorrência do
processo, definindo graus diversos de impactos, tais como aqueles relacionados às inundações.
O município de Guarujá posicionado no Litoral da Baixada Santista no Estado de São Paulo,
apresenta situações como, ocupações irregulares nas regiões de nascente, avanço urbano sobre áreas de
mangues e ocupações com alto grau de verticalização em áreas de grande fragilidade ambiental,
situações essas que devem ser analisadas e discutidas de acordo com o contexto histórico, social e
ambiental, visando um uso da terra e gestão urbana voltados para atender a uma melhor qualidade de
vida da população e qualidade ambiental.
Além disso, o quadro de enchentes e inundações no município tem significativo destaque
quando comparadas suas áreas de risco com as áreas de risco de erosões e de deslizamento. Segundo o
PRIMAC - Programa Regional de Identificação e Monitoramento de Áreas Críticas de Inundação,
Erosões e Deslizamentos (AGEM, 2002), durante o ano de 2002, foram indicadas no município de
Guarujá 31 áreas de inundações, enquanto as áreas de deslizamentos e erosões correspondem
respectivamente ao montante de 15 e 12 ocorrências.
Essas questões relacionadas ao intenso processo de urbanização e os impactos na dinâmica
hidrológica justificam a definição do município de Guarujá como área de estudo nessa pesquisa. Sendo
assim, a situação na qual o município se encontra torna um estudo sobre suas áreas frágeis e
suscetíveis a inundação importante, uma vez que isso se constitui em um problema social e ambiental.
Sobre o município de Guarujá, este situa-se no litoral sul do Estado de São Paulo, localizado na
Ilha de Santo Amaro, cercada a oeste pelo estuário de Santos, ao norte pelo canal de Bertioga e ao sul e
leste, pelo Oceano Atlântico (figura 1).
Figura 1: Localização do município de Guarujá - SP
Sendo assim, a pesquisa teve como objetivos estudar a relação existente do crescente índice de
impermeabilização assistido no município e as áreas onde ocorrem inundações, através principalmente
da correlação dos seguintes documentos cartográficos: carta de declividade, carta de uso do solo e
carta de níveis de impermeabilização. Além disso, analisar a distribuição do uso do solo do município,
principalmente no que concerne ao avanço da urbanização.
Material e método
Tendo em vista os objetivos propostos, esta pesquisa fundamenta sua discussão metodológica
na abordagem sistêmica da paisagem.
Christofoletti (1974) considera um sistema como sendo composto pelos seus elementos e
pelas suas relações, sob uma perspectiva de relações complexas que dão funcionalidade a dinâmica de
sustentação do equilíbrio de matéria e energia que movimenta. Segundo o autor, os principais aspectos
a serem abordados dentro da composição do sistema são: a matéria, sendo esta o material que será
mobilizado através do sistema; a energia, como a força que faz o sistema funcionar; e a estrutura,
sendo esta composta pelos elementos e suas relações, através de um arranjo de seus componentes.
De acordo com Cowan (1963, apud HOWARD, 1973), um sistema seria o modelo mais geral
para a compreensão dos fenômenos naturais, no qual este é composto de elementos (objetos), suas
inter-relações e estado dado pelo momento de análise, sendo sujeito a modificações através do tempo.
O conceito de geossistema discutido por reconhecidos autores como Sotchava (1977, apud
RODRIGUES, 2001), considera o geossistema como uma forma de método analítica das formas
naturais (físicas, ambientais e bióticas) em que a ação da esfera antrópica se faz como parte integrante
e digna de análise, estudando-se os fatores naturais a luz dos fatores econômicos e sociais que
influenciam os mesmos. Assim Rodrigues (2001) justifica Sotchava (1977):
“Essas influências antropogenéticas podem representar o estado diverso do geossistema em relação ao seu estado original. Este estado derivado muitas vezes pode ser mantido por meio de outras intervenções técnicas, também passiveis de reconhecimento[...]” (RODRIGUES, 2001)
Dentre as classificações dos sistemas em Geomorfologia encontram-se os sistemas de
processos-respostas, nos quais o foco maior está para identificar as relações entre o processo e as
formas dele resultantes; e os sistemas controlados, que apresentam a ação antrópica sobre esses
sistemas de processos-respostas. (CHRISTOFOLETTI, 1974).
No projeto em questão são propostos, dentro dos sistemas naturais que englobam uma bacia
de drenagem, os fatores externos que controlam fluxos de energia e massa dentro destes sistemas,
chamados de variáveis externas. Neste caso, a variável externa ao sistema natural seria a ação
antrópica que chega a atuar na reconfiguração das drenagens, a partir do uso do solo, causando
modificações nos ciclos hidrológicos e potencializando processos de enchentes e inundações em áreas
urbanas.
Assim, conforme preceitos de Howard (1973), temos os sistemas em geomorfologia como
inicialmente passivos em relação às atividades antrópicas, uma vez que são estes quem exercem
mudança sobre os primeiros, que por sua vez reagem a esta, intentando uma nova estabilização de seu
sistema natural. Hall e Fagen (1956 apud HOWARD, 1973), corroboram tal afirmação quando alegam
que a modificação de uma das variáveis externas usualmente provoca reajustes de todos os parâmetros
do sistema.
A abordagem da paisagem se mostra importante para a pesquisa em questão, uma vez que,
conforme aponta Dolfuss (1973), tal categoria representa o aspecto visível do espaço e define-se pelas
formas da Terra, dadas pelo meio natural ou pelas conseqüências das ações humanas no ambiente. As
paisagens são integradas pelo domínio natural, ou seja, elementos como clima, hidrografia, e pelo
domínio vivo, que se refere à biosfera, incluindo os humanos. Assim, o geógrafo, ao estudar uma
paisagem, procura estabelecer uma relação entre os elementos presentes e os domínios, com o intuito
de compreender melhor os processos que envolvem a formação da paisagem.
Ainda segundo Dolfuss (1973), outro fator importante que deve ser levado em
consideração na formação e evolução da paisagem é o fator tempo, uma vez que os elementos que
compõem a paisagem foram moldando-a com o passar do tempo e se estabeleceram em épocas
diferentes, influenciando-a de variadas maneiras.
Há de se considerar a necessidade da análise integrada da paisagem como critério que venha
subsidiar o entendimento da complexa dinâmica de funcionamento dos sistemas ambientais.
Para a efetivação das atividades da pesquisa, adotou-se a proposta de Libault (1971), no qual
são apontados quatro níveis de estruturação do processo de estudo da paisagem geográfica, sendo esses
níveis divididos em: compilatório, correlatório, semântico e normativo.
Sobre a confecção das cartas utilizadas na pesquisa, a carta de declividade foi baseada na
proposta de De Biasi (1992), que consiste em caracterizar o grau de inclinação das vertentes, sendo
delimitadas seis classes de declividade distintas, conforme a porcentagem de inclinação: inferior ou
igual a 2%, de 2,01 a 5%, de 5,01 a 12%, de 12,01 a 30% e acima de 30%. A carta de uso do solo foi
elaborada tendo como material base a leitura e interpretação do levantamento de ortofotos da área total
do município de Guarujá, em escala 1:10.000, fornecida pelo Instituto Florestal do Estado de São
Paulo, 2002. Por fim, a carta de níveis de impermeabilização do solo, elaborada em ambiente digital,
representa uma análise visual, tendo como base a carta de uso da terra, as zonas que apresentam níveis
distintos de impermeabilização, dada a intensificação do uso urbano.
Resultados e discussões
A relação homem-natureza se caracteriza por uma alta complexidade desde os primórdios da
evolução humana, principalmente a partir da revolução do Neolítico, na qual o homem passou a se
fixar no espaço através do advento de técnicas agrícolas e de pastoreio primárias. A partir desse
período, o homem deixou de usufruir a natureza apenas o necessário como forma de suprir suas
necessidades e passou a utilizá-la de maneira a desconsiderar a dinâmica natural que rege os sistemas
ambientais, deixando de ser apenas um componente da paisagem para ser um agente modificador
desta, tendo como conseqüências imediatas diversos níveis de impactos em resposta dos ciclos naturais
às intervenções antrópicas.
A urbanização então emergiu na dinâmica mundial como um significativo causador de
impactos ambientais, uma vez que seu processo ocorreu, e ainda ocorre, em diversas áreas, de forma
acelerada e desordenada, tornando-se um agravante ainda maior para os impactos antrópicos nas
dinâmicas naturais, conforme lembra Melo (1996):
“A cidade é o clímax das mudanças, visto que, quando uma cidade se constrói, em função da escala e da velocidade do processo de ocupação do solo, a interferência abrupta que provoca no processo natural, reduz as condições de renovabilidade e impede que a natureza consiga absorver tais modificações.” (MELO, 1996 apud PITTON, 2003, p.38).
Com 84,2% de sua população residindo em área urbana (IBGE, 2005), o Brasil apresenta
processo de urbanização cada vez mais acelerado, sob um modelo de urbanização que desconsidera
por completo a dinâmica de funcionamento da paisagem original, comprometendo sua dinâmica
natural.
Segundo o Instituto Polis (2001) a rápida urbanização pela qual passou a sociedade brasileira
foi uma das principais questões sociais do século XX, uma vez que em 1960 havia uma população
urbana representando 44,7% do total de habitantes e no ano 2000 este montante subiu para 81,2% da
população nacional, um salto de cerca de 31 milhões para 137 milhões de habitantes, ou seja, em cerca
de quarenta anos as cidades receberam por volta de 106 milhões de novos habitantes.
Todo esse processo de ocupação urbana vivenciado ao longo dos anos resultou em vários
problemas no espaço urbano, passando então esse espaço a apresentar um quadro ambiental crítico.
Para Brandão (2000), questões como favelização, alta densidade demográfica, poluição, saneamento
básico, circulação de veículos e inundações se relacionam entre si, e estão diretamente ligadas ao
processo acelerado de urbanização do país.
Tais dimensões e dinâmica do processo de urbanização no Brasil colocam em discussão qual a
proporção dos impactos causados por esse processo, assim como qual a abrangência dos mesmos.
Conforme ressalta Brandão (2000), na medida em que o processo de urbanização vai se
acentuando, e por sua vez passa a ocorrer um aumento da ocupação urbana, problemas associados a
drenagem, poluição, desmatamento, contenção de encostas e inundações são agravados.
Vieira e Cunha (2000) apontam que o fato do papel da natureza não ser percebido pela
sociedade, aliado a problemas como ocupação e uso desordenados da terra, erosão de encostas e
aumento das áreas impermeáveis, têm desencadeado sérias conseqüências ambientais, como
assoreamento e inundações, aumentando a suscetibilidade a desastres naturais.
Podemos então, considerar o impacto ambiental como um dos mais significativos tipos de
impacto ocasionados pelo processo de urbanização, sendo esse um importante elemento a ser
discutido, conforme ilustra Coelho (2000):
“Impacto ambiental é [...] o processo de mudanças sociais e ecológicas causado por perturbações (uma nova ocupação e/ou construção de um objeto novo: uma usina, uma estrada ou uma indústria) no ambiente. Diz respeito ainda à evolução conjunta das condições sociais e ecológicas estimulada pelos impulsos das relações entre forças externas e internas à unidade espacial e ecológica, histórica ou socialmente determinada. É a
relação entre sociedade e natureza que se transforma diferencial e dinamicamente. Os impactos ambientais são escritos no tempo e incidem diferencialmente, alterando as estruturas das classes sociais e reestruturando o espaço. (COELHO, 2000, p.24)
Coelho (2000) afirma que os problemas ambientais não atingem de forma homogênea o
espaço urbano, uma vez que os espaços ocupados pela população mais pobre são muito mais atingidos
do que os espaços ocupados pela população mais rica.
Tal distribuição se configura em função da forma de ocupação feita pela parcela da população
menos favorecida ser estabelecida em locais de maior fragilidade ambiental ou de risco, evidenciando
claramente o aspecto de segregação sócio-espacial materializado no modelo de ocupação do espaço
urbano vigente, determinado pela especulação financeira e propriedade privada. Logo, a população
mais pobre vai se instalar nas proximidades das várzeas dos rios, locais propícios a cheias, nas
proximidades de regiões de encostas, entre outras áreas menos visadas à ocupação, ficando suscetíveis
a riscos naturais como deslizamentos de terra e inundações.
Sobre a dinâmica de ocupação do município do Guarujá, a partir da década de 1950, o
intenso processo de loteamento das terras para construção de casas de segunda residência, associado a
expansão da rede rodoviária estadual desencadearam um aumento da urbanização na região,
principalmente na planície litorânea junto ao mar, de forma como mostra a seguinte citação: Assim como em toda a zona costeira, na Baixada Santista a ocupação urbana está diretamente vinculado ao processo de valorização da terra e de sua distribuição pelos diferentes segmentos da sociedade. No entanto, a configuração física regional estabelece condições específicas, favorecendo ou limitando as possibilidades de expansão urbana. (AFONSO, 200?, p. 22)
A partir dessa configuração que desenrolou-se na Baixada Santista como um todo, podemos
analisar como ocorreu o processo de uso e ocupação no município de Guarujá, assim como os fatores
que desencadearam o dinâmica territorial atual.
Segundo Rolnik (1999), o início da ocupação urbana no município de Guarujá configurou-
se na data de 1892, a partir do loteamento das primeiras quadras da Vila Balneária, pela Companhia
Balneária da Ilha de Santo Amaro. Essas quadras eram compostas de um hotel, um cassino e 50 chalés,
que tinham como público-alvo as elites do estado de São Paulo, com o objetivo de atraí-las para a
construção de casas de veraneio.
O bairro planejado, até então pertencente a Santos, já dispunha de infra-estrutura como luz,
água e esgoto, e sua organização visava uma demanda vinda de fora, nos períodos mais quentes,
propícios a utilização de casas de veraneio.
Considerando a proximidade com Santos e o fato de Guarujá ter sido por muito tempo
pertencente ao município de Santos, pode-se afirmar que Guarujá recebeu os fluxos e funções
decorrentes do transbordamento do turismo e das atividades portuárias de Santos, assim como da
população de baixa renda que buscava novas possibilidades de habitação.
Para Rolnik (1999), essas funções que Guarujá passou a exercer criaram uma dualidade em
seu território. De um lado, uma esfera de renda média-alta e alta, ligada ao turismo, dotada de infra-
estrutura e legítima. De outro lado, uma esfera irregular, de baixa renda, com possibilidade de
ocupação de terras e de chegada de infra-estrutura.
Essa dualidade foi consolidada principalmente pelo modo como o tráfego entre a ilha e
Santos ocorria. Até 1918, o sistema de balsas era a única ligação entre Guarujá e Santos. No entanto,
nesse ano foi instalado o serviço de Ferry Boat, que saía da Ponta da Praia e não do porto. Configurou-
se então um quadro caracterizado por um lado pelo Ferry Boat representando a expansão turística da
orla de Santos, ou seja, a elite, e por outro lado pelo sistema de balsas, representando o fluxo das
populações de baixa renda ligadas as atividades portuárias.
O município emancipou-se de Santos em 1934, iniciando sua administração própria,
conforme o Decreto nº 6501, de 19/06/1934. Até a década de 1940, a urbanização se restringia à praia
de Pitangueiras. No entanto, a partir dessa época foi iniciada uma expansão em direção às praias das
Astúrias e da Enseada, em função da abertura de novos loteamentos, o que proporcionou um grande
crescimento do mercado imobiliário.
Para Rolnik (1999), um fator que modificou intensamente o espaço do município foi a
construção da primeira ligação terrestre de Guarujá com o continente, a Via Piaçaguera, atual rodovia
Cônego Domenico Rangoni. Esse acesso mais rápido atraiu uma grande quantidade de compradores de
imóveis de padrão menos sofisticado, o que acabou por afastar aquela população de elevado padrão
existente até então, uma vez que esta não tinha mais exclusividade.
Assim que concretizou-se uma consolidação dessa área, as redes de transporte, infra-
estrutura e acessibilidade sofreram significativas melhora e expansão, atraindo ainda mais o mercado
imobiliário para a região. Isso trouxe algumas conseqüências em relação a configuração do espaço do
município, como mostra a seguinte citação: A partir do momento em que os mais ricos percebem a 'popularização' do local, iniciam o processo de abandono, em direção a regiões mais 'exclusivas'. Deixam pra trás uma paisagem superconstruída e deprimida do ponto de vista do mercado, iniciando o processo em outra região. Dessa forma, o litoral paulista vai sendo ocupado, resultando em uma paisagem fragmentada, repleta de espaços 'minados', tanto do ponto de vista dos espaços de exclusividade-exclusão dos ricos, quanto do ponto de vista dos espaços de precariedade-exclusão da população permanente. (ROLNIK, 1999, p. 24)
Paralelamente a essa formação, podemos observar uma outra ocupação completamente
diferente e independente da anterior. Tal ocupação configurou-se no distrito de Vicente de Carvalho, a
noroeste do município.
Segundo Rodrigues (1965), a posição geográfica de Vicente de Carvalho entre Guarujá e o
município de Santos proporcionou-lhe uma interessante dinâmica urbana.
O primeiro ponto de atracamento das barcas vindas de Santos localiza-se na zona central de Vicente de
Carvalho, o que impulsionou uma ocupação com características de bairro dormitório.
Dada essa configuração, os primeiros empreendedores do distrito tinham interesse em
oferecer possibilidades de habitação para as classes mais baixas.
Uma vez que a tentativa de loteamento por parte desses empreendedores não foi bem
sucedida, essas terras abandonadas foram invadidas pela população de baixa renda, marcando então, o
modo de ocupação determinante de Vicente de Carvalho, conforme podemos observar na citação a
seguir: Sua urbanização incipiente prende-se à maior função que desempenha – cidade dormitório –, à originalidade no processo de ocupação e expansão do espaço urbano – invasão –, ao alheiamento da administração pública e às condições sócio-econômicas da população. (RODRIGUES, 1965, p. 80)
A maior parte da população permanente do município de Guarujá está instalada no distrito
de Vicente de Carvalho, o que pode ser evidenciado na comparação da velocidade do crescimento da
população do município com a velocidade da expansão dos assentamentos no distrito.
Rolnik (1999) aponta que a ocupação do distrito ocorreu de forma desordenada e
acelerada. Os mangues foram progressivamente ocupados, sem planejamento, regulamentação ou
estudos de urbanização, fato que resultou em cenários conflitantes, representados por episódios
diversos, relacionados por exemplo, a inundações.
A análise do material cartográfico, sobretudo no que concerne a Carta de Declividade
(figura 02) e a Carta de Uso do Solo (figura 03), nos permite considerar que as zonas de planície
representadas pela baixa declividade acomodaram em grande parte a ocupação antrópica, consolidando
um intenso nível de impermeabilização a partir de construções verticais e horizontais, sendo que o
fator topográfico definido em parte pela baixa declividade intensifica o processo de uso. As vertentes
com declives entre 5 e 12% correspondem a importantes índices de ocupação onde a pressão de uso se
estabelece para área acima de 20%, controlada em parte pela variação positiva da declividade e por
estarem contidas em zona de preservação do Parque Estadual da Serra do Mar.
A análise e ponderação da Carta de Uso do Solo nos permitiu classificar níveis distintos
relacionados a impermeabilização, a Carta de Níveis de Impermeabilização (figura 04), sendo estes:
foram: alto, caracterizado em função da análise de áreas com alta e média-alta densidade de
urbanização, além das áreas portuárias; médio, caracterizado a partir de áreas com média e média-
baixa densidade de urbanização, que apresentam espaços não ocupados significativos; e por fim, baixo,
caracterizado baseado nas áreas do município com baixa e muito baixa densidade de urbanização, além
das áreas de reflorestamento, mata nativa, área desmatada e praças e parques urbanos.
Considerando a ponderação e análise conjuntas da documentação cartográfica, podemos
afirmar que o município teve sua ocupação primeiramente nas áreas planas litorâneas, mas logo a
população chegou aos morros. Isso tornou as áreas mais urbanizadas, alterando em muito os índices
de impermeabilização e levando a uma maior suscetibilidade a inundações.
Para Brandão (2000), à medida em que o processo de urbanização vai se acentuando, e por
sua vez passa a ocorrer um aumento da ocupação urbana, problemas como de drenagem, poluição,
desmatamento, movimentos de massa e inundações são agravados.
Segundo Braga (2003), tais características brasileiras fazem do processo de urbanização um problema
ambiental em si e não apenas um causador de problemas ambientais. Esse processo acaba por
modificar o clima, o relevo, a hidrografia, a vegetação, o ar e a fauna.
Assim, por mais que aja planejamento urbano, o crescimento acelerado e desordenado
ocasiona um processo de desequilíbrio ambiental, tendo como conseqüências, por exemplo, o
desequilíbrio no sistema hidrológico, uma vez que tal subsistema sintetiza a interação entre diversos
sistemas naturais.
Drew (1986) descreve o ciclo hidrológico como sendo um sistema que armazena a água,
através de águas subterrâneas e lagos, que por sua vez são ligados pelos rios. Nesse sistema ocorrem
saídas laterais, através da evapotranspiração. Assim, o autor margeia as principais áreas de abrangência
deste sistema, que mostram-se conflituosas com as políticas de ocupação.
Braga (2003) ressalta que os principais impactos ambientais da urbanização nesse sistema
consistem na desregulação do ciclo hidrológico, na poluição de mananciais, na contaminação de
aqüíferos e nas inundações. Atrelados aos impactos no sistema hidrológico estão os impactos
ambientais desencadeados no solo, como a impermeabilização e a erosão.
“O processo de urbanização e as alterações decorrentes do uso do solo, como a retirada da vegetação (que desprotege os corpos d'água e diminui a evapotranspiração e a infiltração da água) e a impermeabilização do solo (que impede a infiltração das águas pluviais), causam um dos impactos humanos mais significativos no ciclo hidrológico, principalmente sobre os processos de infiltração, armazenagem nos corpos d'água e fluxo fluvial.” (BRAGA, 2003, p.114)
As ações relacionadas à erosão em diversos níveis, poluição, construções de engenharia,
bombeamentos, desmatamentos, enfim, uma seqüência de intervenções antrópicas, refletirão de forma
negativa no funcionamento do sistema hidrológico, vindo a comprometer sua estabilidade, resultando
em impactos como aqueles relacionados a inundações.
“As enchentes urbanas vêm constituindo um dos mais importantes impactos sobre a sociedade e podem ser provocadas por uma série de fatores, como aumento da precipitação, vazão dos picos de cheia e estrangulamento das seções transversais do rio, causado pelas obras de canalização, assoreamento, aterro e lixo.”(VIEIRA e CUNHA, 2000, p.112)
Para Vieira e Cunha (2000), as enchentes urbanas são fenômenos de grande importância no
estudo ambienta. Sendo assim, a compreensão da dinâmica dos fatores responsáveis pelas enchentes e
inundações, está vinculada aos fenômenos que correspondem à dinâmica do funcionamento
hidrológico.
Segundo Canholi (2005), as inundações ocorrem devido ao fato do uso da terra, feito de modo
a priorizar a ocupação próxima às redes de drenagem, que uma vez ocupadas suas áreas de várzea,
naturalmente propícias a ocorrência de enchentes, acabam por serem suprimidas pela ocupação urbana,
acelerando os escoamentos e aumentando significativamente os picos de vazão e conseqüentes
inundações.
Para Tucci (1995), as enchentes em áreas urbanas podem ser decorrência do processo natural
do ciclo hidrológico em áreas ribeirinhas ou conseqüência da urbanização. Esses processos vão
ocorrer isoladamente ou combinados, resultando do escoamento pluvial.
Portanto, tais locais podem ser considerados áreas de risco, com impactos freqüentes para a
população instalada. Podemos citar algumas ações que favorecem tais condições:
Pouca ou nenhuma restrição quanto ao loteamento de áreas de risco de inundação;
Invasão de áreas ribeirinhas pela população de baixa renda;
Ocupação de áreas inundadas com menor freqüência, mas que quando inundam, ocasionam
prejuízos significativos.
Pode-se concluir então que tal situação está presente no município de Guarujá, fato este
que está intimamente relacionado com o histórico de ocupação do município, assim como a disposição
do terreno do município, que foi ao longo do tempo selecionando as áreas a serem ocupadas e os
diferentes usos do solo, que conseqüentemente levariam a configuração das áreas mais
impermeabilizadas e mais suscetíveis a inundações. As situações apresentadas pelo município como
ocupações irregulares nas regiões de nascente, avanço urbano sobre áreas de mangues e ocupações
com alto grau de verticalização em áreas de grande fragilidade ambiental vêm a ilustrar esta situação e
conjuntamente a análise do material cartográfico tornam interessantes uma integração dos vários
âmbitos envolvidos no cenário, visando um uso da terra e gestão urbana voltados para atender a uma
melhor qualidade de vida da população e qualidade ambiental.
Referências bibliográficas
AGÊNCIA METROPOLITANA DA BAIXADA SANTISTA. PRIMAC – Programa Regional de Identificação e Monitoramento de Áreas Críticas de Inundação, Erosões e Deslizamentos, novembro de 2002. Disponível em: <http://www.agem.sp.gov.br/projetos_pri mac.htm>. Acesso em: 6 nov. 2008. BRAGA, R. Planejamento urbano e recursos hídricos. In: BRAGA, R; CARVALHO, P. F. de (Org). Recursos hídricos e planejamento urbano e regional. Rio Claro: UNESP/IGCE, 2003. CANHOLI, A. P. Drenagem urbana e controle de enchentes. São Paulo: Oficina de Textos, 2005. CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher,1974. DE BIASI, M. Carta clinográfica : métodos de representação e sua confecção. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 6, p. 45-60, 1992. DOLFUSS, Olivier. A análise geográfica. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973.
HOWARD, A. D. Equilíbrio e dinâmica dos sistemas geomorfológicos. Notícia Geomorfológica, Campinas, v.13, n.26, p.3-20, 1973. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Banco de dados de países do IBGE 2005. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/paisesat/>. Acesso em: 6 nov. 2008. INSTITUTO POLIS. Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília, 2001. LIBAULT, A. Os quatro níveis da pesquisa geográfica. Métodos em Questão. São Paulo, n.1, p. 14, 1971. PITTON, S. E. C. A água e a cidade. In: BRAGA, R; CARVALHO, P. F. de (Org). Recursos hídricos e planejamento urbano e regional. Rio Claro: UNESP/IGCE, 2003. RODRIGUES, C. A teoria geosistêmica e sua contribuição aos estudos geográficos ambientais. Revista do Departamento de Geografia USP. São Paulo, n.14, p.69-77, 2001. ROLNIK, R. (coord). Regulação urbanística e exclusão territorial. Revista Polis. São Paulo, n.32, p 23-41, 1999. TUCCI, C. E. M. Drenagem Urbana. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1995.